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Processo n.º 361/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. No Tribunal Judicial de Setúbal foi liminarmente indeferida a oposição deduzida por Construções A. Lda. à execução que lhe foi movida por B., Lda. O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 16 de fevereiro de 2012, confirmou a decisão, considerando que o executado que não tenha deduzido oposição à injunção está limitado aos fundamentos de oposição à execução previstos no artigo 814.º do Código de Processo Civil (CPC).
A executada interpôs recurso deste acórdão, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), com vista à apreciação da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (na redação emergente do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro).
Prosseguindo o processo para alegações, a recorrente concluiu nos seguintes termos:
“I. A norma do art.º814, n.º2, do CPC, ao equiparar o título executivo injunção à qual foi aposta fórmula executória a uma sentença judicial, limitando os fundamentos de oposição à execução desse título executivo àqueles previstos no n.º1 do art.º 814, e não aos fundamentos de oposição à execução comuns aos demais títulos executivos, impedindo assim a apreciação por um tribunal de todos os fundamentos de defesa, constitui uma violação da garantia de acesso ao direito e aos tribunais previsto no art.º 20.º da CRP, tornando assim inconstitucional tal norma.
II. É a mesma ademais inconstitucional por violação do princípio da reserva de juiz.”
A recorrida não alegou.
II. Fundamentos
2. O procedimento de injunção é um instrumento conferido ao credor de obrigação pecuniária emergente de contrato (obrigação de montante não superior à alçada do tribunal de comarca, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, caso em que não existe limite quantitativo), para obtenção, de modo mais célere, de um título executivo. O procedimento inicia-se com um requerimento de injunção, com o conteúdo previsto no artigo 10.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1º do Decreto-Lei nº 269/98, de 01 de setembro, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de agosto. O requerido é notificado por carta registada com aviso de receção para, em quinze dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou deduzir oposição à pretensão (artigo 12.º, n.º 1, Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro). Se deduzir oposição ao requerimento, o processo prossegue como ação declarativa. Não sendo deduzida oposição, salvo ocorrência de irregularidades formais ou inaplicabilidade do procedimento de injunção, o secretário judicial apõe no requerimento a fórmula “Este requerimento tem força executiva”. Trata-se de introdução no ordenamento de uma ‘fase desjurisdicionalizada’ visando facultar, relativamente a dívidas de montante relativamente reduzido, a possibilidade de formação de um título executivo que dê acesso à ação executiva sem passagem pelo processo declarativo.
Surgiram divergências jurisprudenciais quanto ao âmbito consentido de oposição do executado quando o título executivo seja desta espécie. Designadamente, se o executado conserva a faculdade de defender-se nos termos gerais da oposição à execução ou se apenas pode fazê-lo nos limites estabelecidos para a oposição em que o título seja uma sentença. Anteriormente ao Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, uma corrente jurisprudencial optava por esta última solução.
O legislador interveio e, após a redação conferida por este último diploma legal, o artigo 814.º do CPC passou a dispor:
“Artigo 814.º
Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença ou injunção
1 – Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior a sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.
2 – O disposto no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido.
3 – […].”
3. O Tribunal já foi chamado a apreciar a constitucionalidade da restrição do âmbito de oposição consentido ao executado nas execuções fundadas em injunção, quer anterior, quer posteriormente à disposição expressa do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (Cfr: Acórdão n.º 658/06, anteriormente à consagração expressa da solução pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro; Acórdão n.º 283/11, já no domínio da atual regime legal, mas relativamente a execuções fundadas em título formado anteriormente; Acórdão n.º 437/12 e Acórdão n.º 468/12, no domínio da atual redação do artigo 814.º do CPC).
Ponderou-se no Acórdão n.º 437/12 (para que remete o Acórdão n.º 468/12):
“9. O artigo 814.º do Código de Processo Civil, mais propriamente o seu n.º 2 (na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro), ao determinar que se aplica «… à oposição à execução fundada em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido» o previsto no número anterior, no qual se enumeram os fundamentos que podem ser utilizados pelo executado na oposição à execução fundada em ‘sentença judicial’, procede a uma equiparação entre ambos os títulos executivos – ‘sentença judicial’ e ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’ – (cfr., ainda, o artigo 816.º do Código de Processo Civil na redacção dada pelo mesmo diploma legal), limitando-se, desta forma, os fundamentos de oposição à execução também quando esta tenha por base este último título executivo.
Tal equiparação permite-nos concluir que a ‘norma’, que apenas era conseguida pela via interpretativa dos preceitos legais pertinentes, se encontra, após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, contida de forma explícita no mencionado preceito legal – artigo 814.º, n.º 2 (e, acrescente-se, reafirmada no artigo 816.º); ou seja, a‘norma’ que dantes era alcançada por via interpretativa encontra-se, agora, plasmada na letra da lei, sem que, diga-se, o regime jurídico da injunção tenha sofrido qualquer alteração, de natureza substantiva ou adjetiva,suscetível de influenciar decisivamente a solução a dar à questão.
Não há dúvida que o legislador é livre na conformação da lei, tendo em conta as situações que com ela pretende regular e os resultados que pretende alcançar; porém, não poderá nunca olvidar, no exercício da sua função legislativa, os princípios constantes da Constituição, enquanto parâmetros validadores da eficácia daquela função.
Daí que, ainda que a questão se coloque com um enfoque diverso do que se colocava anteriormente à redação ora resultante do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, se afigure que a solução a dar à questão de (in)constitucionalidade suscitada, tendo em conta o princípio da tutela judicial e efetiva, não possa ser diversa da que foi encontrada nos Acórdãos 658/2006 e 283/2011 deste Tribunal, cuja doutrina, no essencial e decisivo, é aplicável no caso ‘sub judice’.
Ora, no Acórdão n.º 658/2006, publicado no Diário da República, II Série, de 9 de janeiro, perante uma idêntica situação de limitação dos fundamentos de oposição à execução, cujo título executivo era uma ‘injunção a que havia sido oposta fórmula executória’,tão só aos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente, afirmou-se o seguinte:
(…)
“ … a característica deste título judicial impróprio, que o afasta dos restantes títulos criados por força de disposição legal, resulta, aliás, do facto de a força executiva ser conferida apenas depois de se conceder ao devedor a possibilidade de, judicialmente, discutir a causa debendi, alegada. Ou seja, no processo de injunção, o requerido tem a possibilidade de, deduzindo oposição, impedir que seja aposta força executiva à ação”.
Pode talvez dizer-se que o título executivo não é uma sentença porque o devedor optou por, no procedimento de injunção, não se opor à pretensão do requerente. Mas, seja como for, a falta de oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção não têm o condão de transformar a natureza (não sentencial) do título, tornando desnecessária, em sede de oposição à execução, a prova do direito invocado, deixando ao executado apenas a alegação e prova de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente.
Tendo presente, por um lado, que a demonstração do direito do exequente não tem o mesmo grau de certeza relativamente a todos os títulos executivos, reconhecendo-se que o título executivo que resulte da aposição da fórmula executória a um requerimento de injunção demonstra a aparência do direito substancial do exequente, mas não uma sua existência considerada certa, e, por outro lado, que a atividade do secretário judicial não representa qualquer forma de composição de litígio ou de definição dos direitos de determinado credor de obrigação pecuniária, há que evitar a “indefesa” do executado, entendendo-se por “indefesa” a privação ou limitação do direito de defesa do executado que se opõe à execução perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito.
Nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, se uma limitação interfere com um direito, restringindo-o, necessário se torna encontrar na própria Constituição fundamentação para a limitação do direito em causa como que esta se limite “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” – não podendo, por outro lado, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”.
No caso, a possibilidade de se introduzir limites ao princípio da proibição de “indefesa”, ínsito na garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, existe apenas na medida necessária à salvaguarda do interesse geral de permitir ao credor de obrigação pecuniária a obtenção, «de forma célere e simplificada», de um título executivo” (9.º § do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro), assim se alcançando o justo equilíbrio entre esse interesse e o interesse do executado de, em sede de oposição à execução, se defender através dos mecanismos previstos na parte final do n.º 1 do artigo 815.º do Código de Processo Civil (correspondente hoje ao artigo 816.º, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de março).
Ora a norma em causa, na interpretação perfilhada dos autos, segundo a qual a não oposição e a consequente aposição de fórmula executória ao requerimento de injunção determinam a não aplicação do regime da oposição à execução previsto nos artigos 813.º e segs. do Código de Processo Civil, designadamente o afastamento da oportunidade de, nos termos do atual artigo 816.º do mesmo Código, e (pela primeira vez) perante um juiz, o executado alegar “todos os fundamentos de oposição que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração”, afeta desproporcionadamente a garantia de acesso ao direito e aos tribunais, consagrada no artigo 20.º da Constituição, na sua aceção de proibição de “indefesa”.
(…).
Ponderado o que acaba de ser citado, sem deixar de notar que a ‘norma’ em análise resulta, agora, diretamente do texto da lei – artigo 814.º, n.º 2 do Código de Processo Civil – e se projeta na parte inicial do artigo 816.ºdeste diploma legal, após a alteração introduzida a ambos os preceitos legais pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, haver-se-á de concluir que apenas se justificam «… normas restritivas quando se revelem proporcionais, evidenciem uma justificação racional ou procurem garantir o adequado equilíbrio face a outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, …» (cfr. Acórdão n.º 283/2011, disponível ‘in’ www.tribunalconstitucional.pt), pelo que a ‘norma’ em apreço, na medida em que limita injustificadamente os fundamentos de oposição à execução baseada em ‘requerimento de injunção a que foi aposta fórmula executória’, padece do vício de inconstitucionalidade por violar o ‘princípio da proibição da indefesa’, enquanto aceção do direito de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º1 da Constituição.”
4. Não se vê razão para divergir deste entendimento, não sendo decisiva nenhuma das objeções que contra ele podem antever-se.
É certo que o legislador goza de ampla margem de discricionariedade na ordenação dos meios processuais e na conformação do processo civil e que ao referido entendimento poderia contrapor-se que o regime legal, na sua globalidade, concede ao requerido a oportunidade de defender-se com toda a amplitude e de fazer intervir um juiz na apreciação das razões que tivesse contra a pretensão do credor. Basta que se oponha ao requerimento de injunção, fazendo converter o procedimento em ação declarativa. Dir-se-á que, se ficam precludidos os meios que já então poderia opor ao requerente, é porque o requerido optou por não levar oportunamente a sua posição a juízo (“… desde que o procedimento de formação desse título admita oposição pelo requerido”).
Afigura-se, todavia, que esta preclusão dos meios de defesa anteriores à aposição da fórmula executória consistira num sibi imputet que é excessivo face ao regime de formação do título. O conteúdo da notificação a efetuar ao requerido no processo de injunção é legalmente determinado (artigo 13.º do Regime dos procedimentos a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01 de setembro), importando notar que esta notificação provém da entidade a que passou a competir o processamento das injunções – o Balcão Nacional de Injunções – e dela não consta qualquer referência ou advertência de que a falta de oposição do requerido determinará o acertamento definitivo da pretensão do requerente de injunção. Essa notificação apenas não permite ao requerido ignorar que, na falta de oposição, será aposta a fórmula executória no requerimento de injunção, assim se facultando ao requerente da injunção a instauração de uma ação executiva. Perante o teor da notificação, o requerido fica ciente de que está sujeito a sofrer a execução, mas não necessariamente de que o âmbito da defesa contra a pretensão do exequente, se essa hipótese se concretizar, estará limitado pela preclusão dos fundamentos que já pudesse opor-lhe no momento do requerimento de injunção. Para que exista um “processo justo” é elemento essencial do chamamento do demandado a advertência para as cominações em que incorre se dele se desinteressar (cfr. artigo 235.º, n.º 2, in fine do CPC).
E igualmente improcedente se afigura o argumento de que, por esta via, o processo de injunção fica esvaziado de efeito prático, o que vale por dizer que a limitação dos fundamentos de defesa na fase executiva seria necessária para que se atingissem os fins de proteção do credor e, reflexamente, de tutela geral da economia que se visou com o novo mecanismo. Na verdade, esse procedimento permite ao credor obter de forma expedita um título que lhe abre a via da ação executiva e que lhe permite a imediata agressão do património do devedor, sendo a citação deste diferida (cfr. artigos 812.º-C alínea b) e 812.º-F, n.º 1, do CPC). Assim, sempre se atinge o objetivo de facultar ao credor um meio expedito de passar à realização coerciva da prestação, mediante uma solução equilibrada entre os interesses concorrentes que não comporta compromisso desnecessário da defesa do executado.
5. Nestes termos e no seguimento da referida jurisprudência, o recurso merece provimento, sendo inconstitucional, por violação do artigo 20.º da Constituição, na sua acepção de “proibição da indefesa” a norma do n.º 2 do artigo 814.º do CPC (Não se vê necessidade de introduzir especificações no alcance do julgamento de inconstitucionalidade porque a norma não tem outro efeito jurídico senão aquele que se julga inconstitucional, o de limitar aos enunciados no n.º 1 do mesmo preceito legal os fundamentos de oposição à execução titulada por requerimento de injunção).
A apreciação dos demais fundamentos de inconstitucionalidade alegados pela recorrente fica prejudicada.
III - Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 814.º do Código do Processo Civil.
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade com o precedente juízo de inconstitucionalidade.
c) Sem custas.
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral (com declaração em anexo).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencida. Não acompanho o juízo de inconstitucionalidade que incide sobre a norma constante do nº 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil.
Como se depreende da fundamentação do Acórdão, fundou-se este juízo, primacialmente, na confirmação da jurisprudência já seguida pelo Tribunal nos Acórdãos nºs 658/2006, 283/2011, 437/2011 e 468/2011, jurisprudência essa que se orientou pela ideia segundo a qual seria contrária ao princípio da proibição de indefesa a norma (hoje textualmente inserta na redação do nº 2 do artigo 814.º do Código de Processo Civil) que determina a equiparação entre o requerimento de injunção e a sentença judicial quanto aos fundamentos de oposição à execução, sempre que àquele requerimento seja aposta fórmula executória por não ter o requerido deduzido oposição à referida injunção, nos termos das normas processuais aplicáveis.
No meu entendimento, o juízo de inconstitucionalidade, que se funda em violação da proibição da indefesa decorrente do princípio de processo justo, foi obtido sem que se tivesse em devida conta o peso próprio daquele outro princípio constitucional que guia as escolhas do legislador ordinário, sempre que está em causa a regulação dessas formas especiais de procedimentos céleres nas quais se inclui o procedimento de injunção. Como o Acórdão muito bem diz, é este último um instrumento especialmente pensado para assegurar a garantia do cumprimento de obrigações pecuniárias que, sendo emergentes de contrato, são também em regra de baixo montante. O procedimento de injunção não visa mais do que permitir que o credor possa, quanto a este tipo de dívidas, obter por modo mais célere um título executivo. A forma como o procedimento está regulado não deixa sem defesa o devedor: este pode sempre opor-se à pretensão constante do requerimento, caso em que continua o processo, desta feita sob a forma de ação declarativa. Só quando não haja oposição é que pode o requerimento valer como título executivo. A questão de constitucionalidade é, pois, a de saber se a CRP proíbe que, uma vez já dada ao devedor, na “fase declarativa” do procedimento, possibilidade de defesa perante o juiz (possibilidade essa que o devedor não aproveitou), não seja ao mesmo concedida, já durante a fase de execução, um segunda oportunidade de defesa.
Responder afirmativamente a esta questão com fundamento em violação do princípio da proibição da indefesa – que foi o que se fez no Acórdão, na sequência do que já tinha sido pensado pela jurisprudência anterior que o mesmo cita – é, segundo creio, entender a proibição da indefesa e o princípio do processo justo de um modo incompleto porque unilateral. O legislador ordinário está obrigado a conformar processos justos para a realização do Direito; e realizar o Direito é, também, garantir a fluidez do tráfego pela existência de meios que assegurem o cumprimento das obrigações emergentes de contrato, caso estas não sejam voluntariamente cumpridas. Função do Estado, na conformação do processo, é tanto a de assegurar a defesa do devedor quanto a satisfação do direito do credor. A meu ver, ficou por demonstrar que a norma em juízo, ao invés de realizar este equilíbrio de interesses (ao qual o Estado se encontra constitucionalmente vinculado), desprotege censuravelmente o interesse do devedor.
Maria Lúcia Amaral.
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