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Processo n.º 474/2012
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:
3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Nos termos do disposto na alínea b) desse preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objeto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o requerente imputa o vício de inconstitucionalidade ao próprio acórdão recorrido, considerando que, ao interpretar como interpretou o que se prescreve numa série de preceitos que aí vêm indicados, tal acórdão violou o disposto no artigo 32.º, n.os 1 e 2 da Constituição, e mais precisamente, os princípios do in dubio pro reo e principio das garantias de defesa do arguido em processo penal.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
Tanto basta para que se não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
“Tal conforme resulta da decisão sumária de fls. proferida pela Exmª Juíza Conselheira Relatora, decidiu ao abrigo do artigo 78-A nº 1 do C.T.C não conhecer do objeto do recurso interposto pelo aqui reclamante para este Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, e por considerar o recurso do reclamante como recurso de amparo, o Tribunal Constitucional não tinha competência para se pronunciar sobre o mesmo, pois estava em causa uma questão de constitucionalidade mas a própria decisão judicial.
Salvo o devido respeito, e sem óbice de melhor e douta opinião em contrário, considera o aqui reclamante que contrariamente ao indicado pela Exmª Juíza Conselheira Relatora e tal conforme resulta do requerimento de recurso o Reclamante suscitou e identificou no acórdão em apreço, de forma adequada e precisa, questões de inconstitucionalidade normativa, indicando inclusive a interpretação que considerou correta à luz das disposições constitucionais em apreço.
Assim
No seu requerimento de interposição de recurso e motivação relativa à sentença proferida na 1ª instância de fls., o aqui reclamante arguiu que deveria ser considerada invalida a prova utilizada por alcoolímetro em virtude de o mesmo não estar verificado e na sua sequência não deveria dar-se como provado que o recorrente conduzia o veículo automóvel com a taxa de álcool indicada na sentença e assim deveria ser absolvido da prática do crime que foi condenado, sob pena, se assim não se entendesse que a interpretação que é dada às disposições legais supra indicadas pelo Exmº Juiz “A Quo” violarem o princípio constitucional do “in dubio pro reo” consignado no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como o princípio das garantias de defesa em processo crime, consignado no artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, pelo que a sentença em apreço é assim inconstitucional.
No douto Acórdão em apreço considerou e pelas razões aí explanadas, face à interpretação realizada, improcedente a referida inconstitucionalidade.
Por considerar que tal Acórdão violou designadamente o disposto nos artigos 32º nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e mais precisamente, os princípios do “in dúbio pro reo” e princípio das garantias de defesa do arguido em processo penal, ao interpretar como interpretou, o que se prescreve nos 69º nº 1 al. a, 292º nº 1 do Código Penal e artigo 125º do Código de Processo Penal e 135º nº 3 al. a) 4 e 6 do Código da Estrada e 7º da Portaria 1556/2007 de 10 de dezembro respetivamente, impregnando estas normas de um conteúdo manifestamente inconstitucional, e, por isso, ou seja, pelo conteúdo que lhe deu e também devido àquelas interpretações, recusando a sua aplicação, o reclamante interpôs o adequado Recurso para este Tribunal.
Ora, e contrariamente ao defendido pela Exmª Juíza Relatora Conselheira deste Tribunal, considera o Reclamante, que no recurso em apreço o que está em causa são precisamente as questões de constitucionalidade normativas, face às interpretações realizadas e aplicadas nas decisões recorridas e a sua conformidade constitucional.
Deste modo e contrariamente ao entendido na decisão sumária em apreço, deve ser concebido e como aceite o recurso interposto pelo aqui reclamante, com as consequências daí decorrentes.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
“1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 422/2012, não se conheceu do recurso porque o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, imputava o vício de constitucionalidade ao próprio acórdão recorrido.
2º
Não vindo, pois, enunciada uma questão de natureza normativa, o Tribunal não era competente para dela conhecer.
3º
Na reclamação apresentada, o recorrente limita-se a reafirmar o que disse anteriormente, não impugnando os fundamentos da decisão reclamada.
4º
Sendo evidente que o recorrente não enunciou no requerimento de interposição do recurso – como não tinha suscitado durante o processo – uma questão de inconstitucionalidade normativa, a reclamação deverá ser indeferida”.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento em inidoneidade do mesmo.
Na reclamação apresentada, o reclamante contesta tal entendimento, entendendo que “[…] suscitou e identificou no Acórdão em apreço, de forma adequada e precisa, questões de inconstitucionalidade normativa, indicando inclusive a interpretação que considerou correta à luz das disposições constitucionais em apreço”.
Desde logo, é processualmente impossível a suscitação e identificação do que quer que seja pelo recorrente no próprio acórdão em apreço, porquanto a autoria do mesmo não lhe pertence.
Admitindo que possa tratar-se de um lapso e que o recorrente, ora reclamante, o que quis dizer é que suscitou e identificou questões de inconstitucionalidade normativa, de forma adequada e precisa, durante o processo, designadamente no seu requerimento de interposição de recurso e motivação relativa à sentença proferida na primeira instância, tal entendimento não tem a virtualidade de abalar o fundamento oferecido na decisão sumária ora reclamada para o não conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, a razão por que, na decisão ora reclamada, se entendeu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade não foi a de não ter sido previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, uma questão de constitucionalidade normativa, de modo a este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC. Constituindo tal exigência um pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade diferente daquele cuja não-verificação serviu de fundamento à decisão sumária, e sendo os pressupostos de admissibilidade do recurso cumulativos, dispensável se torna agora, em sede de reclamação, verificar se o recorrente, ora reclamante, porventura deu ou não cumprimento a esse pressuposto processual.
Tendo o fundamento oferecido pela decisão sumária reclamada sido o da inidoneidade do objeto do recurso, por através deste se pretender que o Tribunal apreciasse a constitucionalidade do próprio acórdão recorrido e não uma questão de constitucionalidade normativa, cabia ao reclamante, em sede de reclamação, controverter tal fundamento, demonstrando que o recurso interposto tinha por objeto uma questão de constitucionalidade normativa.
Ora, não só não logrou fazê-lo como o próprio teor da reclamação apenas vem confirmar o correto fundamento da decisão sumária, porquanto nela se imputa expressamente o vício de inconstitucionalidade ao próprio acórdão recorrido.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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