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Processo n.º 316/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Nestes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. Os recorrentes A. e B. foram condenados, nestes autos, em 1.ª Instância, em cúmulo jurídico de várias penas parcelares, nas penas únicas, respetivamente, de dois anos de prisão suspensa na execução por dois anos, com regime de prova, e de três anos de prisão suspensa na execução por três anos, com regime de prova.
Em virtude de recurso interposto pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, datado de 13 de setembro de 2011, julgando parcialmente procedente tal recurso e, em consequência, mantendo as penas de prisão aplicadas aos arguidos aqui recorrentes, mas determinando não suspender a execução de tais penas.
Inconformados, os recorrentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão de 20 de dezembro de 2011, não admitiu o recurso interposto.
De tal decisão, os recorrentes deduziram reclamação, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal.
Em 6 de fevereiro de 2012, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a reclamação, concluindo nos seguintes termos:
“A perspetiva, o sentido essencial e os equilíbrios internos que o legislador revelou na construção do regime dos recursos para o STJ, com a prevalência sistémica, patente e mesmo imanente, da norma do artigo 432°, e especialmente do seu nº 1, alínea c), impõe, por isso, em conformidade, a redução teleológica da norma do artigo 400°, n°1, alínea e) do CPP, de acordo com o princípio base do artigo 432º, nº 1, alínea c) do CPP, necessária à reposição do equilíbrio e da harmonia no interior do regime dos recursos para o STJ, no sentido de o recurso não ser admissível para o STJ no caso que tenha sido aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão.”
3. É desta decisão que os recorrentes interpõem o presente recurso, identificando o respetivo objeto como correspondendo à interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, no sentido da “inadmissibilidade de recurso de acórdão proferido pelas Relações, em recurso exclusivamente interposto pelo Ministério Público, em desfavor dos arguidos, em caso de substituição de pena não privativa da liberdade por pena privativa de liberdade”
Invocam os recorrentes a violação do artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental.
Nas suas alegações, concluem nos termos seguintes:
“ I. O artigo 400º nº 1 al. e) do CPP, tem de ser interpretado (até pela sua literalidade), no sentido de permitir a recorribilidade de decisões proferidas em recurso pelas relações que apliquem pena privativa da liberdade qualquer que seja a sua moldura penal;
II. E não como foi normativamente interpretada, em que, operando a sua «redução teleológica» e «sistemática» não admite recurso para o Suprem Tribunal de Justiça no caso em que tenha sido aplicada uma pena não superior a 5 anos de prisão.
III. Aliás, nos termos do artigo 9° nº 2 do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
IV. O douto despacho reclamado ao interpretar normativamente o citado dispositivo no sentido da sua inadmissibilidade, mais não fez do que coartar um direito constitucionalmente garantido que é o direito ao recurso, pois que o processo criminal deve garantir esse mesmo direito.
V. Daí o legislador ter expressamente referido, que só o acórdão proferido em recurso, pelas relações, que apliquem penas «não privativa da liberdade», são irrecorríveis, e não aqueles que revogam penas não privativas da liberdade em penas efetivas de prisão.
VI. Aliás, no caso concreto, se fosse intenção do legislador restringir o direito ao recurso dos reclamantes ora recorrentes, teria mantido a versão anterior da al. e) do nº 1 do artigo 400º do CPP « pena de prisão não superior a 5 anos»… mas não o fez. (cf. Douto Acórdão nº 18/11 de Tribunal Constitucional, 27 de março de 2012).
VII. O artigo 400° nº 1 al. e) do CPP (na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto), é inconstitucional, com a interpretação normativa de inadmissibilidade de recurso de acórdão proferido pelas relações, em recurso exclusivamente interposto pelo Ministério Público, em desfavor dos arguidos, em caso de substituição de pena não privativa da liberdade, por pena privativa da liberdade, por violação do artigo 32º nº 1 da nossa Lei Fundamental.”
O Ministério Público igualmente apresentou alegações, concluindo da seguinte forma:
“ 1. Nos presentes autos, as penas privativas da liberdade (penas de prisão) não são superiores a cinco anos e resultam de a Relação, concedendo provimento a recurso interposto pelo Ministério Público, não suspender a sua execução, ao contrário do que fora decidido em 1ª instância.
2. Neste contexto “o artigo 400.º, n.º 1 al. e) a contrario e o artigo 432.º, n.º 1 al. b) do CPP, com a interpretação normativa de inadmissibilidade de recurso do acórdão proferido pelas Relações, em recurso exclusivamente interposto pelo Ministério Público, em desfavor dos arguidos, em caso de substituição de pena não privativa da liberdade”, não violam o direito ao recurso (art. 32.°, n.º 1, da Constituição), não sendo, por isso, inconstitucionais.
3. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso.”
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
4. Nos termos do artigo 75.º-A da LTC, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve indicar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º, ao abrigo da qual o recurso é interposto. Os recorrentes não cumprem tal exigência. Porém, da análise do requerimento de interposição de recurso conjugado com o teor da decisão recorrida, conclui-se que a alínea pertinente, no presente caso, é a b), sendo nessa perspetiva que o recurso será analisado.
Não obstante os recorrentes apenas se referirem ao artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, como base legal da questão de constitucionalidade que enunciam, parece-nos que o concreto critério normativo aplicado pela decisão recorrida não prescinde da referência ao artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma. Na verdade, de acordo com a decisão de 6 de fevereiro de 2012, são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena privativa de liberdade não superior a cinco anos, mesmo quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa de liberdade. Tal interpretação normativa decorre da conjugação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea e), e 432.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal.
Delimitado, nestes termos, o objeto do recurso – numa formulação extraível, quanto ao seu sentido útil, do requerimento de interposição de recurso e das alegações – conclui-se que o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre idêntica questão, no âmbito do Acórdão n.º 324/2013, proferido em Plenário.
5. Nestes termos, remetendo para a fundamentação do referido Acórdão n.º 324/2013 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), decide-se julgar inconstitucional a interpretação normativa, resultante da conjugação da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º, ambos do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
III - Decisão
6. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a interpretação normativa, resultante da conjugação da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º e da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, segundo a qual é irrecorrível o acórdão proferido pelas relações, em recurso, que aplique pena privativa da liberdade não superior a cinco anos, quando o tribunal de primeira instância tenha aplicado pena não privativa da liberdade, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro - Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral
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