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Processo n.º 770/2010
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, o primeiro reclamou, ao abrigo do artigo 76º, nº 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 7 de Outubro de 2010 que não admitiu recurso para o Tribunal Constitucional, na parte em que requer a apreciação da constitucionalidade da alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal.
2. O reclamante recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 2010, mas tal recurso não foi admitido. Reclamou, então, do despacho de não admissão, sustentando, para o que agora releva, o seguinte:
«Face ao princípio da dupla conforme, e de estarmos perante um despacho que não põe fim ao processo, (cfr. jurisprudência supra), não podem ser objecto de recurso para o STJ, questões que já foram apreciadas por duas vezes. No entanto, esta questão da insolvência é matéria que só “surgiu” após a introdução do recurso no Tribunal da Relação, tendo inclusive este Tribunal praticado primitivamente uma omissão de pronúncia, só sanada após a sua arguição pelo ora reclamante, sendo também esse o fundamento para o Acórdão da Relação ter considerado legal esse mesmo entendimento. Daí que, quanto a esta matéria, haja o direito de recurso, pois:
“5. Mas se o TR, na pendência de um recurso conhecer ex novo de questões processuais deve ser admitido o recurso para o STJ, sob pena de supressão prática de um grau de jurisdição e, consequentemente, do direito ao recurso. (…)
Por esta razão (…), conclui o Tribunal Constitucional no Acórdão 686/2004, Conselheira Maria Fernanda Palma, de 30 de Novembro de 2004, o seguinte:
b) Julgar inconstitucional por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição da norma do artigo 400º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a especial complexidade do processo, declarando-a,
Esta questão relatada supra, foi apreciada pela primeira vez, considerada ilegal e não violadora da Constituição da República Portuguesa e foi dela que se recorreu.
Ora, ao não admitir o recurso, o douto despacho do Juiz Relator do Tribunal da Relação, viola o art. 400.º, n.º 1, alínea f) do C. P. P., interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre os efeitos da insolvência na suspensão da execução da pena, sendo essa interpretação inconstitucional, por violação do número 1, do art.º 32.º da C.R.P.».
3. A reclamação foi indeferida por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2001. Notificado, o reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional.
Em 7 de Outubro de 2010, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu, por despacho, o seguinte:
«No respeitante à inconstitucionalidade imputada à alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP não se admite nesta parte o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, uma vez que na reclamação apresentada o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade desta norma.
Com efeito, face ao disposto no n.º 2 do art. 72.º da LTC, o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
4. Foi então deduzida a presente reclamação, onde se lê o que segue:
«(…) é o próprio indeferimento da reclamação deduzida para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, que se fundamenta, também, na alínea c), do art.º, 400.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal. (…)
Reproduz-se novamente o que se escreveu no ponto III, do requerimento de recurso para o Venerando Tribunal Constitucional.
III. “A decisão que incidiu sobre a reclamação deduzida pelo ora aqui recorrente, considerou irrecorrível, quer ao abrigo do disposto no art.º 400.º, n.º 1, alínea c), quer no mesmo artigo alínea f), o recurso que foi interposto para o STJ.”
Foi então a primeira vez no processo que se referiu a alínea c) do n.º 1, do art.º, 400.º, do C.P.P.
E o ora reclamante, arguiu imediatamente na peça seguinte, a inconstitucionalidade dessa interpretação».
5. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou pelo indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:
«1. No momento processual próprio para suscitar questões de inconstitucionalidade normativa – a reclamação para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça –, a norma que vem referida é a inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP “interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre os efeitos de insolvência na suspensão de execução da pena”.
2. Ora, no que respeita à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, o recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido (fls. 37).
3. Embora na reclamação referida, se faça referência à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, nunca foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade relacionada com aquela norma.
4. Não vindo sequer invocada qualquer surpresa quanto à interpretação acolhida na decisão recorrida – e bem, uma vez que tal interpretação nada tem de surpreendente -, não estava o recorrente dispensado do ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade, referente àquela alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP».
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
No Supremo Tribunal de Justiça foi proferido despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante, na parte que se reporta à alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, com fundamento na não suscitação prévia e de forma adequada da questão de constitucionalidade posta ao Tribunal Constitucional.
O reclamante argumenta que a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal foi referida pela primeira vez no despacho de 16 de Setembro de 2010, tendo o ora reclamante arguido imediatamente na peça seguinte (no requerimento de interposição de recurso), a inconstitucionalidade dessa interpretação.
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, impendendo sobre o recorrente o ónus de suscitar a questão de constitucionalidade «perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72º, nº 2, da LTC). Ou seja, em momento prévio à respectiva prolação, o que, manifestamente, não se verifica nos presentes autos.
Com efeito, quando reclamou do despacho de não admissão do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada à alínea c) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. Limitou-se a transcrever uma passagem do Acórdão do Tribunal Constitucional que apreciou a constitucionalidade de determinada dimensão interpretativa desta disposição legal, absolutamente alheia às especificidades dos presentes autos (Acórdão nº 686/2004).
O reclamante não cumpriu, pois, o ónus da suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa cuja apreciação pretendia, pelo que há que confirmar o despacho objecto da presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 30 de Novembro de 2010.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira - Gil Galvão.
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