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Processo n.º 896/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A. pediu, em 6 de Janeiro de 2009, com fundamento no agravamento das lesões resultantes do acidente de trabalho que sofrera, a revisão da pensão que lhe havia sido concedida em 30 de Setembro de 1992.
Por decisão proferida em 1ª instância, o pedido foi liminarmente indeferido por ter sido ultrapassado o limite temporal de 10 anos fixado na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, contados desde a data de fixação da pensão. Inconformado, o sinistrado interpôs recurso de agravo desta decisão e a Relação do Porto proferiu o seguinte acórdão:
“Importa, assim, apreciar da admissibilidade, ou não, do pedido de revisão da pensão do A. face ao estatuído na Base XXII, nº 2, da Lei 2127, de 3.8.65 (este o diploma aplicável tendo em conta a data do acidente de trabalho de que o A. foi vítima), apreciação essa que passa pela questão da alegada inconstitucionalidade da referida norma.
(…)A questão da (in)constitucionalidade da limitação temporal prevista no nº 2 da citada Base já foi, em diversos arestos, objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, nos quais vem sendo afirmada a seguinte jurisprudência:
- Tal limitação não é inconstitucional (não violando o direito à justa reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho previsto no art. 59.º, nº 1, al. f), da CRP) quando aplicada aos casos em que não tenha sido formulado qualquer pedido de revisão da pensão dentro dos 10 anos subsequentes à fixação da pensão inicial (Acórdão 155/2003, de 19.03.2003) ou quando, tendo embora havido um pedido de revisão dentro desse prazo, a pensão não foi, contudo, revista por não ter havido agravamento das lesões, tudo de passando como se não tivesse havido, nesse período, uma evolução desfavorável das sequelas da lesão de tal modo que o segundo pedido de actualização surge num momento em que se deveria ter por estabilizada a situação por referência a esse período de tempo (Acórdão 612/2008, de 10.12.08).
- Essa norma é, no entanto, inconstitucional, por violação do direito à justa reparação consagrado no mencionado art. 59º, nº 1, al. f), da CRP, quando interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado (Acórdão 147/2006, de 22.02.2006).
Tal distinção, como decorre da fundamentação dos referidos acórdãos, assenta na ideia da consolidação médico-legal das lesões decorrido que seja o mencionado período de 10 anos, a qual, porém, não se verificará se nos 10 anos subsequentes à data da fixação inicial da pensão esta tiver sido objecto de revisão confirmativa do agravamento das lesões, caso em que tal prazo se contará, novamente, por referência à data da fixação da pensão agravada.
3. O caso em apreço nos autos cabe na situação contemplada no citado Acórdão do Tribunal Constitucional 147/2006.
Com efeito, pese embora, à data do segundo pedido de revisão da pensão, ocorrido aos 08.01.2009, já houvessem decorrido mais de 10 anos sobre a data da fixação inicial da pensão (em 1992 e em que foi ao A. fixada a IPP de 17.5%), o certo é que esta, entretanto, foi objecto de um anterior pedido de revisão no âmbito do qual a pensão foi, por decisão proferida aos 01.03.1999, alterada em consequência de agravamento das lesões provenientes do acidente de trabalho (tendo-lhe, então, sido fixada a IPP de 22,5%). Ora, tendo por referência esta data – 01.03.99 –, verifica-se que, aquando do pedido de revisão ora em questão – 08.01.2009 – ainda não havia decorrido novo período de 10 anos.
Assim sendo, julgando-se, de harmonia com o referido Acórdão do Tribunal Constitucional 147/2006, inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação do acidente de trabalho, consignado no art. 59º, nº 1, al. f), da CRP, a norma do nº 2 da Base XXII, quando interpretada nos termos em que o foi pelo despacho recorrido, impõe-se a revogação deste e a sua substituição por outro que admita o prosseguimento do pedido de revisão e determine a sua legal tramitação.
IV. Decisão
Em face do exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que admita o prosseguimento do pedido de revisão e determine a sua legal tramitação”.
2. Desta decisão recorreu obrigatoriamente o Ministério Público, nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro) em requerimento do seguinte teor:
“O Magistrado do Ministério Público, vem, ao processo em epígrafe, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 164/170, nos termos dos artigos 280.º, nos 1-a), e 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP], 70.º, n.º 1-a) e 72º nºs 1-a) e 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, uma vez que, no mesmo, não foi aplicada a norma da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2.127, de 1965.08.03, com fundamento na sua inconstitucionalidade, por violação do artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão de pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado”.
3. Admitido o recurso, o Ministério Público apresentou alegação que concluiu da seguinte forma:
“1. A norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, é inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
2. Deve, pois, negar-se provimento ao recurso.”
Não houve contra-alegação por parte da recorrida B..
II. Fundamentação
4. O objecto do presente recurso é constituído pela norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido actualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
É a seguinte a redacção da norma impugnada no presente recurso:
BASE XXII
Revisão das pensões
1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.
5. A Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, consagra os termos em que se pode realizar a revisão das pensões devidas por acidente de trabalho e doença profissional.
O direito à pensão desempenha uma função de substituição do valor económico que o salário do trabalhador significava para a subsistência do beneficiário. Essa função implica uma dupla exigência: por um lado, as pensões deverão assegurar o mínimo considerado necessário para uma subsistência digna do respectivo beneficiário (nesses termos, o Acórdão n.º 302/99, publicado no Diário da República, II Série, de 16-07-1999). Em segundo lugar, uma actualização das pensões seria imposta constitucionalmente, já que uma proibição dessa actualização significaria que o quantitativo da pensão, com o passar do tempo, ficaria desadequado à perda da capacidade de ganho do beneficiário, não lhe assegurando uma justa reparação. A função de garantia de subsistência desempenhada pelo instituto das pensões por acidente de trabalho ou doença profissional impõe ainda a sua revisão, quando se altere a capacidade de ganho do sinistrado devido a evolução da sua condição de saúde motivada pelo referido acidente ou doença. De facto, o instituto da revisão das pensões “é o resultado da verificação prática de muitas situações em que o estado de saúde do sinistrado, como consequência directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, modificando-se, por isso, a sua capacidade de ganho” (Carlos Alegre Acidentes de trabalho: notas e comentários à Lei n.º 2127, Coimbra, Almedina, 1995, p. 101).
A possibilidade de revisão das prestações devidas por acidentes de trabalho quando o estado de saúde do sinistrado conheça evolução, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, com consequente alteração da sua capacidade de ganho, foi prevista, pela primeira vez, no artigo 33.º do Decreto n.º 4288, de 22 de Maio de 1918, que, aliás, não continha expressa a estatuição de qualquer prazo para o exercício do correspondente direito. O artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, introduziu a exigência de o requerimento da revisão das pensões por incapacidade permanente, com fundamento em modificação na capacidade geral de ganho da vítima do acidente, ser formulado “durante o prazo de cinco anos, a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença” e “desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, t[ivessem] decorrido seis meses, pelo menos”. Por seu turno, a Lei n.º 2127, na Base XXII, veio prever a possibilidade de as prestações poderem ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada. No entanto, a revisão só pode ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
6. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar sobre a conformidade constitucional da norma que constitui objecto deste recurso. O Acórdão n.º 155/2003, que concluiu no sentido da não inconstitucionalidade do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, incidiu sobre as seguintes duas questões: (i) violação do princípio da igualdade por se prever um tratamento desigual entre os sinistrados que nunca haviam requerido revisão da pensão e os sinistrados que, tendo requerido uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos, ficariam habilitados, segundo certo entendimento jurisprudencial, a requerer indefinidamente sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão; e (ii) violação do princípio da igualdade por não se conferir tratamento diferenciado aos casos em que a pensão era fixada na menoridade do sinistrado, em situações em que não é possível aferir, com exactidão, quais as sequelas futuras da incapacidade. O Tribunal afirmou, no que ora releva:
“(…)
A questão de constitucionalidade em causa no presente recurso cinge-se, assim, à norma da primeira parte do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, que só permite o requerimento de revisão das prestações devidas por acidente de trabalho nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão.
(…)
Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127 e mantidos na Lei n.º 100/97 surgiram da «verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)» (cf. Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho da vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se como correcto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
(...).”
Neste aresto, o Tribunal Constitucional considerou que a revisão da pensão antes do decurso do prazo de 10 anos fixado no n.º 2 da Base XXII indiciaria que a situação de saúde do sinistrado não estaria consolidada. Situação que seria diferente daquela em que o prazo de dez anos decorreria por completo desde a data de fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão – nesta segunda hipótese existiria um indício de estabilidade do estado de saúde, inexistente no primeiro, que justificaria a existência de um prazo preclusivo findo o qual a pensão não poderia ser revista.
7. Nesse seguimento, o Acórdão n.º 147/06 (publicado no Diário da República, II série, de 3 de Maio de 2006), julgou inconstitucional a norma objecto do presente recurso, quando interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tivessem ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado. Note-se que a referida norma apenas foi considerada inconstitucional nos casos em que tinha existido revisão da pensão durante o referido período de dez anos. De facto, o Tribunal Constitucional salientou que não estava “em causa a apreciação de uma eventual tese segundo a qual qualquer regime de caducidade ou de prescritibilidade do direito de pedir a revisão das pensões devidas por acidente de trabalho seria inconstitucional”. Determinante para o juízo de inconstitucionalidade foi assim, no seguimento das considerações tecidas pelo Acórdão n.º 155/2003, o facto de a pensão em causa ter sido revista no decurso do prazo de 10 anos desde a sua fixação, o que indiciava que o estado de saúde do sinistrado não se encontrava estabilizado.
8. O fundamento do juízo de inconstitucionalidade adoptado pelo Acórdão n.º 147/2006 consistiu na violação do direito do trabalhador à justa reparação quando vítima de acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º1, alínea f) da Constituição. Diz o acórdão:
“(...) o instituto da revisão das pensões justifica-se, quer nos casos de pensões por acidentes de trabalho, quer nos casos de pensões por doenças profissionais, pela necessidade de adaptar tais pensões à evolução do estado de saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade de ganho.
Assegura-se assim o direito constitucional do trabalhador à justa reparação – direito previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição –, pois que a revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam, reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram.
Justificando-se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões, em atenção à referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do seu titular, o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar algum fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente – como, aliás, realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a progressão da lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da pensão
(…)Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo ora em análise, chegou a sustentar que “seria de todo justo e vantajoso que, em futura alteração da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a possibilidade de revisão” (Carlos Alegre, ob. cit., p. 105). Também a propósito de preceito similar da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor, se defendeu não existirem “razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes de trabalho” (Paulo Morgado de Carvalho, “Um olhar sobre o actual regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e Desvantagens”, in Questões Laborais, Ano X, N.º 21, 2003, p. 74 e ss, p. 89).
Impõe-se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em apreço – ao considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos trabalhadores à “assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”, não é constitucionalmente aceitável, como refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha “fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma objecto do presente recurso”, desde que, naturalmente, não se mostre excedido o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por acidente de trabalho ou doença profissional”
Este juízo de inconstitucionalidade foi seguido, com os mesmos fundamentos, nos Acórdãos n.º 59/2007 e n.º 548/2009, nos casos em que, no decurso do prazo de 10 anos após a fixação da pensão inicial, também tinham ocorrido actualizações da pensão inicialmente fixada, na sequência de revisões que demonstraram o agravamento da incapacidade dos sinistrados seus titulares.
No caso em presença, a incapacidade permanente do sinistrado foi fixada em 31 de Maio de 1990, tendo sido revista a 1 de Março de 1999 e, posteriormente, a 8 de Janeiro de 2009; também aqui a pensão foi revista por diversas vezes após a sua fixação inicial, o que demonstra que o estado de saúde do sinistrado não pode ter-se por consolidado.
9. O n.º 3 da Base XXII da Lei n.º 2127 de 3 de Agosto de 1965 determina que o prazo de 10 anos posteriores à data da fixação da pensão não é aplicável à revisão das pensões devidas por doenças profissionais de carácter evolutivo. Assim, apesar de o legislador ter fixado o prazo de dez anos para a possibilidade de se requerer revisão da pensão devida por acidente de trabalho, no que toca às pensões devidas por doença profissional, esse prazo não existe.
O Tribunal já abordou estes regimes à luz da igualdade de tratamento. O Acórdão n.º 147/2006 referiu:
“É evidente – como, aliás, realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a progressão da lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer seja uma doença profissional.
Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção que considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não assentar, tal com aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer fundamento racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê o direito dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face à vítima de doença profissional, no que se refere à reparação.
Poderia porventura aventar-se a hipótese de à norma ora em análise estar subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo menos, assentava durante a vigência dessa norma – “numa óptica de responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras” (sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças profissionais, veja-se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, p. 157-160).
Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer fundamento racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do direito do trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério de contenção de custos apenas no caso de acidente de trabalho”.
De acordo com a perspectiva adoptada por este aresto, não haveria motivo razoável para se distinguir o regime aplicável à revisão das pensões devidas por acidente de trabalho do regime estabelecido para a revisão das pensões devidas por doença profissional quando tenha havido revisão da pensão no decurso do prazo de 10 anos posteriores à fixação da mesma. Nesses casos existiam indícios suficientes da falta de estabilidade do estado de saúde do sinistrado, pelo que a situação deste não se diferenciaria do das vítimas de doença profissional.
No Acórdão n.º 612/2008, pronunciando-se sobre um caso em que não havia ocorrido qualquer revisão da pensão no prazo inicial de 10 anos, o Tribunal salientou a diferença entre a situação então em análise e aquela sobre que versara o Acórdão n.º 147/2006, para concluir pela conformidade constitucional do regime previsto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127.
Diz-se no Acórdão:
“não se detecta qualquer diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no Acórdão n.º 147/2006 quer no Acórdão n.º 155/2003, e aquele que resulta do n.º 3 da Base XXII para a revisão de pensões por doença profissional”, pois “a possibilidade de a revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese, circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, de que são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças que, segundo um critério médico, são susceptíveis, por sua natureza, de implicarem um agravamento do quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por si, justificativo da actualização da pensão por diminuição da capacidade de ganho; por outro lado, o n.º 2 dessa mesma Base limita a revisão de pensões por acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação da pensão inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo para além desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da capacidade de ganho”.
(…) o critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no carácter evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indiciado, no que diz respeito às pensões por acidente de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão (e da correspondente actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa ocorrência que torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de ulteriores pedidos de revisão”, situação que “não é (…) diversa da prevista para as pensões por doença profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível qualificar a doença como evolutiva: no caso dos acidentes de trabalho, a possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência factual – a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é a avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se opera ou não o limite temporal relativo à actualização de pensões”.
No Acórdão n.º 161/2009, em que, não tendo embora existido revisão da pensão no decurso dos 10 anos posteriores à fixação da mesma, outros indícios havia que demonstravam o carácter de não estabilidade da condição de saúde do sinistrado, o Tribunal retomou o entendimento subjacente ao Acórdão n.º 147/2006:
“A situação, a partir da decisão da prestação de intervenção cirúrgica, assumiu um carácter de não estabilidade, que afasta a razão de ser do entendimento, subjacente ao Acórdão n.º 612/2008, da razoabilidade da solução legal questionada, que afastaria a sua inconstitucionalidade, e acaba por a aproximar mais das situações, atrás descritas, em que a não estabilização da situação derivava da ocorrência de revisões da pensão por reconhecidas alterações do grau de incapacidade do sinistrado”.
Assim, o aresto julgou inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, enquanto consagra um prazo preclusivo de 10 anos, contados da fixação originária da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente laboral, nos casos em que, tendo sido, ao abrigo da Base IX da mesma Lei, judicialmente determinada à entidade responsável a prestação de uma intervenção cirúrgica para além daquele prazo, o sinistrado invocava agravamento da situação clínica derivado dessa intervenção.
10. No presente caso, a incapacidade permanente do sinistrado havia sido fixada em 31 de Maio de 1990 e foi revista em 1 de Março de 1999 e em 8 de Janeiro de 2009. Também aqui, pois, a existência de revisão da pensão é um indício seguro da não estabilização da situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho. A presente situação é, para este efeito, equiparável à situação das doenças profissionais evolutivas, o que torna desrazoável a distinção de regime entre as duas realidades.
De facto, não existe um factor racional e objectivo de distinção no que toca ao regime de revisão das pensões por acidente de trabalho cujas sequelas se demonstrem evolutivas, por um lado, e as pensões por doenças profissionais evolutivas, por outro; nem a natureza da eventualidade, nem os fins do instituto da revisão de cada uma das pensões o podem justificar.
No que toca ao primeiro aspecto, as duas eventualidades distinguem-se, na sua essência, por um factor apenas – o da subitaneidade, ou não, do factor causador. Assim, independentemente da dificuldade prática em que, por vezes, opera a distinção, no que toca ao acidente de trabalho, a “subitaneidade é o elemento essencial que permite distingui-lo da doença profissional, já que esta é o resultado de uma causa lenta e progressiva de uma lesão ou doença” (Paulo Morgado de Carvalho, “Um olhar sobre o actual regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e Desvantagens”, in Questões Laborais, Ano X, N.º 21, 2003, p. 74 e ss, p. 81). Também no mesmo sentido, José Mesquita refere que “a exigência de que o sinistro se traduza num acontecimento de curta duração permite distinguir os acidentes de trabalho das doenças profissionais” (“Acidentes de Trabalho”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita, Vol. II, Coimbra Editora, 2009, p. 172). Para Cunha Gonçalves, a subitaneidade do facto pressupõe dois elementos: a imprevisão e a limitação de tempo, não podendo assim ser como tal designada a causa lenta e progressiva de uma lesão (Responsabilidade Civil pelos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Coimbra Editora, 1939, p. 31).
As duas figuras distinguem-se, assim, mais pela sua causa que pelos seus efeitos. Se a imediaticidade diferencia a causa daquelas duas eventualidades, já esse critério é imprestável para se diferenciarem os efeitos de uma e da outra, quando, quer num quer noutro caso, os efeitos são evolutivos.
Ora, os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º 2127 para a revisão das pensões devidas por acidente de trabalho justificaram-se com a “verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)” (cf. Carlos Alegre, op. cit., p. 128). Com a verificação, através de revisões da pensão devida por acidente de trabalho, de que os agravamentos podem ter uma incidência contínua no tempo, aquela “experiência média quotidiana” deixa de poder servir de justificação bastante para um tratamento diferenciado da revisão das pensões devidas por acidente de trabalho e por doença profissional. As duas eventualidades são, pois, análogas quanto aos seus efeitos – que são, em ambos os casos, evolutivos.
11. Por outro lado, o efeito de ambas as eventualidades é a diminuição da capacidade de ganho do trabalhador. Visando a revisão da pensão, precisamente, corrigir a real e posterior modificação do ganho proveniente de modificação do estado físico do trabalhador, não se afigura que haja base suficiente para estabelecer um tratamento diferenciado das duas situações, e que apenas se corrija a modificação de ganho nas situações de doença profissional, e não já nas situações de acidente de trabalho. Por outro lado, como adianta o já citado Acórdão n.º 147/2006, também não deriva da Constituição a existência de um valor que justifique que o trabalhador vítima de doença profissional seja mais merecedor de protecção que o trabalhador vítima de acidente profissional; o artigo 59º, n.º 1, alínea f) da Constituição não distingue a vítima de acidente de trabalho face à vítima de doença profissional, no que se refere à reparação.
Neste caso, o evento acidente de trabalho constitui uma situação materialmente semelhante à da doença profissional no que toca à estabilidade dos efeitos, como o demonstram as revisões sucessivas. Assim, a norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido revisões da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado, e não prevendo semelhante condicionante no que toca às doenças profissionais, viola o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição.
III Decisão
12. Assim, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido actualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 7 de Junho de 2011. – Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.
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