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Processo n.º 324/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por acórdão de 18 de outubro de 2012, a 7.ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa, decidiu condenar a arguida A. pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 107º n.º 1 e 105º n.º 1 da Lei 15/2001 de 5 de junho, em conjugação com os artigos 30º n.º 2 e 79º do Código Penal, aplicáveis ex vi da artigo 30º alínea a) do RGIT, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período com a condição de, no prazo de 4 anos, a arguida pagar à Segurança Social o montante dos valores descontados em dívida, nos termos do artigo 14º n.º 1 da Lei 15/2001 de 5 de junho. O acórdão condenou ainda a sociedade comercial denominada B., Lda., também arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 105º n.º 1 e n.º 5, e 70º n.º 1, da Lei 15/2001 de 5 de junho, na pena de 180 dias de multa, no quantitativo global de 1.800,00 €, e ambas, a pagar ao Instituto da Segurança Social, IP, uma determinada quantia, com juros até efetivo pagamento.
Inconformadas, A. e a sociedade B., Lda., interpuseram recurso para a Relação de Lisboa.
A primeira sustentou, inter alia, que «3º - O limite de € 7.500,00 estabelecido no artigo 105º, n.º 1 do RGIT, alterado pelo artigo 113º da Lei 64-A/2008, de 31/12, também se aplica ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artigo 107º n.º 1 do RGIT; 4º - Porquanto, “...os artigos 105º e 107º do RGIT visam a proteção do mesmo bem jurídico – o erário público a que se agregam valores de verdade e lealdade por parte do cidadão contribuinte.” 5º - Sendo que “o bem jurídico-penal não é definido materialmente pela qualidade do ofendido, mas pelo interesse público que tutela...” 6º - E, nessa conformidade, as condutas praticadas pela sociedade arguida devem ser despenalizadas, em virtude de os períodos individualizados e descontínuos mencionados, no douto Acórdão recorrido, não excederam, nenhum deles, o limite de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), imposto no artigo 105º, nº 1 do RGIT; 7º - Devendo, em consequência, declarar-se a extinção do procedimento criminal contra a arguida. 8º - Ao considerar, como considerou o douto Acórdão recorrido, que a conduta da arguida no se encontra descriminalizada, o douto Acórdão recorrido violou o n.º 2 do artigo 27º da CRP.»
A sociedade B., Lda., sustentou que «3º - O limite de € 7.500,00 estabelecido no artigo 105º n.º 1 do RGIT, alterado pelo artigo 113º da Lei 64-A/2008, de 31/12, também se deveria aplicar ao crime de abuso de confiança contra a Segurança Social p. e p. no artigo 107º n.º 1, do RGIT; 4º - Porquanto, “... os artigos 105º e 107º do RGIT visam a proteção do mesmo bem jurídico - o erário público – a que se agregam valores de verdade e lealdade por parte do cidadão contribuinte.” 5º - Sendo que “o bem jurídico-penal não é definido materialmente pela qualidade do ofendido, mas pelo interesse público que tutela...” 6º - E, nessa conformidade, as condutas praticadas pela arguida devem de ser despenalizadas, em virtude de os períodos individualizados e descontínuos mencionados no douto Acórdão recorrido, no excederam, nenhum deles, o limite de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), imposto no artigo 105º, nº 1 do RGIT; 7º - Devendo, em consequência, declarar-se a extinção do procedimento criminal contra a arguida. 8º - Ao considerar, como considerou o Douto Acórdão recorrido, que a conduta da arguida não se encontra descriminalizada, o douto Acórdão recorrido violou o nº 2, do artigo 27º do C.R.P. [...] 24º - Assim, o Acórdão ora recorrido é ilegal, porquanto violou entre outras as disposições contidas nos artigos 30º, nº 2, 36º, 71º e 129º, todos do Código Penal, artigo 71º do Código de Processo Penal, artigos 33º, 14º e 105º, nº 1, ambos do RGIT, artigos 27º, n.º 2, 59º, 212º, n. º 3, 377º n.º 1 da C.R.P. e artigo n.º 1 do ETAF.»
Por acórdão proferido em 14 de março de 2012, a Relação de Lisboa decidiu no sentido do total improvimento dos recursos. Quanto à invocada despenalização da conduta em causa, a Relação entendeu aplicar a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2010, publicado no Diário da República de 23/09/2010, que fixou jurisprudência no sentido de que a exigência do montante mínimo de € 7500 euros, de que o n.º 1 do artigo 105º do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho e alterado pelo artigo 113º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro) faz depender o preenchimento do tipo legal de crime de abuso de confiança fiscal, não tem lugar em relação ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, previsto no artigo 107º n.º 1 do mesmo diploma.
2. Do acórdão que assim decidiu recorrem para o Tribunal Constitucional as arguidas A. e a sociedade B., Lda., pretendendo, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15 de novembro (LTC), ver apreciada a inconstitucionalidade «do n.º 1 do artigo 105º do RGIT, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5/6, na redação que lhe foi dada pelo artigo 113º, da Lei nº 64-A/08, de 3 1/12, na interpretação de que o regime introduzido pela nova redação não é aplicável aos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107º, nº 1, do mesmo diploma.»
O recurso foi admitido na Relação, mas no Tribunal Constitucional foi proferida a decisão sumária n.º 255/2012 através da qual o relator decidiu não conhecer do objeto do recurso. Diz a decisão:
[...] 3. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC tem caráter normativo, e visa impugnar, com fundamento em inconstitucionalidade, normas aplicadas nas decisões dos tribunais, apesar de oportunamente ter sido arguida aquela desconformidade. Ora, a verdade é que as recorrentes não suscitaram perante a Relação de Lisboa uma questão de inconstitucionalidade normativa, ao invocarem que ao decidir «que a conduta da arguida não se encontra descriminalizada, o douto Acórdão recorrido violou o nº 2, do artigo 27º do C.R.P.», pois é manifesto que o apontado vício de inconstitucionalidade se reporta diretamente à decisão e não à norma aplicada.
Acresce que a fórmula proposta ao juízo do Tribunal, no requerimento de interposição do recurso («na interpretação de que o regime introduzido pela nova redação não é aplicável aos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107º, nº 1, do mesmo diploma»), também não tem natureza normativa, pois descreve o raciocínio da decisão e não o critério normativo que ela aplica. Na verdade, a opção pela aplicação da norma constitui uma tarefa do tribunal recorrido que cabe em exclusivo no poder jurisdicional dos tribunais e é insindicável pelo Tribunal Constitucional; a este cabe unicamente verificar se a norma selecionada na decisão recorrida é ou não desconforme com a Constituição.
Mas ainda que fosse possível interpretar a petição das recorrentes no sentido de verificar se a norma aplicada é inconstitucional, também o recurso não deveria prosseguir uma vez que o Tribunal tem já jurisprudência no sentido da não desconformidade constitucional dessa norma. A título de exemplo, citam-se os Acórdãos n.º 54/2008; n.º 642/06 (DR, II série, de 20 de março de 2007); n.º 409/08 (DR, II série, de 24 de setembro de 2008); n.º 23/2009; n.º 299/2010; e n.º 10/2011 – que podem ser consultados no site do Tribunal.
4. Decide-se, por isso, não conhecer dos recursos. [...].
3. Inconformadas, as recorrentes reclamam para a Conferência, argumentando:
1- A Recorrente, melhor identificada nos autos à margem indicados, inconformada com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs recurso de constitucionalidade daquele Acórdão, ao abrigo da alínea b), do n.º1, do Artigo 70º da LTC a fim de ver apreciada a questão da inconstitucionalidade do n.º1, do Art. 105º, do RGIT (aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, na redação que lhe foi dada pelo Art. 113º, da Lei 64-A/08, de 30/12), na interpretação de que o regime introduzido pela nova redação não é aplicável aos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no Art. 107º, n.º 1 do mesmo diploma.
2- Porquanto, no entender da Recorrente, aquela interpretação, viola os mais elementares direitos da defesa da Arguida, aqui Recorrente, constitucionalmente consagrados a assegurados, designadamente nos Arts. 27º, n.º 2, 59º, 212º, n03 e 277º, n.º 1, todos da nossa Lei Fundamental.
3- Sendo que a inconstitucionalidade ora invocada, já tinha sido atempadamente suscitada pela aqui Recorrente, no Recurso que interpôs junto do Tribunal da Relação de Lisboa.
4- Sucede que, por Decisão Sumária proferida nestes autos, decidiu-se não conhecer o recurso, porquanto se entendeu que '... as Recorrentes não suscitaram perante a Relação de Lisboa uma questão de inconstitucionalidade normativa, ao invocarem que ao decidir «que a conduta da Arguida não se encontra descriminalizada, o douto Acórdão recorrido violou o n.º 2, do Art. 27.º da CR.P. », pois é manifesto que o apontado vício de inconstitucionalidade se reporta diretamente à decisão e não à norma aplicada. ' 5- Refere-se ainda na Decisão Sumária, proferida nestes autos que' ainda que fosse possível interpretar a petição das Recorrentes no sentido de verificar se a norma aplicada é inconstitucional, também o recurso não deveria prosseguir uma vez que o Tribunal tem já jurisprudência no sentido da não desconformidade constitucional dessa norma ... '.
6- Ora, salvo o devido respeito, os fundamentos adiantados pelo Senhor Juiz Conselheiro Relator, não podem colher.
7- Com efeito, a Decisão Sumária proferida nestes autos, que decidiu não conhecer o recurso interposto, viola a Lei substantiva, assim como direitos socialmente consagrados na Constituição da República Portuguesa.
8- Na verdade, a aqui Recorrente, no recurso que interpôs junto do Tribunal da Relação de Lisboa, invocou desde logo a inconstitucionalidade do Art. 105º, n.º 1, do RGIT, na redação que lhe foi dada pelo Art. 113º, da Lei n.º 64-A/08, de 31/12, que foi a norma aplicada no Douto Acórdão ora recorrido, para criminalizar a conduta da Arguida, aqui Recorrente.
9- Na verdade, quando na 8ª conclusão do recurso apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa, se refere que '... o Douto Acórdão recorrido violou o n.º 2, do Art. 27.º ' da CR.P. ', é, manifestamente evidente, que o alcance do aí afirmado, terá sempre de ser interpretado no sentido de que a inconstitucionalidade suscitada, se refere à norma que criminalizou a conduta da Arguida - in casu - o Art. 105º, n.º 1 do RGIT (na redação que lhe foi dada pelo Art. 113º da Lei 64-A/08, de 31/12).
10- Pois, aquela 8a conclusão, deverá de ser interpretada conjuntamente com as demais conclusões formuladas naquela peça processual.
11- E se assim for, facilmente se constatará, que a suscitada inconstitucionalidade, não se reporta ao Acórdão propriamente dito, mas antes à norma punitiva que conduziu à decisão proferida naquele Acórdão.
12- Aliás, veja-se a este propósito todo o teor da 8.ª conclusão, das alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa '... ao considerar, como considerou o Douto Acórdão recorrido, que a conduta da Arguida não se encontra descriminalizada, o Douto Acórdão recorrido violou o n.º 2, do Art. 27.º da CR.P.'.
13- E ainda a 10.ª conclusão daquela peça processual ' ... o dever do pagamento de impostos/contribuições e o dever de pagamento de salários, são dois deveres constitucionalmente consagrados e igual dignidade constitucional'.
14- E ainda a 16.ª conclusão da mesma peça processual '... Acresce, que a condenação da Arguida no pagamento de uma indemnização, viola o disposto no Art. 212.º, n.º 3 da CRP e Art. 1.º do ETAF'.
15- Ora, se se atender ao conjunto de todas as conclusões formuladas, no recurso que foi apresentado junto do Tribunal da Relação de Lisboa, deverá necessariamente de se concluir, que a questão da inconstitucionalidade suscitada junto do Tribunal da Relação, naquela peça processual, foi na verdade a inconstitucionalidade do n.º 1, do Art. 105º, do RGIT, Aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5/6, na redação que lhe foi dada pelo Art. 113º, da Lei 64-A/08, de 31/12, na interpretação de que o regime introduzido pela nova redação não é aplicável aos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no Art. 107º, n.º 1 do mesmo diploma, na medida em que foi esse normativo, que no Acórdão recorrido criminalizou a conduta da arguida;
16- E, em consequência, determinou a conclusão da aqui Recorrente, de que “… O Acórdão recorrido, violou o n.º 2, do Art. 27.º da CR.P. '.
17- Ora, evidentemente, que se atendermos a todo o contexto das conclusões proferidas naquela peça processual, forçosamente tem de concluir-se que a suscitada questão da inconstitucionalidade, por violação do Art. 27º da C.R.P., tem a ver com a norma que criminalizou a conduta da Arguida, aqui Recorrente, e que por conseguinte, contribuiu para a decisão proferida no Acórdão, ora recorrido, e, não o Acórdão em si, ou a interpretação da decisão proferida, conforme se refere na Decisão Sumária proferida nestes autos.
18- Ao interpretar, como se interpretou, na Decisão Sumária proferida nestes autos quanto à invocada questão da inconstitucionalidade, junto do Tribunal da Relação de Lisboa, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que peca por defeito e, em consequência, viola a Lei substantiva, nomeadamente no que se refere às regras interpretativas.
19- Porquanto, é demasiado evidente, que a questão da inconstitucionalidade suscitada, tem sobretudo de ver com a norma e não com o Acórdão recorrido, ou com a interpretação da decisão contida no mesmo.
20- Assim, e porque a suscitada questão de constitucionalidade indicada no requerimento de interposição de recurso que apresentou junto do Tribunal Constitucional, já havia sido anteriormente suscitada junto do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo dado cabal cumprimento ao ónus da prévia suscitação da questão de constitucional idade perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, tal como é exigido pelo n.º 2, do Art. 72º da L TC, deverá o presente recurso, ser conhecido, contrariamente à Decisão Sumária proferida nestes autos.
21- Por outro lado, também se discorda da Decisão Sumária proferida, na parte em que decidiu não conhecer do recurso interposto porquanto este (... Tribunal tem já jurisprudência no sentido da não desconformidade constitucional dessa norma ....
22- Em primeiro lugar, importa desde já referir que, neste tocante, nos parece que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, entendeu e bem, qual a norma, cuja inconstitucionalidade se suscitou.
23- Porquanto, até referiu que acerca da 'não desconformidade constitucional dessa norma...” já havia Jurisprudência bastante neste Tribunal.
24- E, por conseguinte, outra conclusão não se poderá extrair, que não seja a de que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, neste tocante interpretou e bem, que o que estava em causa era a questão da inconstitucionalidade de uma norma e não a do Acórdão recorrido.
25- Por último, importa referir que a circunstância de já haver Jurisprudência bastante neste Tribunal quanto à não desconformidade constitucional da norma em apreço, não é por si só fundamento, nos termos e para os efeitos da LTC e nomeadamente nos Arts. 75º e 76º, para se decidir não conhecer o recurso ou que obstaculize o conhecimento do mesmo.
26- Entendemos, por conseguinte, que à aqui Recorrente, não pode e não deve ser-lhe negado, o direito constitucionalmente consagrado, de lhe ser negada a apreciação de um recurso, pela circunstância de sobre a questão controvertida, já haver Jurisprudência bastante sobre a mesma questão.
27- Quanto muito, se o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, estiver, aliás legitimamente, de acordo com a Jurisprudência dominante acerca daquela matéria, aprecia o recurso e decide no sentido dessa Jurisprudência.
28- Agora, o que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro, não pode e não deve, é, decidir não conhecer o recurso com base na circunstância de já existir, acerca da mesma questão, abundante Jurisprudência.
29- Em face de todo o exposto, e, porque no entender da Recorrente, encontram-se preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade exigidos nos Arts. 70º, n.º 1 al. b), n.º 2, 71º, n.º 1, 72º, n.ºs. 1 e 2, 75º, 75º-A e 76º do LTC, Requer-se a V. Exas., que o presente recurso, seja conhecido e, em consequência, prossiga os seus ulteriores termos.
O representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, emitiu parecer no sentido do seu indeferimento.
4. Cumpre decidir, sem vistos.
A razão pela qual o relator decidiu não conhecer do recurso, conforme resulta da leitura da decisão sumária, na parte transcrita, residiu na circunstância de – ao contrário do que impõe o n.º 2 do artigo 72º da LTC – as recorrentes não haverem suscitado, em termos adequados, a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, além de não formularem ao Tribunal uma questão de natureza normativa.
Na verdade, explicou-se, as recorrentes não suscitaram perante a Relação de Lisboa uma questão de inconstitucionalidade normativa, quando invocaram «que o douto Acórdão recorrido violou o n.º 2, do artigo 27º do C.R.P.», por ser manifesto que o vício de inconstitucionalidade se reportaria diretamente à decisão e não à norma aplicada. A isso acresce que a fórmula proposta ao juízo do Tribunal, no requerimento de interposição do recurso («na interpretação de que o regime introduzido pela nova redação não é aplicável aos crimes de abuso de confiança contra a Segurança Social, previsto no artigo 107º, nº 1, do mesmo diploma»), também não tem natureza normativa, pois, descrevendo a decisão, não identifica o critério normativo que ela aplica.
Na reclamação, as reclamantes procuram demonstrar que quando na 8ª conclusão do recurso apresentado junto da Relação de Lisboa, se refere que '... o Douto Acórdão recorrido violou o n.º 2, do art. 27º ' da CR.P. ', seria «manifestamente evidente» que a expressão deveria ser interpretada no sentido de que a inconstitucionalidade «se refere à norma que criminalizou a conduta da Arguida - in casu - o Art. 105º, n.º 1 do RGIT (na redação que lhe foi dada pelo Art. 113º da Lei 64-A/08, de 31/12).»
Mas a verdade é que, objetivamente, não é possível interpretar a expressão ' o Douto Acórdão recorrido violou o n.º 2, do Art. 27.º ' da C.R.P.' como traduzindo a impugnação, por desconformidade constitucional, do artigo n.º 105º n.º 1 do RGIT.
O Tribunal tem, com efeito, sublinhado a necessidade de, para dar por cumprido o requisito, os recorrentes deverem identificar claramente uma norma jurídica que seria constitucionalmente desconforme por violação de determinados princípios ou normas constitucionais. Ora as recorrentes não apontaram qualquer norma como sendo violadora da Constituição, preferindo fazer uma invocação genérica de inconstitucionalidade ao acórdão recorrido, o que, nos termos já expostos, não pode ser tido como uma forma adequada de suscitar a questão.
Aqui chegados, não interessará apreciar as restantes razões que fundamentaram a decisão sumária reclamada, uma vez que já é certo que o recurso não reúne os requisitos que permitem ao Tribunal conhecer do seu objeto.
5. Decide-se, em suma, indeferir a reclamação, confirmando a Decisão Sumária n.º 255/2012.
Custas pelas reclamantes, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de julho de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.
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