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Processo n.º 308/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. requereu, em 25 de Maio de 2010, junto dos serviços do Centro Distrital de Aveiro da Segurança Social, que lhe fosse concedido apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, a fim de instaurar acção declarativa de condenação, emergente de acidente de viação.
Aqueles serviços, por decisão de 13 de Julho de 2010, indeferiram o requerido.
A Requerente impugnou judicialmente esta decisão, concluindo pela revogação da decisão impugnada e pela sua substituição por outra que lhe conceda apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Os serviços de Segurança Social mantiveram o decidido, tendo remetido o processo para o Juízo de Média e Pequena Instância Cível de Aveiro, da Comarca do Baixo Vouga.
Aí foi concedido provimento à impugnação e revogada a decisão dos serviços da Segurança Social, tendo-se concedido à Requerente o benefício de apoio judiciário na modalidade peticionada, por decisão proferida em 08 de Fevereiro de 2011, com a seguinte fundamentação:
«A., com os sinais dos autos, pediu a concessão de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo para propor acção de declarativa por acidente de viação, mediante requerimento por si subscrito, o qual deu entrada nos serviços da Segurança Social no dia 25 de Maio de 2010, alegando, em suma, estar desempregada e viver em casa dos pais, sendo o respectivo agregado familiar constituído por seus pais, por si e por dois irmãos menores e ainda ter tal agregado um prédio urbano e um prédio rústico.
Juntou documentos.
Por oficio de 23 de Junho de 2010, a Entidade recorrida, pediu informações complementares, notificando a requerente para, em 10 dias úteis, proceder à junção de documentos que identifica, com a indicação de que “a falta de junção dos documentos solicitados implica o indeferimento imediato do pedido de protecção jurídica (...) no 1º dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo de resposta, (...) não se procedendo a qualquer outra notificação”. E em audiência prévia, partindo do facto de o pai da requerente ter em depósitos bancários valor superior a 24 vezes o valor do indexante de apoios sociais, no pressuposto de o agregado familiar da requerente também constituído pelas pessoas referidas, notifica-a da intenção de proceder ao indeferimento do pedido, concedendo-lhe o prazo de 10 dias úteis para alegar por escrito o que tivesse por conveniente.
A requerente juntou a totalidade dos documentos pretendidos pela Segurança Social.
A Entidade recorrida, por despacho de 13 de Julho de 2010, consignando que a requerente juntou todos os documentos, reafirmando a sua posição consignada em sede de audiência prévia, indeferiu o pedido, o que comunicou à requerente por oficio de 15 de Julho de 2010.
É esta decisão que a requerente vem impugnar, ao abrigo do disposto nos artigos 28.º e 29.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alegando que o rendimento do seu agregado familiar não pode servir de critério para se deixar de conceder o beneficio de apoio judiciário, por não se basear na sua insuficiência económica, mas na suficiência económica de terceiro, o que deverá considerar-se inconstitucional; a requerente está desempregada e sem quaisquer rendimentos, só não vivendo separada do aludido agregado familiar porque não tem possibilidades financeiras, não fazendo as despesas judiciais parte do conceito de alimentos, sendo que a requerente nasceu a 24 de Fevereiro de 1990.
Conclui, pedindo a revogação da decisão impugnada e a concessão do pretendido apoio.
A Entidade recorrida defende a manutenção do decidido, com base nos factos que lhe serviram de fundamento, entendendo não terem sido trazidos aos autos elementos susceptíveis de alterar o sentido da decisão proferida.
Nada impede a apreciação do pedido.
O indeferimento do pedido baseia-se como se disse, no facto de a Entidade recorrida ter considerado relevante para a decisão, o facto de o pai da requerente ter depósitos bancários de valor superior a 24 vezes o do indexante de apoios sociais, tendo em conta o disposto no art. 8.º-A, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho do qual resulta que “Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares foram superiores a 24 vezes o valor do indexante de apoios sociais, considera-se que o requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar”.
Vejamos, porém, se tal facto é determinante da decisão proferida, sendo certo que tal montante não pertence à requerente mas ao pai, com quem ela vive, estando desempregada.
Desde logo, o facto de a requerente ter alegado estar desempregada faz presumir que já esteve empregada, donde, pelas regras da experiência, já teve autonomia económica e, por outro lado, não está provado que a requerente, que é de maioridade, tenha a disponibilidade dos rendimentos do pai, designadamente do aludido valor.
Na esteira de jurisprudência anterior, decidiu o Tribunal Constitucional, mediante seu douto acórdão n.º 273/2008, “Julgar inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20º CRP, o conjunto normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria n.º 1085-A/2004, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, incluindo os rendimentos auferidos pela sua filha maior, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento”.
Tratava-se de apreciar uma decisão que julgara materialmente inconstitucional tal conjunto normativo “na parte em que impõe que seja considerado para efeito de cálculo de rendimento relevante do requerente do beneficio de apoio judiciário, casado, desempregado e sem que beneficie de qualquer subsídio ou pensão, o rendimento da sua mulher e da filha maior (ou pelo menos desta), por violação do direito de acesso ao Direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa”.
A matéria regulada, então, nos artigos 6.º a 10º da indicada Portaria, revogados que foram pelo art. 5.º da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, está hoje, conforme redacção dada pelo art. 2.º deste Diploma, no Anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sem alterações substanciais, pelo que a doutrina relativa àqueles ditos artigos vale por inteiro para a que emerge deste Anexo.
Ora, a presente questão tem perfeita similitude com a antes referida e assumindo, como assumimos, como correcta tal doutrina, perfilhando-a inteiramente, de igual modo terá de ser decidido o presente caso, já que os valores do agregado familiar considerados pela Entidade recorrida são pertença do pai da requerente e não está apurado que esta possa contar com a sua fruição, sendo certo que o pai não tem, à partida, obrigação de lhe financiar os custos duma acção.
Na verdade, a doutrina que serve para decidir a questão relacionada com os rendimentos dos elementos do agregado familiar da requerente também vale para decidir a que se relaciona com o património e, designadamente, com o que respeita a depósitos bancários.
Com efeito, não sendo possível obrigar o pai a patrocinar a actividade judiciária da filha, a denegação da solicitada protecção jurídica à requerente pode colocá-la na impossibilidade efectiva de defender o seu alegado direito.
Assim, a interpretação do conjunto normativo constituído pelo n.º 5 do art. 8.º-A e pelo Anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, no sentido que foi feito pela Entidade recorrida está ferida de inconstitucionalidade material. Além disso, visto o disposto na alínea a) do n.º 1 deste artigo, a situação económica da requerente, pela sua insuficiência, confere-lhe o direito ao que pede.
Assim, desaplicando o conjunto normativo resultante do Anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento e da situação patrimonial do seu agregado familiar, incluindo os rendimentos auferidos pelo pai da requerente e o valor e composição do património dele, independentemente de ela deles fruir, por violação do n.º 1 do art. 20.º da CRP, e tendo em conta a situação económica da requerente, na procedência da impugnação, concedo a esta o apoio judiciário na modalidade requerida.
Notifique e comunique à Segurança Social.»
O Ministério Público recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, com fundamento na recusa de aplicação do “conjunto normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004 (na redacção dada pela Lei n.º 47/07, de 28/08), conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 5, da mesma Lei.”
O Ministério Público apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«16º
Em face de todo o exposto, há que concluir pela procedência da argumentação da Meritíssima Juíza a quo, relativamente à interpretação do conjunto normativo constituído pelo nº 5, do art. 8º - A e pelo Anexo da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, conjunto normativo, esse, que se tem por materialmente inconstitucional, por violação do art. 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa – direito de acesso ao direito e aos tribunais.
17º
Entende, assim, o Ministério Público, que este Tribunal Constitucional deverá, no âmbito do presente recurso de constitucionalidade:
a) Julgar inconstitucional, por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, o conjunto normativo constituído pelo nº 5 do art. 8º - A e pelo Anexo à Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, na parte em que impõe que o rendimento relevante, para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário, seja necessariamente determinado a partir do rendimento e da situação patrimonial do agregado familiar da requerente, incluindo os rendimentos auferidos pelo pai desta e o valor e composição do respectivo património, independentemente de a requerente deles fruir;
b) Negar, nessa medida, provimento ao presente recurso, confirmando o juízo de inconstitucionalidade formulado na decisão recorrida.»
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo concluindo no mesmo sentido que o Ministério Público.
Fundamentação
A decisão recorrida afastou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, da interpretação do conjunto normativo constituído pelo n.º 5, do art. 8.º-A, e pelo Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento e da situação do agregado familiar da requerente, incluindo os rendimentos auferidos pelo pai da requerente e o valor e composição do património dele, independentemente de ela deles fruir.
O artigo 8.º-A, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, dispõe o seguinte:
«Artigo 8º-A
Apreciação da insuficiência económica
1 – A insuficiência económica das pessoas singulares é apreciada de acordo com os seguintes critérios:
a) O requerente cujo agregado familiar tenha um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou inferior a três quartos do indexante de apoios sociais não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo, devendo igualmente beneficiar de atribuição de agente de execução e de consulta jurídica gratuita;
b) O requerente cujo agregado familiar tenha um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a três quartos e igual ou inferior a duas vezes e meia o valor do indexante de apoios sociais tem condições objectivas para suportar os custos de uma consulta jurídica sujeita ao pagamento prévio de uma taxa, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, beneficia de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado e de atribuição de agente de execução;
c) Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo agregado familiar tenha um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a duas vezes e meia o valor do indexante de apoios sociais.
2 – O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica é o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica e calcula-se nos termos previstos no anexo à presente lei.
3 – Considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica.
4 – O valor da taxa devida pela prestação da consulta jurídica a que se refere a alínea b) do nº 1 é fixado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
5 – Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem superiores a 24 vezes o valor do indexante de apoios sociais, considera-se que o requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar.
6 – O requerente pode solicitar, excepcionalmente e por motivo justificado, que a apreciação da insuficiência económica tenha em conta apenas o rendimento, o património e a despesa permanente próprios ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar.
7 – Em caso de litígio com um ou mais elementos do agregado familiar, a apreciação da insuficiência económica tem em conta apenas o rendimento, o património e a despesa permanente do requerente ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar, desde que ele o solicite.
8 – Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo dos serviços de segurança social competente para a decisão sobre a concessão de protecção jurídica entender que a aplicação dos critérios previstos nos números anteriores conduz a uma manifesta negação do acesso ao direito e aos tribunais pode, por despacho especialmente fundamentado e sem possibilidade de delegação, decidir de forma diversa daquela que resulta da aplicação dos referidos critérios.»
Por sua vez, o Anexo à Lei n.º 34/2004 (na redacção dada pela Lei n.º 47/07, de 28/08), tem o seguinte teor:
«ANEXO
Cálculo do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
I — Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A), ou seja, YAP = YC - A.
2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso em múltiplos do indexante de apoios sociais.
II — Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar (YR), ou seja, YC = Y + YR.
2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento e das contribuições obrigatórias para regimes de protecção social.
3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no n.º V.
III — Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto na tabela do n.º VI.
3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente (h) ao valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC), ou seja, H = h + YC, em que h é determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto na tabela do n.º VII.
IV — Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
O valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificado nos n.os I a III, é calculado através da seguinte fórmula:
A fórmula de cálculo resulta das seguintes identidades algébricas:
Portanto, por operações aritméticas elementares:
V — Cálculo da renda financeira implícita
1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do n.º II é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestres do ano civil em curso.
3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita medida desse excesso.
5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 — Entende-se por valor dos bens móveis sujeitos a registo o respectivo valor de mercado.
VI — Tabela a que se refere o n.º 2 do n.º III
Escalões de rendimento líquido completo do agregado familiar (YC)
(valores anuais expressos em euros)
Coeficientes de dedução de despesa (d)
4 500 - YC < 9 000.................................................
9 000 - YC < 13 500................................................
13 500 - YC < 18 000..............................................
YC - 18 000............................................................
0,320
0,288
0,264
0,217
VII — Tabela a que se refere o n.º 3 do n.º III
Escalões de rendimento líquido completo do agregado familiar (YC)
(valores anuais expressos em euros)
Coeficientes de dedução de despesa (d)
4 500 - YC < 9 000.................................................
9 000 - YC < 13 500................................................
13 500 - YC < 18 000..............................................
YC - 18 000............................................................
0,238
0,207
0,198
0,184
[…]»
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre questões de constitucionalidade semelhantes à que subjaz ao presente caso, mas em face do regime anterior ao introduzido pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, ou seja, o regime constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto), conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto.
Assim, e para melhor análise do caso dos autos, importa, antes de mais, recordar o teor do referido Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção primitiva, anterior à introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto), e dos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto (que foram entretanto revogados pelo artigo 5.º da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto).
O Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, na parte que ora releva, continha as seguintes normas:
«ANEXO
I — Apreciação da insuficiência económica
1 — A insuficiência económica é apreciada da seguinte forma:
a) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica igual ou menor do que um quinto do salário mínimo nacional não tem condições objectivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo;
b) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a um quinto e igual ou menor do que metade do valor do salário mínimo nacional considera-se que tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica e por conseguinte não deve beneficiar de consulta jurídica gratuita, devendo, todavia, usufruir do benefício de apoio judiciário;
c) O requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a metade e igual ou menor do que duas vezes o valor do salário mínimo nacional tem condições objectivas para suportar os custos da consulta jurídica, mas não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, deve beneficiar do apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado, previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 16.º da presente lei;
d) Não se encontra em situação de insuficiência económica o requerente cujo agregado familiar tem um rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica superior a duas vezes o valor do salário mínimo nacional.
2 — Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem superiores a 40 vezes o valor do salário mínimo nacional, considera-se que o requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do valor do rendimento do agregado familiar.
3 — Para os efeitos desta lei, considera-se que pertencem ao mesmo agregado familiar as pessoas que vivam em economia comum com o requerente de protecção jurídica.
[…]»
Por seu turno, os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, tinham o seguinte conteúdo:
«SECÇÃO II
Apreciação do requerimento
Artigo 6.º
Rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — Para efeitos do disposto no anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é o montante que resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) e o valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A), ou seja, YAP = YC–A.
2 — O rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica (YAP) é expresso em múltiplos do salário mínimo nacional.
Artigo 7.º
Rendimento líquido completo do agregado familiar
1 — O valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC) resulta da soma do valor da receita líquida do agregado familiar (Y) com o montante da renda financeira implícita calculada com base nos activos patrimoniais do agregado familiar (YR), ou seja, YC= Y+ YR.
2 — Por receita líquida do agregado familiar (Y) entende-se o rendimento depois da dedução do imposto sobre o rendimento, das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de segurança social e das contribuições dos empregadores para a segurança social.
3 — O cálculo da renda financeira implícita é efectuado nos termos previstos no artigo 10.º da presente portaria.
Artigo 8.º
Dedução relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — O valor da dedução relevante para efeitos de protecção jurídica (A) resulta da soma do valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) com o montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H), ou seja, A = D + H.
2 — O valor da dedução de encargos com necessidades básicas do agregado familiar (D) resulta da aplicação da seguinte fórmula:
em que n é o número de elementos do agregado familiar e d é o coeficiente de dedução de despesas com necessidades básicas do agregado familiar, determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo I.
3 — O montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) resulta da aplicação do coeficiente h ao valor do rendimento líquido completo do agregado familiar (YC), ou seja, H = h×YC, em que h é determinado em função dos diversos escalões de rendimento, de acordo com o previsto no anexo II.
4 — O cálculo do montante da dedução de encargos com a habitação do agregado familiar (H) apenas tem lugar se o seu valor for superior ao montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição ou no caso de não ter sido declarada qualquer despesa com a habitação do agregado familiar; caso o valor realmente despendido (B) seja inferior, é este o valor considerado.
Artigo 9.º
Fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica
1 — Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, especificada nos artigos anteriores e no anexo III, é a seguinte:
2 — Se, porém, o montante da despesa efectivamente suportada pelo agregado familiar com o pagamento de renda da casa de morada de família ou de prestações para a sua aquisição (B) for inferior ao montante que resulte da aplicação do coeficiente de dedução de encargos com a habitação do agregado familiar previsto no artigo anterior, a fórmula de cálculo do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica é a seguinte:
Artigo 10.º
Cálculo da renda financeira implícita
1 — O montante da renda financeira implícita a que se refere o n.º 1 do artigo 7.º é calculado mediante a aplicação de uma taxa de juro de referência ao valor dos activos patrimoniais do agregado familiar.
2 — A taxa de juro de referência é a taxa EURIBOR a seis meses correspondente ao valor médio verificado nos meses de Dezembro ou de Junho últimos, consoante o requerimento de protecção jurídica seja apresentado, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil em curso.
3 — Entende-se por valor dos bens imóveis aquele que for mais elevado entre o declarado pelo requerente no pedido de protecção jurídica, o inscrito na matriz predial e o constante do documento que haja titulado a respectiva aquisição.
4 — Quando se trate da casa de morada de família, no cálculo referido no n.º 1 apenas se contabiliza o valor daquela se for superior a € 100 000 e na estrita medida desse excesso.
5 — O valor das participações sociais e dos valores mobiliários é aquele que resultar da cotação observada em bolsa no dia anterior ao da apresentação do requerimento de protecção jurídica ou, na falta deste, o seu valor nominal.
6 — Entende-se por valor dos veículos automóveis o respectivo valor de mercado».
Como se disse, o Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre a conformidade constitucional destas normas. Concretamente, no Acórdão n.º 654/2006 (acessível na Internet, assim como os restantes acórdãos que a seguir se indicam sem outra menção expressa, em www.tribunalconstitucional.pt), foi julgado inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto), conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica fruir tal rendimento.
Escreveu-se no referido Acórdão:
«Como o valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, determinado a partir do rendimento do requerente e da avó, com quem vive e de quem recebe alimentos, e das fórmulas previstas na Portaria que fixa os critérios de prova e de apreciação da insuficiência económica para a concessão daquela protecção, levava à inserção do caso em apreço nos presentes autos na alínea c) do nº1 do ponto I do Anexo à Lei 34/2004 – concessão de apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado previsto na alínea d) do nº1 do artigo 16º desta Lei – o tribunal recorrido desaplicou o Anexo à Lei nº 34/2004, conjugado com os artigos 6º a 10º da Portaria nº 1085-A/04, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, a aplicação conjugada deste Anexo e destes artigos não garante o acesso ao direito e aos tribunais, consentindo a possibilidade de ser denegado este acesso por insuficiência de meios económicos, na medida em que o rendimento relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário é determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente fruir o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Devendo destacar-se que facilmente se poderá verificar a hipótese de o requerente de protecção jurídica não fruir, de facto, o rendimento do terceiro que integra a economia comum. Para além de poder haver interesses conflituantes entre os membros da economia comum, designadamente quanto ao objecto do processo, e de o requerente de protecção jurídica poder querer exercer o direito de reserva sobre a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o terceiro em causa pode não estar juridicamente obrigado a contribuir para as despesas do requerente de apoio judiciário.
Nos presentes autos, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses (cf. artigos 2003º e 2005º do Código Civil e 399º, nº 2, do Código de Processo Civil e o que sobre isto se diz na decisão recorrida e nas alegações do recorrente, a fl. 59 e s.), não se pode assumir que o requerente de apoio judiciário dispõe, efectivamente, de parte do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica – a parte correspondente ao rendimento de quem lhe presta alimentos (a avó) –, o que consente a possibilidade de ser denegado o acesso ao direito e aos tribunais por insuficiência de meios económicos. Podendo ainda invocar-se, neste mesmo sentido, o artigo 116º, nº 1, do Código das Custas Judiciais, uma vez que em caso de execução por custas respondem apenas os bens penhoráveis do requerente de protecção jurídica e não também os bens daquele que com ele vive em economia comum; e o regime de protecção das pessoas que vivam em economia comum, previsto na Lei nº 6/2001, de 11 de Maio, já que as pessoas que integram esta economia não estão obrigadas a contribuir para despesas como as que estão em causa nos presentes autos.»
Assim, neste caso, em que o requerente do apoio judiciário vivia com a avó, que lhe prestava alimentos, o Tribunal Constitucional entendeu que o mencionado regime legal, ao não efectuar, em regra, qualquer ponderação em concreto da situação de insuficiência económica, e considerando, para esse efeito, o rendimento do agregado familiar com base na aplicação de uma mera fórmula matemática, pode representar a denegação do direito de acesso aos tribunais quando se verifique que o requerente poderá não dispor dos rendimentos de terceiros que compõem o agregado familiar e que estes poderão não estar sequer obrigados a contribuir para as despesas judiciais que o requerente pretenda realizar, uma vez que o dever de prestar alimentos não compreende as despesas relativas a taxa de justiça e honorários forenses.
Ainda neste mesmo sentido, e em situações que apresentam similitude com a dos presentes autos, mas analisadas em face do regime anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, o Tribunal Constitucional, nos acórdãos n.ºs 273/08, 274/2008, 359/08 e 313/09 (todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), pronunciou-se também pela inconformidade constitucional das aludidas normas, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP.
Na decisão recorrida entendeu-se que a matéria que se encontrava regulada nos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, está hoje, conforme redacção dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, no Anexo da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, sem alterações substanciais.
Assim, louvando-se na referida jurisprudência do Tribunal Constitucional e entendendo que a questão dos presentes autos tinha perfeita similitude com a decidida no Acórdão n.º 273/08 (em que estava em causa a imposição, pelo conjunto normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, e pelos artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de atribuição de relevância, para efeitos de concessão desse benefício, ao rendimento do agregado familiar do requerente de protecção jurídica, incluindo os rendimentos auferidos pela sua filha maior, independentemente de este fruir, de facto, desses rendimentos), a decisão recorrida sustentou que a jurisprudência deste acórdão era transponível para o caso sub judice.
Conforme resultou provado, no caso dos autos, o pai da Requerente era titular de créditos depositados em contas bancárias de valor superior a 24 vezes o do indexante de apoios sociais, o que levou a que os serviços da Segurança Social tenham indeferido o pedido de apoio judiciário, tendo em conta o disposto no artigo 8.º-A, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
A decisão recorrida, contudo, entendeu que, não estando apurado que a requerente do apoio judiciário possa contar com a fruição de tais valores e sendo certo que o pai daquela não tem, à partida, obrigação de lhe financiar os custos duma acção, a denegação da solicitada protecção jurídica à Requerente poderia colocá-la na impossibilidade efectiva de defender o seu alegado direito.
Daí que se tenha recusado a aplicar o conjunto normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção data pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto), conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 5, da mesma Lei, na parte em que impõe que o rendimento relevante para efeitos de concessão do beneficio do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento e da situação patrimonial do seu agregado familiar, incluindo os rendimentos auferidos pelo pai da Requerente e o valor e composição do património dele, independentemente de ela deles fruir, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
Na verdade, uma interpretação do conjunto normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção dada pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto), conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 5, da mesma Lei, com este sentido, violaria o direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, pelas razões enunciadas no Acórdão n.º 654/2006 do Tribunal Constitucional.
Contudo, tal leitura do quadro legislativo aplicável aos presentes autos não é aceitável, não tendo apoio em qualquer dos diferentes elementos interpretativos, nomeadamente na letra da lei após as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
Com efeito, conforme se disse, o artigo 5.º, da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, revogou os artigos 6.º a 10.º, da Portaria n.º 1085-A/04, de 31 de Agosto, sendo que a matéria que se encontrava regulada nestes artigos passou a integrar o Anexo da Lei n.º 34/2004, na redacção dada pelo artigo 2.º, da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
Por outro lado, o artigo 3.º, da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, veio aditar à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o artigo 8.º-A, cujo conteúdo é em parte semelhante às normas que integravam o anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na sua redacção inicial.
Assim, actualmente, o n.º 5 do art. 8.º-A da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, dispõe que “Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem superiores a 24 vezes o valor do indexante de apoios sociais, considera-se que o requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do valor do rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica do agregado familiar”.
Por sua vez, o n.º 2, do n.º I, do Anexo à Lei 34/2004, na sua primitiva redacção, dispunha que “Se o valor dos créditos depositados em contas bancárias e o montante de valores mobiliários admitidos à negociação em mercado regulamentado de que o requerente ou qualquer membro do seu agregado familiar sejam titulares forem superiores a 40 vezes o valor do salário mínimo nacional, considera-se que o requerente de protecção jurídica não se encontra em situação de insuficiência económica, independentemente do valor do rendimento do agregado familiar”.
Porém, apesar destas semelhanças, o regime não se manteve idêntico, uma vez que, na sequência da jurisprudência do Tribunal Constitucional acima referida, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, passou a admitir-se, no n.º 6, do artigo 8.º-A, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a possibilidade de o requerente de protecção jurídica solicitar que a apreciação da insuficiência económica tenha em conta apenas o rendimento, o património e a despesa permanente próprios ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar.
Conforme refere Salvador da Costa “teve este normativo por motivação, não só a Recomendação n.º 2/B/2005, de 12 de Outubro, do Provedor de Justiça, e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 654/2006, de 28 de Novembro, por via do qual foi julgado inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, o Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, conjugado com os artigos 6.º a 10.º da Portaria n.º 1085-A/2004, de 31 de Agosto, na parte em que impunha que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário fosse necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica o auferir» (In “O Apoio Judiciário”, pág. 65-66, da 7.ª Edição da Almedina),.
Significa isto que a interpretação do conjunto normativo constante do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção data pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto), conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 5, da mesma Lei, terá de ser necessariamente efectuada em conjugação com o n.º 6 deste artigo.
A interpretação que anteriormente às alterações introduzidas pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto, ao regime do apoio judiciário, era efectuada e que mereceu a censura do Tribunal Constitucional, não pode agora persistir, até porque a introdução do referido n.º 6 visou precisamente impedir essa interpretação ferida de inconstitucionalidade.
Só a inclusão do conteúdo deste n.º 6 no conjunto de preceitos sujeitos a actividade interpretativa é que permitirá extrair uma conclusão acertada sobre a imperatividade da consideração de todos os rendimentos, património e despesas do agregado familiar na determinação do rendimento relevante do requerente de apoio judiciário.
Ora, uma vez que o referido n.º 6, do artigo 8.º - A, do Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto, faculta ao requerente de protecção jurídica a possibilidade de solicitar que a apreciação da insuficiência económica tenha em conta apenas o rendimento, o património e a despesa permanente próprios ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar, tendo em consideração a sua fruição, não se pode concluir que resulte do complexo normativo integrado pelo Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção data pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto), conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 5, da mesma Lei, a imposição de que o rendimento relevante para efeitos de concessão do benefício do apoio judiciário seja necessariamente determinado a partir do rendimento do agregado familiar, independentemente de o requerente de protecção jurídica o auferir.
Uma interpretação das referidas normas no sentido de assegurar ao requerente de protecção jurídica a possibilidade de solicitar que a apreciação da insuficiência económica tenha em conta apenas o rendimento, o património e a despesa permanente próprios ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar, evitando assim que o seu rendimento ou património relevante para efeitos de concessão de apoio judiciário seja determinado a partir do rendimento ou património global do seu agregado familiar, independentemente de o requerente da protecção jurídica o auferir, já não fere a Constituição, nomeadamente o direito ao acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição.
Assim sendo, e atenta a manifesta falta de suporte da interpretação acolhida na decisão recorrida, face à redacção aplicável da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, justifica-se que o Tribunal Constitucional utilize a faculdade que lhe é concedida pelo artigo 80.º, n.º 3, da LTC, determinando a aplicação do preceito em apreço com a interpretação acima enunciada que se revela conforme à Constituição.
Decisão
Nestes termos, decide-se:
a) interpretar, ao abrigo do disposto no artigo 80.º, n.º 3, da LTC, o conjunto normativo integrado pelo Anexo à Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (na redacção data pela Lei n.º 47/07, de 28 de Agosto), conjugado com o artigo 8.º-A, n.º 5 e 6, da mesma Lei, como conferindo ao requerente de protecção jurídica a possibilidade de solicitar que a apreciação da sua insuficiência económica tenha em conta apenas o rendimento, o património e a despesa permanente próprios ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar;
b) conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada para aplicação do conjunto normativo em apreço, com a interpretação acima fixada.
Sem custas.
Lisboa, 29 de Setembro de 2011. – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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