|
Processo n.º 657/10
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., S.A. e são recorridos B. e C. (habilitados no lugar de D., falecido na pendência da causa), foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 14 de Julho de 2010.
2. Por sentença de 1.ª instância, a recorrente foi condenada, entre o mais, a dar ocupação efectiva a D., atribuindo-lhe funções compatíveis com a sua categoria profissional, bem como a pagar-lhe créditos devidos a título de subsídio por trabalho com monitores, vencidos e vincendos até efectivo pagamento, a liquidar em execução de sentença, por aplicação da cláusula 40ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AIND – Associação da Imprensa não Diária e o Sindicato dos Jornalistas.
Ambas as partes apelaram desta decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa negado provimento aos recursos.
3. A recorrente interpôs recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça acordado em conceder, parcialmente, a revista, revogando o acórdão recorrido na parte em que confirmou a condenação da recorrente no pagamento de créditos correspondentes ao acréscimo retributivo do regime de isenção de horário de trabalho.
Sobre a questão da constitucionalidade da Cláusula 40ª daquela Convenção Colectiva de Trabalho, suscitada nas alegações do recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela conformidade constitucional da mesma, com a seguinte fundamentação:
«6. Da inconstitucionalidade material da cláusula 40ª do referido CCT:
Sobre o problema, a sentença da 1.ª instância, discorreu assim:
“Dispõe a cl. 40ª do mesmo C.C.T que 'nas redacções informatizadas, os jornalistas que trabalhem com monitores têm direito a uma retribuição acessória equivalente a 5% da respectiva retribuição de base mínima'.
A este propósito, ficou provado que o autor sempre trabalhou com monitores e que a ré nada lhe pagou a esse título (cfr. alíneas D e E´´ da factualidade assente).
Tem pois direito a receber tal subsídio, a partir de 4.7.93 (data da entrada em vigor do referido C.C.T.), vencido e vincendo até efectivo pagamento, também a liquidar em sede de execução de sentença.
Não colhe a argumentação da ré ao invocar a inconstitucionalidade da dita cláusula por violação do disposto nos art.ºs 59.º, n.º. 1, a) e 62.º, n.ºs 1 e 2 da C.R.P.
Com efeito, dispõe o art.º 59.º, n.º 1, a), da C.R.P. que 'todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicção política ou ideológica, têm direito; a) à retribuição de trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade (...)'.
Nos termos deste preceito legal a retribuição deve ser conforme a quantidade de trabalho (i. e. a sua intensidade e duração) a sua qualidade (i. e. de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade). Ora, sempre poderá ser entendido que a utilização de monitores é contrapartida de uma melhor qualidade de trabalho, uma vez que exige conhecimentos e prática na sua utilização pelo que não pode dizer-se como o faz a ré, que o pagamento dessa prestação não constituiria contrapartida de qualquer trabalho prestado pelo autor. Também não colhe a alegação de que, à data em que o CCT foi celebrado, ainda não se encontrava divulgado o uso do computador, destinando-se tal subsídio a compensar o trabalhador pelo seu empenho na utilização desta nova ferramenta de Trabalho. O C.C.T. é de 1993, altura em que os computadores já estavam amplamente divulgados e se as partes acordaram no conteúdo desta cláusula e porque entenderam tal subsídio como um 'prémio' pela melhor qualidade de trabalho desenvolvido pelos vários trabalhadores que esta nova tecnologia proporciona, permitindo uma melhor organização do trabalho por parte da entidade patronal. E, nesta medida, entendemos que também não há violação do disposto no art.º 62.º, n.ºs 1 e 2 da CRP traduzida na apropriação ilícita da propriedade privada.”
O Tribunal da Relação corroborou expressamente este juízo, remetendo para os fundamentos vertidos na sentença.
A Ré, no recurso de revista, para discordar do decidido, quanto à questão da constitucionalidade, aduz os argumentos que expusera nas instâncias: que o subsídio em causa não representa contrapartida do trabalho prestado e que se trata de uma verba retirada à propriedade privada dos editores sem contrapartida.
Nenhuma censura merece o juízo das instâncias e a fundamentação que se deixou transcrita, que responde cabalmente aos argumentos da recorrente, não se vislumbrando em que medida a cláusula em apreciação contende com as referidas normas constitucionais.
Por isso, sem necessidade de outras considerações, se subscreve tal veredicto.»
4. Deste acórdão foi interposto o recurso de constitucionalidade, para apreciação do artigo 4.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, “quando interpretado no sentido de que a caducidade só tem lugar por facto, quando relativo ao trabalhador, que a ele não seja imputável”, por violação dos artigos 2.º e 86.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição; e da cláusula 40ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AIND – Associação da Imprensa não Diária e o Sindicato dos Jornalistas, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 24, de 29 de Junho de 1993, por violação dos artigos 59.º, n.º 1, alínea a), 62.º, n.ºs 1 e 2, 2.º e 82.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição.
Por despacho da Relatora de 17 de Novembro de 2010 decidiu-se não tomar conhecimento daquela norma do artigo 4.º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, uma vez que a decisão recorrida não a aplicou, como ratio decidendi, na interpretação identificada pela recorrente. Este despacho não foi objecto de reclamação.
5. Notificada para produzir alegações, a recorrente sustentou e concluiu, entre o mais, o seguinte:
«3. Cláusula 40ª do CCT dos Jornalistas (subsídio do monitor):
3.1. Dispõe a cláusula 40ª da CCT para os jornalistas: «Nas redacções informatizadas, os jornalistas que trabalhem com monitores tem direito a uma retribuição acessória equivalente a 5% da respectiva retribuição de base mínima».
3.2. À data da assinatura do CCT entre as partes outorgantes, iniciava-se gradualmente a informatização das redacções das publicações em geral e das publicações periódicas em particular.
3.3. Tal realidade acha-se hoje profundamente alterada.
3.4. Com efeito, presentemente nas publicações periódicas em geral, e em especial, aquelas que figuram no topo das vendas em Portugal (pelo menos aquelas que se situam entre as vinte mais vendidas e ou de maior tiragem no país) - jornais diários, revistas de actualidades de periodicidade semanal ou mesmo mensal, dispõem de total informatização nas suas Redacções.
3.5. Os jornalistas elaboram desde logo os textos em computador, no qual são alinhados com as fotos que os acompanham e todo esse alinhamento é remetido para a gráfica que depois faz introduzir esse conteúdo na chapa de impressão.
3.6. Todo este processo decorre através da informática e com o uso de monitores sempre em processo virtual até à concepção do dito suporte material que permitirá a impressão na gráfica.
3.7. Assim se passa nas instalações da R. de há seis anos a esta data de 24/3/99 pelo menos e quanto a todas as Revistas editadas pela Ré, incluindo os títulos Segredos de Cozinha, TV 7 Dias e Ego (esta, como se disse, com a publicação presentemente suspensa) – já à data da entrada da contestação dos autos.
3.8. Com a introdução da dita cláusula 40ª as partes outorgantes no CCT tinham em vista compensar o esforço da adaptação à mudança de procedimentos dos jornalistas em face das novas tecnologias ainda e naquela época em fase incipiente de divulgação e acesso, com a consequente habituação e adestramento dos respectivos utilizadores.
3.9. No período subsequente e até aos dias de hoje, a informática passou a ser de uso corrente, a programação passou a ser cada vez mais simplificada e a linguagem informática passou a ser acessível mesmo em língua portuguesa, ao alcance dos adolescentes.
Caiu por terra a base do negócio que tinha determinado as partes a outorgarem a referida cláusula.
3.10. Assim, a contrapartida do dito subsídio já não existe, O trabalho com monitor passou a ser elemento comum nas Redacções das publicações periódicas, e não representa já qualquer acréscimo de esforço ou de risco para os utilizadores. O acesso à informática é hoje possibilitado nas escolas, com a aprendizagem e o seu uso em concreto em monitores que existem nas próprias escolas. Nas universidades os alunos têm acesso à rede internet em sistema de permanência, abrindo-lhes assim as hipóteses ao conhecimento da informação global.
3.11. Divulgou-se a aquisição do computador pessoal (PC) com preços acessíveis a grandes maiorias de consumidores, assistindo-se a uma publicidade massiva desses produtos, com sucessos de vendas que habitualmente se conhecem pelos órgãos de comunicação social.
3.12. Face à inexistência da contrapartida para o pagamento do dito subsídio, é inconstitucional a referida cláusula 40ª do CCT, por violação material do disposto nos artigos da CRP. 59, nº 1, alínea a), 62, nº 1 e 2. Se não vejamos.
3.13. Não corresponde a retribuição de trabalho prestado como se viu. Por isso está-se perante uma verba retirada à propriedade privada dos editores sem contrapartida. E por não encontrar justificação razoável e ser desproporcionada em relação aos proveitos gerando nítido desequilíbrio das prestações no domínio da vontade das partes, viola o princípio da legalidade incito ao Estado de Direito. Viola-se o disposto nos artigos da CRP – 2º. e 82º nºs. 1 e 3.
3.14. Assim se deixam explicitados os fundamentos da referida inconstitucionalidade material.
3.15. A entender-se o contrário será materialmente inconstitucional a citada cláusula 40ª no sentido de interpretação em que se entenda que se mantém em vigor, mesmo para além da situação de facto que se destinava a compensar / remunerar.
3.15.1. Pelo menos atender-se-à à caducidade da cláusula, com fundamento na alteração das circunstâncias – CC, art. 437-1, assim se evitando a infracção de princípio da legalidade – CRP, art. 2.
(…)
4. Concluindo:
4.1. Por cautela, para o caso de se entender que a apreciação do presente recurso de constitucionalidade depende da prévia apreciação pelo Tribunal do Trabalho relativamente à nulidade por inconstitucionalidade da cláusula em causa, requerer-se que:
- seja suspensa a instância para que a R possa obter, e até que obtenha, decisão definitiva no Tribunal do Trabalho relativamente à validade da cláusula 40ª. já referida do CCT para os jornalistas.
4.2. É materialmente inconstitucional por violação do disposto na CRP – artº 2º. e 82º, nº. 1 e 3, o disposto no artº 4º-b) do D. Lei 64-A/89 de 27/2, quando interpretado no sentido de que a caducidade só tem lugar por facto, quando relativo ao trabalhador, que a ele não seja imputável.
(…)
4.3. É materialmente inconstitucional a cláusula 40º do CCT (subsídio de monitor) para os jornalistas por violação do disposto na CRP – artºs 2º. e 82º, nºs. 1 e 3.
4.3.1. À data da assinatura do CCT entre as partes outorgantes, iniciava-se gradualmente a informatização das redacções das publicações em geral e das publicações periódicas em particular.
4.3.2. Tal realidade acha-se hoje profundamente alterada.
4.3.3. Com efeito, presentemente nas publicações periódicas em geral, e em especial, aquelas que figuram no topo das vendas em Portugal (pelo menos aquelas que se situam entre as vinte mais vendidas e ou de maior tiragem no país) - jornais diários, revistas de actualidades de periodicidade semanal ou mesmo mensal, dispõem de total informatização nas suas Redacções.
4.3.5. Os jornalistas elaboram desde logo os textos em computador, no qual são alinhados com as fotos que os acompanham e todo esse alinhamento é remetido para a gráfica que depois faz introduzir esse conteúdo na chapa de impressão.
4.3.6. Com a introdução da dita cláusula 40a as partes outorgantes no CCT tinham em vista compensar o esforço da adaptação à mudança de procedimentos dos jornalistas em face das novas tecnologias ainda e naquela época em fase incipiente de divulgação e acesso, com a consequente habituação e adestramento dos respectivos utilizadores.
4.3.7. No período subsequente e até aos dias de hoje, a informática passou a ser de uso corrente, a programação passou a ser cada vez mais simplificada e a linguagem informática passou a ser acessível mesmo em língua portuguesa, ao alcance dos adolescentes.
Caiu por terra a base do negócio que tinha determinado as partes a outorgarem a referida cláusula.
4.3.8. Assim, a contrapartida do dito subsídio já não existe. O trabalho com monitor passou a ser elemento comum nas Redacções das publicações periódicas, e não representa já qualquer acréscimo de esforço ou de risco para os utilizadores.
4.3.9. Face à inexistência da contrapartida para o pagamento do dito subsídio, é inconstitucional a referida cláusula 40 do CCT, por violação material do disposto nos artigos da CRP. 59, nº 1, alínea a), 62, nº 1 e 2. Se não vejamos.
4.3.10. Pelo menos atender-se-à à caducidade da cláusula, com fundamento na alteração das circunstâncias – CC, art. 437-1, assim se evitando a infracção de princípio da legalidade – CRP, art. 2.».
6. Os recorridos contra-alegaram, concluindo que:
«O pagamento do subsídio de monitores ao Autor por parte da Recorrente não viola o disposto nos preceitos constitucionais invocados, concretamente não viola o disposto nos arts. 2.º, alínea a) do n.º 1 do art. 59.º, n.º 1 e 2 do art. 62 e n.º 1 do art. 82.º todos da CRP».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. A recorrente pretende a apreciação da constitucionalidade do artigo 4º, alínea b), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, “quando interpretado no sentido de que a caducidade só tem lugar por facto, quando relativo ao trabalhador, que a ele não seja imputável”, e da cláusula 40ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AIND – Associação da Imprensa não Diária e o Sindicato dos Jornalistas (CCT), publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 24, de 29 de Junho de 1993.
O despacho pelo qual se decidiu não conhecer da primeira norma (cf. ponto 4. do Relatório) não foi objecto de qualquer reclamação. Cumpre, por isso, apreciar apenas a inconstitucionalidade da cláusula 40ª da CCT, por referência aos artigos 59º, nº 1, alínea a), 62º, nºs 1 e 2, 2º e 82º, nºs 1 e 3, da Constituição.
2. A título de questão prévia, a recorrente requer que “seja suspensa a instância para que a R possa obter, e até que obtenha, decisão definitiva no Tribunal do Trabalho relativamente à validade da cláusula 40ª”, invocando para o efeito os artigos 183º e ss. do Código de Processo de Trabalho (fl. 1536 a 1538).
Não obstante os artigos 183º a 186º deste Código se reportarem às acções de anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho, a validade de uma cláusula não é questionável somente no processo especial que corresponde a este tipo de acções. Por outro lado, a decisão deste recurso de constitucionalidade faz caso julgado apenas no processo que lhe deu origem (artigo 80º da LTC).
É de indeferir, pois, o requerido.
3. A cláusula 40ª da CCT, que é objecto do presente recurso, dispõe o seguinte:
«Retribuição acessória por trabalho com monitores
Nas redacções informatizadas, os jornalistas que trabalhem com monitores têm direito a uma retribuição acessória equivalente a 5% da respectiva retribuição de base mínima».
Não obstante a CCT de 1993 ter sido objecto das alterações publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, nºs 41, de 8 de Novembro de 1994, 25, de 8 de Julho de 1998, 39, de 22 de Outubro de 1999, e 38, de 15 de Outubro de 2000, a redacção da cláusula 40ª manteve-se intocada até 2004. Aquela Convenção foi substituída pela celebrada no dia 14 de Abril deste ano, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, nº 17, de 8 de Maio de 2004, tendo deixado de constar dela norma equivalente à que é objecto do presente recurso.
A recorrente funda o juízo de inconstitucionalidade na violação dos artigos 59º, n.º 1, alínea a), 62º, n.os 1 e 2, 2º e 82º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP). Argumenta, no essencial, que deixou de existir a contrapartida do subsídio por trabalho com monitores, uma vez que este tipo de trabalho passou a ser elemento comum nas redacções das publicações periódicas, não representando já qualquer acréscimo de esforço ou de risco para os utilizadores.
4. Não existindo aquela contrapartida, a cláusula 40ª é inconstitucional por violação da norma segundo qual todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna (artigo 59º, nº 1, alínea a) da CRP).
É já vasta a jurisprudência deste Tribunal sobre este direito dos trabalhadores. Tem-se entendido que:
«O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade – mas de uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam -, e não de uma igualdade meramente formal e uniformizadora (cf. FRANCISCO LUCAS PIRES, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, páginas 62 e seguintes).
Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito transcrito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna; e a trabalho igual - igual em quantidade, natureza e qualidade - deve corresponder salário igual.
O princípio 'para trabalho igual salário igual' não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações e com mais ou menos tempo de serviço, pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habilitações possuem e mais tempo de serviço têm. O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.
O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.
Se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias» (Acórdão n.º 313/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Reiterando este entendimento, é de concluir que a norma que é objecto do presente recurso não viola o direito a uma justa retribuição do trabalho, uma vez que observa o critério constitucional segundo o qual a retribuição do trabalho pode ser diferente em função da qualidade do mesmo – “i. é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade” (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, p. 772).
É inequívoco que o trabalho com monitores, em redacções informatizadas, é qualitativamente diferente do que é prestado sem a utilização destes, pelos conhecimentos específicos que exige. A retribuição acessória dada aos jornalistas que trabalhem com monitores assenta, por isso, num critério objectivo. Pelo que, ainda que a argumentação da recorrente quanto à igual natureza do trabalho procedesse, seria sempre de concluir pela conformidade constitucional da norma.
Ainda que o tempo decorrido entre 1993 (ano da CCT) e 1999 (data expressamente referida no ponto 3.7. das alegações) tenha equiparado o trabalho com e sem monitores no que se refere à natureza do mesmo (“i.é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade”, Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., p. 772), seria sempre de concluir que o trabalho com monitores é qualitativamente diferente do trabalho prestado sem a utilização destes.
5. A recorrente sustenta, ainda, que a cláusula 40ª da CCT, viola o disposto nos artigos 62.º, n.ºs 1 e 2, 2.º e 82.º, n.ºs 1 e 3, da CRP. O direito de propriedade privada, porque não havendo contrapartida para o pagamento do subsídio este equivale a uma verba retirada à propriedade privada dos editores; o princípio do Estado de direito democrático e a garantia do sector privado dos meios de produção, na medida em que o subsídio por trabalho com monitor não encontra justificação razoável, sendo desproporcionado em relação aos proveitos gerando nítido desequilíbrio das prestações no domínio da vontade das partes. Em suma, a argumentação assenta no pressuposto de que não há justificação para uma retribuição acessória quando os jornalistas trabalhem com monitores em redacções informatizadas, por ter deixado de existir a contrapartida desta retribuição. O trabalho com monitores passou a ser elemento comum nas redacções das publicações periódicas, não representando já qualquer acréscimo de esforço ou de risco para os utilizadores.
A improcedência desta argumentação resulta do já dito a propósito da violação do estatuído no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP – o trabalho com monitores é qualitativamente diferente do que é prestado sem a utilização destes. Existe, por isso, justificação para a retribuição acessória prevista na cláusula 40ª da CCT, traduzindo-se a contrapartida do subsídio na qualidade do trabalho prestado.
6. Face ao que vem de ser dito, há que não julgar inconstitucional a cláusula 40ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a AIND – Associação da Imprensa não Diária e o Sindicato dos Jornalistas, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, n.º 24, de 29 de Junho de 1993, por violação dos artigos 2.º, 59.º, n.º 1, alínea a), 62.º, n.os 1 e 2, e 82.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
III. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Indeferir o pedido de suspensão da instância; e
b) Negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta.
Lisboa, 13 de Julho de 2011. – Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Rui Manuel Moura Ramos.
|