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Processo n.º 511/10
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do Acórdão n.º 392/10, que indeferiu reclamação de decisão de não conhecimento do recurso proferida ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), veio o recorrente A. arguir a nulidade desse acórdão nos termos seguintes:
“ (…)
1. De facto, o recorrente não tem mais do que tentado demonstrar que efectivamente uma inconstitucionalidade existiu e que nada se decidiu quanto a ela.
2. Para tanto aduziu os seus fundamentos em sucessivos recursos, que no seu modesto entender contêm todo o fundamento.
3. Contudo, foi preciso chegar ao Venerando T.C. para que, da parte do Tribunal se conseguisse vislumbrar a argumentação do recorrente, ainda que se entendesse não lhe assistir razão.
4. No entanto, o arguido vem mais uma vez tentar tornar claro o que para si já é.
5. Assim, o venerando T.C. ao não reconhecer do recurso interposto pelo recorrente, feriu de nulidade o mesmo, uma vez que, no modesto entender do arguente, a inconstitucionalidade suscitada na primeira instancia subsiste.
6. Realmente deve ter-se em conta todo o processo – no entender do arguente inicia-se com a apresentação da queixa e conclui-se com a prolação do último Ac. – (é incindivel), e, por isso, um despacho não pode ser avaliado, de per si, sem que o contextualizemos com todo o demais tramitado.
7. Pelo menos em processo-crime, onde não existem recursos a “subir em separado”.
8. Recapitulando, e muito brevemente, uma vez que tudo o que infra se explana já está convenientemente explanado nas peças do recorrente, foi o mesmo condenado numa pena cuja aplicação não ponderou a pena de pena de trabalho a favor da comunidade por entender que tal normativo não se podia aplicar a situações de moldura penais de 17 meses, por ser inconstitucional.
9. É verdade que, já em sede de recurso para o Venerando Tribunal da Relação, este Tribunal não se pronunciou, no que concerne à inconstitucionalidade suscitada em Primeira Instância.
10. Entendeu essa Relação, sem que fundamento tivesse na sentença da Primeira Instância, e sem que tal questão lhe fosse suscitada pelo arguente — lembre-se que o arguente unicamente punha em causa a decisão da Primeira Instância de não ponderação e aplicação do Trabalho a Favor da Comunidade para penas de 2 anos – que tal normativo não assegurava as medidas da pena.
11. Contudo, diz o artigo 379.º do C.P.P. que é nulo o acórdão quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de que não podia tomar conhecimento.
12. Ora, se a Primeira Instância no seu douto Ac. nada refere em relação à prevenção geral e especial, no que se refere ao Trabalho a favor da comunidade, urna vez que a “ignorou”, por esta ser, na sua óptica inconstitucional, então o Venerando Tribunal da Relação do Porto, não podia suprir a falta da Primeira Instância.
13. Isto é, não podiam, vir dizer que tal hipótese (Trabalho a favor da comunidade) não assegurava a prevenção geral e especial, urna vez que, não constavam nos autos elementos que permitissem tal ponderação.
14. Por um lado, porque os Mmo.s Juízes de Primeira Instância não contemplaram a norma para efeito de prevenção, e por outro, porque o venerando Tribunal da Relação nem sequer teve em atenção o Relatório Social, para que pudessem tirar tal conclusão.
15. Ou seja, o Ac. da Relação foi para além do Ac. proferido em Primeira Instância, tendo conhecido para além do suscitado pelo recorrente.
16. Tendo conhecido ainda matéria que deveria remeter à Primeira Instância para apreciação e que era a verdadeira questão suscitada pelo recorrente.
17. Sendo que, o recorrente só o consegue compreender como um excesso de pronúncia, por eventual omissão que o Tribunal recorrido pudesse ter tido.
18. Omissão essa inequívoca e finalmente reconhecida nesse T.C.
19. Assim, o Venerando T.C. ao entender que deve improceder a reclamação por falta de sustentação e não decidindo da inconstitucionalidade suscitada, gera nulidade insanável no Ac. desse Tribunal.
20. Isto porque, omite pronúncia sobre questão essencial, que admite existir em sede de primeira instância, e que não tem até ao momento decisão de outro Tribunal que não a Primeira Instância.
21. Facto é, que o Tribunal da Primeira Instância foi claro no que concerne ao artigo
58.º do C.P., entendendo que o mesmo não deve ser aplicado a penas de 17 meses de prisão.
22. Isto consta dos autos e não pode ser retirado.
23. Demonstrativo claro, de que tal artigo nunca foi contemplado para efeitos de pena aplicável.
24. Facto é, também, que o Tribunal da Relação não se pronunciou quanto à inconstitucionalidade suscitada pelo Tribunal recorrido, invocando que tal normativo não assegurava a prevenção geral e especial da norma, sem contudo ter contemplado o vertido no relatório social.
25. E por isso, padece de erro por omissão de ponderação de requisitos essenciais para a mesma.
26. Tal é importante frisar, uma vez que o T.C. se escuda no facto de o arguido só dever recorrer do último Ac. e não de todos.
27. Mas a verdade é que até ao momento nenhum Tribunal ousou pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade suscitada, escudando-se em formalismos.
28. E também é verdade que o Tribunal de Primeira Instância suscitou tal inconstitucional idade.
29. E, neste entendimento, certo será que tal Tribunal continuará a “ignorar tal normativo, o que num estado de Direito justifica a intervenção desse T.C. no sentido de demonstrar da razão desse mesmo procedimento.
30. Importa ainda ter em conta, em prol da argumentação, que do recurso do Tribunal da Relação, que esse T.C. entende que ignorou a inconstitucionalidade suscitada, e ponderou a aplicação da norma em causa, o certo é que o STJ, não aceitou o recurso entretanto interposto dessa mesma interpretação, por entender existir a dupla conforme.
31. Ora, nesse entendimento, sempre o STJ, deveria ter recebido tal recurso, pois funcionaria exactamente como instância de recurso, dessa primeira apreciação da não aplicação do artigo 58.º do C.P.
32. Ao não se decidir sobre tal questão põem-se em causa os direitos de defesa do arguido, previstos no artigo 32.º da CRP, bem como omite-se pronuncia sobre questão essencial, gerando nulidade do Ac., previsto no artigo 379.º do C.P.P. que por sua vez também é violador do direito de defesa do arguido previsto no artigo 32.º da C.R.P.
33. Em jeito de conclusão, o facto de o Tribunal da Relação não se pronunciar quanto à inconstitucionalidade gera omissão de pronuncia, e o facto de entender que o artigo 58.º do C.P. não assegura a prevenção geral e especial, extravasa o âmbito do Ac. da Primeira instância, uma vez que nada a esse propósito é dito nesse Ac..
34. Assim, o AC. do Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 379.º do C.P.P. é nulo, e lesivo dos direitos de defesa do arguido, protegidos no artigo 32.º da C.R.P., nomeadamente o direito de recurso.
35. Por sua vez, a actuação do Venerando Tribunal Constitucional, ao não se pronunciar quanto a inconstitucionalidade, por entender que tal não foi invocado no AC. da Relação, omite também pronuncia quanto a questão fundamental que deveria conhecer, gerando-se assim, também, a supra citada nulidade deste Ac.. e gerando-se também, por acréscimo a inconstitucionalidade, uma vez que tal Ac. viola o artigo 32.º da C.R.P., lesando o direito do Recurso do arguido.
36. O arguente, no seu recurso ao reagir à decisão da primeira instancia, invoca inequivocamente a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 58.º do C.P. pela primeira Instancia, a qual ignora a sua aplicação, impondo com o devido respeito, que é muito e salvo melhor opinião, apreciação da mesma por esse Tribunal Constitucional.
37. O Ac. do Tribunal da Relação a este propósito é irrelevante.
38. Nulidades e inconstitucionalidade essas que se invocam com todas as legais consequências.”
2. O Ministério Público responde que a arguição improcede sustentando que:
“(…)
10º
O ora arguente continua a referir-se indiscriminadamente à decisão de primeira instância – aquela, no fundo, que o incomoda –, bem como ao Acórdão da Relação, única decisão de que entendeu recorrer para este Tribunal Constitucional, discordando do modo como aplicaram um determinado preceito legal – o art. 58.º do Código Penal.
No fundo, discorda da forma como a interpretação desse preceito foi feita, sendo, porém, inequívoco, que ambas as instâncias aplicaram esse artigo, e não o inverso, como pretende – sem sucesso – demonstrar.
11°
Assim, a lógica do próprio recurso de constitucionalidade se encontra irrevogavelmente subvertida pela argumentação do arguente, como resulta claro do excerto do Acórdão 392/10, atrás transcrito.
12°
Julga-se, por último, em face de toda a argumentação aqui produzida, que a arguição de nulidade do mesmo Acórdão não faz, também, qualquer sentido.
Este Tribunal Constitucional pronunciou-se, com efeito, sobre tudo o que tinha de constituir objecto da sua pronúncia, não havendo, assim, nenhuma omissão de pronúncia, como pretensamente invocado pelo recorrente.
13°
Nessa medida, crê-se que a mesma arguição de nulidade não poderá deixar de ser indeferida, por se mostrar totalmente improcedente.
3. Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do artigo 69.º da LTC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar. O juiz deve apreciar todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja solução esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do artigo 660.º do CPC).
Ora, o acórdão que decidiu a reclamação ocupou-se da única questão relevante, face à decisão sumária, ao teor da reclamação e às competências do Tribunal perante um recurso de fiscalização concreta interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC: saber se a decisão recorrida recusou aplicação à norma do artigo 58.º do Código Penal com fundamento em inconstitucionalidade. E, concluindo que a decisão recorrida não recusou aplicação à referida norma por desconformidade com a Constituição, antes fez dela aplicação expressa ponderando a situação concreta face aos seus comandos, embora em sentido desfavorável ao recorrente, nada mais tinha de apreciar ou decidir. Designadamente não cabe na competência do Tribunal Constitucional averiguar se o acórdão da Relação incorrera em nulidade, por excesso ou omissão de pronúncia, ou se fez incorrecta apreciação dos factos ou aplicação do regime legal. Pelo que, face à natureza do recurso de constitucionalidade e ao que estava em causa na reclamação para a conferência, a arguição de nulidade é destituída de fundamento. Aliás, só por absoluta desconsideração do modo como o regime de fiscalização concreta de constitucionalidade vem configurado na Constituição (artigo 280.º da CRP) e na Lei do Tribunal Constitucional (artigo 70.º da LTC) pode dizer-se que é irrelevante a aplicação ou recusa de aplicação que a decisão judicial recorrida tenha feito da norma cuja apreciação se quer submeter ao Tribunal Constitucional, como faz o recorrente (cfr. n.ºs 37 e 38 da reclamação acima transcrita).
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a arguição de nulidade e condenar o recorrente nas custas, com vinte unidades de conta de taxa de justiça
Lisboa, 25 de Novembro de 2010.- Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
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