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Processo n.º 104/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. propôs no Tribunal Judicial de Guimarães ação de investigação de paternidade contra B., pretendendo que seja reconhecido que é filho do falecido C..
As Rés contestaram, alegando, além do mais, a caducidade do direito invocado pelo Autor.
Foi proferido despacho saneador que recusou a aplicação do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, quando interpretado no sentido de excluir a possibilidade de investigar a paternidade dentro do ano posterior à morte do investigado, tendo, na sequência desta recusa, julgado improcedente a exceção de caducidade.
O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional desta decisão, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC.
Apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
“Muito embora este Ministério Público tenha defendido posição inversa à que acabou por lograr vencimento, crê-se que este Tribunal Constitucional, uma vez que mantém constituição sensivelmente idêntica à que existia na altura em que foi prolatado o Acórdão 401/11, a que atrás se fez referência, tomará, nos presentes autos, posição idêntica à assumida no referido Acórdão, a que igualmente se reporta o despacho recorrido.
Assim, este Tribunal Constitucional concluirá, seguramente, por:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
b) Consequentemente, julgar procedente o recurso e determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.”
Contra-alegou o Autor, defendendo a manutenção do juízo de inconstitucionalidade emitido pela decisão recorrida e a consequente improcedência do recurso.
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Fundamentação
A decisão recorrida recusou a aplicação do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, quando interpretado no sentido de excluir a possibilidade de investigar a paternidade dentro do ano posterior à morte do investigado, tendo, na sequência desta recusa, julgado improcedente a exceção de caducidade.
O recente acórdão n.º 401/2011 do Plenário do Tribunal Constitucional (acessível em www.tribunalconstitucional.pt) decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
Conforme resulta da leitura da fundamentação da decisão recorrida, a interpretação por ela recusada reporta-se às situações em que já decorreu o prazo de 10 anos referido no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que está contida no conteúdo da norma sobre a qual recaiu o juízo de não inconstitucionalidade proferido no referido acórdão n.º 401/2011.
Assim, por aplicação da doutrina deste aresto, deve reiterar-se o juízo de não inconstitucionalidade aí proferido, julgando-se procedente o recurso.
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
b) Consequentemente julgar procedente o recurso e determinar a reforma da decisão recorrida de acordo com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- João Cura Mariano – Ana Maria Guerra Martins – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete (com declaração que junto) – Joaquim de Sousa Ribeiro (voto o Acórdão exclusivamente por aplicação do decidido no Acórdão n.º 401/2011).
DECLARAÇÃO DE VOTO
Concordo com o juízo de não inconstitucionalidade proferido pelo Acórdão n.º 401/2011. No que respeita à fundamentação do mesmo, considero, na linha da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem referida no n.º 5 do citado Acórdão, que na ponderação a realizar pelo legislador ordinário em vista da fixação de um prazo limite para a instauração de uma ação de investigação da paternidade, além do interesse público na definição das relações jurídicas, também têm de ser considerados os direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar do pretenso pai e da sua família mais próxima (pelo menos, o cônjuge e os filhos).
Com efeito, o conflito entre o interesse do investigante e os interesses do investigado e dos seus familiares não é estático, mas condicionado pelo decurso do tempo. A partir do momento em que o investigante reúne as condições legais e subjetivas – em especial, a maturidade ou o conhecimento de certos dados anteriormente desconhecidos - para exercer os seus direitos ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo, o tempo correspondente à omissão do exercício desses direitos reforça de modo crescente os aludidos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar do pretenso pai e da sua família mais próxima: quanto maior for o afastamento da data da pretensa conceção, mais acentuadamente intrusiva será a iniciativa processual do investigante na reserva da vida privada dos terceiros atingidos.
Assim, se o legislador ordinário goza de uma margem de liberdade quanto à definição do meio tendente a tutelar os interesses atendíveis de natureza pública e privada ligados à segurança jurídica, nomeadamente através da consagração de prazos de caducidade para o exercício dos direitos ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respetivo vínculo – margem essa exercida legitimamente mediante a aprovação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril -; já não parece constitucionalmente admissível que o legislador possa optar por consagrar positivamente uma solução que, protegendo em absoluto o direito ao estabelecimento da filiação, sacrifique ou ignore os direitos do pretenso pai e da sua família mais próxima que, por força do decurso do tempo, tenham adquirido uma relevância acrescida. A solução expressa a adotar pelo legislador passa necessariamente por um «justo equilíbrio» entre todos os interesses em presença, sem prejuízo da variação de importância relativa de cada um desses interesses, em razão do decurso do tempo. Acresce que a omissão de uma solução legal expressa – como parece ser a tendência detetável nos sistemas jurídicos estrangeiros próximos do sistema jurídico português (cfr. o n.º 3 do Acórdão n.º 401/2011) – não faz desaparecer o potencial conflito de direitos. Se num primeiro momento sobrelevam os direitos do investigante, com o passar dos anos ganham importância crescente o interesse público e os direitos do investigado e da sua família mais próxima.
Por ser assim, não é apenas um argumento de segurança jurídica que fundamenta o juízo de não inconstitucionalidade; a disciplina de prazos de caducidade consagrada pela Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, também faz justiça às posições jurídicas subjetivas contrapostas às do investigante.
Pedro Machete
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