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Processo n.º 460/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 11 de Abril de 2011 (fls. 1 a 6) do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, em 29 de Março de 2011 (fls. 54), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 21 de Março de 2011 (fls. 52 a 54), com menção da data de envio, relativamente ao Acórdão proferido pelo mesmo Tribunal e Secção, em 23 de Fevereiro de 2011 (fls. 14 a 49), com fundamento na intempestividade do recurso.
2. O recorrente apresentou a seguinte reclamação, cujos termos ora se resumem:
“1.º
O aqui reclamante e recorrente foi, por carta remetida em 25.02.2011 (fls. 2918) notificado do Douto Acórdão que julgou totalmente improcedente a apelação interposta para o Tribunal da Relação de Coimbra,
2.º
A Douta Decisão em crise era passível de Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos das disposições conjugadas dos art.º 721.º-A n.º 1, al. c), art.º 721.º n.º 3 e 724.º n.º 1, todos do CPC., porque em contradição com o ACÓRDÃO do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 15.05.2008 relatado pelo Conselheiro SANTOS BERNARDINO in www.dgsi.pt, sobre a mesma questão fundamental do Direito (transmissão das acções) apreciada no Acórdão em crise.
3.º
Cujo prazo de interposição e apresentação da respectiva motivação, conforme resulta do disposto no n.º 1 do art.º 724.º do CPC era de 15 dias.
4.º
Desta forma, o de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça findava a 15.03.2011, sem prejuízo da possibilidade do n.º 5 do art.º 145.º do CPC.
5.º
Ora, decorrido o prazo de interposição de Recurso para o STJ veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
6.º
Nos termos do disposto nos art.ºs 70º/1, al. b) e n.º 4 e 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional,
7.º
Ou seja, após decurso do prazo sem a respectiva interposição, verificando-se, dessa forma, uma renúncia expressa e/ou tácita ao direito do recorrente e aqui reclamante (cfr. n.º 4).
8.º
Conforme refere este n.º 4 “Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do n.º 2, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respectivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual.”
(…)
10.º
Assim sendo, o Recurso foi interposto ao abrigo do preceituado no art. 70º/1, al. b) da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo-se, com o mesmo, a FISCALIZAÇÃO CONCRETA da norma constante do artigo 396.º n.º 1 do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido em que não constitui justificação da qualidade de sócio a apresentação, pelo proprietário das acções, de documento certificativo da apreensão judicial e respectiva constituição de depósito legal (ex vi art. 150.º do CIRE).
(…)
12.º
A inconstitucionalidade da citada norma foi arguida pelo recorrente e ora reclamante aquando da interposição de Recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra na sua Alegação e inserta no Thema Decidendum pela inclusão nas respectivas Conclusões 19. a 22.
13.º
O Tribunal da Relação negou provimento ao Recurso interposto, entendendo que a norma na interpretação propugnada pela 1ª Instância que o recorrente denunciou por violadora de cânones constitucionais não encerra a infracção de qualquer preceito da Lei Fundamental, o que legitima a apreciação da suscitada questão perante o Tribunal Constitucional.
14.º
Atento o exposto, e constatando-se que recorrente e aqui reclamante deixou esgotar-se o prazo de recurso para o Supremo tribunal de Justiça em 15.03.2011 (sem prejuízo do disposto no n.º 5 do art.º 145.º do CPC),
15.º
Tendo interposto Recurso para o Tribunal Constitucional em 21.03.2011, é, manifestamente tempestiva a sua interposição, devendo a presente Reclamação merecer provimento.” (fls. 1 a 5).
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço (fls. 59 a 62), considerando que a reclamação deveria proceder quanto à decidida intempestividade do recurso interposto, mas, simultaneamente, defendendo que o recurso não deveria ser admitido por não a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada não constituir fundamento determinante da decisão recorrida.
4. Perante a invocação de novo fundamento de não conhecimento do objecto do recurso, a Relatora proferiu despacho, em 07 de Julho de 2011, através do qual convidou o recorrente a pronunciar-se, nos termos dos artigo 704º, n.º 1 e 703º, n.º 2, aplicáveis por força do artigo 69º da LTC. Em resposta a este convite, o recorrente veio reiterar a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 1 do artigo 396º do Código de Processo Civil (CPC) – alongando-se acerca de questões substantivas cuja decisão não cabe a este Tribunal –, concluindo que a referida interpretação normativa foi efectivamente aplicada pela decisão recorrida:
“Atento o exposto, e salvo melhor e Douta opinião, entende o recorrente que, contrariamente ao entendimento do Ministério Público, é questão central de apreciação do Recurso e, sobre a qual o Tribunal da Relação de Coimbra se pronunciou.
Pois que, e em suma, o recorrente entende que o Administrador de Insolvência/Massa Insolvente é um mero depositário das acções e que, dessa forma, o Auto de apreensão confere àquele a necessária comprovação da sua situação de sócio/accionista e, por outro lado, o Tribunal da Relação de Coimbra, por entender que na sequência de um processo resolutivo o Administrador de Insolvência não tem poderes de mero depositário, conclui assim que, o recorrente não tem a qualidade de sócio.
Verifica-se pois que a questão cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada foi efectuada pelo Tribunal.” (fls. 71)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Independentemente da questão de saber se o reclamante tem razão quando afirma que o prazo de interposição de recurso de constitucionalidade, de 10 dias (artigo 75º, n.º 1, da LTC) apenas inicia a respectiva contagem a partir do decurso do prazo para interposição de um eventual recurso por oposição de julgados, o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade normas ou de interpretações normativas que tenham sido efectivamente alvo de aplicação pelos tribunais recorridos, de tal modo que essa norma ou interpretação normativa tenha sido decisiva e determinante para o resultado da decisão proferida (cfr. artigo 79º-C da LTC).
Ora, analisada a decisão recorrida, conclui-se que não aplicou como ratio decidendi a interpretação extraída da “norma constante do artigo 396.º n.º 1 do Código de Processo Civil quando interpretada no sentido em que não constitui justificação da qualidade de sócio a apresentação, pelo proprietário das acções, de documento certificativo da apreensão judicial e respectiva constituição de depósito legal (ex vi art. 150.º do CIRE)” (fls. 52), tendo, pelo contrário, considerado que, no caso de apreensão judicial das acções, quem exerce efectivamente a posição jurídica activa de sócio é o próprio administrador da insolvência e não o sócio cujas acções se encontrem apreendidas.
Senão, veja-se:
“Nos termos do n.º 1 do artigo 120.º do CIRE, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.”
(…)
“Ora, na situação «sub judice», por força do disposto no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil (conjugado com a faculdade que a lei confere ao administrador da insolvência, nos artigos 120.º e seguintes do CIRE), a eficácia da declaração resolutiva decorre, não simplesmente da vontade nesse sentido manifestada pelo administrador da insolvência, mas sobretudo da expressa atribuição de tal efeito, pela lei.”
“Para invocar a inconstitucionalidade da interpretação por parte do tribunal recorrido, do artigo 396.º do CPC, com o devido respeito, o recorrente parte de uma premissa errada que, irremediavelmente falseia a conclusão.
E tal premissa é a afirmação de, na sequência da resolução do negócio em benefício da massa envolvente, o administrador da insolvência passa a ser um mero depositário.
Ora, o administrador da insolvência, na sequência da resolução efectuada ao abrigo dos poderes que a lei lhe confere (artigos 120.º e seguintes do CIRE), não assume a qualidade de mero depositário (…).” (fls. 37, 39 e 48)
Daqui decorre que a decisão recorrida considerou decisivo que se mantém a eficácia da declaração de resolução em benefício da massa insolvente do negócio de transmissão das acções e que o administrador da insolvência não age como mero depositário, cabendo-lhe antes o exercício da posição activa decorrente da apreensão de participações sociais. Sucede que o recorrente não configurou como objecto do presente recurso qualquer interpretação normativa que correspondesse à efectivamente adoptada pela decisão recorrida.
Portanto, agindo como mero tribunal de recurso – ou seja, como órgão encarregue de reapreciar questões já discutidas nas instâncias recorridas – não pode agora o Tribunal Constitucional abrir a discussão de questão nova que não constitui “ratio decidendi” da decisão recorrida, pelo que se rejeita conhecer do objecto do presente recurso.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 11 de Outubro de 2011. – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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