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Processo n.º 431/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, veio A. interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
2. Delimitando o objeto do recurso, refere o recorrente que pretende a apreciação da constitucionalidade do “artigo 381.º do CPC, quando interpretado com o sentido e alcance formulados por aquele acórdão do (…) Tribunal da Relação de Lisboa”, invocando a violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
3. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se, nomeadamente, o seguinte:
“(…) O recorrente não especifica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º, ao abrigo da qual interpõe o presente recurso, nem enuncia a concreta interpretação normativa, cuja sindicância pretende, limitando-se a identificar a disposição legal, que lhe servirá de suporte, e a remeter para o entendimento sufragado no acórdão do Tribunal da Relação, sem que, em rigor, igualmente esclareça a qual dos acórdãos proferidos se reporta.
Incumpre o recorrente, desta forma, os requisitos a que se encontra adstrito o requerimento de interposição do recurso, nomeadamente os expressamente previstos no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.
Na verdade, por força do referido preceito, tem este Tribunal entendido que sobre a parte, que pretenda questionar a constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa, impende o ónus de enunciar expressamente tal interpretação, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido interpretativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
A omissão de menção, autónoma e especificada, dos elementos assinalados supra não é, por natureza, abstratamente insuprível.
Porém, não é equacionável, in casu, facultar ao recorrente a possibilidade de suprir a analisada deficiência, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A, atenta a não verificação de pressupostos de admissibilidade do recurso, que sempre determinaria a impossibilidade de conhecimento de mérito, como melhor exporemos infra.
Na verdade, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC, só tem sentido útil quando faltam apenas meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito - carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam pressupostos de admissibilidade do recurso, que não podem ser supridos deste modo. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional n.os 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
(…) Não obstante o recorrente não mencionar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao abrigo da qual pretende interpor o presente recurso, depreende-se, pelo conteúdo do requerimento de interposição respetivo, que se quereria referir à alínea b).
Assim, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, atendendo à especificidade do concreto tipo de recurso previsto na referida alínea.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) O recorrente invoca a inconstitucionalidade de uma interpretação do artigo 381.º do Código de Processo Civil, que não enuncia, apenas referindo que tal interpretação foi utilizada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Não problematiza, porém, em nenhuma das suas peças processuais que antecederam a prolação dos acórdãos do Tribunal da Relação - e que se destinavam a apreciação por esse Tribunal - qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada ao referido artigo 381.º, incumprindo assim o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade normativa, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
O cumprimento do pressuposto de admissibilidade do recurso, agora em apreciação, pressupõe que a questão de constitucionalidade seja levantada, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria.
Exige-se, neste âmbito, uma precisa delimitação e especificação do objeto de recurso e uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido, de modo a tornar exigível que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 708/06 e 630/08, disponíveis no sítio da internet já aludido).
Nestes termos, face à circunstância de o recorrente não ter suscitado, perante o tribunal a quo, qualquer questão de constitucionalidade normativa, a propósito do artigo 381.º do Código de Processo Civil – sendo certo que igualmente nada alega, no sentido de justificar o incumprimento do ónus respetivo – ficou definitivamente prejudicada a admissibilidade de ulterior recurso que pretendesse interpor para o Tribunal Constitucional, envolvendo critério normativo extraível de tal preceito.
Pelo exposto, conclui-se pela inadmissibilidade do presente recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
4. O reclamante, para fundamentar a sua reclamação, refere que não concorda com a decisão sumária proferida, porquanto suscitou a inconstitucionalidade do artigo 381.º do Código de Processo Civil, “quando interpretado com o sentido e alcance formulados” pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, “no exato momento do seu surgimento”, ou seja, “aquando da decisão” do referido Tribunal.
Acrescenta que, “se o requerimento do recorrente oferecesse alguma dúvida, haveria aquele de ser convidado nos termos do artigo 75.º-A, n.º 5 da LTC.”
Conclui, nestes termos, pugnando pela procedência da reclamação e pela consequente prolação de acórdão que conheça do recurso apresentado.
5. A reclamada, em resposta, manifesta a sua concordância com a decisão sumária proferida, enfatizando a impertinência de qualquer convite ao aperfeiçoamento - pretendido pelo reclamante - face à não verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso.
Acrescenta que é indesmentível que o reclamante incumpriu o ónus de suscitação prévia de qualquer questão de constitucionalidade referente ao artigo 381.º do Código de Processo Civil.
Conclui, nestes termos, pela confirmação da decisão sumária reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida, consubstanciando-se sobretudo numa manifestação de discordância face ao sentido de tal decisão.
Na verdade, o reclamante – continuando a omitir a especificação de qual dos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa pretenderia interpor recurso – limita-se a afirmar, sem qualquer preocupação de argumentação demonstrativa, que cumpriu o ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade atinente à interpretação do artigo 381.º do Código de Processo Civil, insurgindo-se ainda contra o facto de não ter sido convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso.
A decisão reclamada, porém, esclarece a razão da inutilidade de prolação de qualquer convite ao aperfeiçoamento, no presente caso, e explica as exigências inerentes ao cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, deixando claro que, em nenhuma das peças processuais que antecederam a prolação dos acórdãos do Tribunal da Relação, o reclamante suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada ao artigo 381.º do Código de Processo Civil.
De facto, analisadas tais peças processuais, é incontornável a conclusão pelo incumprimento do ónus em análise.
Pelo exposto, sendo certo que a decisão reclamada merece a nossa concordância, damos por reproduzida a sua fundamentação e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III - Decisão
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 24 de julho de 2012, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
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