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Processo n.º 90/10
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, os ora recorridos, A., B. e esposa, C., apresentaram reclamação dos despachos do Chefe do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, que indeferiram requerimentos dos mesmos, na qualidade de executados por reversão, no sentido de que fosse declarado que não eram responsáveis pelo pagamento das dívidas exequendas provenientes de coimas e despesas aplicadas à sociedade originária devedora.
Por sentença de 4 de Setembro de 2009, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foram as suas reclamações desatendidas.
Inconformados, os recorridos apresentaram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 16 de Dezembro de 2009, considerou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e julgando inconstitucional a norma do n.º 1 do artigo 8.º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária, que se efectiva através da reversão da execução fiscal contra as pessoas nele indicadas, bem como, em consequência, declarando extinta a execução contra os aqui recorridos, quanto às dívidas provenientes de coimas e despesas, relativas à sociedade executada.
2. É deste acórdão que o Ministério Público vem interpor recurso, referindo o seguinte, nas alegações:
“(…)
1.3. Segundo a decisão recorrida, a norma do artigo 8.º, quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas, que se efectivam através da reversão da execução fiscal contra administradores ou gerentes da sociedade devedora, seria inconstitucional por violação do artigo 30.º, n.º 3 e 32.º, n.º 10, da Constituição.
Convém ainda precisar que sendo o artigo 8.º composto por vários números e alíneas, parece-nos que apenas relevam, para o caso dos autos, o n.º 1, alíneas a) e b).
1.4. Embora com uma formulação não totalmente coincidente, a questão da constitucionalidade da norma que constitui objecto do recurso, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 129/2009, que a não julgou inconstitucional.
Nesse aresto entendeu-se que não era violado o princípio da intransmissibilidade das penas (artigo 30.°, n.º 3, da Constituição) nem o princípio da presunção de inocência (artigo 32.°, n.º 2, da Constituição).
Agora, na decisão recorrida refere-se também como preceito constitucional violado, o artigo 32.°, n.º 10, da Constituição que consagra em, matéria contra-ordenacional, o direito de audiência e defesa.
Esta vertente da questão, apesar de não aparecer autonomizada na decisão, antes integrando a apreciação da eventual violação do princípio da presunção de inocência, foi também abordada no Acórdão n.º 129/2009.
Aí, após se referir o alcance do princípio da presunção da inocência em processo penal (artigo 32.°, n.º 2, da Constituição), diz-se:
“Ainda que se aceite que este princípio tem também aplicação no âmbito dos processos de contra-ordenação, como refracção da garantia dos direitos de audiência e de defesa do arguido, que é tornada extensiva a essa forma de processo pelo artigo 32°, n.º 10, da Constituição, o certo é que, no caso, conforme já se esclareceu, não estamos perante uma imputação a terceiro de uma infracção contra-ordenacional relativamente à qual este não tenha tido oportunidade de se defender, mas perante uma mera responsabilidade civil subsidiária que resulta de um facto ilícito e culposo que se não confunde com o facto típico a que corresponde a aplicação da coima”.
Parece-nos, pois, poder concluir-se que a não violação do direito de audiência prévia e defesa, consagrado no n.º 10, do artigo 32.°, decorre naturalmente do entendimento que, nestes casos, se está não perante matéria contra-ordenacional, mas antes perante uma responsabilidade civil subsidiária que resulta de facto ilícito e culposo, naturalmente não incluída no âmbito de protecção daquela norma constitucional.
1.5. Diremos ainda que o Tribunal, posteriormente, sobre norma de conteúdo idêntico – o artigo 7.° - A do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras – veio, novamente, a proferir um juízo de não inconstitucionalidade (Acórdão n.º 150/2009).
Sobre as duas normas em causa e no mesmo sentido foi proferida a Decisão Sumária n.º 395/2009.
1.6. Nas alegações então produzidas, sempre o Ministério Público sustentou a não inconstitucionalidade daquelas normas.
Pelo exposto, resta-nos remeter para a jurisprudência anteriormente referida.
2. Conclusão
1. A norma do artigo 8.°, n.º 1, alíneas a) e b), do Regime Geral das Infracções Fiscais, quando interpretada no sentido de que consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas, que se efectiva através da reversão da execução fiscal contra administradores ou gerentes da sociedade devedora, não viola os artigos 30º, nº 3 e 32º, nºs 2 e 10 da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional.”
Os recorridos alegaram, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
“ 1. Em primeira linha, consideramos que deverá manter-se a douta posição vertida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ora posto em crise e, portanto, ser julgada inconstitucional a norma do n° 1 do artº 8° do RGIT, pelas razões vertidas nesse Acórdão, que acolhemos inteiramente.
2. Caso assim não se entenda, deverá o Tribunal Constitucional decidir que a norma do nº 1 do artº 8° do RGIT só não é inconstitucional se interpretada no sentido de que, para efectivar a responsabilidade dos gerentes ou administradores das sociedades, a Administração Fiscal não pode valer-se do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade (por via de reversão), sendo obrigatória a instauração de processo autónomo contra os administradores ou gerentes, para neste ser apreciada a ilicitude e a culpa dos mesmos.
3. Ou seja, a referida norma do nº 1 do RGIT deverá ser considerada inconstitucional se interpretada no sentido de que, para efectivar a responsabilidade dos gerentes ou administradores das sociedades, a Administração Fiscal pode valer-se do processo de execução fiscal instaurado contra a sociedade (por via de reversão), sem instauração de (…) processo autónomo contra os administradores ou gerentes, para neste ser apreciada a ilicitude e a culpa dos mesmos.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentos
3. O acórdão recorrido consubstancia-se numa decisão positiva de inconstitucionalidade relativa ao artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Setembro, na parte em que consagra uma responsabilização subsidiária pelo pagamento de coimas aplicadas a pessoas colectivas, que se efectiva através da reversão da execução fiscal contra os administradores e gerentes da sociedade devedora.
A propósito da questão decidenda, pronunciou-se o Acórdão n.º 437/2011, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), para cuja fundamentação se remete.
Conclui-se, assim, por aplicação da posição jurisprudencial constante do referido aresto, pela não inconstitucionalidade do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora.
III – Decisão
5. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar não inconstitucional a norma do artigo 8.º, n.º 1, do RGIT, quando interpretado no sentido de que consagra uma responsabilidade pelas coimas, que se efectiva pelo mecanismo da reversão da execução fiscal, contra gerentes ou administradores da sociedade devedora,
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, em conformidade com este juízo de não inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 31 de Outubro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.
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