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Processo n.º 180/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão:
«1. Por despacho de 21 de fevereiro de 2012, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu reclamação da não admissão do recurso interposto pelo arguido, ora recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, confirmando a decisão de 1ª instância, manteve a sua condenação na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão.
2. O arguido recorreu deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, mediante requerimento do seguinte teor:
“(…) foi condenado na 2” vara Criminal do Porto a Cinco (5) anos e dois (2) meses de prisão, pela prática de um crime de Homicídio simples tentado, p.p. pelos arts.º 22º, 23º, 131º, 132º n.º 1 e 2 al. E) CP, em cúmulo com um crime de detenção de arma proibida, p.p. pelo art.º 86º n.º 1 alin. C) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, por entender que não foi feita prova dos factos pelos quais foi condenado.
Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, o facto de ter 3 filhos menores a seu cargo, estar inserido profissional, familiar e profissionalmente, desejar ressocializar-se, deveria ser-lhe aplicada urna pena mais leve, atenuada, próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na sua execução, mostrando-se violados os art.s 70º e 71º do CP; 25º da Lei 15/93 e 32º da CRP.
Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso.
Dessa decisão, interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o mesmo sido indeferido nos termos dos art.ºs 400º n.º 1 alín. f) do CPP e art. 432º n.º1 alín b) e c) do mesmo diploma.
Ora, no caso em apreço estamos perante uma situação de uma confirmação pela Relação, de uma Decisão da primeira instância, cuja pena aplicada é inferior a 8 anos.
De acordo com os supra indicados artigos não é permitido o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nesta situação.
Todavia, de acordo com o CPP anterior tal situação era possível.
Estamos na presença do problema da aplicação da Lei no Tempo.
«Num caso de sucessão de leis penais, havendo normas mais favoráveis num e noutro dos regimes, há que comparar as consequências concretas que da aplicação de uma e outra lei resultam e aplicar de maneira completa aquela cujos resultados sejam menos gravosos para o arguido.»
Assim, analisando ambos os regimes penais, facilmente concluímos que o anterior é mais favorável ao arguido.
Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, I, 2001, p. 281, «para se determinar se uma Lei é mais favorável ao arguido do que outra, avaliam-se as consequências no seu conjunto e no caso concreto» (ponderação concreta).
Pertinentemente, Américo Taipa de Carvalho, in Sucessão de Leis Penais, 2ª ed, Coimbra Editora, 1997, p. 191, salienta que não é necessário proceder a uma avaliação concreta, quando é evidente, numa simples consideração abstracta, que uma das Leis é claramente mais favorável que a outra.
O que se verificou no caso em apreço.
Discutida na Doutrina é a questão de saber se a ponderação deve ser unitária ou diferenciada.
Ponderação unitária significa que é a Lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, que deve ser aplicada; a ponderação diferenciada, considerada a complexidade de cada uma das Leis e a relativa autonomia de cada uma das disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de cada Lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub judice, disposições de ambas as Leis (vide Taipa de Carvalho, ob. Cit., p. 192, 193).
A doutrina maioritária entende que se deverá optar pela ponderação unitária, pois, caso contrário, o Julgador estaria a criar novos regimes, e não a aplicar o mais favorável de entre os vigentes desde a prática do ilícito até à decisão, violando, desse modo, o princípio da separação de poderes.
O STJ, por Ac. de 03/11/2005, publicado no DR Série 1-A, de 19/12/2005 (Ac. nº 11/2005) decidiu que «sucedendo-se no tempo Leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada unia das Leis concorrentes».
Aliás, tal Venerando Tribunal, na motivação do Assento publicado em 17/03/1989, ao defender uma ponderação global e aplicação de uma das Leis em bloco, considerou que «não é lícito construir regi mes particulares pela conjugação de elementos de unia e outra Lei, com prejuízo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente».
Assim, deve aplicar-se o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável para o arguido, em obediência ao disposto no art. 2º, nº 4 do CP.]
Por tal motivo ao não se admitir o recurso em causa, violou-se o art.º 29º e 32º da CRP.
Por outro lado, entendemos também, salvo melhor opinião, que a interpretação e aplicação do disposto nos arts. 70º, 71º do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto, na interpretação de que «o recorrente e de condição social modesta», não se verifica suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral da medida de pena que possa ser suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de prognose mais favorável a esta, todos por violação do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso das varas Criminais do Porto, para o Tribunal da Relação do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal «a quo» não avalizou correctamente o art.º 71° do CP, não cumprindo com o princípio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade. Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma constitucional.”
3. O recurso de constitucionalidade vem interposto da decisão que indeferiu a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), do despacho que não admitiu o recurso do acórdão da Relação para o Supremo.
Na reclamação, o recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade de normas jurídicas respeitantes à admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as únicas normas que a decisão recorrida aplicou e que poderiam ser objeto de apreciação no âmbito do recurso dessa decisão. Consequentemente, desde logo por falta deste específico pressuposto, não pode conhecer-se do objeto do recurso (alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 72.º da LTC). A flagrante evidência do incumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade torna inútil a consideração de quaisquer outras questões. Nota-se, apenas, que as normas dos artigos 70.º e 71.º do Código Penal nunca podiam ser objeto do recurso interposto porque não foram aplicadas pela decisão recorrida.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objeto do recurso e condenar o recorrente nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça.»
2. O recorrente reclamou para a conferência, nos seguintes termos:
“(…) vem, reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82 (Lei Tribunal Constitucional), da Decisão Sumária de 21 de Março de 2012, que decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade por ele interposto.
O Tribunal a quo entende que “O Recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível pois se reporta à decisão que indeferiu a reclamação e não a qualquer norma em que a mesma decisão se tenha baseado.
Todavia, nesta parte, o arguido alude aos art.s 29º e 32º da CRP, por entender que a não admissão do recurso em causa configura uma violação de tais artigos.
Por outro lado, e claro que o arguido/recorrente não poderia arguir em momento anterior tal inconstitucionalidade – pela simples razão de não poder prever que a mesma se registaria em fase de Recurso!
E a interpretação que o Digno Supremo Tribunal de Justiça fez dos preceitos invocados (artigo art. 2º, nº 4 do Código Penal) que gera o vício da inconstitucionalidade que se invocou.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão a arguida/ recorrente não podia pressupor, intuir, que o Digno Supremo Tribunal de Justiça, agiria como agiu, e interpretaria as normas do Código Penal e da própria Constituição como interpretou e aplicou.
É com a prolação da Decisão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de Direito e processo Democrático, pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o Direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e ap1icação do disposto no aludido art. 2º, pelo Insigne Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir o recurso em causa constitui uma violação dos artigos 29º e 32º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso do Tribunal da Relação do Porto, para o Supremo Tribunal de Justiça.
É, pois, um vício que se regista somente na Decisão, que se pretende seja analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem a recorrente o direito a ver apreciado o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional.”
3. O Ministério Público responde nos termos seguintes:
“1º
“Pela douta Decisão Sumária n.º 153/2012, não se tomou conhecimento do objecto do recurso, porque o recorrente, durante o processo, não suscitara qualquer questão de inconstitucionalidade das normas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, faltando, pois, um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
2º
Sendo a decisão recorrida a proferida pelo Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação do despacho que, na Relação, não admitira o recurso, o momento processual próprio para suscitar a questão era, precisamente, essa reclamação.
3º
Nessa peça processual o recorrente sustenta que lhe deve ser aplicado o regime de recursos que vigorava antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sendo que, aplicando esse regime, o Acórdão da Relação era recorrível.
4º
Nunca ali é suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa, designadamente reportada ao artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, como agora, na reclamação, o recorrente pretende fazer crer.
5º
Aliás, a única referência feita àquele preceito é no seguinte contexto: “Assim, deve aplicar-se o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável para a arguida, em obediência ao disposto no artigo 2.º, n.º 4, do CP.
6º
Poderíamos ainda acrescentar que a decisão recorrida afastou expressamente a aplicação daquele artigo 2.º, considerando até, que a sua invocação não tinha sentido, no caso, por o mesmo respeitar à aplicação no tempo da lei penal substantiva.
7º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
4. O reclamante parece pretender que se considere a situação como correspondendo àquelas hipóteses em que, num entendimento funcional do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, o Tribunal tem entendido que o recurso não deve ser rejeitado por incumprimento de tal ónus quando o recorrente não tenha tido efectiva possibilidade de dar-lhe satisfação. É o que sucede, designadamente, quando o recorrente se tenha deparado com uma aplicação objectivamente inesperada ou com uma interpretação insólita da norma em causa por parte da decisão recorrida. Sucede, porém, que o despacho em causa não é desta natureza.
O recorrente foi confrontado com a não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por aplicação do novo regime dos recursos em processo penal, decorrente da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto. E reclamou dessa decisão ao abrigo do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), invocando, além do mais, o princípio de aplicação da lei penal mais favorável constante do n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal (CP). Apreciando a argumentação do recorrente, a decisão recorrida veio a considerar que “a invocação do n.º 4 do artigo 2.º do CP não tem sentido no caso. Esta norma respeita à aplicação no tempo de direito penal substantivo e rege sobre a aplicação do regime incriminatório, mais favorável e, no caso, refere-se apenas a norma de processo penal relacionada com a admissibilidade dos recursos”.
Ora, esta interpretação nada tem de surpreendente ou insólito. Corresponde à inserção sistemática e ao teor literal do preceito e enquadra-se perfeitamente na solução da questão colocada na reclamação. Efetivamente, o que se debatia era qual o regime aplicável perante a sucessão de leis processuais e não uma questão de escolha de regimes penais substantivos. Se o recorrente entendia que tal interpretação afrontava a Constituição, tinha o ónus de colocar a questão de modo inteligível e minimamente substanciada, como questão de constitucionalidade normativa, para que o órgão jurisdicional a que essa reclamação era dirigida fosse confrontado com a pretensão de recusa de aplicação da norma com tal sentido. E nada disso foi feito. Aliás, nem é sequer verdadeiro que o recorrente tenha invocado na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça o disposto nos artigos 29.º e 32.º da Constituição, como agora pretende fazer crer. Limitou-se a desenvolver a teoria da aplicação da lei penal no tempo e a pedir que fosse aplicado à admissibilidade do recurso para o Supremo “o CPP anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável para a arguida, em obediência ao disposto no art. 2.º, n.º4, do CP”.
Tanto basta para confirmar a decisão sumária.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 26 de Abril de 2012.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
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