|
Processo n.º 488/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. Na sequência do agravo interposto do despacho que, nas Varas Cíveis de Lisboa, indeferiu parcialmente a reclamação da conta de custas, a Relação de Lisboa confirmou tal decisão, negando do mesmo passo procedência à questão de inconstitucionalidade – orgânica e material – suscitada pelas recorrentes quanto à norma do artigo 13.º do Código das Custas Judiciais em conjugação com a tabela anexa a este Código, e do artigo 17.º, n.º 2, alínea b) do mesmo diploma, mediante a alegação de que a taxa de justiça aplicada se traduzia num verdadeiro imposto, para cuja aprovação faltaria a necessária autorização legislativa. Além disso, as normas em causa violariam os princípios da proporcionalidade e da igualdade, pelo que seria materialmente inconstitucionais.
2. É desta decisão que as recorrentes interpõem recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
“(…)As aqui recorrentes pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade orgânica do artigo 13.º do CCJ e da tabela a que o mesmo artigo se refere (publicada pelo DL n.º 323/2001 de 17/12) e ainda do artigo 17.º, n.º 2, al. b) do CCJ.(…)
As recorrentes pretendem (…) ver apreciada a inconstitucionalidade material do artigo 13.º do CCJ e da tabela a que o mesmo artigo se refere (publicada pelo DL n.º 323/2001 de 17/12) e ainda do artigo 17.º, n.º 2, al. b) do CCJ.
A questão da inconstitucionalidade das normas supra referidas foi suscitada pela primeira vez nestes autos na Reclamação apresentada pelas Recorrentes contra a conta de custas de fls. 2079 e seguintes.
A referida arguição de inconstitucionalidades foi apreciada no despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância a fls. 2179 e seguintes dos autos, que decidiu indeferir a referida arguição.
Deste despacho interpuseram as recorrentes recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa que, quanto a esta questão, confirmou o despacho recorrido. (…)”
3. Admitido recurso, as partes foram convidadas a alegar. As recorrentes apresentaram a sua alegação e concluíram:
“(…)1ª O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por Acórdão proferido a 6 de Maio de 2008, não julgar inconstitucionais os artigos 13º (e respectiva tabela anexa, aprovada pelo Decreto-lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro) e 17º, n.º 2, al. b) do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro (doravante CCJ), cuja aplicação nos presentes autos conduziu ao apuramento de uma conta de custas que ascenderá (nos termos decididos neste aresto) a € 390.369,89. No entanto,
2ª É inequívoco que estamos perante um montante manifestamente desproporcionado para uma acção em que (i) houve desistência parcial do pedido ainda antes do saneamento do processo e (ii), no pedido que prosseguiu, as Recorrentes obtiveram ganho parcial de causa.
3ª As Recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade orgânica dos artigos 13º e da tabela a que o mesmo artigo se refere (publicada pelo DL nº 323/2001, de 17/12) e 17º, n.º 2, al. b) do CCJ, por considerarem que a taxa de justiça aplicável ao caso dos autos, não reveste a natureza, verdadeira e própria, de “taxa”, mas sim de “imposto”, como tal devendo ser tratada. Contudo,
4ª O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa julgou não padecerem as referidas normas de inconstitucionalidade orgânica.
5ª Não ignoram as Recorrentes que já por diversas vezes foi este Alto Tribunal chamado a pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade orgânica de diversos preceitos do CCJ – designadamente com fundamento em que, ao menos a partir de certo montante, a taxa de justiça deverá ser tratada, designadamente para efeitos de constitucionalidade, como um verdadeiro imposto –, tendo sempre concluído pela constitucionalidade dos mesmos. Porém,
6ª Estando perante um caso de fiscalização concreta da constitucionalidade, haverá que se aferir se, no caso concreto, a interpretação e aplicação do art. 13º (e respectiva tabela anexa) e do art. 17º, n.º 2, al. b), ambos do CCJ, está ou não ferida de inconstitucionalidade.
7ª A taxa de justiça tem sido entendida como uma verdadeira taxa por corresponder, conceptualmente, a um pagamento que pressupõe a contraprestação de um serviço por parte do Estado. Ou seja,
8ª Enquanto o imposto tem estrutura unilateral, por não corresponder a qualquer contraprestação por parte do Estado, a taxa tem carácter sinalagmático, decorrente do pagamento de um correspectivo pela prestação de um serviço, tendo, todavia, que existir proporcionalidade (ainda que não rigorosa) entre o serviço prestado e o seu custo. De facto,
9ª Tem este Tribunal expressamente reconhecido que é fundamental para a caracterização de um tributo como taxa que não exista uma desproporção intolerável, ou flagrante, entre o serviço prestado e o seu custo ou utilidade que do mesmo resultou para o particular.
10ª Ainda que se não exija uma equivalência económica rigorosa entre o serviço prestado e o custo cobrado, o valor a pagar não pode ser completamente alheio ao custo daquele serviço concretamente prestado, sob pena de se afectar irremediavelmente a correspectividade que a relação sinalagmática pressupõe — o que, como melhor se verá, acontece manifestamente no caso dos autos.
11ª A conta de custas apurada nos presentes autos resulta num valor intoleravelmente desproporcional ao serviço prestado, colocando em causa a consideração da taxa de justiça como verdadeira taxa. Assim é que,
12ª Considerando, por exemplo, a taxa de justiça devida pela transacção de fls. 1282, temos que num processo em que os autores desistiram dos pedidos ainda antes de proferido o despacho saneador (ou seja, sem qualquer intervenção judicial e praticamente nenhuma da secretaria, já que nada mais do que a produção de articulados se havia ainda passado) é devida taxa de justiça no montante de €187.414,57 !!
13ª E considerando o pedido de indemnização por danos não patrimoniais que prosseguiu contra A-, as Recorrentes, que viram reconhecido o direito à indemnização quer na 1ª Instância, quer no Tribunal da Relação, embora não o montante indemnizatório pretendido, são condenadas a pagar em custas cerca de três vezes o montante que o Dr. A. foi condenado a pagar à B. a título de indemnização por danos não patrimoniais!!
14ª As custas totais da responsabilidade das Recorrentes são, não só totalmente injustas do ponto de vista substancial, como totalmente desproporcionadas ao serviço prestado pelo sistema judicial nesta acção, e nem mesmo a redução do artigo 17º nº 2 al. b) do CCJ, no que à transacção de fls. 1282 respeita, repõe a necessária proporcionalidade e adequação entre serviço e custo/utilidade do mesmo para as Recorrentes.
15ª Esta desproporção radica no facto de as custas judiciais serem calculadas exclusivamente a partir do valor da acção, aumentando directamente em função dele, à ratio de “x” unidades de conta por “y” aumento do valor da causa (de acordo com o estabelecido na Tabela a que se refere o artigo 13º do CCJ), sem qualquer limite máximo e sem qualquer desagravamento gradual da taxa aplicável na medida do aumento do valor da causa. Pelo que,
16ª Pelo menos a partir de certo montante, o aumento da taxa de justiça em função do aumento do valor da causa deixa de corresponder ao serviço prestado pelo Tribunal, prejudicando obrigatoriamente o carácter bilateral da taxa e o necessário juízo de proporcionalidade entre o tributo cobrado e o serviço prestado.
17ª Impõe-se, portanto, que, a manter-se o critério do valor da causa para efeitos de determinação da taxa de justiça aplicável nos processos judiciais, se estabeleça um tecto máximo que, permitindo uma correlação entre valor da acção e complexidade/volume do serviço prestado, não conduza a resultados totalmente injustos e desproporcionados, como o dos autos. Aliás,
18ª Esta mesma foi a solução adoptada pelo novo Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que entrará em vigor no próximo dia 1 de Setembro de 2008. Com efeito,
19ª A partir da entrada em vigor do novo Regulamento das Custas Judiciais, o limite máximo da taxa de justiça – mesmo considerando a taxa sancionatória especial constante do art. 10º - será de € 10.080,00.
20ª A taxa de justiça que se pretende cobrar às Recorrentes é totalmente alheia ao serviço que lhes foi prestado e à utilidade que retiraram do processo, não podendo, pela forma como foi calculada (i.e., proporcionalmente ao valor dos montantes peticionados nos autos, aferida a capacidade contributiva do sujeito passivo pelo valor da acção em que é parte) deixar de ser constitucionalmente tratada como um imposto e, consequentemente, ser objecto do regime jurídico-constitucional reservado a este tributo. Acresce que,
21ª Nem a invocada comparticipação nos custos globais do sistema pode justificar o pagamento de uma conta de custas no valor apurado nos presentes autos, pois que esta contribuição não pode ter uma amplitude tal que comprometa – como sucede in casu, repete-se – a correspectividade entre a utilização do serviço público e o “preço” que por essa utilização é cobrado.
22ª Também não pode aceitar-se o argumento invocado pelo Venerando Tribunal a quo, segundo o qual, no apuramento das custas de parte haverá que atender-se à utilidade retirada pela parte da tramitação do processo. É que,
23ª Embora as Recorrentes tenham logrado obter o reconhecimento parcial do direito indemnizatório que invocaram na Petição Inicial, resulta inequívoco que o valor indemnizatório percepcionado – pois que apenas este se pode entender como a utilidade retirada pelas Recorrentes da acção – não tem o mínimo reflexo no montante de custas a final apurado. Acresce ainda que,
24ª Este Alto Tribunal, em situações que muito se aproximam na substância à aqui em apreço, pronunciou-se já pela inconstitucionalidade de normas que determinavam o pagamento de “taxas” exorbitantes, sem que existisse qualquer correspondência com o serviço prestado.
25ª É o caso do Acórdão nº 610/2003 que veio declarar a inconstitucionalidade do artigo 5º da Tabela de Emolumentos do Notariado, com base na consideração dos emolumentos como impostos e não como taxas, verificando-se, em consequência, uma inconstitucionalidade orgânica.
26ª E também o caso dos Acórdãos nºs 521/99 e 1182/96 e decisões aí indicadas, em que, pelas mesmas razões (violação dos princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito), foram julgadas organicamente inconstitucionais as normas disciplinadoras do cálculo da taxa de justiça devida no processo tributário. Em face do exposto,
27ª Designadamente da conclusão de que a taxa de justiça aplicável ao caso dos autos deve ser tratada como um imposto, é, pois, forçoso concluir – contrariamente ao que fez o Tribunal a quo – pela inconstitucionalidade orgânica do artigo 13º do CCJ e da tabela a que o mesmo artigo se refere (publicada pelo DL nº 323/2001, de 17/12) e ainda e 17º, n.º 2, al. b) do CCJ, porquanto,
28ª O CCJ aplicável aos presentes autos foi aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26 de Novembro, sem qualquer autorização legislativa emanada da Assembleia da República.
29ª Nos termos do disposto no, então, artigo 168º nº 1 da CRP (correspondente ao actual artigo nº 165º nº 1 al. i), os impostos são matéria de reserva legislativa relativa deste órgão. Donde,
30ª Não estando o Governo devidamente autorizado a legislar sobre esta matéria, como não estava, são os artigos 13º (e a tabela a que o mesmo se refere) e 17º, n.º 2, al. b) do CCJ organicamente inconstitucionais, assim devendo ser declarados. Caso assim se não entenda, e sem conceder,
31ª Ainda que se considerasse que a apontada desproporcionalidade entre o serviço prestado e o custo cobrado não põe em causa o carácter sinalagmático do tributo que, assim, deveria continuar a ser tratado constitucionalmente como taxa, tal consideração não anula a referida desproporcionalidade, cuja efectiva existência conduz a uma inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade ou da “justa medida”, ínsito nos artigos 18º nº 2 e 266º nº 2 da CRP.
32ª E estando em causa tão acentuada desproporcionalidade, os preceitos legais e a tabela em causa violam, igualmente, o princípio do direito ao acesso à justiça, plasmado no artigo 20º nº 1 da CRP, pois que, a fixação do montante da taxa de justiça conhece sempre o limite decorrente da necessidade de assegurar o acesso à via judicial por todos os cidadãos, sem necessidade de recurso ao instituto do apoio judiciário.
33ª As razões expendidas no recente Acórdão deste Tribunal Constitucional n.º 227/2007, de 28.03.2007, terão necessariamente de aplicar-se às acções declarativas, desde que se verifique a prova de resistência imposta por esta decisão, designadamente a desproporção entre a natureza e a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcionado do montante em questão. Ora,
34ª No caso dos presentes autos resultam manifestamente preenchidos estes dois pressupostos.
35ª Se é verdade que os pedidos formulados contra o C. se revelavam de alguma complexidade, a verdade é que estes não chegaram sequer a ser apreciados na decisão proferida em primeira instância, pois que as aqui Recorrentes vieram desistir dos pedidos ainda antes da fase de saneamento do processo, tendo-se a única actividade jurisdicional desenvolvida pelo Tribunal de 1ª Instância limitado à prolação do despacho de homologação da desistência dos pedidos!
36ª No que respeita à pretensão indemnizatória formulada contra A., não poderá, de todo, afirmar-se que a questão se revestisse de particular complexidade técnica, pois que o que estava em causa era, apenas, a responsabilidade civil emergente da violação do crédito e bom nome das ora Recorrentes. Pelo que,
37ª O apuramento de taxas de justiça, quanto a cada um dos pedidos de, respectivamente, cerca de duzentos mil euros e setenta e cinco mil euros, revela-se clamorosamente desproporcionado à complexidade do processo!
38ª E não se diga, como faz o Venerando Tribunal a quo, que as aqui Recorrentes deduziram um pedido temerário, imoderado ou contrário ao disposto no Direito Nacional.
39ª As Recorrentes apenas formularam um pedido de indemnização que entenderam justo face às graves ofensas ao bom nome e crédito da Recorrente B. que resultaram da campanha difamatória que A. levou a cabo contra a mesma, e que ainda hoje perduram na memória colectiva nacional, bem revelando a sua extensão e a insignificância da condenação que veio a ter lugar.
40ª Mais uma vez se repete que as aqui Recorrentes viram reconhecido o direito que fizeram valer contra A., só não logrando obter a sua condenação no montante indemnizatório que reputaram adequado ao ressarcimento dos seus danos, chegando, por isso, a ser perverso, que se vejam agora obrigadas a suportar em custas judiciais mais de quinze vezes o valor que receberam daquele Réu.
41ª Ao contrário do que parece resultar das considerações vertidas no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, a taxa de justiça não tem uma função punitiva.
42ª No presente caso não estamos perante um recurso injustificado aos Tribunais – que sempre se entende que deva ser censurado pelo sistema, ainda que para tal existam mecanismos na lei que não o normal apuramento da conta de custas –, mas sim perante um caso em que o recurso à via judicial é a única forma de fazer valer um efectivo direito.
43ª O artigo 13º do CCJ, a Tabela a que o mesmo se refere, e o artigo 17 nº 2 alínea b) do CCJ, violam também o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º da CRP, na medida em que a uma acção com as mesmas características (idênticas formalidades, as mesmas possibilidades de recurso em função da alçada, o mesmo número de partes, a mesma duração, etc.) pode corresponder uma taxa de justiça incomparavelmente inferior, bastando para isso que o valor da causa seja também ele menor. Ou seja,
44ª A aplicação da tabela anexa ao CCJ como forma de apurar o montante de taxa de justiça devida resulta no injustificado privilégio de acções de valor inferior face a acções de valor superior (como a dos autos), quando as formalidades processualmente exigidas e os serviços prestados em consequência pelo tribunal são idênticos, sendo que a redução da taxa de justiça nos casos previstos no artigo 17º, n.º 2, al. b) do CCJ não permite ultrapassar a violação deste princípio, visto que, ainda que operada a redução, teremos uma taxa de justiça substancialmente majorada quando comparada a acções de valor inferior.
45ª E não se diga, como faz o Venerando Tribunal a quo, que o valor da acção reflecte a capacidade económica dos litigantes, pois que a circunstância de uma acção ter um valor diminuto ou muito elevado é completamente alheia à dimensão, à maior ou menor riqueza das partes e, até, às características das partes!
46ª Implicando o princípio constitucional da igualdade a obrigação de “tratar como igual aquilo que é igual e como diferente aquilo que é diferente”, não é aceitável a automática aplicação de quocientes abstractos para o cálculo da taxa de justiça que resulte no tratamento tributário claramente desigual de situações que implicam o mesmo dispêndio de meios pelos Tribunais (porque não pode duvidar-se que não é o valor igual que torna duas acções iguais).
47ª Por fim, o argumento avançado pelo Venerando Tribunal a quo, segundo o qual a circunstância de as aqui Recorrentes terem, no termo de transacção lavrado, assumido integral responsabilidade pelas custas a apurar nos presentes autos, indicia que estas extraíram do presente processo uma qualquer utilidade, não pode colher, porquanto, não pode ser com base numa mera “suposição” em nada alicerçada e em que não se descortina qual a suposta “utilidade” que o Tribunal pode fundamentar o juízo de constitucionalidade das normas em causa.
48ª Pelo que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal recorrido, deve ser declarada a inconstitucionalidade material dos referidos artigos 13º e 17º nº 2 al. b) do CCJ e da tabela a que se refere o referido artigo 13º também por violação do princípio da igualdade, só assim se fazendo correcta interpretação e aplicação destes preceitos legais.(…)”
4. O Ministério Público sustenta, na sua contra-alegação, que a invocada inconstitucionalidade orgânica é claramente improcedente, já que a jurisprudência constitucional tem, reiterada e expressamente, atribuído a natureza de taxa à taxa de justiça, nunca tendo entendido que as mesmas estivessem submetidas à reserva parlamentar nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição. No que tange à alegação de inconstitucionalidade material, admite que se verificaram oscilações na jurisprudência constitucional a tal propósito, designadamente entre o entendimento plasmado no Acórdão n.º 349/02 e nos mais recentes n.ºs 227/07 (cuja orientação foi reiterada no Acórdão n.º 116/08), 471/07 e 470/07.
No entanto, considera que, apesar de estes últimos acórdãos prevalecerem sobre o de 2002, sobrepondo-se aos critérios nele adoptados, não se pode equiparar automática e totalmente o caso dos autos aos que subjazem àqueles acórdãos. Ao Tribunal Constitucional caberá sindicar apenas a constitucionalidade do critério normativo subjacente às normas do Código das Custas Judiciais questionadas e não apreciar, em concreto, se as circunstâncias peculiares e específicas da acção tornam injustos ou excessivos os valores devidos pelos litigantes. E o certo é que aqueles acórdãos diziam respeito a incidentes ou procedimentos cautelares, de menor complexidade e relevância processual, derivando a inconstitucionalidade da circunstância de não haver um limite máximo ao valor das custas, devidas em função do valor da acção, sem que aos tribunais fosse permitido valorar, em termos casuísticos, a natureza e complexidade do processo, de modo a corrigir o valor de custas, em função do seu prudente arbítrio quando o mesmo se configure como manifestamente desproporcionado. Conclui o Ministério Púbico:
“(…)1º Revestindo, do ponto de vista jurídico–constitucional, a “taxa de justiça” devida no âmbito dos processos judiciais a natureza da “taxa” – e não de imposto – não lhe são aplicáveis, do ponto de vista orgânico-formal, os preceitos constitucionais atinentes à reserva da lei fiscal.
2º Segundo a mais recente jurisprudência deste Tribunal Constitucional, expressa, nomeadamente, nos Acórdãos nºs 227/07, 116/08 e 471/07, podem padecer de inconstitucionalidade material as normas do Código das Custas Judiciais que determinam o cálculo das custas devidas em processo de valor especialmente elevado apenas em função do valor tributário da causa, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, aplicável de forma automática, sem que se permita ao tribunal qualquer valoração, prudencial e casuística, que tome em consideração a natureza, complexidade e carácter do processo, de modo a poder reduzir um montante que tenha justificadamente por manifestamente desproporcionado.
3º Não foi este o critério normativo aplicado pelo acórdão recorrido, já que a Relação procedeu a uma aprofundada valoração das circunstâncias e particularidades da causa que originou o débito de custas, entendendo que as mesmas não justificavam a redução do referido montante, salvo no que se refere às consequências da desistência de certos pedidos.(…)”
II Fundamentação
5. Constitui objecto do presente recurso a norma do artigo 13.º do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro (doravante, CCJ) e da tabela a que esse artigo se refere, aprovada pelo Decreto-Lei nº 323/01, de 17/12, e ainda da norma do artigo 17º nº 2 alínea b) do mesmo CCJ, por inconstitucionalidade orgânica e material, esta por violação do princípio da proporcionalidade, do princípio da igualdade e do direito de acesso à justiça e aos tribunais, todos previstos na Constituição.
6. No que tange à invocada inconstitucionalidade orgânica cabe desde logo recordar a jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal sobre tal matéria. Conforme se referiu no Acórdão n.º 349/2002:
“(…) 10. Em particular no que respeita à chamada taxa de justiça, em causa nos presentes autos, encontramos igualmente na jurisprudência constitucional a definição dos princípios necessários ao julgamento do presente recurso.
Assim, em primeiro lugar, tem o Tribunal Constitucional considerado uniformemente que a chamada taxa de justiça é uma taxa e não um imposto. No seu acórdão nº 8/2000, por exemplo, disse o seguinte: '2.1. De facto, como por várias vezes foi já sublinhado por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, a denominada «taxa de justiça» não é algo que deve ser perspectivado como imposto e, por isso, não está sujeita à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constante, hoje, da alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição e, antes, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, da alínea i) do nº 1 do artigo 168º (cfr., verbi gratia, os Acórdãos deste Tribunal números 412/89, 377/94, 379/94 e 382/94, publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 15 de Setembro de 1989, 7 de Setembro de 1994 e 8 de Setembro de 1994, e os Acórdãos números 582/94, 583/94 e 584/94, ainda inéditos).
As razões que levaram o Tribunal Constitucional a emitir tais juízos de não inconstitucionalidade orgânica são (...) totalmente transponíveis para a vertente questão, independentemente de se postar agora um «novo» Código das Custas Judiciais'.
O mesmo julgamento foi reafirmado no Acórdão n.º 227/2007, que, aliás, veio a julgar materialmente inconstitucionais determinadas normas do CCJ, mas não do ponto de vista orgânico. Ali se consignou:
“(…)5. É sabido que a distinção entre as figuras da taxa e do imposto tem sido objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. (...)
6. Em particular no que respeita à “taxa de justiça”, em causa nos presentes autos, este Tribunal tem considerado que se trata de uma verdadeira taxa e não de um imposto, encontrando-se na sua origem a prestação do serviço de administração da justiça. No Acórdão n.º 8/2000 (igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt), por exemplo, disse-se o seguinte: “[…]
2.1. De facto, como por várias vezes foi já sublinhado por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, a denominada «taxa de justiça» não é algo que deve ser perspectivado como imposto e, por isso, não está sujeita à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República constante, hoje, da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição e, antes, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro, da alínea i) do n.º 1 do artigo 168.º (cfr., verbi gratia, os Acórdãos deste Tribunal nºs 412/89, 377/94, 379/94 e 382/94, publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 15 de Setembro de 1989, 7 de Setembro de 1994 e 8 de Setembro de 1994, e os Acórdãos números 582/94, 583/94 e 584/94, ainda inéditos).
As razões que levaram o Tribunal Constitucional a emitir tais juízos de não inconstitucionalidade orgânica são (...) totalmente transponíveis para a vertente questão, independentemente de se postar agora um «novo» Código das Custas Judiciais”.
Adoptando esta jurisprudência, para cuja completa fundamentação se remetem as recorrentes, também agora se concluirá pela improcedência desta alegação, reafirmando o entendimento do Tribunal de que as quantias devidas pela actividade judiciária têm a natureza de taxa, estão abrangidas pela discricionariedade normativo-constitutiva que é reconhecida ao legislador nesta matéria e não se acham submetidas à reserva parlamentar nos termos do artigo 165.º n.º 1 alínea i) da Constituição.
7. No que tange à inconstitucionalidade material, cumprirá igualmente recordar a jurisprudência do Tribunal sobre esta matéria e, designadamente, os casos que se cifraram num julgamento de inconstitucionalidade material de normas do Código das Custas Judiciais na redacção que agora nos importa.
No Acórdão n.º 227/07, o cálculo de custas referia-se a procedimentos cautelares e respectivos recursos, cujo valor excede 49.879,79 €, em proporção ao valor da acção sem qualquer limite máximo ao montante das custas (e tendo sido apurado um valor de € 584.403,82, muito superior ao que está em questão nos presentes autos); no Acórdão n.º 255/07 estava em causa o Código das Custas Judiciais, na parte em que tributa em função do valor da causa principal a impugnação judicial de decisão administrativa sobre a concessão de apoio judiciário; no caso do Acórdão n.º 471/07, foi decisiva da pronúncia de inconstitucionalidade a simplicidade da tramitação, que findou, em 1.ª instância, no saneador, o que também não é o caso dos autos, já que parte da acção prosseguiu até à 2ª instância, tendo apenas parte dela ficado resolvida antes daquele despacho, por desistência; finalmente, quanto ao Acórdão n.º 116/08, o cálculo de custas nele em apreciação referia-se a procedimentos cautelares e respectivos recursos, de forma automática e com referência ao valor da causa, cujo valor excede 49.879,79 €.
Mas estes casos não são transponíveis para a situação em apreço.
Na verdade, no Acórdão n.º 301/09, em que estava em causa uma situação muito próxima da presente, o Tribunal, confrontando o regime legal das custas com diversos parâmetros constitucionais, entre os quais se destacam o princípio da proporcionalidade em relação com o acesso ao direito e aos tribunais, afirmou:
“(…) 9. Cumpre notar, antes de mais, que a questão de constitucionalidade aqui em apreciação tem a ver com o facto de o valor das custas reflectir automática e ilimitadamente o valor da acção, o que pode conduzir a taxas de elevado montante, eventualmente desproporcionado em relação ao custo e à utilidade do serviço. Foi esse o objecto de censura nos dois acórdãos acima mencionados, que se pronunciaram pela inconstitucionalidade. Esta ficou a dever-se, precisamente, à impossibilidade de correcção adaptativa às circunstâncias do caso concreto, do montante assim obtido, por forma a evitar um valor excedente um limite máximo e/ou sem correspondência na natureza e na complexidade do processo.(...)
11. Há a concluir, pois, que o critério legal não conduziu a uma taxa que ultrapasse um limite de admissibilidade, por manifestamente excessiva. A taxa devida encontra justificação no princípio da cobertura dos custos, pelo menos, estando em relação de correspondência ainda razoavelmente adequada com a complexidade da actividade jurisdicional desenvolvida e com o figurino da tramitação a que deu azo.
Não pode, assim, invocar-se, no caso dos autos, a não fixação de um limite máximo e o não acolhimento, no critério legal, da natureza e complexidade do processo, pois nem um nem outro factor teriam aqui operado em sentido redutor do montante da taxa.
Este respeita, de forma satisfatória, os três sentidos possíveis do princípio da proporcionalidade, em matéria de custas judiciais, de acordo com a especificação analítica levada a cabo pelo Acórdão n.º 608/99: o do “equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício”; o da responsabilização de cada parte pelas custas “de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional”, o do ajustamento dos “quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes”.
Não se mostrando violado o princípio da proporcionalidade, também não foi nuclearmente afectado o direito de acesso ao tribunal, tendo até em conta a natureza do sujeito onerado: uma organização empresarial, necessariamente regida por regras de economicidade estrita na tomada de decisões e, tipicamente, com maior facilidade de dispor de meios financeiros significativos, quer por aplicação de meios próprios, quer, como operação corrente no fluxo da sua actividade, por recurso ao crédito bancário. (…)”.
Analisando o caso em apreço, numa valoração contextualizada, em sede de controlo de evidência que o Tribunal é chamado a realizar nessas decisões, não pode dizer-se que estejamos perante um montante claramente desproporcionado, conforme o ponderou o Tribunal da Relação.
Apesar de nos pedidos que foram objecto de desistência se poder considerar que houve parcialmente tramitação simplificada (circunstância atendida no Acórdão nº 471/07), tal não ocorreu com toda a acção (que no remanescente seguiu até à segunda instância), sendo certo que decorre dos autos que essa desistência, obtida em transacção, foi acompanhada da desistência do aqui réu noutro processo em que era recorrente. Houve pois uma reciprocidade de desistências que as partes ponderaram equivaler-se por via da retoma do cumprimento dos contratos, tendo as autoras optado por chamar a si a responsabilidade de custas, quando a regra é a de a suportarem as partes em igual modo.
Se a prestação exigida, a título de custas, atingiu valores elevados, pouco comuns, também, em contrapartida, a natureza ordinária da acção, que, numa parte, percorreu duas instâncias, a desconformidade entre o peticionado e o reconhecido, os resultados que foram obtidos na transacção e ainda a assunção da responsabilidade pelas custas, fazem concluir que existiu uma efectiva utilidade retirada pelas autoras da acção. A correspectividade material entre as duas prestações não se mostra, assim, manifestamente desvirtuada, pelo que não se evidencia que os limites de taxação resultantes da estrutura bilateral das taxas tenham sido desrespeitados.
Assim, o critério legal não conduziu a uma taxa desrespeitadora de um limite de admissibilidade, por manifestamente excessiva. A taxa devida encontra justificação no princípio da cobertura dos custos, pelo menos, estando em relação de correspondência ainda razoavelmente adequada com a utilidade retirada da acção e com o figurino da tramitação.
Não pode, assim, invocar-se, no caso dos autos, a não fixação de um limite máximo e o não acolhimento, no critério legal, da natureza e complexidade do processo, pois os mesmos não teriam um sentido redutor do montante da taxa.
Este respeita, de forma satisfatória, os três sentidos possíveis do princípio da proporcionalidade, em matéria de custas judiciais, de acordo com a especificação analítica levada a cabo pelo Acórdão n.º 608/99: o do “equilíbrio entre a consagração do direito de acesso ao direito e aos tribunais e os custos inerentes a tal exercício”; o da responsabilização de cada parte pelas custas “de acordo com a regra da causalidade, da sucumbência ou do proveito retirado da intervenção jurisdicional”, o do ajustamento dos “quantitativos globais das custas a determinados critérios relacionados com o valor do processo, com a respectiva tramitação, com a maior ou menor complexidade da causa e até com os comportamentos das partes”.
Assim, a parte teve acesso ao direito, retirando proveito da intervenção jurisdicional e de acordo com o comportamento por si adoptado quanto à responsabilidade de custas.
Pelo exposto, não se mostrando violado o princípio da proporcionalidade, também não foi afectado o direito de acesso ao tribunal, tendo também em conta a natureza das Autoras, organizações empresariais, regidas por regras de economicidade na tomada de decisões, mormente na sua opção de intentar acção e suportar a totalidade das custas na transacção realizada.
Cumpre, assim, concluir que a norma não viola os invocados princípios constitucionais.
III Decisão
8. Em consequência, decide-se negar provimento ao recurso. Custas pelas recorrentes fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Março de 2011.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos. Vencido, nos termos da declaração de voto junta.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Dissenti da presente decisão por considerar que, como nos acórdãos 227/07, 470/07, 471/07 e 116/08, e pelas razões aí referidas, que entendo transponíveis para o presente caso, a não fixação, no critério legal, de um limite máximo e o não acolhimento da natureza e complexidade do processo conduzem a um montante de custas claramente desproporcionado, que se não encontra de modo algum justificado pelo princípio de cobertura das custas.- Rui Manuel Moura Ramos.
|