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Processo n.º 770/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O arguido A. foi condenado por acórdão proferido no processo n.º 1136/11.8TAVFR, da 4.ª Vara Criminal do Porto, em 21 de maio de 2012, na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro.
O arguido recorreu desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido em 12 de setembro de 2012, julgou improcedente o recurso.
O arguido arguiu a nulidade desta decisão, o que foi indeferido por novo acórdão proferido em 10 de outubro de 2012.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC., pedindo a fiscalização da constitucionalidade da norma incita no artigo 379 al c) do C.P.P, na interpretação acolhida na decisão recorrida do artigo 97 nº 4 do C.P.P, isto é, porque razão o tribunal considera avaros na indicação de quaisquer elementos suscetíveis de mitigarem a culpa do recorrente, salientando que o arguido se remeteu ao silêncio, quando consta do relatório social junto aos autos, elemento probatório indicado para a formação da convicção do tribunal, que o arguido para além do bom enquadramento familiar de que dispõe, refere expressamente que o arguido identifica e censura a atividade de tráfico estando consciente dos danos que a mesma implica para terceiros.
Segundo o Recorrente tal facto é, na perspetiva do recorrente, mitigador da sua culpa devendo, por isso, ser tido em conta na determinação da medida da pena, e desta forma existir o dever de no acórdão, ora proferido, fundamentar porque razão o mesmo não tem qualquer valor. Tal norma, com a interpretação com que foi aplicada, viola os arts 97 nº 4 do C.P.P e 32 e 205 da C.R.P.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação.
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Constitui jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional que o recurso de constitucionalidade, reportado a determinada interpretação normativa, tem de incidir sobre o critério normativo da decisão, sobre uma regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica, não podendo destinar-se a pretender sindicar o puro ato de julgamento, enquanto ponderação casuística da singularidade própria e irrepetível do caso concreto, daquilo que representa já uma autónoma valoração ou subsunção do julgador – não existindo no nosso ordenamento jurídico-constitucional a figura do recurso de amparo de queixa constitucional para defesa de direitos fundamentais.
A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com caráter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No presente recurso pretende-se que este Tribunal fiscalize a constitucionalidade da norma incita no artigo 379 al c) do C.P.P, na interpretação acolhida na decisão recorrida do artigo 97 nº 4 do C.P.P, isto é, porque razão o tribunal considera avaros na indicação de quaisquer elementos suscetíveis de mitigarem a culpa do recorrente, salientando que o arguido se remeteu ao silêncio, quando consta do relatório social junto aos autos, elemento probatório indicado para a formação da convicção do tribunal, que o arguido para além do bom enquadramento familiar de que dispõe, refere expressamente que o arguido identifica e censura a atividade de tráfico estando consciente dos danos que a mesma implica para terceiros.
É patente que não é submetida ao controle do Tribunal Constitucional uma norma de origem interpretativa de cariz geral e abstrato, mas sim uma operação de aplicação de preceitos legais ao caso concreto, isto é uma mera atividade subsuntiva, pelo que não pode o recurso ser conhecido.
Nestes termos deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos permitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”.
O arguido reclamou desta decisão, alegando o seguinte:
“1- Do despacho de indeferimento do recurso ora interposto, decorre que o recorrente não indicou de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, designadamente, os arts 97 nº 4, 379 al c) do C.P.P e 668 do C.P.C
2- Ou seja, não explica de que forma é que a interpretação dada destes artigos colide com os arts 32 e 205 do C.R.P. Ora,
3- No fundo existiu uma falta de concisão da motivação do recurso interposto. Assim sendo, e ao contrário do referido na decisão sumária, deveria ao abrigo do disposto no número 6 do artigo 75-A da LTC o recorrente ser convidado a corrigir ou a aperfeiçoar a motivação apresentada.
4- Na verdade, dispõe o nº 5 da referida norma “Se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos no presente artigo, o juiz convidará o requerente a prestar essa indicação no prazo de 10 dias.”
5- Pelo que, atento o disposto no artigo 32 da C.R.P, onde se refere expressamente que “São asseguradas todas as garantias de defesa dos arguidos”, o facto de não se dar à recorrente a possibilidade de corrigir as deficiências na motivação apresentada, implica uma clara diminuição das suas garantias de defesa. Tanto mais que,
6- O Tribunal Constitucional decidiu, que são inconstitucionais as normas do nº 1 do artigo 420 do C.P.P, quando interpretadas no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido (Acs 193/97, 43/99 e 417/99), e sem que previamente seja feito o convite ao recorrente para aperfeiçoar as deficiências (Ac de 99.01-19, proc nº 46/98, 1ª Secção. Isto por se entender que o direito ao recurso assume expressamente a natureza de garantia constitucional de defesa (art 32, nº 1 da C.R.P)
7- Termos em que, requer seja revogada a decisão supra referida sendo o requerente convidado no prazo legal a proceder ao aperfeiçoamento da motivação apresentada, explicando de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a reclamação.
Fundamentação
O Recorrente, alegando que não indicou de forma clara e percetível o exato sentido normativo do preceito que considerava inconstitucional, por falta de concisão, pretende que se lhe dê oportunidade de proceder de novo a essa indicação.
O Recurso não foi conhecido por falta de indicação de um dos elementos previstos no artigo 75.º - A, n.º 1, da LTC, nem por deficiente explicitação dos mesmos, mas sim porque o Recorrente pediu a fiscalização de constitucionalidade não de uma norma, mas sim duma operação de aplicação de preceitos legais ao caso concreto, isto é uma mera atividade subsuntiva.
Não podendo ser esse, de acordo com o nosso regime, o objeto de um recurso de constitucionalidade, a solução só podia ser o não conhecimento do recurso, não sendo possível a utilização do convite previsto no n.º 5, do artigo 75.º - A, da LTC.
Nestes termos deve a reclamação ser indeferida.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 5 de dezembro de 2012.- João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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