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Processo n.º 598/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O recorrente foi condenado, por acórdão do Tribunal de Santo Tirso (1.º Juízo Criminal), na pena única de 6 anos de prisão pela prática dos crimes de lenocínio, angariação de mão de obra ilegal, auxílio à imigração ilegal e detenção de arma de fogo ilegal. Por acórdão de 26 de outubro de 2010, o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o recurso interposto pelo recorrente da sentença condenatória. O recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Por acórdão de 28 de junho de 2012, o Supremo rejeitou o recurso, com fundamento em irrecorribilidade do acórdão da Relação.
Notificado deste acórdão, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Este recurso foi admitido por despacho proferido no Supremo Tribunal de Justiça. Porém, no Tribunal Constitucional, o relator proferiu “decisão sumária” que, na parte relevante é do seguinte teor:
“ [ …]
2. O presente recurso vem interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 5466 e segs. e como tal foi admitido pelo despacho de fls. 5491, proferido pelo relator do processo nesse Supremo Tribunal. Ora, este acórdão não fez aplicação de qualquer das normas que o recorrente identifica no requerimento de interposição do recurso, limitando-se a rejeitar o recurso por aplicação das normas do Código de Processo Penal relativas à recorribilidade das decisões das relações para o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim sendo, o recurso não pode prosseguir por ser interposto de decisão que não fez aplicação da(s) norma(s) cuja inconstitucionalidade se quer ver apreciada, como exige a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não tomar conhecimento do objeto do recurso e condenar o recorrente nas custas, com 7 UCs de taxa de justiça.”
2. O recorrente reclamou desta decisão nos termos seguintes:
«(…)
1. A Decisão de que aqui se Reclama apenas se pode dever a mero lapso. Equívoco evidente. De facto,
2. Na Decisão aqui em crise, entendeu o Exmo. Juiz Conselheiro Relator que o Recurso interposto para este Venerando Tribunal visava atacar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e assim, e porque aquele Supremo Tribunal não fez aplicação de qualquer das normas identificadas no Recurso que aqui se trouxe por se querer ver apreciada a sua constitucionalidade, não estaria cumprido o disposto no art.º 70.º-1 b) da LTC.
Ora,
3. Basta ler-se o Recurso interposto para se ver que tal não é assim. O Recurso interposto para este Tribunal Constitucional foi interposto não da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, mas na sequência da mesma.
4. É um facto que o STJ não aplicou as normas cuja inconstitucionalidade arguimos, ou cuja deficiente interpretação motivaram o Recurso que aqui trouxemos.
E não as aplicou porque se limitou a rejeitar o Recurso.
5. Ora, embora a questão da Recorribilidade para o STJ fosse em nosso entender uma questão controversa, como desde logo o dissemos (cfr. Requerimento de Recurso que se interpôs para aquele Venerando STJ), dado que a Lei 48/2007 que veio vedar agora, para casos como este, o Recurso para o STJ foi publicada e entrou em vigor já na pendência do presente processo (controvérsia que igualmente parece resultar das díspares decisões antes tomadas por aquele mesmo STJ e, bem assim, pelo Douto Despacho do Exmo Juiz Desembargador que recebeu e fez subir o mesmo Recurso),
6. Seja como for, o Recorrente conformou-se com a Decisão do STJ na parte que entendia não haver lugar a Recurso para aquele Venerando Tribunal, e não foi dela que interpôs Recurso.
7. Por isso mesmo o STJ não julgou qualquer Recurso. Limitou-se a rejeitá-lo.
E, por isso não apreciou as questões de fundo que foram colocadas.
Ora assim,
8. Ao não ter julgado o recurso por entender que o mesmo não tinha cabimento legal, a decisão do STJ mostra-se destituída de qualquer conteúdo substantivo juridico-penalmente relevante, pelo que a decisão que ficou a vigorar foi a prolatada pelo Tribunal da Relação do Porto, que confirmara a do Coletivo de Primeira Instância.
9. É, pois, dessa(s) decisão(ões) que se recorre. E que se recorre na sequência da decisão do STJ e não antes em virtude até da limitação imposta pelo disposto no art. 70º-2 da LTC.
Aliás
10. Que isto é exatamente como acabamos de dizer resulta à saciedade de uma simples leitura do recurso interposto e onde, repetidamente, vamos dizendo onde e quando arguimos as inconstitucionalidades, perante que Tribunais, quais as decisões que entendemos terem feito interpretações dos diferente preceitos legais feridas de inconstitucionalidade, e onde também, invariavelmente, dizemos que o STJ não apreciou o Recurso.
11. Importa assim entender que o Recurso interposto o foi das decisões substantivas e penalmente relevantes que de facto aplicaram as normas aqui trazidas (Ac do TRP e Ac. da primeira instância), nos termos em que estávamos em crer que tinhamos claramente deixado no nosso Requerimento de interposição de recurso.
12. Importa ainda – não sendo demais fazê-lo – repetir que o recurso interposto o foi tempestivamente, uma vez que o foi em prazo após a decisão de rejeição do STJ e atenta a controversa questão supra enunciada da admissibilidade do recurso no caso dos autos por via da sucessão legislativa da norma legal que o admite ou não.”
3. O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da reclamação deduzida no processo em epígrafe, vem dizer o seguinte:
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 451/2012, não se tomou conhecimento do objeto do recurso porque a decisão recorrida não aplicara qualquer das normas que o recorrente identificara no requerimento de interposição do recurso.
2º
Parece-nos evidente o bem fundado da decisão.
3º
Efetivamente, o recorrente após ter sido notificado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que rejeitou – por irrecorribilidade - o recurso interposto do Acórdão da Relação, em requerimento dirigido e entregue no Supremo Tribunal de Justiça, interpôs recurso para este Tribunal, por não se poder “conformar com a douta Decisão de fls….”.
4º
Evidentemente que, nestas circunstâncias, só podia ser, como foi, o Exm.º Senhor Conselheiro Relator no Supremo Tribunal de Justiça, a proferir o despacho de admissão desse recurso, para este Tribunal Constitucional.
5.º
Se o recorrente pretendia interpor recurso do Acórdão da Relação – o único que aplicou as normas identificadas como objeto do recurso, uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça ao rejeitar o recurso não as aplicou - teria de autonomizar e identificar com o mínimo de clareza, ser essa a decisão que impugnava.
6.º
Para além disso, o requerimento de interposição do recurso teria de ser dirigido e entregue na Relação do Porto, pois era ao Senhor Desembargador Relator naquela Relação, que caberia apreciar a sua admissibilidade (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).
7.º
Nada disto foi feito, parecendo-nos evidente que aquele comportamento processual do recorrente não poderá ser considerado um lapso, como afirma na reclamação.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. O recorrente não põe em causa, antes aceita, o fundamento da decisão reclamada enquanto nela se considera que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não fez aplicação das normas cuja apreciação de constitucionalidade pretende. O que sustenta é que essa não é a decisão de que quis interpor e de que deve considerar-se interposto o presente recurso. A decisão recorrida, sustenta, é o acórdão do Tribunal da Relação, o qual aplicou as normas que identifica no requerimento de interposição.
Esta pretensão não é atendível.
Seja qual for a espécie de recurso, um ónus elementar tem o recorrente, que é o de indicar a decisão que pretende impugnar. Só ele sabe que ato jurisdicional quer impedir que transite em julgado, submetendo-o à apreciação do tribunal superior (hoc sensu). É um requisito que se cumpre mediante uma declaração formal. Aliás, de cumprimento facílimo.
Ora, o requerimento de interposição do recurso foi endereçado ao Supremo Tribunal de Justiça e deduzido na sequência de acórdão desse tribunal. Não foi, no entanto, explicitado pelo recorrente que, face à decisão de rejeição do recurso, o objeto ( em sentido processual, i.e. a decisão recorrida ) do novo recurso que então interpunha – o recurso de constitucionalidade – era a decisão da Relação e não a decisão de inadmissibilidade proferida pelo Supremo, a qual consubstanciava a última pronúncia jurisdicional constante dos autos. Pelo contrário, no introito do requerimento o recorrente limitou-se a dizer que “não podendo conformar-se com a Douta Decisão de fls., vem da mesma interpor Recurso …”. Assim, não havendo indicação expressa por parte do recorrente, teria objetivamente de presumiu-se que a decisão contestada seria a decisão proferida em último lugar, porque é a isso que na prática habitual tal fórmula e modo de proceder corresponde.
Além disso, não é exato que o teor do requerimento fosse inequivocamente revelador a um destinatário normal do tipo de ato em causa que a vontade do recorrente se dirigia à impugnação do acórdão do Tribunal da Relação e não do Supremo Tribunal de Justiça. Designadamente, quando indicou os lugares do processo onde suscitara as questões de constitucionalidade, o recorrente indicou o requerimento de instrução, a contestação, a motivação de recurso perante a Relação e a motivação de recurso perante o Supremo (cfr. nºs B.2, B.3, B.4, B.59 ou até só as alegações de recurso para o Supremo (cfr. B.6 do requerimento). Perante esta referência indistinta, nada daí poderia retirar-se que pusesse de sobreaviso no sentido de que não era o acórdão do Supremo que, bem ou mal, o recorrente elegera como objeto do recurso.
Acresce que decorre do artigo 76.º, n.º 1 da LTC, que a admissão do recurso de constitucionalidade é da competência do tribunal que proferiu a decisão recorrida e que o recorrente, quando notificado do despacho de admissão proferido no Supremo Tribunal de Justiça não reagiu, aceitando tal ato, o que objetivamente indicia que pretendia impugnar a decisão do Supremo.
Assim, nenhum elemento externo da peça processual ou do seu contexto processual indiciava que a vontade processual do recorrente – que é coisa diversa de essa vontade estar em conformidade com o regime legal - era a de erigir em objeto do recurso outro ato que não o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Quem quer aproveitar a faculdade prevista pelo n.º 2 do artigo 75.º da LTC tem de atuar processualmente de modo a revelar inequivocamente essa vontade, fazendo encaminhar o processo para o juiz competente para admitir o recurso. Apresentando um requerimento sem outra especificação, presume-se que recorre da última decisão desfavorável proferida pelo tribunal a que dirige o requerimento.
Nestes termos, a reclamação tem de ser indeferida.
5. Decisão
Pelo exposto decide-se indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.
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