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Processo n.º 406/12
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 355/2012, decidiu o relator não conhecer do recurso interposto pela recorrente A., AG, ora reclamante, por considerar que o seu objeto não assume caráter normativo, na parte respeitante à primeira das enunciadas questões de inconstitucionalidade, e, quanto às demais, ser inútil o seu conhecimento, por se reportarem a normas que não constituíram fundamento jurídico da decisão recorrida, sendo, por isso, inconsequente, na perspetiva da alteração do julgado, um eventual juízo de inconstitucionalidade que as tivesse por objeto.
A recorrente, inconformada com a decisão sumária de não conhecimento da primeira das questões de inconstitucionalidade por si enunciadas, veio dela reclamar para a conferência, apenas nessa parte, invocando, em síntese, tratar-se de uma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, pois que a valoração judicial dos concretos factos em discussão, vertida na decisão recorrida, assentou numa determinada interpretação dos normativos legais sindicados, que fundadamente se reputa inconstitucional, sendo certo que, por outro lado, o sistema de fiscalização da constitucionalidade, designadamente no que respeita à modelação do seu objeto, não pode ignorar a concreta factualidade discutida no processo base, sobretudo nos casos em que, como o presente, é a respetiva apreciação judicial que se assume determinante do reclamado juízo de inconstitucionalidade.
Apenas as recorridas B., SA, e C., SGPS, SA responderam à reclamação, no sentido do seu indeferimento, por não verificação do pressuposto processual de conhecimento do recurso, que o relator, na parte impugnada, julgou omisso.
2. Cumpre apreciar e decidir.
A recorrente, através da presente reclamação para a conferência, limita-se a sindicar o juízo singular formulado quanto à questão da inconstitucionalidade da «norma resultante da conjugação dos artigos 3.º, nºs. 1 e 3, 3.º-A, 161.º, n.º 6, e 201.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, na interpretação (…) segundo a qual a não consideração na decisão de um recurso das pertinentes contra-alegações, acompanhadas de parecer jurídico, motivada pela omissão da sua remessa pelo tribunal, não deve relevar como nulidade processual, desde que a posteriori o próprio tribunal conclua que os argumentos constantes daquelas contra-alegações e do parecer jurídico foram devidamente ponderados no acórdão por si proferido e que decidiu o recurso», que o relator decidiu não conhecer por não assumir o objeto do recurso, nessa parte, caráter normativo, como acima relatado.
Tendo, pois, transitado em julgado o sumariamente decidido quanto às demais questões de inconstitucionalidade, apenas cumpre verificar se o recurso, no que respeita àquele específico complexo legal, obedece ao requisito de normatividade de que, nos termos da lei, depende o seu prosseguimento.
Entendeu a decisão sumária, destacando do referenciado conjunto legal em sindicância, por nuclear, o disposto no n.º 1 do artigo 201.º do CPC, que a recorrente, ao sujeitá-lo à apreciação do Tribunal Constitucional, nos termos em que o fez, pretendia, de facto, impugnar, ainda que na perspetiva da sua conformidade com a Lei Fundamental, a decisão que indeferiu, por não verificação dos respetivos pressupostos legais, a arguição de nulidade processual por si deduzida em juízo, consubstanciada na omissão de remessa, pelo Tribunal de primeira instância ao Tribunal da Relação, das contra-alegações e parecer jurídico que juntou aos autos, e não um qualquer critério normativo de decisão que, configurável como dada interpretação da lei, fosse autonomizável da concreta irregularidade processual cometida nos autos.
Afigura-se ser de manter, por fundado, um tal juízo, sendo certo que nenhuma das razões invocadas pela reclamante em sentido contrário merece atendimento.
Com efeito, analisando, em apreciação estrutural, o que a ora reclamante sujeitou à apreciação fiscalizadora do Tribunal Constitucional, verifica-se que a questão de inconstitucionalidade que se pretende ver decidida, no presente recurso, é saber se viola a Constituição, em particular os princípios da igualdade e o direito a um processo justo e equitativo, considerar que não configura nulidade a prolação de uma decisão, em sede de recurso, sem que se mostrem juntos aos autos, por omissão de remessa pelo Tribunal recorrido, as contra-alegações, acompanhadas de parecer jurídico, quando o tribunal de recurso conclua, a posteriori, que ponderou os argumentos aduzidos em tais peças processuais.
Ora, isso foi o que o Tribunal recorrido decidiu no contexto de apreciação do incidente pós-decisório deduzido pela ora reclamante, nos presentes autos, perante a irregularidade processual neles reconhecidamente cometida, considerando, mediante a formulação do correspondente juízo subsuntivo, que, não tendo a indicada irregularidade influído no sentido da decisão do recurso, que efetivamente ponderou os argumentos aduzidos pela recorrida nas suas contra-alegações, não se verificava, no caso, à luz dos requisitos cumulativos enunciados na previsão da norma do n.º 1 do artigo 201.º do CPC, qualquer nulidade.
Está, pois, em causa, como, aliás, a reclamante, no essencial, reconhece, a aplicação da lei ao caso concreto, mediante a prévia valoração judicial das particulares vicissitudes processuais ocorridas nos autos, o que não é sindicável no âmbito do presente recurso de constitucionalidade. É que não é subsumível ao conceito de normatividade, para o efeito da sua admissão e prosseguimento, a circunstância de idêntica irregularidade processual poder vir a ser cometida, com a mesma apreciação judicial, noutros processos, sendo que manifestamente uma coisa é a jurisprudência formada em casos similares, que, ainda assim, se mantém no domínio estritamente jurisdicional, outra, que não lhe é equiparável, por consubstanciar um verdadeiro padrão normativo de decisão, o critério legal, ou interpretativo, que, por comum, determinou tais julgamentos convergentes.
Ora, mesmo que se admita que a decisão de indeferimento da arguição de nulidade, de que ora se recorre, necessariamente evidencia, ou manifesta, como, aliás, todas as decisões judiciais, um certo entendimento da lei aplicada, competia à recorrente tê-lo destacadamente enunciado no requerimento de interposição do recurso, delimitando, com rigor, a interpretação que, tendo por fonte os indicados preceitos legais, presidiu a um tal julgamento.
É que, atenta a estruturação normativa do recurso de constitucionalidade, também não procede a argumentação de que, referindo-se a fattispecie da norma aos factos ou «situações típicas da vida» cuja verificação determina a consequência jurídica fixada na respetiva estatuição, «a delimitação do objeto do recurso terá forçosamente de partir da análise das concretas situações da vida que motivaram determinada solução judicial – que no caso se reputa inconstitucional – ao serem consideradas como suficientes ou não para integrarem a previsão normativa».
Com efeito, não pode o Tribunal Constitucional sindicar, mesmo que por exclusiva aplicação das normas e princípios constitucionais, a bondade das decisões proferidas pelos tribunais, no exercício estrito da função judicial que lhes está cometida, sendo claro que a única competência fiscalizadora que lhe está constitucional e legalmente cometida é, na sua formulação mais simples, a da verificação da conformidade das leis com a Constituição.
Ora, ampliar o objeto do recurso de constitucionalidade ao juízo formulado pelas instâncias quanto ao preenchimento, por avaliação dos «factos da vida», de uma concreta previsão legal, sujeitando a tal verificação de constitucionalidade a decisão que, em função de um tal juízo subsuntivo, opera ou recusa a correspondente consequência legal, como parece sustentar a reclamante, implicaria uma clara inversão dos termos em que o próprio poder constituinte equacionou a intervenção fiscalizadora do Tribunal Constitucional, concebendo-a, inclusive na sua modalidade de fiscalização concreta (artigo 280.º da CRP), não como um adicional instrumento de impugnação das decisões que os Tribunais, no exercício da função judicial, proferem, mas como um meio dirigido ao controlo do exercício da função legislativa, atento o dever de obediência da lei, em todos os seus sentidos interpretativos possíveis, à Constituição.
O recurso, atento o seu objeto estritamente decisório, não pode, pois, também nessa parte, prosseguir para apreciação de mérito, como fundadamente ajuizado pelo relator na decisão sumária ora em reclamação.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 24 de outubro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria lúcia Amaral.
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