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Processo n.º 250/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O arguido A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do segmento do acórdão da Relação que conheceu da arguida prescrição do procedimento criminal, bem como da parte em que o condenou na liquidação solidária da quantia de € 1 141 850,07.
O recurso não foi admitido, na parte crime, por despacho do Desembargador Relator.
O arguido reclamou da não admissão do recurso.
O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu despacho de indeferimento da reclamação.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional pretendendo que se declare que a interpretação das normas plasmadas no artigo 400º, 1, als, e) e f) do Código de Processo Penal que entende que é irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação a conhecer, pela primeira vez, da prescrição viola o direito ao recurso, constitucionalmente consagrado no número 1, do artigo 32º da CRP.
Foi proferido despacho de não admissão do recurso com fundamento em que não foi suscitada perante o Tribunal recorrido a questão de constitucionalidade que agora é colocada ao Tribunal Constitucional.
O arguido reclamou desta decisão com a seguinte argumentação:
“No segmento da decisão que o despacho reclamado dedica ao recurso interposto pelo ora reclamante:
“Face ao disposto no n.º 2 do artigo 72º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
E, depois, acrescenta-se:
“A questão da inconstitucionalidade das normas das alíneas e) e não foi porém suscitada na reclamação de fls. 1 a 5.”
No entanto, salvo o devido respeito que é efetivamente nutrido pelo Meritíssimo Conselheiro subscritor da decisão reclamada, tal apologia colide flagrantemente com o teor da reclamação apresentada pelo, mais uma vez, reclamante.
Na verdade, no sobredito requerimento do reclamante, no último parágrafo da terceira página, refere-se “com efeito, o que é decisivo é a supressão abrupta do direito ao recurso e a subsequente colisão com a norma que a Lei Fundamental plasma no respetivo artigo 32/1 – isto é, “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso”.
E, em sede de requerimento conclusivo, deduzido a final, escreveu-se:
“Termos em que, sendo apodítico que se está na presença de decisão passível de ser objeto de recurso, sob pena de tornar inconstitucional a norma do artigo 400º, 1, al. c, do CP Penal, deve a presente reclamação ser julgada procedente e, como tal, emitida decisão que admita o recurso apresentado pelo reclamante” – sublinhado ausente do original e só agora efetuado.
Ou seja, é patente que o aí e aqui reclamante esgrimiu a inconstitucionalidade da interpretação da norma do CP Penal que entendeu ser irrecorrível a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que decidiu ex novo da questão da prescrição, alegando que a mesma colidia com o disposto no artigo 32, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. Contudo, agora que o signatário releu o requerimento apresentado, de facto constatou que em vez de se referir à al. e), efetivamente mencionou a al. c).
Tal trata-se, como é manifesto, de um irritante lapso material – evidentemente da responsabilidade do signatário e a que o Tribunal é alheio – que não poderá estribar, por si só, o indeferimento liminar do recurso.
Efetivamente, como já se adiantou, o reclamante invocou a inconstitucionalidade da norma que levou à não admissão do esforço recursório que apresentou e identificou que o preceito constitucional que no seu prisma – errado ou certo, para o efeito é indiferente – estava irremediavelmente posto em causa era o direito ao recurso com arrimo constitucional no artigo 32/1 da Lei Fundamental.
Ora, o recurso em causa não foi admitido mediante a convocação do dispositivo, inter alia, contido na al. e) do artigo 400º do CP Penal – é, pois, evidentemente, essa a norma cuja interpretação inconstitucional está em causa, sendo irrelevante que o reclamante, por irritante lapso material, em vez de “e)”, tenha escrito “c”. Na verdade tal lapsus calami – atenta a sempre recorrente ideia do fair trial, também decorrente da CRP, maxime do respetivo artigo 20º, n.º 4, in fine – não pode afetar tão poderosamente o direito do recorrente que leve ao afastamento do seu direito de recorrer.
Ou seja, o reclamante suscitou a inconstitucionalidade de modo processualmente adequado e em termos em que o Tribunal recorrido dela estava obrigado a conhecer, pelo que, com tal fundamento, não poderia o recurso ter sido rejeitado.”
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferida a reclamação.
Fundamentação
No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas.
Por outro lado, tratando?se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Ora, conforme se diz na decisão reclamada, o Recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido a questão de constitucionalidade que mais tarde colocou ao Tribunal Constitucional, que foi a da inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 400º, 1, alíneas, e) e f), do Código de Processo Penal, na interpretação de que é irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação que conhece, pela primeira vez, da prescrição.
Na verdade, na reclamação apresentada ao tribunal recorrido o Recorrente limitou-se a dizer que a decisão de que se reclamava violava o direito constitucional ao recurso e que a decisão de não admissão do recurso a ser sufragada tornaria inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.
O Recorrente nunca indicou, pois, ao tribunal recorrido como padecendo do vício da inconstitucionalidade a interpretação normativa cuja fiscalização veio posteriormente peticionar ao Tribunal Constitucional, pelo que não suscitou adequadamente perante aquele tribunal tal questão, o que determinou que ela não tivesse sido apreciada pelo despacho recorrido, confirmando-se, assim, a ausência do requisito detetado pela decisão reclamada.
Por esta razão deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 24 de abril de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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