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Processo n.º 466/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do 2.º Juízo Cível de Loulé, veio A. interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
Inconformada com o despacho de indeferimento proferido no Tribunal a quo, apresentou a presente reclamação.
2. A aqui reclamante deduziu oposição à penhora, no âmbito de execução em que figura como executada.
Por despacho de 21 de outubro de 2011, o Tribunal a quo recusou o recebimento do articulado de oposição à penhora, nos seguintes termos:
“A. deduziu oposição à penhora no âmbito da execução intentada pelo B. ( Portugal) S.A..
A título de taxa de justiça apenas comprovou o pagamento de € 38,25.
Sucede que, por força do estatuído no art.º nº 1 e 7º nº 3 do Regulamento das Custas Judiciais e tabela II anexa ao mesmo, tal valor é inferior ao devido de 3 UC o que equivale, por força do estatuído no art. 150-A nº 2 do C.P.C., a falta de junção.
Prescreve o artigo 474º al. f) do Código de Processo Civil que a omissão do pagamento prévio da taxa de justiça acarreta recusa da peça pela secretaria.
Não tendo a mesma sido rejeitada, verificando-se, agora, tal falta de pagamento, importa determinar a recusa de recebimento da petição inicial, ao abrigo do disposto no artº 166º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Por todo o exposto, ao abrigo dos citados preceitos legais, recuso o recebimento da oposição à penhora.
Notifique.”
A reclamante apresentou “reclamação da recusa de recebimento”, defendendo que deveria ter sido notificada para, nos termos do artigo 486.º-A, n.º 3, do Código de Processo Civil, efetuar o pagamento omitido, em dez dias, só sendo admissível o desentranhamento da oposição, ao abrigo do n.º 6 do referido artigo 486.º, após o decurso do assinalado prazo sem a prática do ato. Com estes fundamentos, conclui peticionando a revogação do despacho posto em crise e a sua substituição por outro, que ordene a notificação para comprovar nos autos a autoliquidação do remanescente da taxa de justiça inicial em falta.
Em 23 de novembro de 2011, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Requerimento que antecede: por não ter sido cometida qualquer nulidade não se altera o despacho sobre que versa o requerimento em análise.
Assim nada mais há que decidir para além do que já consta no despacho judicial de 21/10/2011.
Notifique.”
Notificada de tal despacho, a reclamante veio juntar nova peça processual, onde analisa a fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 434/2011, concluindo que as razões, que estão na base do juízo de inconstitucionalidade formulado no referido acórdão, são aplicáveis ao disposto nos artigos 474.º, n.º 1, alínea f) e 447.º-A, ambos do Código de Processo Civil, devendo ser recusada a aplicação destas disposições, na parte em que das mesmas resulta “a recusa do recebimento da petição inicial, caso o A. não junte o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.”
Em 14 de dezembro de 2011, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Visto. Nada a ordenar por nada ter sido requerido.
Notifique”.
3. Após notificação de tal despacho, veio a reclamante interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
4. No requerimento de interposição do recurso, a reclamante identifica o respetivo objeto como correspondendo à interpretação, extraída da conjugação dos artigos 474.º, n.º 1, alínea f) e 447.º-A, ambos do Código de Processo Civil, consubstanciada no entendimento de que a não junção do documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça conduz à recusa do recebimento do articulado de oposição à penhora.
5. Com data de 20 de fevereiro de 2012, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“Suscitando-se dúvidas acerca do despacho de que se pretende interpor recurso – e o proferido em 21/10/2011 ou 23/11/2011 ou 15/12/2011 – notifique-se a Oponente para, em dez dias, esclarecer tal questão.”
Em resposta a tal convite, a reclamante apresentou peça processual informando que o despacho de que pretende interpor recurso corresponde ao “despacho de 15/12/2011, com o esclarecimento adicional que a decisão que esteve na sua origem foi o despacho de 21/10/2011, reiterada no despacho de 23/11/2011 face aos requerimentos apresentados pela oponente.”
6. Face a tal esclarecimento, o tribunal a quo proferiu, em 30 de março de 2012, o despacho agora reclamado, que se transcreve:
“Leitura cuidada do requerimento apresentado em 9 de março de 2012 não pode deixar de concluir que a Oponente pretende recorrer do despacho judicial de 15/12/2011 que tem o seguinte teor: “Visto. Nada a ordenar por nada ter sido requerido. Notifique.”
Ora tal despacho é de mero expediente e, por isso, em face do estatuído no art. 679º do C.P.C. é irrecorrível.
Por tal facto não admito o recurso interposto por requerimento de 28/12/2011.
Notifique.”
7. Para fundamentar a reclamação apresentada, refere a recorrente que, no requerimento de interposição de recurso, deixou claramente explicitadas as razões da interposição do recurso, ficando assim claro que essa motivação nada tinha “a ver com o despacho de expediente de 2011/12/15, mas antes com o despacho de 2011/10/20 que recusou o recebimento da petição inicial da oposição à penhora com fundamento na omissão do pagamento da taxa de justiça.”
Nestes termos, conclui que deverá ser julgada inconstitucional, por violação do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, a interpretação dos artigos 474.º, n.º 1, alínea f), e 447.º-A, ambos do Código de Processo Civil, no sentido de tais disposições determinarem a rejeição do articulado de oposição à execução, caso não seja junto o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça.
8. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, defende o deferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
9. Recai sobre o recorrente o ónus de identificar, em termos precisos e inequívocos, a decisão recorrida.
A obrigatoriedade de tal indicação não corresponde à consagração de um mero dever de colaboração das partes com o Tribunal, constituindo, sim, um requisito formal essencial ao conhecimento do objeto do recurso.
A importância da indicação deste elemento facilmente se compreende se tivermos em conta que a apreciação de vários pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC - como o cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, a aplicação do critério normativo em sindicância como ratio decidendi da decisão ou a obrigatoriedade de exaustão dos meios impugnatórios ordinários – depende da análise da concreta decisão que é alvo do recurso.
Ora, no caso, não tendo a recorrente cumprido o assinalado ónus de identificação inequívoca da decisão recorrida, no requerimento de interposição do recurso, foi convidada pelo Tribunal a quo a suprir tal deficiência, devendo esclarecer expressamente se pretendia recorrer do despacho datado de 21 de outubro, do proferido em 23 de novembro ou, por último, do despacho de 15 de dezembro, todos do ano de 2011.
Em resposta a tal convite, a reclamante apresentou peça processual informando, inequivocamente, que o despacho alvo do seu recurso corresponde ao proferido em 15 de dezembro de 2011, aditando que o mesmo surge na sequência dos despachos anteriormente proferidos em 21 de outubro e 23 de novembro de 2011.
Face a esta identificação, parece-nos inequívoco que a reclamante pretendia reportar-se - como é assumido na decisão reclamada – ao despacho que tem o seguinte teor: “Visto. Nada a ordenar por nada ter sido requerido. Notifique.”, despacho esse que foi, na verdade, de acordo com o que consta dos autos, proferido em 14 de dezembro de 2011.
Desta forma, nada resultando no sentido de se considerar que tal identificação se deveu a lapso manifesto, mas, pelo contrário, parecendo ter correspondido a uma escolha deliberada de entre os vários despachos referidos no despacho de convite ao aperfeiçoamento, não nos merece censura a decisão de não admitir o recurso.
10. Sempre se dirá que a solução de não admissão do recurso se manteria, ainda que a recorrente tivesse selecionado o despacho de 21 de outubro de 2011 como decisão recorrida, como faz - tardiamente – na reclamação.
Na verdade, impendia sobre a reclamante o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade normativa, que pretendesse ver apreciada em ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
O cumprimento do pressuposto de admissibilidade do recurso, agora em apreciação, pressupõe que a questão de constitucionalidade seja levantada, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, acompanhada de uma fundamentação, minimamente concludente, com um suporte argumentativo que inclua a indicação das razões justificativas do juízo de inconstitucionalidade defendido, de modo a tornar exigível que o tribunal a quo se aperceba e se pronuncie sobre a questão jurídico-constitucional, antes de esgotado o seu poder jurisdicional (cfr. v.g. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 708/06 e 630/08, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no presente caso, a reclamante omite a problematização de qualquer questão de constitucionalidade nas peças processuais que apresenta, quer antes da prolação do despacho de 21 de outubro de 2011, quer mesmo imediatamente após a sua prolação e antes do despacho subsequente datado de 23 de novembro do mesmo ano, apenas procedendo a uma reflexão sobre questões de constitucionalidade na peça processual que antecede a prolação do despacho de 14 de dezembro de 2011.
Deste modo, não correspondendo a solução jurídica escolhida pelo tribunal a quo a uma decisão surpresa – no sentido de ser completamente imprevisível ou inesperada, no âmbito das possibilidades interpretativas razoavelmente equacionáveis – não se encontrava a recorrente desonerada de confrontar atempadamente o mesmo tribunal com as questões de constitucionalidade que pudessem ser suscitadas por tal solução.
Não tendo a reclamante cumprido o analisado ónus de suscitação prévia de qualquer questão de constitucionalidade, sempre estaria prejudicada a admissibilidade do seu recurso, ainda que tivesse sido outra a sua escolha da decisão recorrida (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
III – Decisão
11. Pelo exposto, decide-se:
- julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
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