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Processo n.º 665/2012
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é reclamante A. e reclamado o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem reclamar, ao abrigo do artigo 77.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), da decisão deste Tribunal de 11/05/2012 que julgou extinta a instância.
2. O recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da decisão sumária do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/12/2010 nos termos seguintes (cfr. fls. 74 e 75):
«A., com os demais sinais dos autos, face à notificação efectuada pelo ofício de 4 do corrente (Ref.ª 11320044), vem ante V. Exa. expor e requerer o seguinte.
O teor do douto Despacho ora notificado, na parte em que transcreve decisão da Relação de Coimbra, motiva de pronto o signatário à interposição do competente recurso de inconstitucionalidade contra essoutro sentenciado, formalizado no requerimento anexo.
Termos por que, de harmonia com a lei, REQUER se digne o Tribunal: A) ordenar a subida dos autos ao competente Tribunal da Relação, em ordem à devida pronúncia sobre a admissibilidade do recurso em vista;
B) decretar o judicioso adiamento da audiência de debate instrutório, até que a decisão do pendente recurso seja notificada.
A., com os demais sinais dos autos, vem, em harmonia com a lei, ante V. Exas, expor (na primeira pessoa, que é, mui legitimamente, a sua, mesmo quando judicialmente tratado como 'coisa') e requerer o seguinte.
Acabo de ser notificado do douto Despacho, datado de anteontem, do Mmo. Juiz de Instrução a quo certificando-me de que «resulta de fls. 64 do Apenso A referente ao recurso interposto pelo arguido [id est: eu], concluindo não se verificar qualquer nulidade que deva ser sanada». Portanto,
terei eu próprio de concluir que a decisão dessarte concluindo releva necessariamente, da aplicação da norma do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, explícita ou implicitamente, segundo uma interpretação insustentavelmente restritiva - desde logo da noção de 'sentença', ínsita na segunda frase desse período -, rectius: segundo uma dimensão herrnenêutica materialmente inconstitucional, aliás a dois títulos convergentes:
por violação das «garantias de defesa» consagradas no n.º 1 do artigo 32. o da Constituição, expressamente invocado. in limine. no requerimento de abertura da instrução, autuado em 12 de Março do ano transacto: e, mais concretamente,
ii) por violação da garantia fundamental do processo equitativo estatuída no n.º 4 do artigo 20.º também da Constituição vigente, que, no plano legal, se densifica por via quer do artigo 6.º, al. c) do n.º 3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, quer do artigo 14.º, al. d) do n.º 3, do Pacto Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos Civis e Políticos, normas estas expressamente invocadas nas minhas alegações do recurso em causa (in 3. iv),
3) mas, evidentemente, indicia outrossim. a decisão (de teor integral desconhecido) agora aqui impugnada, o mesmo ror de inconstitucionalidades normativas - por arguida violação, simul, já então da garantia do processo equitativo e, mormente, do princípio basilar da dignidade da pessoa humana - indicadas, justamente, na mesma peça processual (in III.6-7), autuada em 18 de Outubro último.
Termos por que, ao abrigo da alo b) do n.º 1 do art, 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, interponho contra a decisão sub judicio o competente recurso de constitucionalidade.
3. O Tribunal da Relação de Coimbra, em 11/05/2011, proferiu despacho de admissão do recurso para este Tribunal com o seguinte fundamento (cfr. fls. 81):
«(…)Visto o disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. b) do CPP, digo, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, admito o recurso interposto a fls. 74 para o Tribunal Constitucional.
O recurso sobe de imediato, em separado e tem efeito suspensivo do processo.»
4. A então Conselheira Relatora neste Tribunal proferiu, em 11/04/2012, despacho de notificação do defensor do recorrente «para que venha dizer, no prazo de dez dias, se subscreve e ratifica o processado, sob pena de, nada dizendo, ficar sem efeito o recurso de constitucionalidade» (cfr. fls. 101).
5. Aberta a conclusão após o decurso do prazo foi proferida pela mesma Conselheira Relatora, em 11/05/2012, decisão que julgou extinta a instância, com o seguinte teor (cfr. fls. 103)
«Tendo-se verificado que o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade se encontra subscrito pela própria parte (e não pela defensora nomeada nos autos), determinou-se, através do despacho de fls. 101, datado de 11.4.2012, a notificação do defensor para que viesse dizer, no prazo de dez dias, se subscreve e ratifica o processado, informando-se que, nada dizendo, o recurso de constitucionalidade ficaria sem efeito.
Aberta conclusão após o decurso do prazo, verifica-se que não foi dado cumprimento ao consignado no despacho de fls. 101.
Assim, ficando sem efeito o recurso de constitucionalidade, julgo extinta a instância, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º- B da Lei do Tribunal Constitucional.»
6. A decisão foi notificada à advogada do recorrente por carta datada de 14/05/2012, pelo que esta se presume notificada em 17/05/2012.
7. O recorrente apresentou posteriormente, por si, junto do Tribunal de 1.ª Instância, reclamação datada de 3/09/2012, com o seguinte teor (cfr. fls. 117 a 119):
«RECLAMAÇÃO
(Artigo 77.º da Lei do Tribunal Constitucional)
(…)
São as seguintes as ponderosas razões de jure por que o acto impugnativo sub judice não pode senão proceder:
I. Questão prévia: tempestividade do presente acto
1. Em 12 de Julho transacto fui notificado, efectivamente, quer do Despacho do Mmo. Juiz de Instrução Criminal de Águeda no processo em referência, certificando que a «decisão proferida no recurso [de inconstitucionalidade] por mim interposto em 5 de Maio do ano passado nestes autos de processo penal] foi notificada aos intervenientes que aquele tribunal [ad quem, o da Relação de Coimbra] entendeu» (Doc. 1), assim como do Despacho de arquivamento do Inquérito n.º 7/l1.4TRCBR da Procuradoria-Geral Distrital de Coimbra, atestando que tal recurso «foi dado sem efeito por a defensora nomeada não ter ratificado o processado») (Doc. 2), nenhuma outra notificação tendo sido feita; nem antes nem depois, à minha pessoa sobre essa questão decidenda. Portanto,
2. resulta perfeitamente dar o que a apresentação deste acto impugnativo no dia de hoje (logo após o termo das férias judiciais) respeita por inteiro o prazo estabelecido no artigo 153.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69.º da Lei do Tribunal Constitucional (“LTC”).
II. Questão emergente: ilicitude do Despacho reclamado
3. O n.º 2 do artigo 76.º da LTC, é outrossim perfeitamente inequívoco: o requerimento de interposição de recurso de inconstitucionalidade só pode ser indeferido em cinco casos contados:
i) quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.º A da mesma Lei, o que não se verifica, patentemente, in casu: cfr. requerimento indeferido;
ii) quando a decisão não admita recurso, o que tampouco sucede: ditto, em fecho (interposto «ao abrigo da al. b) do n. º 1 do artigo 70.º» da LTC). Ademais, quanto à previsão no n.º 3, in fine, do artigo 70.º da LTC expressamente invocado, resulta logo do item 1) do requerimento de interposição que este recurso trata de impugnar a decisão através da qual «o TR de Coimbra já se pronunciou sobre a questão suscitada pelo arguido (…)», aresto, portanto, que lhe veio a posteriori notificado como definitivo;
iii) quando o recurso haja sido interposto fora de prazo, o que já se viu não ser o caso (supra, 2);
iv) quando o requerente careça de legitimidade, o que também se não verifica, antes pelo contrário: está fora de questão ser, in concreto, o Recorrente em acção a pessoa de quem, in abstracto, o comando conjugado da al. b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC afirma que «pode recorrer» para o Tribunal Constitucional;
v) quando o recurso for manifestamente infundado, o que é absolutamente inverificável, porquanto o fundamento do recurso em pendência radica, justamente, na aplicação pelo Tribunal da Relação a quo de determinada norma jusprocessual penal segundo uma dimensão hermenêutica materialmente inconstitucional por ofensa ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana, em curso de violação das amplas garantias de defesa do acusado em processo-crime constitucionalmente estatuídas, mais específica e concretamente, do direito fundamental análogo aos taxativamente constitucionais (artigos 17.º e 18.º da Constituição) consagrado quer no artigo 6.º da Convenção de Roma quer no artigo 14. o do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, na sua decisão de referência UN-COPR/C/D/1123/2002, qualifica (in 7.3) como «uma pedra angular da justiça»: o direito do acusado a assegurar a sua própria defesa. Ora,
4. conforme já aqui acima exposto, o despacho (não notificado directamente ao próprio Recorrente) de não admissão do recurso de constitucionalidade em pauta resultou tão-só do facto (ilícito!) de a 'defensora' nomeada não ter ratificado o processado, ou seja: afirma-se como um acto nulo ipso jure (artigo 3.º, n.º 3, da Constituição), por via de manifesta desatenção à eficácia directa dos direitos fundamentais pelo «poder judicial» em acção,
5. porquanto, como é geral e, aliás, obrigatoriamente sabido, os «actos jurisdicionais dos tribunais não poderão ser considerados como actos definitivos de caso julgado se deles resultar, de forma autónoma, a violação de direitos fundamentais» (J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., Coirnbra, Almedina, 1986, p. 465). Portanto,
6. ter-se-á de. conclui, irrefragavelmente, que nenhum fundamento assistiu ao Mmo. Desembargador- Relator no Alto Tribunal a quo para não deferir liminarmente ao pendente recurso,
7. o qual, por consequência, deverá ser competentemente admitido agora por esse ainda mais Alto Tribunal, que, fazendo no caso a justiça que falta, revogará o de resto douto Despacho sob reclamação, com todos os devidos e legais efeitos. (…).»
8. Este requerimento foi remetido ao Tribunal Constitucional, por despacho do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2012, com o seguinte teor (cfr. fls. 135):
«Remeta os autos ao Tribunal visto ser-lhe dirigida a reclamação de fls. 117 e ss.»
9. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu pela intempestividade da reclamação, nos termos seguintes (cfr. fls. 147):
«A decisão proferida em 11 de Maio de 2012 pela Exma. Conselheira Relatora transitou em julgado (fls. 103), sendo, pois, intempestiva qualquer reclamação apresentada pelo reclamante que seja posterior aquele trânsito».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
10. O recorrente e ora reclamante, no seu requerimento de fls. 117 a 119, reclama para o Tribunal Constitucional da decisão deste Tribunal de 11/05/2012 que julgou extinta a instância, invocando como base jurídica o artigo 77.º da LTC.
11. Tendo a decisão deste Tribunal de 11/05/2012 sido proferida nos termos do artigo 78.º-B da LTC, deve entender-se que a reclamação do recorrente é apresentada ao abrigo do disposto no n.º 2 da mesma disposição, configurando uma reclamação para a conferência daquela decisão.
12. Não obstante, verifica-se que quer à data da apresentação do requerimento junto do Tribunal de 1.ª Instância, quer à data do despacho de remissão do mesmo para este Tribunal, a decisão deste Tribunal de 11/05/2012 já havia transitado em julgado, tendo em conta o disposto nos artigos 153.º, n.º 1, 144.º e 145.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
13. Termos em que a reclamação apresentada pelo recorrente deve ser considerada intempestiva.
III – Decisão
14. Pelo exposto, decide-se não conhecer da presente reclamação.
Custas pelo recorrente e ora reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC, nos termos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro.
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- Maria José Rangel de Mesquita –Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
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