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Processo n.º 734/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso com os seguintes fundamentos:
2. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
Nos termos do disposto na alínea b) desse preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objecto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma.
Afirma o requerente, no requerimento de interposição do presente recurso, que invocou a questão de constitucionalidade relativa à dimensão normativa do artigo 412.º, n.os 2 e 3 do Código do Processo Penal questionada no requerimento de arguição de nulidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 29.09.2010, apresentado em 09.12.2010, bem como no recurso apresentado para o Supremo Tribunal de Justiça em 08.12.2011, pelo que, em seu entender, a inconstitucionalidade em causa teria sido devidamente invocada durante o processo.
Sucede, porém, que tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que os incidentes pós-decisórios não são já meios idóneos e atempados para suscitar – em vista de ulterior recurso para este Tribunal – a questão de inconstitucionalidade relativa a matéria sobre a qual o poder jurisdicional do juiz a quo se esgotou com a decisão e num momento em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma, apenas se dispensando o recorrente do ónus de invocar a inconstitucionalidade “durante o processo” nos casos excepcionais e anómalos em que este não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente (v. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), situação excepcional e anómala essa cuja verificação in casu não foi sequer alegada, muito menos demonstrada, pelo requerente.
Ora, não se verificando nenhuma daquelas situações em que o recorrente estaria desonerado de suscitar previamente, de modo processualmente adequado, a questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC, deve considerar-se, para todos os efeitos, incumprido esse ónus.
Assim, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
1. Salvo o devido respeito, a inconstitucionalidade em causa foi devidamente invocada após a sua ocorrência, nomeadamente no requerimento de arguição de nulidade apresentado em 09.12.2010, bem como, na reclamação apresentada para o Supremo Tribunal de Justiça em 08.02.2011, constantes de fls. dos autos.
2. O Recorrente não se conforma com o entendimento manifestado na decisão de que ora se reclama, que entende que a inconstitucionalidade não pode ser suscitada nos incidentes pós?decisórios por entenderem que o poder jurisdicional do juiz a quo se esgotou com a decisão e num momento em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma.
3. Com o devido respeito, a argumentação apresentada carece de fundamento fáctico e legal e à mesma o Recorrente não se pode conformar.
Senão vejamos,
4. Os Arguidos foram notificados do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que manteve na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.
5. Entendeu-se no douto acórdão recorrido que os Arguidos não cumpriram o formalismo constante nos n°s 3 e 4, do art° 412º, do C.P.P., por se tratar de recurso quanto à matéria de facto, concluindo-se que, em face de tal incumprimento, não podia o recurso da matéria de facto ser conhecido.
6. Os Arguidos, nomeadamente o aqui Reclamante, entendem que o recurso apresentado, relativamente à matéria de facto, preenche integralmente os requisitos previstos no art° 412º, do C.P.P. e mesmo que tal não acontecesse, o que por ora se admite, deveriam ter sido convidados a aperfeiçoarem as suas conclusões, o que nunca aconteceu, em violação expressa do disposto no n° 3, do art° 417°, cometendo-se assim um nulidade, dependente de arguição.
7. Tal arguição viria a ser efectuada pelos Arguidos em requerimento apresentado pelo Co?Arguido B. e posteriormente alvo de adesão pelo Co-Arguido ora Recorrente, constante de fls. dos autos.
8. No entanto, o Venerando Tribunal da Relação, no douto acórdão que ora se recorre, indefere a nulidade arguida, por entender que não tinha de convidar os Co-Arguidos a aperfeiçoarem as suas conclusões nos termos do disposto no n° 3, do art° 417º, pois tal iria alterar o objecto do recurso.
9. Entende o Arguido que o recurso apresentado respeitou todos os requisitos previstos nos n°s 3 e 4 do art° 412º do C.P.P, quer nas motivações do recurso quer nas próprias conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso.
10. E mesmo admitindo-se – por mera hipótese – a verificação da omissão dos requisitos estipulados nos n°s 3 e 4 do art° 412º do C.P.P, nas conclusões apresentadas, deveria o Venerando Tribunal da Relação ter convidado o arguido a proceder ao aperfeiçoamento das suas conclusões nos termos do disposto no n° 3, do art° 417°, do C.P.P.
11. A considerar – como considerou o tribunal a quo – que nas conclusões apresentadas, na parte relativa à matéria de facto, não se encontram preenchidos os requisitos previstos no art° 412°, do C.P.P, deveria o tribunal ter convidado o recorrente a aperfeiçoar as conclusões entretanto formuladas, o que nunca aconteceu.
12. Violando-se o disposto no n° 3, do art° 417°, do C.P.P. e assim se cometendo uma nulidade, devidamente arguida pelo recorrente em requerimento apresentado em 18.10.2010.
13. A douta decisão viola de forma clara o direito de acesso ao direito e aos tribunais previsto no art° 20°, da Constituição da República Portuguesa (adiante designada C.R.P.), bem como, o direito ao recurso previsto no n° 1, do art° 32º, da C.R.P., na acepção de que um recurso penal pode ser julgado improcedente por falta, deficiência ou complexidade das respectivas conclusões ou por omissão de qualquer outro requisito legal, sem prévio convite ao recorrente para suprir tal falta ou reparar tais vícios, inconstitucionalidade essa devidamente alegada no recurso apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça,
14. Neste sentido, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no Acórdão no 320/2002, publicado em Diário da República em 07.10.2001:
“... Inconstitucionalidade da norma do art° 412°, n° 2, do C.P.P., interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas alíneas a), b) e c), tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência.”
15. O Tribunal Constitucional sempre declarou inconstitucional a interpretação dada às normas do C.P.P., no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição do recurso interposto pelo arguido, entendendo que essa interpretação afectava desproporcionalmente uma das dimensões do direito de defesa, no caso, o direito ao recurso em processo criminal, garantido no n° 1, do art° 32°, da C.R.P.
16. Ao assegurar a todos o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, principio previsto no art° 20º da C.R.P., e especificamente, ao prever que o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, princípio previsto no n° 1, do art° 32°, da C.R.P., a Constituição da República Portuguesa não só assegura que ao Arguido sejam facultados todos os meios necessários e adequados para que possa defender a sua posição em juízo, como impede a existência de normas processuais ou interpretações normativas que se traduzam numa limitação inadmissível ou injustificada das suas possibilidades de defesa e da boa descoberta da verdade, como aconteceu nos presentes autos.
17. O Recorrente invocou a inconstitucionalidade aquando da reclamação apresentada junto do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente a uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto,
18. Não possuindo o Recorrente qualquer outra possibilidade de invocar a mesma,
19. Tendo invocado a inconstitucionalidade da decisão após a mesma ter sido proferida e no acto processual imediatamente seguinte e permitido por lei, a reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça,
20. Pelo que o Tribunal não só teve oportunidade de se pronunciar sobre tal questão, como podia ainda fazê-lo por que o seu poder jurisdicional quanto à verificação da arguida nulidade ainda não se esgotara. De resto, sendo as normas arguidas de inconstitucionais relevantes para a configuração da nulidade da decisão, o recorrente não tinha antes do momento em que suscitou a sua inconstitucionalidade outra possibilidade de o fazer.
21. Tem, assim, de se entender que, em casos como o dos autos, a questão ainda foi suscitada durante o processo, com o sentido que a esta expressão é dado pela jurisprudência deste Tribunal.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Na reclamação apresentada, o reclamante pretende controverter o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade – o da falta de suscitação prévia, de modo processualmente adequado, da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Entende o reclamante que a inconstitucionalidade em causa foi devidamente invocada após a sua ocorrência, nomeadamente no requerimento de arguição de nulidade apresentado em 09.12.2010, bem como, na reclamação apresentada para o Supremo Tribunal de Justiça em 08.02.2011.
Assim, entende o reclamante que invocou a inconstitucionalidade da decisão [sic] após a mesma ter sido proferida e no acto processual imediatamente seguinte e permitido por lei – a reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Pelo que – conclui o reclamante – não só o tribunal teve oportunidade de se pronunciar sobre tal questão, como podia ainda fazê-lo, porque o seu poder jurisdicional quanto à verificação da arguida nulidade ainda não se esgotara.
Em suma, entende o reclamante que não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do momento em que o fez, pelo que deve considerar-se preenchido esse pressuposto de admissibilidade do recurso.
Não tem razão o reclamante.
Desde logo, é totalmente irrelevante o facto de ter ou não suscitado a questão de constitucionalidade na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pois, para efeitos de se ter como verificado o referido pressuposto processual, apenas releva a suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Ora, não obstante o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ter sido apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça, o mesmo foi apreciado, após o indeferimento da reclamação e a baixa do apenso, pelo Tribunal da Relação do Porto, aí tendo sido admitido.
Tal significa que por “decisão recorrida” só poderá entender-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 29.09.2010, que julgou improcedente o recurso interposto pelo recorrente da sentença condenatória do tribunal de primeira instância, complementado pelo acórdão, de 12.01.2011, que indeferiu a arguição de nulidade do primeiro.
Excluída que está a relevância, para o presente efeito, do conteúdo da reclamação apresentada perante o Supremo Tribunal de Justiça, importa então verificar se se pode considerar ter sido a questão de constitucionalidade previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o Tribunal da Relação do Porto, em termos de estar obrigado a dela conhecer.
Afirma o reclamante que suscitou a questão de inconstitucionalidade no requerimento de arguição de nulidade apresentado em 09.12.2010.
Ora, como se disse na decisão sumária reclamada, tem sido entendimento do Tribunal Constitucional que os incidentes pós-decisórios não são já meios idóneos e atempados para suscitar – em vista de ulterior recurso para este Tribunal – a questão de inconstitucionalidade relativa a matéria sobre a qual o poder jurisdicional do juiz a quo se esgotou com a decisão e num momento em que já não lhe é possível tomar posição sobre a mesma, apenas se dispensando o recorrente do ónus de invocar a inconstitucionalidade “durante o processo” nos casos excepcionais e anómalos em que este não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente (v. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Simplesmente, não cabe ao Tribunal, ao apreciar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, aferir ex officio, se se está ou não numa dessas situações anómalas que poderão levar a que se considere dispensável a verificação desse pressuposto de admissibilidade do recurso. Tratando-se de um ónus, para que dele possa vir a ser dispensado deve o recorrente alegar e demonstrar a excepcionalidade da situação que tornou impossível a suscitação da questão previamente durante o processo.
No caso dos autos, o que é certo é que o requerimento de interposição do recurso é totalmente omisso no que a essa questão diz respeito. Não só o recorrente, ora reclamante, não demonstra aí a excepcionalidade da situação que tornaria impossível a suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo como nem sequer a alega. Aliás, o que o recorrente, ora reclamante, aí afirma é, antes pelo contrário, que a inconstitucionalidade em causa foi devidamente invocada durante o processo.
Mesmo na hipótese de se admitir que a reclamação para a conferência é ainda o momento processual adequado para o recorrente cumprir esse ónus – questão que o Tribunal Constitucional não tem aqui que decidir – a verdade é que, na própria reclamação apresentada, o reclamante não oferece qualquer justificação para a afirmação que nela faz sobre a impossibilidade de ter suscitado a questão previamente, articulando razões para sustentar a natureza imprevisível da interpretação normativa feita pela decisão recorrida cuja conformidade com a Constituição pretenderia ver sindicada.
III – Decisão
4. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2011.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.
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