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Processo n.º 485/11
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 350/2011:
“I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B., arguidos presos, e recorrido o Ministério Público, os primeiros vêm interpor recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido, em conferência, pela 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 02 de Maio de 2011 (fls. 145 a 150), para que seja apreciada a inconstitucionalidade da “interpretação dada pela decisão ora reclamada, acerca da al. f) do n.º 1 do art.º 400º do CPP, no sentido de que no caso de as relações não se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos no recurso, ainda assim caso a decisão de 1ª instância seja confirmada, tal decisão é irrecorrível” (fls. 166).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo” (cfr. fls. 178) com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que se deve começar por apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
Se o Relator verificar que algum, ou alguns deles, não foram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Conforme já aludido pela decisão recorrida, o Tribunal Constitucional dispõe de jurisprudência abundante e consolidada, a propósito precisamente da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, tendo sempre concluído que o direito ao recurso em processo penal (artigo 32º, n.º 1, da CRP) não é configurado como um direito absoluto e, como tal, basta-se com a garantia de recurso para apenas uma instância.
Sintetizando esta jurisprudência, veja-se o Acórdão n.º 551/2009 (disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos):
«7. O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas também que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).”
Por conseguinte, torna-se irrefutável que a questão relativa à responsabilidade criminal dos arguidos já foi alvo de apreciação por duas instâncias jurisdicionais, pelo que a opção legislativa pela inadmissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não se pode considerar que viole o n.º 1 do artigo 32º da CRP.
4. E nem sequer procede o argumento segundo o qual uma (alegada) omissão de pronúncia pelo Tribunal da Relação faria perigar a verificação de uma “dupla conforme”. Com efeito, conforme notado pela decisão recorrida (fls. 149), o legislador não incluiu no n.º 1 do artigo 400º do CPP qualquer menção aos casos de omissão de pronúncia, limitando-se a adoptar como critério de recorribilidade a natureza dos actos jurisdicionais (v .g., despachos de mero expediente, decisões, acórdãos absolutórios e condenatórios).
Aliás, o mesmo legislador determinou, através do artigo 379º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, que uma comprovada omissão de pronúncia constitui fundamento de nulidade da decisão jurisdicional proferida, cabendo a sua arguição e conhecimento em sede de recurso para o tribunal superior. Quando muito os recorrentes poderiam ter discutido a constitucionalidade, em face do princípio geral de recorribilidade (artigo 399º, do CPP), de uma interpretação normativa destas duas últimas normas jurídicas, no sentido de não ser admissível a invocação da nulidade por omissão de pronúncia, nos casos de acórdãos, proferidos pela relação, que confirmem decisão de condenação em pena de prisão inferior a oito anos.
Sucede, porém, que não o fizeram, tendo-se limitado a suscitar a inconstitucionalidade da norma extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP, através da reclamação apresentada perante o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1 a 5).
Ora, na medida em que foi interposto recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, os recorrentes encontravam-se obrigados pelo ónus processual de prévia suscitação daquela questão de constitucionalidade (artigo 72º, n.º 2, da LTC), o que, manifestamente, não foi cumprido.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, e pelos fundamentos expostos decide-se não conceder provimento ao presente recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.”
2. O recorrente vem agora reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da LTC, podendo extrair-se as seguintes conclusões:
“O ora reclamante não pode concordar com tal argumentação dado que a mesma carece, “in casu” de fundamento, conforme se alcança, facilmente, da análise da motivação de recurso;
Senão vejamos, em resumo as questões suscitadas:
“A interpretação dada pela decisão, à cerca da al. f) do n.º 1 do art.° 400° do CPP, no sentido de que no caso de as relações não se pronunciarem sobre todas as questões suscitadas pelos arguido no recurso, ainda assim caso a decisão da i’ instância seja confirmada, tal decisão é irrecorrível, é materialmente inconstitucional, por violação, pelo menos do n.º 1 do art.° 32° da CRP”.
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Do qual resulta clarividente que a questão foi suscitada “ab initio” isto é logo no recurso para o STJ.
Acresce que a desconformidade constitucional imputada pelo recorrente, não é à própria decisão jurisdicional, mas à interpretação que esta fez da norma ínsita no n.º 1 do artigo 400. ° do Código de Processo Penal, interpretação essa que esbarra com uma norma constitucional “in casu” o do art° 32.
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Torna-se assim evidente que recorrente cumpriu todos os requisitos de interposição de recurso para o TC, debruçando-se o mesmo sobre a ratio decidendi da decisão recorrida, motivo pelo qual o objecto do recurso deveria ter sido conhecido e não, proferida decisão sumária.” (fls. 190 e 191)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
“1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 350/2011 não se concedeu provimento ao recurso.
2º
O recorrente pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
3.º
Uma vez que o Tribunal Constitucional, em numerosa jurisprudência sobre tal norma, sempre se pronunciara no sentido da sua não inconstitucionalidade, a questão foi considerada simples.
4.º
O recorrente pretendia, no entanto, segundo ele, ver apreciada uma dimensão específica daquela norma.
5.º
Essa dimensão, na medida em que estava relacionada com a circunstância de a Relação não se ter pronunciado sobre todas as questões que haviam sido colocadas no recurso, remete-nos, necessariamente, para as nulidades da sentença (artigo n.º 379.º do CPP), aplicável ao acórdão da Relação, por força do artigo 425.º, n.º 4, do CPP.
6.º
Efectivamente, as nulidades devem ser arguidas em recurso (n.º 2 do artigo 379.º), mas, obviamente, se a decisão for recorrível.
7.º
Ora, é no artigo 400.º que se estabelece quais as decisões recorríveis.
8.º
Portanto, a dimensão normativa referida pelo recorrente, teria sempre de ancorar no preceito legal que fixa o regime de nulidade da sentença, ou seja, no artigo 379.º do CPP, e não no artigo 400º, nº 1, alínea f), do mesmo Código.
9.º
Neste sentido, poderíamos ainda acrescentar que a inconstitucionalidade invocada, nos remete, necessariamente, para um momento anterior.
10.º
Ou seja, não existe qualquer decisão onde se afirme que a Relação não se pronunciou - ainda que implicitamente ou quando de forma criteriosa e exaustiva reapreciou a matéria de facto -, sobre todas as questões, não cabendo, obviamente, ao Tribunal Constitucional fazê-lo.
11.º
O que nos leva a concluir que aquela dimensão normativa não foi aplicada na decisão recorrida.
12.º
Apreciar a questão da inconstitucionalidade adiantada pelo recorrente, era apreciar a constitucionalidade de uma norma ficcionada por aquele e que não resulta nem se extrai de qualquer decisão proferida nas instâncias.
13.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
II – Fundamentação
4. A reclamação apresentada não logra abalar os fundamentos da decisão reclamada. Aliás, o reclamante nem sequer apresenta qualquer argumento adequado à refutação daquela.
Por um lado, limita-se a afirmar, sem demonstrar, que teria suscitado a inconstitucionalidade de interpretação normativa extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP. Por outro lado, alega que nunca pretendeu ver sindicada a inconstitucionalidade da própria decisão jurisdicional recorrida, mas apenas de determinada interpretação normativa.
Ora, sucede que a invocação de tais razões se apresenta como incompreensível. É que, desde logo, a decisão ora reclamada nunca se sustentou no argumento de que teria sido requerida a fiscalização da constitucionalidade da própria decisão jurisdicional e não de determinada interpretação normativa. Pelo contrário, a decisão ora reclamada nunca contestou que o recorrente tivesse fixado como objecto do recurso uma determinada interpretação normativa extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do CPP.
Pelo contrário, o que a decisão reclamada entendeu – e bem – foi que o recorrido (ora reclamante) não suscitou a inconstitucionalidade de interpretação normativa extraída do artigo 379º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, que, essa sim – e quando muito –, poderia ser reputada de inconstitucional, face ao modo como aquele configurou o objecto do presente recurso.
Como é evidente, tal interpretação normativa nunca foi reputada de inconstitucional, pelo que, constituindo esta a “ratio decidendi” da decisão recorrida, mais não resta que confirmar a decisão ora reclamada.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Fixam-se as custas devidas pela recorrente em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 21 de Julho de 2011. Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão
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