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Proc. n.º 63/02 2ª Secção Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: A – O relatório 1 - A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art.º 70º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 12 de Dezembro de 2001, acórdão este que negou provimento aos recursos por ele interpostos do despacho interlocutório e da sentença final proferidos no processo comum n.º 349/00 que correram termos pela 1ª Secção do 3º Juízo Criminal de Lisboa, pretendendo a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas: «-Artigos 51º, n.ºs 2 a 6, 52º, n.ºs 1 a 3 da Lei n.º 21/85 de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), por violação dos artigos 47º, n.º 2, 113º, n.º 2, 220º, n.º 4, e 222º, n.º 1, da Constituição, versão de 1982; -Artigo 29º, n.º 2 da L.O.F.T.J., por violação do artigo 217º, n.º 1, da Constituição - Artigos 1º a 4º da Lei n.º 28/83, de 8 de Setembro, por violação do artigo 167º alínea g) ou, se assim se não entender, por violação das disposições conjugadas do n.º 1, alínea q) e do n.º 2 do artigo 168º e, ainda, por violação do artigo 171º, n.ºs 1 e 2 da Constituição, tudo na versão de 1982; - Artigos 77º, 96º, 98º, 99º, 101º e 102º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por violação do artigo 167º, alínea g) ou, se assim se não entender, por violação das disposições conjugadas do n° 1, alínea q) e do n.º 2 do artigo 168º, e, ainda, por violação do artigo 171º, n.ºs 1 e 2 da Constituição, tudo na versão de 1982; - Artigos 1º a 6º da Lei n.º 4/86, de 21 de Março, quando interpretados no sentido de que “contém matéria de Estatuto de Juízes” por violação dos artigos 165º, alínea c), 167º, alínea g), 171º, n.ºs 1 e 2, e, ainda, por violação do 172º, n.º 1 da Constituição, versão 1982». 2 - O acórdão recorrido julgou “improcedentes todas as arguidas inconstitucionalidades” com base na seguinte fundamentação: «2. No tocante ao que o recorrente articulou nas 1ª a 21ª conclusões do recurso interlocutório, cabe apenas dizer que o Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais (sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional), sendo que, não só em matéria de recursos mas também no tocante à resolução de conflitos de competência, os tribunais inferiores têm o expresso dever de acatamento das decisões proferidas por aquele Tribunal Superior. (cfr. art.ºs 210º, n.º 1 da C.R.P., 4º, n.º 2 da lei n.º 3/99, de 13/01, 4º, n.º 1 da Lei n.º 21/85, de 30/07, 11º, n.º 3 al. d), e 36º do C.P.P). Daqui se extrai que o recorrente não podia arguir perante um Tribunal de 1ª instância (ou mesmo nesta 2ª instância) a existência de hipotéticos vícios do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que considerou competente para julgamento do arguido, ora recorrente, os Juízos Criminais de Lisboa (cfr. fls. 273 a 286). A impugnação de tal Acórdão nunca poderia ser feita num tribunal hierarquicamente inferior, antes teria de ser atempadamente feita perante o próprio Supremo Tribunal de Justiça ou, observados os devidos pressupostos, perante o Tribunal Constitucional. Consequentemente, face ao trânsito em julgado daquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não é possível reapreciar aqui a questão da competência do tribunal “a quo”. Dito isto, não podemos deixar de acrescentar que também entendemos que a existência do foro especial previsto no art.º 12º, n.ºs 2, al. a) do C.P.P só encontra justificação quando o juiz de direito exerce efectivamente funções jurisdicionais, o que não era o caso do arguido, ora recorrente. Assim, concluímos que o tribunal “a quo”, ao indeferir a excepção invocada, não violou os artigos 9º e 16º do C.P.Penal. Ao contrário do que o recorrente articulou na 13ª conclusão extraída da motivação do recurso interposto da sentença condenatória, também concluímos que não foram violados os artigos 12º, n.º 2, als. a), e c), e n.º 3, 429º, n.º 1, nem se verifica a nulidade prevista no art.º 119º, al. a), todos do C.P.Penal. 3. No que diz respeito ao que o recorrente articulou sob as 22ª a 33ª conclusões do recurso interlocutório, constatamos que a problemática ali referida foi retomada nas onze primeiras conclusões extraídas da motivação do recurso que tem por objecto a sentença condenatória. Em síntese, podemos dizer que todas as referidas conclusões assentam na arguição de inconstitucionalidade orgânica das normas que contêm o Estatuto dos Juízes dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e instituem respectivo Conselho Superior (CSTAF). A este propósito, cabe desde logo constatar que o legislador constituinte de 1989 reconheceu, através do art.º 219º, n.º 2 da C.R.P. (actual art.º 217º, n.º 2) que a nomeação, a colocação, a transferência e a promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da acção disciplinar, competem ao respectivo conselho superior nos termos da lei. Tendo bem presente a doutrina contida no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 472/95, publicado no DR-I/A de 06/09/95, também somos levados a entender que a matéria do estatuto dos juízes, enquanto titulares de órgãos de soberania, insere-se na reserva absoluta de competência da Assembleia da República (cfr. art.º 167º, al. g) da CRP). Daí se extrai que, tratando-se de poder não delegável mediante autorização legislativa, a Lei n.º 29/83, de 08/09, não permitia ao Governo elaborar o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, através do Dec.Lei n.º 129/84, de 27/04, na parte em que este continha normas relativas ao estatuto dos respectivos juízes. Porém, certo é que a Assembleia da República, através da Lei n.º 4/86, de 21/03, veio a debruçar-se profundamente sobre aquele Estatuto e nele introduziu alterações, desta forma o reconhecendo e assumindo (veja-se também a Lei n.º 229/96, de 29/11). Assim sendo, acompanhamos a jurisprudência contida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20/01/98, de que foi relator o Exmo. Juiz Conselheiro Artur Joaquim de Faria Maurício, publicado no Apêndice do D.R. de 05/04/01, pág. 129, do qual reproduzimos o seguinte trecho: «Invoca, de seguida, o recorrente a inconstitucionalidade orgânica do DL n.º 129/94 que aprovou o ETAF por falta de credencial autorizativa bastante, vício que se comunicaria ao acórdão recorrido. Aceitando a doutrina acolhida no Acórdão do TC n.º 472/95, publicado em DR-I/A de 6/9/95, não restam dúvidas que se inseria na reserva absoluta de competência da Assembleia da República legislar em matéria de estatuto de juízes, como titulares de órgão se soberania (Art.º 167º, al. g) da CRP, na redacção dada pela 1ª revisão). Tratava-se, assim, de poder indelegável, pelo que a Lei n.º 29/83 não seria título bastante para legitimar o Governo a produzir o ETAF, na parte que conformasse o estatuto dos juízes. Omite, porém, o recorrente o facto de esse diploma ter sido 'ratificado' com emendas pela Assembleia da República, através da sua Lei n.º 4/86, de 21 de Março, introduzindo nele numerosas e profundas alterações, designadamente em matéria que se pode qualificar como respeitante ao estatuto dos juízes, como é o caso dos art.ºs 99° que regula a composição do CSTAF e 94º (que dispõe sobre as fontes de recrutamento de juízes do STA).Ora, considerando o número e sentido das alterações, não parece ousado afirmar que o ETAF veio a ser assumido, como Lei n.º 4/86, pela Assembleia da República, apagando-se, ao menos a partir de então, a inconstitucionalidade de que enfermava.». É pertinente referir, ainda, que o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se debruçar sobre matérias atinentes ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), nunca tendo posto em causa a constitucionalidade da sua instituição (v.g. Acórdão n° 129/2000, de 23/2/2000, in DR, II, de 25/10/2000). Pelo exposto, e ao contrário do que concluiu o recorrente, entendemos que o tribunal “a quo”, ao proferir as decisões recorridas, não violou o disposto nos art.ºs 165º, al. c), 167º, al. g), 171º da Constituição, versão 1982, nem o art.º 204°, da actual versão da Constituição. Também improcede a arguida falta de legitimidade do Ministério Público, porquanto, face à factualidade imputada e dada como provada na decisão sobre a matéria de facto, temos por seguro que o ofendido era, à data dos factos, um Magistrado que se encontrava no exercício das suas funções, sendo relator nos autos registados sob o n.º 42067-B do Supremo Tribunal Administrativo, no qual o arguido era requerente; Estamos, pois, perante uma circunstância que, qualificando o crime de difamação, além de agravar a moldura penal abstracta, também altera a natureza do próprio crime, o qual passa a ser público. Assim, face ao disposto nos art.ºs 132º, n.º 2, al. j), 180º, n.º 1, 184º e 188º, n.º 1, al. a), todos do C.Penal e art.ºs 48º, 49º, 50º («a contrario»), do C.P.Penal, não podemos deixar de concluir que o Ministério Público tinha legitimidade para deduzir a acusação de fls. 100 a 103. 4. Conforme se vê do teor das 12ª e 13ª conclusões extraídas da motivação do recurso da sentença condenatória, o recorrente também arguiu a nulidade desta, por omissão de pronúncia - cfr. art.ºs 374º, n.º 2 e 379º, n.º 1 als. a), e c), ambos do C.P.P. – alegando que, na contestação, suscitou a prova da verdade das imputações por ele feitas, tendo fundamento sério para, em boa fé, as reputar por verdadeiras, bem como invocou a provocação (conduta ilícita ou repreensível do ofendido). Conexa com esta problemática, considerou que a sentença recorrida não ponderou que ele actuou “na qualidade de advogado e, portanto, coberto pelas imunidades necessárias ao exercício da sua actividade”. Parece pertinente recordar que foi dado como provado que todas as frases e expressões, transcritas no artigo 5º do elenco dos factos provados, no contexto em que foram utilizadas pelo arguido no requerimento de folhas 4 e 6, no âmbito do processo do S.T.A com o n° 42067/5ª, são ofensivas da honra e consideração devidas ao participante (Juiz-Conselheiro B.), enquanto Magistrado e relator no aludido processo; Mais foi dado como provado que o arguido, então Magistrado em exercício, tinha plena consciência do carácter e alcance ofensivo das ditas frases e expressões, as quais quis proferir, conhecendo a qualidade de Magistrado e relator do participante, no referido processo; bem sabendo que dessa forma atingia o mesmo, na sua honra e consideração, enquanto Magistrado, no exercício das suas funções; não obstante, conhecia a proibição e punição da sua conduta. Tendo bem presente a factualidade dada como provada e não provada, temos por seguro inexistir qualquer causa de justificação ou dispensa de pena, tal como não pode deixar de se extrair da motivação de direito constante da sentença recorrida, a qual não merece qualquer crítica. Assim, improcedern as arguidas nulidades. Cabe acrescentar que, conforme resulta da matéria de facto dada como provada, o arguido, ora recorrente, emitiu juízos de valor que se traduziram em considerar o ofendido como sendo um juiz parcial e dependente duma hipotética “entidade patronal”, prolatando decisões que favorecem aquela e o favorecem a si próprio ( obtendo transferência para melhor lugar ou abrigando-o de “actuação de polícia politico-disciplinar do CSTAF”). Ora, da conjugação dos preceitos dos n.ºs 1 e 2, do art. 180º, bem como dos nºs 1 e 2, do art. 181º, resulta que a causa de justificação em apreço apenas é susceptível de ser aplicável à imputação dos factos ou à reprodução da correspondente imputação, sendo inaplicável quando a ofensa for levada a efeito através da formulação de juízos ofensivos da honra e consideração (cfr. Oliveira Mendes in “O Direito à Honra e a sua Tutela Penal”, Almedina, pág. 62) Por outro lado, entendemos que a formulação de opiniões ou juízos de valor ofensivos da honra e consideração devidas a um Juiz, no exercício e por causa das suas funções, nunca podem ser úteis à decisão da causa, antes são completamente estranhas à realização de interesses legítimos e, consequentemente, não são justificáveis em qualquer concebível circunstância. Mesmo quem, menosprezando a unidade do Sistema Jurídico, considere que tal ofensa poderá ser ponderada quando necessária à defesa duma causa, mesmo nesse caso limite (praticamente inimaginável num Estado de Direito) tem de convir que tal só será admissível em situações onde aquela “necessidade para a defesa da causa” se mostre inequivocamente adequada, essencial e indispensável à defesa. Daqui se extrai não ser crível que um Advogado, pautando-se pelo cumprimento das rígidas normas deontológicas que regulam a sua elevada profissão (cfr. art.ºs 76º, 78º e 87º do DL n.º 84/84, de 16/03), se permitisse, nas precisas circunstâncias inerentes ao processo em causa, emitir juízos de valor (os descritos no artigo 5º do elenco dos factos dados como provados) que atingem gravemente a honra, consideração e dignidade pessoal, profissional e funcional do ofendido/magistrado em exercício de funções. No tocante à invocada provocação, determinante da dispensa da pena prevista no n.º 2 do art.º 186º do C.Penal, entendemos que a mesma tem de consistir numa ofensa, consubstanciada em uma conduta ilícita ou repreensível, que determina um estado psicológico de ira ou descontrolo emotivo que se concentra, impulsivamente, em uma imediata reacção àquela precisa ofensa primitiva (cfr. Prof. José de Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 671). Ora, como acima se disse, não estamos perante a imputação de factos, mas sim perante opiniões ou juízos de valor ofensivos da honra e consideração devidas a um Magistrado, no exercício e por causa das suas funções e, por outro lado, temos por inquestionável que, atenta a provada factualidade, a actuação do arguido não foi impulsiva e muito menos se integrou numa imediata reacção a uma actuação do ofendido. Resta dizer que a interpretação dos artigos 180º e 181º do C.Penal, levada a efeito na sentença recorrida não ofende qualquer disposição da Constituição da República Portuguesa. Assim, não se mostram violados os art.ºs 379º, n.º 1, alínea a), por referência ao n.º 2, do art.º 374º do C.P.Penal, e a alínea c) do n.º 1 daquele artigo, nem os art.ºs 180º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 181º e 186º, n.º 2, do C. Penal, nem o art.º 208º da Constituição. x Consequentemente, improcedem todas as arguidas inconstitucionalidades e nulidades, não tendo sido inobservado qualquer requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada. VI. Decisão: - Face ao exposto, acordam em negar provimento aos interpostos recursos, mantendo as decisões recorridas. - Mais acordam em condenar o recorrente em taxa de justiça que fixam em 5 UC's, a cobrar logo que verificado o circunstancialismo definido no art.º 54º, n.º 1 da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12.». 3 - Desta decisão o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do respectivo requerimento, “para apreciação das inconstitucionalidades suscitadas durante o processo” relativas às normas acima indicadas. 4 - Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado, proferido nos mesmos autos, foi decidido que o foro competente para o julgamento do arguido (ora recorrente) eram os Juízos Criminais de Lisboa. 5 - O recorrente refuta o acórdão recorrido, quanto à resposta dada relativamente às questões de inconstitucionalidade, com base nas razões que condensou nas seguintes conclusões: «I. O ora arguido teve e tem muito orgulho na sua conduta, e quis usar do direito de ser julgado em audiência pública, nem que tivesse, como teve, de prescindir da fase de instrução e de renunciar a uma amnistia, por ser este o caminho para aceder ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pugnando pela condenação do Estado Português que lhe vem violando o direito a um tribunal independente e imparcial, sendo que no caso, instaurado por ele um processo em tribunal contra determinada entidade, o Estado Português lhe ofereceu como «juiz» do processo justamente uma pessoa que era, ao mesmo tempo, inspector dos serviços dessa entidade, parte contrária. II. Em todo o caso, a decisão recorrida aplicou várias normas cujas inconstitucionalidades e ilegalidades foram invocadas no processo. III. Com efeito, ao Recorrente não pode ser oposta a decisão proferida pelo STJ, que determinou competente para apreciar os factos constantes destes autos o Tribunal Criminal, dado que tal decisão é inexistente porquanto os artigos 51º, n.ºs 2 a 6 e 52º, n.ºs 1 a 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei nº 21/85, de 30.07) violam os artigos 47º, n.º 2, 113º, n.º 2, 220º, n.º 4 e 222º, n.º 1 da Constituição, versão de 1982 - artigos 47º, n.º 2, 110º, n.º 2, 215º, n.º 4 e 217º, n.º 1 da versão de 1997. IV. Tendo o Juiz Conselheiro relator do referido aresto sido nomeado na sequência de concurso curricular inconstitucional, a sua nomeação é nula por força do n.º 1 da alínea f) do artigo 88º do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março. V. Sendo nula, a consequência jurídica é a de que o acórdão do STJ supra referido não pode ser oposto ao ora Recorrente. VI. Como consequência, é também inconstitucional a norma do artigo 38º da LOFTJ, quando interpretada no sentido de, designadamente, poderem fazer parte do «quadro dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça» elementos cujo concurso curricular de acesso restringiu o seu universo de candidatos aos juízes da Relação que se encontravam no quarto superior da lista de antiguidades, aos procuradores-gerais adjuntos com antiguidade igual ou superior à do mais moderno dos juízes da Relação concorrente, cuja graduação no concurso não foi feita dentro da classe global de todos os juristas concorrentes, segundo o critério do mérito relativo dos todos e de cada uns, quanto à qualidade de jurista, mas segundo classes incomunicáveis, de acordo com a origem do candidato, e cuja nomeação se fez mediante uma «repartição de vagas» por «classes», e nas nomeações se atendeu ao critério da antiguidade «dentro de cada classe» - tudo por violação dos artigos 47º, n.º 2, 113º, n.º 2, 220º, n.º 4, e 222º, n.º 1, da Constituição, versão de 1982 - artigos 47º n.º 2, 110º, n.º 2, 215º, n.º 4, e 217º, n.º 1, da versão de 1997. VII. É também inconstitucional a norma do artigo 44º enquanto remete para o artigo 21º, n.º 2, da LOTJ, interpretada no sentido de poderem fazer parte do «quadro dos juízes» dos «tribunais judiciais de segunda instância» elementos que são foram submetidos «recrutamento» mediante «concurso curricular», por violação das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 2, e 220º, n.º 4, da versão de 1982, da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n.º 2, 215º, n.º 4. VIII. É também inconstitucional a norma do artigo 12º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal [CPP], interpretada no sentido de poderem fazer parte «das secções criminais das relações» elementos que foram submetidos a «recrutamento» mediante «concurso curricular», por violação das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 2, e 220º, n.º 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n.º 2, 215º, n.º 4. IX. Assim, como é também inconstitucional a norma do artigo 119º, alínea a), do CPP , interpretada no sentido de que não gera a nulidade insanável aí prevista a circunstância de poderem fazer parte do «tribunal» e intervir na decisão elementos dos tribunais judiciais de segunda instância que foram submetidos a «recrutamento» mediante «concurso curricular», por violação das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 2, e 220º, n.º 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n.º 2, 215º, n.º 4. X. Finalmente, são inconstitucionais as normas dos artigos 46º, 47º e 48º da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ]), interpretadas no sentido de «o provimento de vagas de Juiz das relações» se poder fazer sem o «concurso curricular» previsto Lei Fundamental, por violação das disposições conjugadas dos artigos 113º, n.º 2, e 220º, n.º 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n.º 2, 215º, n.º 4 XI. Ao Recorrente não pode ser oposta a existência do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, porquanto a 'criação' dessa entidade (artigos 1º a 4º da Lei n.º 28/83, de 08.09) resulta de um acto ilícito, praticado no exercício da actividade legislativa, sendo essa ilicitude decorrente da violação do artigo 167º, alínea g) da CRP. XII. Atenta a inconstitucionalidade dos artigos 1º a 4º da Lei n.º 28/83, são também inconstitucionais os artigos 1º a 6º da Lei n.º 4/86, de 21.03, não só por violação do artigo 172º, n.º 1 da Constituição, não valendo portanto como ratificação do Decreto-Lei n.º 127/84, de 27.04, XIII. mas também dos artigos 165º, alínea c), 167º, alínea g), 171º, n.ºs 1 e 2 e 172°, n.º 1 da Constituição, versão de 1982, quando interpretados no sentido de que 'contém matéria de Estatuto de Juízes' Nestes termos, requer-se sejam declaradas inconstitucionais as seguintes normas: . Artigos 51º, n.º s 2 a 6, 52º, n.º s 1 a 3, da Lei n.º 21/85 de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), por violação dos artigos 47º, n.º 2, 113º, n.º 2, 220º, n.º 4, e 222º, n.º 1 da Constituição, versão de 1982; . Artigo 29º, n.º 2 da L.O.F.T.J., por violação do artigo 217º, n.º 1 da Constituição . Artigos 1º a 4º da Lei n.º 28/83, de 8 de Setembro, por violação do artigo 167º, alínea g) ou, se assim se não entender, por violação das disposições conjugadas do n.º 1, alínea q) e do n.º 2 do artigo 168º e, ainda, por violação do artigo 171º, n.ºs 1 e 2 da Constituição, tudo na versão de 1982; . Artigos 77º, 96º, 98º, 99º, 101º e 102º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por violação do artigo 167º, alínea g), ou, se assim se não entender, por violação das disposições conjugadas do n.º 1, alínea q) e do n.º 2 do artigo 168º, e, ainda, por violação do artigo 171º, n.ºs 1 e 2 da Constituição, tudo na versão de 1982; . Artigos 1º a 6º da Lei n.º 4/86, de 21 de Março, quando interpretados no sentido de que “contém matéria de Estatuto de Juízes”, por violação dos artigos 165º, alínea c), 167º, alínea g), 171º, n.ºs 1 e 2, e, ainda, por violação do 172º, n.º 1 da Constituição, versão 1982». 6 - O Ministério Público contra-alegou, concluindo o seu discurso pelo seguinte modo: «1 - Fase à fisionomia do 'processo-pretexto' em que se insere o presente recurso de constitucionalidade - processo criminal, movido contra o arguido/recorrente pela prática de um crime de difamação agravada - carecem de qualquer vocação para serem aplicadas à dirimição do litígio as plúrimas normas estatutárias, questionadas pelo recorrente, já que - como é óbvio - da respectiva inconstitucionalidade 'orgânica' nunca poderia decorrer que os vários inteiramente processuais não seriam detentores da 'qualidade' de magistrados. 2 - A única norma que poderia ser relevante para a dirimição do caso - enquanto definidora do foro competente parta o julgamento do arguido - não foi aplicada pela Relação, já que se entendeu que tal questão estava precludida, como resultado do caso julgado formal, existente no processo, em consequência da prolação de anteriores decisões definitivas do Supremo sobre a questão da competência. 3 - Termos em que não deverá sequer conhecer-se do recurso interposto.». 7 - Notificado para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia do não conhecimento do recurso por inverificação dos seus pressupostos de admissibilidade, o recorrente nada disse. B – A fundamentação 8 - Delimitação do objecto do recurso Confrontando as alegações de recurso apresentadas no Tribunal Constitucional e o requerimento da sua interposição, constata-se que o recorrente incluiu naquele articulado diversas normas cuja inconstitucionalidade não pediu neste requerimento. É o caso dos artigos 38º e 44º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, 12º, n.º 2, alíneas a), b) e c), e 119º, alínea a), do Código de Processo Penal, e 46º, 47º e 48º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal que o objecto do recurso constitucionalidade é definido no requerimento da sua interposição, dado definir o âmbito do pedido que lhe é efectuado. Tal não impede, porém, que o recorrente não venha depois a restringi-lo, expressa ou tacitamente, como, aliás, se prevê expressamente no art. 684º, n.º 3, do CPC (aplicável ao processo constitucional por força do disposto no art. 69º da LTC). O que não pode é ser ampliado, modificado ou substituído por outro cfr., entre outros, os Acórdãos n.º 634/94, n.º 20/97 e n.º 243/97, publicados, respectivamente, no Diário da República II Série, de 31 de Janeiro de 1995, de 1 de Março de 1997 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36º vol., pp. 309 e ss.). Ora, foi exactamente esta atitude que o recorrente tomou nas alegações relativamente às normas acima identificadas. Fica assim afastado o conhecimento do grupo de normas estatutárias através de cuja alegação da sua constitucionalidade o recorrente pretendia por em causa a validade de constituição do Tribunal da Relação que interveio na prolação do acórdão recorrido. Por isso não se conhece do pedido nessa parte. 9 - Questão prévia O Ministério Público suscita a questão prévia da inverificação dos pressupostos do recurso. E fundamentando a sua posição, aduz que, afora a questão de constitucionalidade relativa à norma relativa à determinação do foro competente para o julgamento do arguido, ora recorrente, que o acórdão recorrido nem sequer teve de enfrentar por a mesma se achar precludida em consequência do caso julgado resultante de o Supremo Tribunal de Justiça já a ter previamente dirimido, todas as demais questões de inconstitucionalidade relativas “a plúrimas normas referentes ao Estatuto dos Magistrados Judiciais e ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais são perfeitamente descabidas” na perspectiva da sua aplicação pela decisão no tipo de processo que está em causa, traduzido em um processo crime em que é imputada ao recorrente a autoria de uma difamação agravada, já que “nunca seria possível inferir de uma eventual inconstitucionalidade orgânica de normas estatutárias a ausência de “qualidade de juiz” de todos os magistrados que exercem efectivamente funções, quer nos tribunais judiciais, quer nos tribunais administrativos, e aprestando-se o recorrente a pretender discutir, no âmbito de um processo criminal, todo o processo de recrutamento e selecção de juízes dos Tribunais Superiores”. Segundo resulta das suas alegações - e afora a questão já dilucidada no número anterior - o que o recorrente pretende controverter a mais é a qualidade de juízes de os julgadores que intervieram no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu serem os Juízos Criminais de Lisboa o foro competente para o julgamento criminal do arguido (ora recorrente), a qualidade de juizes conselheiros das pessoas nomeadas como tal pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entre elas se contando o magistrado ofendido pelo crime de difamação por cuja prática o arguido foi condenado na decisão recorrida e, finalmente, a qualidade de membros deste mesmo Conselho Superior das pessoas que intervieram na deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, impugnada no processo de recurso contencioso onde o recorrente praticou os factos por que veio a ser condenado. Todavia, não pode deixar de aceitar-se como sendo inteiramente pertinente a alegação do Ministério Público. Senão vejamos. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, tal como se mostra desenhado no nosso sistema de controlo normativo difuso de constitucionalidade, tem natureza instrumental relativamente às questões decididas no processo pelas decisões recorridas. O recurso de constitucionalidade apresenta-se como um simples instrumento ou meio de resolver definitivamente as questões relativas à validade constitucional das normas de cuja aplicação a decisão recorrida fez derivar a solução da controvérsia judicial, resolução aquela cometida constitucionalmente a um órgão jurisdicional específico - o Tribunal Constitucional. Deste modo, apenas tem sentido o questionamento, perante este órgão jurisdicional, da validade constitucional das normas cuja aplicação se possa projectar ou influir na decisão do fundo da questão, em termos de o tribunal recorrido, numa eventual reforma postulada pelo juízo de inconstitucionalidade, ter (dever) alterar o sentido do juízo decisório antes feito (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Tribunal, n.º 322/90, n.º 324/94 e n.º 331/98, publicados, respectivamente, no Diário da República II Série, de 15 de Março de 1991, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol. pp. 949 e Diário da República II Série, de 27 de Novembro de 1998). Tal não é, no caso sub judicio, o que se passa relativamente às normas estatutárias relativas à nomeação dos juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça e ao modo de funcionamento desse tribunal cuja conformidade com a lei Fundamental o recorrente controverte. Relembrando o contexto histórico-processual a que se refere a alegação do recorrente de inconstitucionalidade dessas normas, anota-se que o ora recorrente questionou, perante o tribunal de 1ª instância, a sua competência para o seu julgamento pelos factos por cuja prática veio a ser condenado nestes autos, pretextando que o foro competente não eram os tribunais de 1ª instância, mas sim o Tribunal da Relação, em virtude de deter a qualidade de juiz de direito. O Supremo Tribunal de Justiça decidiu, por acórdão transitado em julgado, que o foro competente para o julgamento do arguido eram os juízos criminais de Lisboa. Ora, a considerar-se ter havido uma aplicação implícita dessas normas, ela ocorreu no acórdão que foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de conhecimento do recurso que foi interposto pelo ora recorrente da decisão judicial que definiu qual era o foro competente para o seu julgamento pelos factos por cuja prática o acórdão recorrido veio agora confirmar a condenação decretada em 1ª instância. E sendo assim tem de considerar-se que essas normas foram aplicadas em decisão judicial cuja estabilidade referente aos efeitos jurídicos que a mesma constituiu ou definiu não está já em aberto juridicamente, mas antes se acha consolidada na Ordem Jurídica por virtude do seu trânsito em julgado. A questão relativa à validade constitucional das normas por aplicação das quais os juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça que intervieram no julgamento do seu recurso haviam adquirido essa qualidade de julgadores, bem como das normas relativas aos termos de funcionamento desse Supremo Tribunal teria de ser colocada nesse mesmo recurso para a decisão sobre a mesma se poder projectar na resolução da controvérsia levada perante ele. É que, por um lado, a decisão do Supremo resolvia em último grau de jurisdição essa questão da competência do foro competente para o julgamento do arguido, e, por outro lado, dizendo a questão de constitucionalidade respeito à “regularidade constitucional” da própria intervenção desse órgão judicial, sempre teria de ser o mesmo confrontado com ela, em termos de poder decidir pela possibilidade ou não da sua intervenção no julgamento do recurso. Tendo transitado em julgado o acórdão proferido pelo Supremo tem de considerar-se definitivamente resolvida a questão. Do objecto do recurso restarão para conhecimento as normas relativas à qualidade de juizes conselheiros das pessoas nomeadas como tal pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entre elas se contando o magistrado ofendido pelo crime de difamação por cuja prática o arguido foi condenado na decisão recorrida e, finalmente, a qualidade de membros deste mesmo Conselho Superior das pessoas que intervieram na deliberação que lhe aplicou a pena de aposentação compulsiva, impugnada no processo de recurso contencioso onde o recorrente praticou os factos por que veio a ser condenado. Todavia, atenta a referida natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, fácil é verificar ser absolutamente irrelevante o conhecimento da conformidade com a Lei Fundamental de tais normas, porquanto uma pronúncia deste Tribunal, nesse plano de constitucionalidade, jamais se poderia reflectir sobre o sentido da decisão. Na verdade, atento o thema da decisão recorrida a que respeitam as questões de constitucionalidade agora sob exame – “decisão sobre se foi praticado algum crime e, em caso afirmativo, sobre as respectivas consequências e a sua justa aplicação” (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2000, pp. 145) - , só as normas referentes à aquisição da qualidade de juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo (STA) por parte do ofendido no crime por cuja prática o recorrente foi condenado se apresentam, em abstracto e aparentemente, com vocação ou aptidão normativas para poder influenciar, por via de uma eventual reforma consequente da decisão de inconstitucionalidade, a decisão recorrida. Todas as demais são estranhas à conformação da decisão sobre o fundo da controvérsia resolvida pelo acórdão recorrido. E diz-se aparentemente porque, em boa verdade, nem essas têm efectiva aptidão normativa para, de forma necessária, influir na decisão da questão de fundo objecto do processo. O recorrente foi condenado, no acórdão recorrido (por confirmação do julgado de 1ª instância), pela prática de um crime de difamação agravado, p. e p. pelos artigos 180º e 184º, com referência ao artigo 132º, n.º 2, alínea h) - actual alínea j) - todos do Código Penal. A alegação do recorrente cinge-se, neste âmbito, a negar que o ofendido nesse crime - o Juiz Conselheiro B. - tenha a qualidade de juiz conselheiro. Todavia, não controverte o recorrente que esse ofendido tenha a qualidade de juiz por a haver adquirido por ingresso na respectiva carreira judicial, onde acabou por ocorrer, como uma progressão da mesma, embora em outra ordem de tribunais (os tribunais administrativos), a nomeação como juiz conselheiro do STA. Ora, tendo em conta os termos em que se encontra definido na referida alínea h) - hoje alínea j) - do n.º 2 do art.º 132º do Código Penal o elemento pessoal que agrava especialmente o respectivo tipo legal de crime por cuja prática veio o recorrente a ser condenado, falando tão só, na parte que aqui importa considerar em “facto praticado contra membro de órgão de soberania” e contra “magistrado”, é irrelevante que o ofendido não tenha a qualidade de juiz conselheiro mas apenas a de juiz. Assim sendo, nunca uma eventual pronúncia do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade das normas por aplicação das quais o ofendido nesse crime foi nomeado juiz conselheiro do STA poderá influir na decisão do fundo, por forma a que, numa eventual reforma da decisão, o tribunal a quo devesse considerar inverificada a referida qualidade pessoal integrante daquele elemento do tipo legal de crime. Deste modo se conclui que, também relativamente a estas normas, não se verifica o referido pressuposto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, pelo que não há que tomar conhecimento do mesmo. C – A decisão 10 - Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC. Lisboa, 5 de Maio de 2004 Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Paulo Mota Pinto Rui Manuel Moura Ramos
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