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Processo n.º 250/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente o Ministério Público e recorridos A., B. e C., S.A., foi interposto recurso obrigatório de constitucionalidade, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal, na parte em que aplica a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999 (aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, e alterado, por último, pela Lei n.º 56/2008, de 4 de setembro), interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção um terreno classificado em PDM como “Espaço Florestal” e “Espaço Agrícola” com aptidão edificativa segundo os elementos do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
O recorrente invoca, em síntese, que a dimensão normativa aplicada é idêntica à que anteriormente foi julgada inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 417/2006 e 118/2007, proferidos pelo Tribunal Constitucional em processos de fiscalização concreta da constitucionalidade.
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional apresentou alegações onde conclui o seguinte:
«VIII. Conclusões
102º
Por todo o exposto ao longo das presentes alegações, crê-se que se deverá confirmar o Acórdão recorrido, de 23 de fevereiro de 2011, do Tribunal da Relação de Coimbra, negando-se, nessa medida, provimento ao presente recurso de constitucionalidade.
Com efeito, resulta claro dos autos que a parcela expropriada:
a) se encontrava classificada, no Plano Diretor Municipal de Viseu, como “Espaço florestal 1” e “Espaço agrícola 1”, não integrando, por outro lado, tanto quanto se conseguiu apurar, nem a Reserva Agrícola Nacional (RAN), nem a Reserva Ecológica Nacional (REN);
b) tem acesso por via pública em asfalto e é servida por rede de distribuição de energia elétrica e rede telefónica;
c) encontra-se integrada no núcleo urbano de Cabanões de Baixo e Teivas existindo várias construções industriais e habitacionais a menos de 300m;
d) apresenta, pois, aptidão construtiva aferida pela potencialidade, de acordo com os critérios objetivos constantes do art. 25, nº 2 do Código das Expropriações, assente em elementos de grande proximidade física, designadamente das infraestruturas atrás referidas;
e) essa capacidade “aedificandi” foi reconhecida, pelo último grupo de peritos que interveio na avaliação do terreno, tendo tal posição merecido, depois, acolhimento, quer pelo tribunal de 1ª instância, quer pelo Tribunal da Relação de Coimbra:
f) atendeu-se, para o efeito, ao disposto no nº 12 do Artigo 26º do C.E., com base na tipologia e ocupação médias das construções existentes ou que podem vir a existir, na área definida pelo perímetro de 300m da envolvente da parcela;
g) o terreno expropriado foi, assim, classificado como “solo apto para a construção”, tendo, no entanto, os peritos tido em conta, especificamente, os índices de construção dos espaços designados por “Espaço florestal” e “Espaço agrícola”;
h) a expropriação teve, por outro lado, em vista a edificação de uma construção no terreno que dela foi objeto, ou seja, do “Centro de Assistência e Manutenção” de Viseu, gerido por um concessionário de autoestrada, o que naturalmente extravasa da classificação anterior do solo como “Espaço florestal” ou “Espaço agrícola”.
103º
A fixação do montante indemnizatório, obtido por recurso ao art. 26º, nº 12 do Código das Expropriações, respeita o conceito de “justa indemnização” definido pelo art. 23º do mesmo Código, qual seja, o de “ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”.
104º
Respeita, também, da mesma forma, o sentido maioritário da jurisprudência deste Tribunal Constitucional, relativa ao conceito de “justa indemnização”.
Com efeito, salvaguarda-se, por esta via, uma “adequada restauração da lesão patrimonial” sofrida pelos expropriados, atendendo-se ao valor de mercado do bem objeto de expropriação, por referência às infraestruturas e construções que lhe estão próximas.
Alcança-se, assim, pela mesma via, uma “garantia de valor de troca” e de “equivalência de valores”, com “um mínimo de correspondência a referenciais de mercado na determinação do quantum indemnizatório”.
E respeita-se, da mesma forma, o princípio de “colocar o lesado na situação económica em que estaria se não se tivesse verificado o evento que obrigou à reparação”, através do ingresso, na sua esfera, de “um valor pecuniário equivalente, de forma a repor a situação patrimonial afetada por essa perda”. Ou seja, “efetuada a expropriação, o seu património muda de composição, mas não diminui o valor”.
Ora, tal só é possível se se atender à aptidão edificativa do terreno expropriado, uma vez que a expropriação representa, justamente, “a privação do valor económico correspondente, pelo que este tem que ser levado em conta no cálculo indemnizatório”.
105º
Constitui jurisprudência assente, deste Tribunal Constitucional, considerar que “a potencial aptidão para a edificabilidade dos terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, deveria ser considerada «como um dos fatores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respetivos bens envolvam uma muito próxima ou efetiva potencialidade edificativa»”.
Potencialidade edificativa, essa, “evidenciada, no presente, por elementos certos e objetivos indiciadores da sua previsível concretização, num horizonte temporal próximo”.
Sendo certo, por outro lado, que: “Por razões de certeza e de segurança, o legislador optou deliberadamente por uma enumeração taxativa dos elementos relevantes para evidenciação dessa capacidade, não deixando espaço para uma apreciação livre, por parte dos aplicadores, de verificação do padrão valorativo que está na sua base. Mas, ao fazê-lo, não descurou a perspetiva evolucionista, reconhecendo potencialidade edificativa também a terrenos que ainda não preenchem (ou não preenchem em pleno) as condições materiais de construção, no que se refere a acessibilidades e infraestruturas (cfr. as alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 25.º).”
Acresce, que: “Compreende-se bem que a lei, em caso de expropriação, não coloque esses expropriados em situação significativamente pior do que a dos restantes, quando a possibilidade de construir, existente nos termos gerais, por os terrenos preencherem as respetivas condições, tenha sido retirada por instrumento de gestão territorial que lhes fixara outro destino, tido por mais conveniente ao interesse público. Se, com a expropriação, a afetação a esse fim deixa de vigorar, desaparece o único fundamento da proibição de construir, pelo que se justifica o afastamento do critério de cálculo indemnizatório aplicável aos terrenos que não gozam de edificabilidade.”
106º
A solução de se atender à potencialidade edificativa do terreno expropriado, também não se apresenta como violadora do princípio constitucional da igualdade, designadamente “na relação externa de expropriação”, que procura refletir “uma ideia de igualdade entre os cidadãos, quando um destes é diretamente afetado pela atribuição individualizada de um custo da prossecução do interesse público, não repartido equitativamente pelos restantes colocados na mesma posição de partida do afetado”.
Com efeito, “num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure “uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado”.
Desta forma, a indemnização proposta visa, apenas, “restabelecer a igualdade perdida, colocando o expropriado na precisa situação em que se encontram os seus concidadãos que, tendo bens idênticos, não foram atingidos”, o que pressupõe a necessidade de reconhecimento da aptidão edificativa do terreno expropriado, para efeitos indemnizatórios.
Tanto mais que a expropriação tem, por objetivo principal assegurar, como se disse, a edificação de uma construção no mesmo terreno.
107º
E a mesma expropriação terá, naturalmente, de atender, ainda, às expectativas legítimas dos expropriados, na medida em que “a proximidade até 300 m de áreas de construção, ou onde seja possível construir, pode implicar expectativas de valorização fundiária, a curto, médio ou longo prazo, expectativas estas que são definitivamente cortadas ao expropriado com a ablação do direito de propriedade, contrariamente ao não expropriado que mantém intactas essas expectativas”.
Assim, “ao atender-se, na procura de um valor justo para a compensação do sacrifício decorrente da expropriação à extinção de expectativas (que, note-se, persistem incólumes relativamente ao não expropriado), estar-se-á ainda a realizar a justiça entre expropriados e não expropriados”.
Por outras palavras, “corresponde a um imperativo de justiça, no momento em que, com a expropriação para outro fim, fica sem efeito a adstrição resultante da classificação administrativa, não considerar o terreno, sem mais, como inapto para construção, por único efeito dessa classificação”.
Ou, ainda: “Não se exclui que as expectativas de alteração do estatuto do terreno em causa, no sentido da aquisição de aptidão construtiva, sejam contabilizáveis como uma componente da perda sofrida pelo expropriado. Só na medida que se atende a elas é dispensado um tratamento igualitário a expropriados e não expropriados. Isto porque o ato expropriativo fez malograr definitivamente o benefício que para o expropriado resultaria da concretização futura dessas expectativas, que se mantêm realizáveis para os não expropriados, com terrenos em idênticas condições”.
Ou, finalmente, “nada na Constituição da República Portuguesa proíbe que na determinação da aptidão edificativa da parcela expropriada para a construção de vias de comunicação, integrada na Reserva Agrícola Nacional seja tomado em consideração o valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.”
108º
Não obsta, aliás, a este entendimento, o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de abril de 2011, uma vez que o referido Acórdão expressamente se cinge, como se disse, a “terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN)”, o que não é o caso dos presentes autos, em que o terreno expropriado se encontrava abrangido por um plano de ordenamento do território, mais exatamente, o Plano Diretor Municipal de Viseu.
Com efeito, relativamente a uma situação idêntica à dos autos, o Supremo Tribunal de Justiça veio, também recentemente, entender:
«A reserva, no PDM, de solos integráveis na previsão do n.º 12 do artigo 26.º daquele diploma, mas que tenham aptidão objetiva para a edificabilidade, a aferir pela verificação dos requisitos do nº2 do citado artigo 25º, não impede o seu tratamento, para efeitos de justa indemnização, como aptos para construção».”
109º
Assim, e em conclusão, crê-se que este Tribunal Constitucional deverá:
a) negar provimento ao presente recurso de constitucionalidade;
b) confirmar, nessa medida, o Acórdão recorrido, de 23 de fevereiro, do Tribunal da Relação de Coimbra;
c) concluir, assim, não ser inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma do art. 26º, nº 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, quando interpretada no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função da tipologia e ocupação médias das construções existentes, ou que podem vir a existir, nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, um terreno, com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no nº 2 do artigo 25º do mesmo Código, classificado, pelo PDM aplicável, como “Espaço agrícola” e “Espaço florestal”.»
3. Os recorridos A. e B. não contra-alegaram.
4. Notificada para contra-alegar por despacho de fls. 638, a recorrida C., SA, apresentou contra-alegações onde conclui o seguinte:
«1 — Não existe uma contradição entre o Acórdão recorrido (onde se decidiu que a parcela não estava inserida em RAN) e os Acórdãos n.° s 417/2006 e 118/2007 do Tribunal Constitucional (que tiveram por objeto a expropriação de parcelas integradas em RAN), suscetível de se subsumir na alínea g) do n,° 1 do artigo 70.° da LTC.
2 — A materialidade subjacente dos Acórdãos em confronto é diversa.
3 — Os Acórdãos em confronto equacionam distintas situações, quer do ponto de vista factual quer jurídico.
4 — Não deverá ser conhecido o recurso que vem interposto do Acórdão da Relação de Coimbra de fls
5 — O Acórdão recorrido, de 23 de fevereiro de 2011, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra — no âmbito do processo de expropriação que tem por objeto uma parcela de terreno a que foi dado o n.° 3 na respetiva planta parcelar, a qual, de acordo com o PDM de Viseu, eficaz à data da publicação da DUP, está inserida em Espaço florestal 1 (5.88Cm2) e Espaço Agrícola 1 (40Dm2) — classificou a parcela como solo apto para construção, com base nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 25.° do C.E., e calculou a indemnização através do critério vertido no n.° 12 do artigo 26.° do C.E..
6 — A indemnização por expropriação é calculada à data da publicação da DUP, conforme estabelece o n.° 1 do artigo 23.° e n.° 1 do artigo 24°, ambos do C.E.,
7 — A indemnização por expropriação corresponde ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal à data da publicação da DUP.
8 — A parcela de terreno objeto de expropriação tem a área de 6.280m2, e corresponde ao prédio sito na freguesia de S. João de Lourosa, concelho de Viseu, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de S. João de Lourosa sob o artigo 3358, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viseu sob o n.° 873/19890214, freguesia de S. João de Lourosa.
9 — Resulta do n.° 1 do artigo 36.° e n.º 1 do artigo 39.° do Regulamento do PDM de Viseu, que os usos predominantes dos solos integrados em Espaços Agrícolas I e Espaços Florestal I são, respetivamente, o agrícola e o florestal.
10 — O aproveitamento normal do solo que constitui a parcela objeto de expropriação, é, de acordo com o PDM em vigor à data da publicação da DUP, o agrícola e o florestal.
11 — Os outros usos admitidos pelo PDM para os Espaços Agrícolas e Espaço florestal I, nas alíneas do n.° 1 do artigo 36.° e do n.° 1 do artigo 39.º, carecem da verificação de requisitos condicionantes como seja a área da parcela.
12 — O prédio e a parcela têm 6.280m2 e aí não existia, à data da publicação da DUP, nenhuma construção.
13 — Por ter uma área mínima inferior à exigida na parcela não eram possíveis os seguintes usos admitidos no n.° 1 do artigo 36.° do PDM: alínea a) Edificação do agricultor ou proprietário da parcela; alínea c) instalações agropecuárias: alínea d) Edificações referentes ao turismo rural, agroturismo e turismo de habitação. (cfr. n.° s 2, 3, 4 e 5 do artigo 36.° do PDM)
14 — Por na parcela não existirem, à data da publicação da DUP, quaisquer construções vedado estava também aos expropriados: alínea a) a reconstrução e ampliação de edificações de natureza habitacional.
15 — Para a parcela dos autos à luz do n,° 1 do artigo 36°, apenas se admite: alínea
b) Instalações de apoio exclusivamente agrícola, com um índice de construção bruto <0,05 e uma área máxima de construção de 50m2.
16 — Relativamente à área da parcela inserida em Espaço florestal I, igualmente se verifica, atenta a área mínima exigida e a não existência de quaisquer construções que dos usos admitidos no n.° 1 do artigo 39.° do PDM, apenas era possível, na parcela, instalações de apoio exclusivamente agrícola ou de apoio à produção florestal - com um índice de construção bruto < 0,0025 e uma área máxima de construção de 50m2.
17 — O PDM de Viseu, aplicável, não reconhece capacidade edificativa a prédios — como aquele que foi objeto de expropriação — com uma área inferior a 10.000m2 inseridos em Espaços agrícolas I e Espaços florestais I.
18 — A parcela não tinha aptidão construtiva face à sua vinculação situacional resultante das características do solo, localização e envolvente agrícola e florestal, expressamente reconhecida pelo PDM de Viseu.
19 — De acordo com o PDM de Viseu, os solos integrados em Espaços Agrícolas e em Espaços Florestal I, unicamente poderão vir a ter capacidade edificativa mediante uma decisão administrativa que deve obedecer a requisitos condicionantes muito restritos.
20 — As potencialidades construtivas resultam, antes de mais, dos planos municipais e são concretizadas pelas licenças de loteamento e construção.
21 — Um solo não pode ser classificado e avaliado autonomamente desconsiderando-se o regime jurídico definido para a parcela expropriada fixado pelo PDM.
22 Para a classificação de um solo, não basta aferir a verificação dos requisitos consagrados em alguma das alíneas do n.° 2 do artigo 25.° do C.E., é necessário determinar se as normas do PDM proíbem ou limitam a possibilidade de edificação.
23 — Neste sentido ' ... a parcela não tem capacidade edificativa, só a podendo vir a ter mediante uma decisão administrativa, que deve obedecer, ela mesma, a pressupostos estritos, O PDM e a sua regulamentação não reconhece qualquer direito, nem tão-pouco um interesse legítimo de se impor à administração uma decisão favorável a pretensões construtivas.”. (cfr. Acórdão n.° 37/2011, de 25 de janeiro de 2011, proferido no Proc. n.° 957/08)
24— O sobredito Acórdão do TC, decidiu “b) Julgar inconstitucional, por violação do critério da justa indemnização” (artigo 62.°, n.° 2, da Constituição) e do princípio da igualdade (artigo 13.°), a norma do artigo 25.°, n.º 2, alínea a), do Código das Expropriações (aprovado pela Lei n.° 168/99, de 18 de setembro, com as alterações posteriores), quando interpretada no sentido de “classificar como solo apto para construção um solo abrangido em plano diretor ,municipal por área florestal estruturante”, com total desconsideração desta vinculação administrativa;”
25 — O solo de uma parcela não poderá ser classificado como solo apto para construção com base nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 25.° do C.E., se, de acordo com o PDM, aí não for possível construir.
26 — As alíneas b) e a) do n.° 2 do artigo 25.° do C.E. não podem ser aplicadas isoladamente e em desconsideração com o que prevê o PDM, e não conferem qualquer potencialidade edificativa aos solos quando esta é afastada pelo PDM.
27 — Atento o exposto no n.° 3 do artigo 25.° do C.E., uma parcela, como a dos autos onde, de acordo com o PDM, apenas seria possível contrariar o uso dominante para ai construir instalações de apoio exclusivamente agrícola e florestal, com índices e parâmetros reduzidos, deverá ser classificada e avaliada como solo para outros fins.
28 — Basta atentar na epígrafe do artigo 26.° do C.E. — cálculo do valor do solo apto para construção — para percebermos que no caso de que se cuida, solo para outros fins, o cálculo do montante indemnizatório não pode ser efetuado nos termos do preceituado no n.° 12 do artigo 26.° do C.E..
29 — É pressuposto da aplicação do n.° 12 do artigo 26.° do C.E., que os solos sejam previamente classificados como aptos para construção, com base nos critérios certos e objetivos vertidos nas alíneas do n.° 2 do artigo 25.° do C.E..
30 — A factualidade dos autos está fora do âmbito de aplicação da norma contida no n.° 12 do artigo 26.° do CE.. Porquanto,
31 — A norma não inclui na sua previsão, expressis verbis, os solos classificados como Espaços Agrícolas e Espaços florestais,
32 — O n.° 12 do artigo 26.° do C.E. prevê a necessidade de expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para a instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz. Não é esse o caso de parcelas integradas pelo PDM em Espaços Agrícolas e Espaços Florestais,
33 — O n.° 12 do artigo 26.° do C.E. exige que a aquisição dos referidos solos pelos expropriados tenha sido efetuada em data anterior à entrada em vigor do PDM que assim classifica os solos.
34 — No caso vertente o PDM entrou em vigor em 19/12/1995 e os expropriados adquiriram 1/2 do prédio em 29/09/2004 — ou seja, quando já sabiam, ou deviam saber, que o uso predominante do solo, de acordo com o PDM, era o agrícola e florestal.
35 — O Acórdão recorrido fez uma aplicação direta do n.° 12 do artigo 26.° do C.E, — para o cálculo da indemnização devida pela expropriação — aplicação essa que é manifestamente contrária à letra da lei.
36— Os casos contemplados na letra do n.° 12 do artigo 26.° do C.E. têm subjacente a imposição, através do plano municipal de ordenamento do território, de limitações ao uso do solo que atentas as suas características, se não fossem essas limitações, seria a edificação.
37 — Apenas nessas situações se poderá considerar existir uma verdadeira expropriação do plano.
38 — A inserção de uma parcela em Espaços Agrícolas I e Espaço Florestal I, em sede de PDM, tem em atenção a vinculação situacional resultante das características naturais do solo, da sua localização, envolvente e equilíbrio biofísico da zona - de onde emerge que o uso dominante seja o agrícola e florestal.
39 — Nesses casos, o PDM não faz uma afetação do solo a um outro destino que seja contrário às características naturais desse solo.
40 — O destino dado à parcela não efetivou uma potencialidade edificativa que se viu ser inexistente
41 — A parcela foi necessária à realização de uma obra de interesse público — SCUT Beiras Litoral e Alta — A25/IP5 — Nó do 102 / Viseu / Mangualde — Sublanço da EN2 — Centro de Assistência e Manutenção de Viseu” — que funciona assim como causa expropriandi para o ato ablativo.
42 — Os CAM resultam de uma obrigação legal e destinam-se a apoiar as atividades de conservação e manutenção da A25, bem como de apoio aos utentes da Auto Estrada.
43 — Estabelece a alínea a) do n.° 2 do artigo 23.° do C.E. que na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais valia que resultar da própria declaração de utilidade pública da expropriação.
44 — Ao contrário do que vem referido nas alegações de fls esta parcela não foi objeto de duas peritagens, e não foi avaliada em €224.725,40.
45 — A parcela objeto desta expropriação foi avaliada do seguinte modo: pelo coletivo arbitral em €7.930,00, os peritos maioritários calcularam €149.087,20 e o perito nomeado pela expropriante concluiu por um valor de €7.530,00.
46 — Nos termos do PDM, em vigor à data da DUP unicamente era possível construir instalações de apoio exclusivamente agrícola admitindo-se um índice de construção bruto < 0,05 e uma área máxima de construção de 50m2 e instalações de apoio florestal com um índice de construção bruto < 0,0025 e uma área máxima de construção de 50m2,
47 — O Acórdão recorrido fixou indemnização que tem subjacente a consideração de um índice de construção bruto de 0,32m2/m2 de terreno, tendo sido considerado que por m2 de terreno seria possível construir habitação 0,32m2 e garagem, arrumos 0,16m2.
48 — A comparação entre expropriados e não expropriados deve ser feita e não traduz a comparação de situações meramente hipotéticas.
49 — A aplicação do n.° 12 do artigo 26.° do C.E. com total desconsideração dos critérios vertidos no PDM, traduz-se num tratamento arbitrário em favor dos expropriados.
50 — A aplicação do n.° 12 do artigo 26.° do C.E. a solos que, de acordo com o PDM, não têm capacidade edificativa implica que os expropriados obtenham, em sede de processo de expropriação, uma indemnização que não obteriam se não tivessem sido expropriados o que gera uma evidente desigualdade entre expropriados e não expropriados.
51 — O destino económico de uma parcela expropriada é indissociável do seu destino juridicamente admissível que tem correspondência no valor de mercado, uma vez que é o único destino possível de ser concretizado.
52 — O valor da parcela terá de corresponder ao uso possível ou efetivo de acordo com o que está juridicamente reconhecido, pelos critérios legais e administrativos, vigentes à data da publicação da DUP.
53 — Os expropriados bem sabiam, à data da aquisição de 1/2 do prédio objeto de expropriação, que aí apenas poderiam construir instalações de apoio agrícola e florestal e com parâmetros de ocupação reduzidos.
54 — A DUP não altera as condicionantes ao uso do solo que já existiam antes daquela.
55 — Em condições normais de mercado, em que não entrem fatores anómalos e especulativos, está vedado aos expropriados transacionar solos integrados pelo PDM em Espaços Agrícolas e Espaço Florestal — onde apenas se prevê a construção de instalações de apoio exclusivamente agrícola e florestal com índices reduzidos — como se tivesse a aptidão edificativa média dos solos urbanos situados na área envolvente.
56 — Os proprietários de solos inseridos pelo PDM em Espaços Agrícolas I e Espaço Florestal, não expropriados, nunca conseguiriam obter a valoração que, apenas por via da expropriação e da aplicação do critério de cálculo da indemnização consagrado no n.º 12 do artigo 26.° do C.E., conseguiriam.
57 — Isso, traduz-se na violação do principio da igualdade na sua vertente externa.
58 — Ainda que se admita que o valor de uma parcela inserida pelo PDM em Espaço Agrícola e Espaço Florestal, poderá ser superior àquele que resulta do seu aproveitamento agrícola ou florestal, por força das infraestruturas de que dispõe e da sua localização, existe no C.E. o n.° 5 do artigo 23.° do C.E., e a possibilidade de, através dele, designadamente, majorar o valor que resulta do cálculo do rendimento do solo com base na ocupação possível à data da DUP — agrícola e florestal.
59 — O que não se justifica, de modo algum, é a aplicação de um critério de cálculo do valor indemnizatório (n.° 12 do artigo 26.° do C.E.) que claramente redunda num benefício ilegítimo para os expropriados colocando-os numa posição em que não se encontrariam se não tivessem sido expropriados,
60 - E ao contrário do que emerge quer do Acórdão recorrido quer das alegações de recurso de fls o n.° 12 do artigo 26.° do C.E. não deve ser aplicado para fazer repercutir na indemnização hipotéticas expectativas de valorização dos solos detidas pelos expropriados,
61 — Sendo certo que, no caso vertente, os expropriatórios não tinham qualquer expectativa, de alteração de destino do solo, válida e forte, materialmente fundada em elementos certos e objetivos, suscetível de gerar uma credível base de confiança.
62 — O Acórdão recorrido, pondera uma situação hipotética — aquela em alegadamente se encontrariam os expropriados se não fosse a expropriação — que incorpora a expectativa de o solo vir a ter uma potencialidade edificativa — expectativa essa inexistente à data da publicação da DUP, em face dos critérios legais e administrativos em vigor, e com a qual os expropriados não podiam legitimamente contar,
63 — Nunca uma tal expectativa poderia influenciar o cálculo do valor do bem, nem justificar a fixação de uma indemnização superior àquela que corresponde ao valor real e corrente do bem num mercado não especulativo, à data da publicação da DUP.
64 — O princípio da justa indemnização não deve ser dissociado do princípio da igualdade,
65 — Uma indemnização que viola o princípio da igualdade entre expropriados e não expropriados de forma ostensiva, não corresponde à justa indemnização devida pela expropriação.
66 — O valor dos solos a que alude a primeira parte do n.° 12 do artigo 26.° do C.E., distintos, como se viu, da parcela objeto de expropriação, não corresponde a um valor “calculado em função da tipologia e ocupação médias das construções existentes, ou que podem vir a existir, nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 do limite da parcela expropriada… ,” ao contrário do que afirma o recorrente,
67 — O ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos que integram a RAN a REN, ou ambas, e as restrições ao uso que consagra, é aplicável a nível nacional — de forma igual em todo o país,
68 — A definição em sede de planos municipais de ordenamento do território de solos na categoria de Espaços Agrícolas e Espaço Florestal e a consequente concretização dos usos possíveis para esse tipo de solos, não é idêntica em todos os planos municipais de ordenamento do território,
69 — Os planos municipais de ordenamento do território têm conteúdos distintos e que resultam das características intrínsecas dos solos e da sua inserção no espaço físico e vinculação situacional bem como da regulamentação urbanística que cada município pretende dar à sua zona,
70 — A previsão do que seja possível fazer em solos classificados como Agrícolas ou Florestais diverge de plano para plano.
71 — Uma declaração de não inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, do n.° 12 do artigo 26.° do C.E. quando interpretado no sentido de ser indemnizado como solo apto para construção calculado nos termos daquela norma solos inseridos em Espaços Agrícolas e Espaços Florestais, com aptidão edificativa aferida pelo n° 2 do artigo 25.° do CE., tem efeitos gerais suscetíveis de ferir o principio da igualdade,
72 — A ser como pretende o recorrente será tida em conta na avaliação de todos os solos classificados pelos PDMs como Espaços Agrícolas e Espaços Florestais independentemente de esses solos à luz do PDM concretamente aplicável terem efetivamente alguma potencialidade edificativa ou não terem nenhuma potencialidade edificativa (como bem ficou patenteado no caso da parcela expropriada).
Termos e fundamentos pelos quais se requer a V.Exas.:
a) Que não seja admitido o recurso interposto, por o mesmo não se subsumir no disposto na alínea g) do n.° 1 do artigo 70.° da LTC;
A não se entender assim,
b) Que seja rejeitado o juízo de não inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, do n.° 12 do artigo 26.° do C.E. quando interpretado no sentido de ser indemnizado como solo apto para construção calculado nos termos daquela norma solos inseridos em Espaços Agrícolas e Espaços Florestais, com aptidão edificativa aferida pelo n.° 2 do artigo 25.° do C.E.»
5. Notificado o recorrente Ministério Público para se pronunciar sobre a questão prévia suscitada nas alegações da recorrida C., este veio pugnar pelo conhecimento do objeto do recurso, considerando que a interpretação normativa aplicada no acórdão recorrido contraria a jurisprudência dos Acórdãos n.ºs 417/2006 e 118/2007 do Tribunal Constitucional.
6. Dos autos emergem os seguintes elementos, relevantes para a presente decisão:
? O prédio rústico com a área de 6280 m2, sito no local Ribeira da freguesia de S. João de Lourosa, concelho de Viseu, denominado “parcela …”, melhor identificado nos autos, foi objeto de expropriação por utilidade pública para execução do “Centro de Assistência e Manutenção de Viseu da A25/IP5-Nó do IC2-Viseu-Mangualde-Sublanço da EN2”, sendo entidade expropriação C., SA, e expropriados A. e B..
? O prédio expropriado encontra-se classificado, no Plano Diretor Municipal (PDM) de Viseu, como “Espaço florestal I” em 5.880 m2 e “Espaço agrícola I” em 400 m2; tem acesso por caminho público asfaltado, é servido por rede de distribuição de energia elétrica e rede telefónica, dispõe de água para rega vinda da ribeira de Cabanões; e encontra-se integrada no núcleo urbano de Cabanões de Baixo e Teivas existindo várias construções industriais e habitacionais a menos de 300m.
? Os expropriados interpuseram recurso judicial do acórdão arbitral que classificou a parcela como solo apto para outros fins e dentro desta classificação atendeu aos critérios previstos no Código das Expropriações, fixando o valor da indemnização no montante de €7.939,00.
? Por sentença do Tribunal Judicial de Viseu, o recurso foi julgado parcialmente procedente, classificando-se a parcela, para efeitos do cálculo indemnizatório, como solo apto para construção e fixando-se em €149.087,20 o montante indemnizatório devido pela expropriação.
? Inconformada, a entidade expropriante interpôs recurso desta sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão, de 23.02.2011, ora recorrido, julgou o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II ? Fundamentação
7. Nos termos da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para este Tribunal das decisões que «apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional».
A recorrida C., S.A., sustenta que não estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso, na medida em que a norma aplicada pelo acórdão recorrido não coincide com aquela que foi julgada inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 417/2006 e 118/2007, invocados como acórdãos-fundamento pelo recorrente.
Vejamos, então, se existe identidade entre a norma efetivamente aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, aqui recorrido, considerou ser indemnizável como solo apto para construção, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, uma parcela de terreno classificada em PDM como “Espaço Florestal” e “Espaço Agrícola” e que possui aptidão edificativa segundo os elementos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
O Acórdão n.º 417/2006 (1.ª Secção) julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código; e o Acórdão n.º 118/2007 (3.ª Secção) julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
As normas sobre que incidiram os acórdãos-fundamento foram construídas por referência a terrenos classificados como Reserva Agrícola Nacional (RAN), preenchendo os requisitos gerais de edificabilidade fixados no artigo 25.º, n.º 2, do CE. Por confronto, a norma aplicada pelo acórdão aqui recorrido integra na sua previsão um terreno classificado em Plano Diretor Municipal (PDM) como “Espaço Agrícola” e “Espaço Florestal” (embora ao longo do processo surjam referências à integração destes “Espaços” na RAN, o certo é que tal indicação não consta dos factos provados, elencados na sentença da 1.ª Instância, para a qual remete, nesta parte, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra recorrido), terreno esse igualmente dotado das características que, em geral, conferem potencialidade edificativa.
Coincidindo inteiramente quanto à estatuição (o regime indemnizatório fixado no artigo 26.º, n.º 12) e quanto a um segmento da previsão (o preenchimento dos requisitos gerais de edificabilidade), a norma aqui sub judicio diverge das aplicadas nos acórdãos-fundamento quanto a outro elemento previsional: incide sobre um terreno classificado no PDM como “espaço agrícola” e “espaço florestal”, ao passo que, naqueles acórdãos, estavam em causa terrenos integrados na RAN.
Será esta diferença suficiente para afastar a identidade normativa exigida no recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC?
Para o efeito que aqui releva, a classificação do solo como RAN e a classificação do solo em PDM como “Espaço Agrícola” e “Espaço Florestal” têm em comum o facto de representarem vinculações a um uso do solo que, por razões de utilidade pública, excluem ou restringem fortemente a possibilidade de construção. A nota distintiva é a de que os instrumentos jurídicos de onde promanam os obstáculos à qualificação dos terrenos como “aptos para construção”, sem mais, revestem diferente natureza.
A RAN é uma restrição de utilidade pública, de origem legal e âmbito nacional, que se traduz num regime territorial especial, que estabelece um conjunto de condicionamentos à utilização não agrícola do solo; já o PDM tem natureza regulamentar (ou de “ato administrativo geral de conteúdo normativo” – cfr. Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, I, 4.ª ed., Coimbra, 2008, 643), tem âmbito local e contempla a estratégia de desenvolvimento territorial, a política municipal de ordenamento do território e de urbanismo e as demais políticas urbanas, integra e articula as orientações estabelecidas pelos instrumentos de gestão territorial de âmbito nacional e regional e estabelece o modelo de organização espacial do território municipal.
Acresce que as restrições operadas por uma ou outra classificação não são inteiramente idênticas entre si, nem uniformes, ora implicando uma proibição total de construir, ora admitindo a construção, ainda que a título excecional e sob condições mais restritivas.
Poder-se-ia ver nesta diferenciação, em abstrato, de regimes um primeiro (e decisivo) impedimento a uma conclusão de identidade normativa. Acontece, porém, que o concreto regime resultante da classificação – que só casuisticamente pode ser apurado – não foi incluído na dimensão normativa que o tribunal recorrido aqui aplicou, como ratio decidendi do caso, nem foi abrangido na dimensão normativa julgada inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 417/2006 e 118/2007. Nem, acrescente-se, pode ser equacionado no presente recurso, uma vez que não se inclui na interpretação normativa objeto do mesmo.
Todavia, uma outra razão é obstativa do tratamento, como idênticas, das dimensões normativas em causa.
Há que ter presente, na verdade, que a formulação literal do preceito de onde essas dimensões se retiram – o artigo 26.º, n.º 12, da CE – abrange apenas a expropriação de solos “classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz”. Nem os terrenos objeto de expropriação nos casos dos acórdãos-fundamento, nem o terreno cuja expropriação deu origem aos presentes autos cabem em qualquer das categorias enumeradas na mencionada disposição. A extensão aplicativa da norma à expropriação de terrenos integrados em RAN ou afetos, por PDM, a um uso não coincidente com os expressamente nomeados tem sido defendida e praticada por algumas decisões por recurso à analogia.
Ora, a utilização deste instrumento metodológico pode ser valorada diferentemente, em relação aos dois grupos de casos, em função da ratio legis atribuída ao artigo 26.º, n.º 12, do CE. Para Alves Correia, com adesão de parte da doutrina, a solução constante deste preceito é «imposta pela proibição de classificações dolosas de solos ou da manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos diretores municipais». Em consequência, o Autor entende que «a norma do n.º 12 do artigo 26.º do CE tem o seu âmbito circunscrito aos solos cuja classificação é o resultado da voluntas ordenadora dos planos municipais, isto é, àqueles cujo destino pode ser definido pelos planos municipais, em resultado da sua discricionaridade de planeamento, e não àqueles cujo regime particular de utilização é definido heteronomamente pelo legislador (…)» ? ob. cit., II, 2010, 314-315.
O acórdão recorrido seguiu confessadamente este entendimento (cfr. fls. 431 e 432 dos autos). Foi a origem das restrições “no próprio PDM” que levou a considerar que “se justifica plenamente” a aplicação do cálculo da indemnização com base no critério do n.º 12 do artigo 26.º e, à laia de conclusão, a deixar expresso: «Nestas situações (classificação de solos decorrente de um PDM), tem sentido recorrer ao critério do n.º 12 do artigo 26.º do CE no cálculo da indemnização, tomando por base o pressuposto de que este critério de cálculo só se aplica a classificações decorrentes de um PDM (e não a situações em que a exclusão da edificabilidade decorre da integração na RAN)».
Não cabe a este Tribunal, neste contexto problemático, pronunciar-se sobre a questão. O que importa assinalar é a perspetiva assumida pelo tribunal recorrido, como constituindo a melhor interpretação do direito ordinário. Dessa interpretação há a concluir que não só as normas em confronto não coincidem em todos os pontos, dada a diferença quanto ao elemento-base da classificação dos solos – o que só por si, segundo um critério já adotado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 568/2008) seria o bastante para formalmente negar a identidade ? como, a mais disso, a extensão do âmbito de previsão do preceito aplicado obedeceu a razões justificativas que, na ótica concretamente perfilhada, não procedem em relação a terrenos integrados em RAN. Sem qualquer contradição, seguindo o mesmo entendimento, o tribunal recorrido julgaria diferentemente um caso em que o solo tivesse essa afetação por força de lei. O que vem evidenciar que, nesse entendimento, a diferença entre solos integrados em RAN e solos sujeitos a uma vinculação de uso por força de um PDM é normativamente relevante quanto à aplicação, por analogia, do regime indemnizatório prescrito no artigo 26.º, n.º 2, do CE.
É certo que o tribunal, nas circunstâncias concretas do caso dos autos, sempre determinaria que o terreno fosse qualificado como apto para construção, mas atendendo ao “uso que na realidade foi dado ao terreno após a expropriação” (fls. 443), isto é, por força de uma outra norma que não aquela em juízo.
Pelo exposto, pode dizer-se que a dimensão normativa aplicada no acórdão recorrido não é idêntica à dimensão normativa julgada inconstitucional nos dois Acórdãos citados, ainda que, em qualquer dos casos, se trate de calcular o valor do solo expropriado ao abrigo do critério vertido no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações.
Não se mostra, pois, verificado o pressuposto do recurso, interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
III ? Decisão
Pelo exposto, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Sem custas.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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