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Processo n.º 907/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. intentou contra B., Publicações, S.A., C., diretor do D., e E. e F., jornalistas do mesmo D., ao abrigo do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de junho, ação declarativa de condenação, pedindo a condenação destes no pagamento solidário da quantia de €10.000.000,00, a título de danos não patrimoniais alegadamente causados por factos que consubstanciam violação da sua reputação, imagem e bom nome.
Ordenada a citação dos réus mas ainda antes de transcorrido o prazo da contestação, que não chegou a ser apresentada, veio o autor desistir do pedido, nos termos do n.º 1 do artigo 293.º do Código de Processo Civil, tendo o tribunal, por sentença de 8 de fevereiro de 2012, homologado a desistência, assim considerando extinto o direito de que o autor se pretendia valer contra os réus, condenando-o no pagamento das custas devidas.
Nessa sequência, foi elaborada a conta de custas, no valor total de €118.360,80, tendo o autor dela reclamado, ao abrigo do disposto no artigo 31.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), pedindo, a final, além do mais, que fossem declaradas inconstitucionais a normas dos artigos 11.º, 14.º e 22.º do RCP, «quando interpretadas no sentido de que não existe qualquer limite aos montantes a liquidar a título de taxa de justiça e custas processuais, que não os resultantes do valor da causa, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa) e do direito de acesso aos tribunais (artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa)».
A reclamação veio a ser julgada parcialmente procedente, por decisão de 11 de outubro de 2011, que recusou a aplicação das «normas contidas nos artigos 6.º e 11.º do RCP conjugadas com a tabela I-A anexa na redação dada pelo DL 52/2011 quando interpretadas no sentido de não ser possível adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado, em particular através da dispensa do pagamento remanescente, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 2.º da CRP, e do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da CRP». Nessa conformidade, dispensou-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final e ordenou-se a reformulação da conta de custas em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade.
O Ministério Público, notificado da referida decisão, dela interpôs recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) – que foi admitido pelo Tribunal recorrido –, para apreciação da inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de não ser possível adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado, tendo apresentado alegações onde concluiu:
«a) pela improcedência do recurso obrigatório, interposto pelo Ministério Público, nos presentes autos;
«b) confirmando, assim, este Tribunal Constitucional, a sentença recorrida, de 11 de outubro de 2012, da 3.ª Vara Cível do Porto; e, consequentemente,
«c) julgando, em consequência, inconstitucionais as normas dos artigos 6.º e 11.º do RCP conjugadas com a tabela I-A anexa na redação dada pelo DL 52/2011, quando interpretadas no sentido de não ser possível adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado, em particular através da dispensa do pagamento remanescente, por manifesta violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 2.º da CRP e do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da CRP».
O recorrido A., notificado para o efeito, não apresentou contra-alegações.
Cumpre apreciar e decidir.
2. O tribunal recorrido decidiu julgar a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na redação introduzida pelo DL 52/2011, «quando interpretadas no sentido de não ser possível adequar a taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado, em particular através da dispensa do pagamento remanescente» (itálico nosso), por violação do princípio da proporcionalidade consagrado nos artigos 18.º, n.º 2, e 2.º da CRP, e do direito de acesso aos tribunais garantido pelo artigo 20.º da mesma Lei Fundamental.
O Ministério Público, no requerimento de interposição do recurso, omitiu, na delimitação do respetivo objeto, a referência à concreta impossibilidade de recurso ao mecanismo de correção da «dispensa do pagamento remanescente», tendo sujeitado à apreciação do Tribunal Constitucional apenas a interpretação que, fundada nos citados normativos legais, impossibilita a adequação da taxa de justiça a cobrar no processo em função do processado e complexidade da causa ao serviço efetivamente prestado.
É, pois, essa a interpretação normativa que constitui objeto do recurso, sendo certo que o mecanismo corretivo da «dispensa do pagamento remanescente», que o tribunal recorrido aplicou em consequência do juízo de inconstitucionalidade formulado, não integra, em rigor, o critério normativo que foi objeto de recusa de aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade.
3. O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de dezembro, sucedeu ao Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, visando prosseguir, de acordo com a declaração de intenções constante do respetivo diploma preambular, «objetivos de uniformização e simplificação do sistema de custas processuais», em cujo âmbito de execução se inserem, em particular, a concentração de «todas as regras quantitativas e de procedimento sobre custas devidas em qualquer processo, independentemente da natureza judicial, administrativa, fiscal ou constitucional, num só diploma» e a adoção do sistema de «pagamento único de uma taxa de justiça por cada interveniente processual, no início do processo», em contraste com a solução pretérita de pagamento em duas fases (taxa de justiça inicial e subsequente).
Procurou-se, por outro lado, considerando a motivação expressa no mesmo diploma preambular, adequar «o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respetivos utilizadores».
Nessa perspetiva, que se pretende inovatória, afirma-se que «(d)e acordo com as novas tabelas, o valor da taxa de justiça não é fixado com base numa mera correspondência face ao valor da ação. Constatou-se que o valor da ação não é um elemento decisivo na ponderação da complexidade do processo e na geração de custos para o sistema judicial. Pelo que, procurando um aperfeiçoamento da correspectividade da taxa de justiça, estabelece-se agora um sistema misto que assenta no valor da ação, até um certo limite máximo, e na possibilidade de correção da taxa de justiça quando se trate de processos especialmente complexos, independentemente do valor económico atribuído à causa. Deste modo, quando se trate de processos especiais, procedimentos cautelares ou outro tipo de incidentes, o valor da taxa de justiça deixa de fixar-se em função do valor da ação, passando a adequar-se à efetiva complexidade do procedimento respetivo.»
Traduzindo nominalmente essa mudança de perspetiva, passou a enunciar-se, como regra geral, que a taxa de justiça é fixada «em função do valor e complexidade da causa» (artigos 6.º, n.º 1, do RCP, e 447.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), assim se consagrando um «sistema misto, assente, por um lado, no valor da causa até determinado limite, e, por outro, na sua correção em casos de processos especialmente complexos» (Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, Almedina, 2009, pág. 181), podendo o juiz determinar, a final, a aplicação de valores agravados de taxa de justiça às ações e recursos que revelem especial complexidade, por dizerem respeito a «questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou que importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso» e implicarem «a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de prova morosas» (artigos 6.º, n.º 5, do RCP, e 447.º-A, n.º 7, do CPC).
Fora do âmbito de agravação tributária previsto no n.º 5 do citado artigo 6.º para as ações especialmente complexas, o RCP, na sua redação originária, previa para as ações de valor igual ou superior a €600 000,01, em que se enquadra a presente ação, uma taxa de justiça que variava entre 20 UC e 60 UC (cf. tabela I-A anexa), devendo a parte liquidá-la no seu valor mínimo e pagar o excedente, se o houver, a final (artigo 6.º, n.º 6).
O Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, com o propósito expresso de permitir «uma maior facilidade de acesso à justiça, por parte dos seus utentes», recuperou o sistema bipartido do pagamento da taxa de justiça antes consagrada pelo CCJ96, permitindo, de novo, o seu pagamento em duas prestações (taxa de justiça inicial e subsequente), e modificou as tabelas anexas ao RCP. Quanto a este último aspeto, justifica-se a alteração com a constatação de que «as taxas de justiça nalguns casos não estavam adequadas à complexidade da causa, pelo que se prevê um maior progresso da taxa de justiça a partir do último escalão da tabela, embora os valores se mantenham muito inferiores aos do regime anterior ao do Regulamento». Passou, assim, a prever-se, para as ações de valor compreendido entre €250.000,00 e €275.000,00, que corresponde ao último da escalão da tabela, uma taxa de justiça de valor fixo (16 UC), a que acrescem a final 3UC por cada €25.000,00 ou fração.
Reintroduziu-se, desse modo, embora com diminuição de valores, o sistema de taxas de justiça de valor fixo antes consagrado pela tabela I anexa ao CCJ, na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro, que previa, para as ações de valor compreendido entre €210.000,01 e €250.000,00, uma taxa de justiça no valor de 24 UC, a que acrescia, para as ações de valor superior a €250.000,00, 5 UC, a final, por cada €25.000,00 ou fração.
Contudo, o novo regime consagrado pelo Decreto-Lei n.º 52/2011 não contempla a possibilidade, antes prevista pelo CCJ, no n.º 3 do seu artigo 27.º, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei n.º 324/2003, de o juiz, se a especificidade da situação o justificar, dispensar, de forma fundamentada, o pagamento do remanescente, atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
Tal possibilidade só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7 em que, em paralelismo textual com a redação da norma homóloga do artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, se prevê: «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Parece, pois, poder concluir-se que o RCP, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de abril, julgada aplicável aos presentes autos, ao fixar para o último escalão de valor das ações (€250.000,00 a €275.000,00), no regime geral (tabela I-A), uma taxa de justiça de valor fixo (16UC) que progressivamente se agrava, sem qualquer limite máximo, na proporção direta do aumento do valor da ação (em acréscimos de 3 UC, a fixar a final, por cada 25.000,00 ou fração), adotou efetivamente, em desvio à declaração de intenções constante do respetivo diploma preambular, um sistema de taxa de justiça que, neste particular, se baseia no critério exclusivo do valor da ação, presumindo-se que a complexidade da ação, e a utilidade que as partes dela retiram, aumenta na proporção direta do respetivo valor.
É que, analisado o novo regime de custas processuais, na sua globalidade, na referida redação, verifica-se que o sistema misto de taxação, assente não apenas no valor da causa mas também na complexidade dos autos, apenas opera em sentido único, garantindo que os processos suscetíveis de serem qualificados como especialmente complexos importem para o sujeito passivo da correspondente obrigação tributária um custo que efetivamente reflita esse maior grau de complexidade. Mas não atua em sentido contrário, assegurando às ações de elevado valor que fiquem claramente aquém de um padrão médio de complexidade um nível de tributação adequado ao (menor) serviço efetivamente prestado.
É o que sucedeu no caso concreto.
Com efeito, a ação que deu origem ao presente recurso, embora com o valor de €10.000.000,00, terminou ainda antes de decorrido o prazo da contestação, com a homologação da desistência do pedido apresentada pelo autor. Comportou, pois, para além dos atos de distribuição e citação, a prolação de uma sentença homologatória. Não obstante, depois de exauridos todos os mecanismos legais aplicáveis que, em razão desse nível concreto de tramitação, comportavam objetivamente uma diminuição do montante devido a título de taxa de justiça (cf. mecanismo de conversão da taxa de justiça paga em encargos consagrado no artigo 22.º do RCP, na redação em causa), apurou-se a final, com base no valor da ação, um montante em dívida, a título de taxa de justiça, de €118.360,80.
E a determinação de um tal montante, no descrito contexto processual, resultou claramente da aplicação, no caso concreto, de um critério normativo que, tendo por fonte legal as normas conjugadas dos artigos 6.º, n.º 1, e 11.º do RCP, e respetiva tabela I-A, na redação aplicável, abstrai da complexidade processual para o efeito de fixação do valor da taxa de justiça, como defende o tribunal recorrido. Mas o problema de inconstitucionalidade apenas decorre da ausência de um limite máximo ao regime de tributação crescente em função do valor da ação, pois que ignora a complexidade dos autos para o efeito de evitar ou corrigir valores de tributação desproporcionados às ações de elevado valor que assumam, como é manifestamente o caso, uma tramitação reduzida. E é precisamente a impossibilidade de redução de valores tributários fixados sem qualquer limite máximo, em função da menor complexidade do processado, que o tribunal recorrido implicitamente censurou quando se referiu à impossibilidade de recorrer à dispensa do pagamento remanescente que a Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, veio a consagrar.
Ora, ainda que no contexto de vigência do CCJ, na sua redação originária, o Tribunal Constitucional, em jurisprudência consolidada, tem censurado normas jurídicas que, sob tal aspeto, são substancialmente idênticas à ora sindicada, à luz de premissas de ordem conceitual e axiológico-normativa claramente pertinentes à apreciação do presente recurso.
Assim, decidiu-se «julgar inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da mesma Constituição, a norma que resulta dos artigos 13.º, n.º 1, e tabela anexa, 15.º, n.º 1, alínea m), e 18.º, n.º 2, todos do Código das Custas Judiciais, na versão de 1996, na interpretação segundo a qual o montante da taxa de justiça devida em procedimentos cautelares e recursos neles interpostos, cujo valor excede €49.879,79, é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo ao montante das custas, e na medida em que se não permite ao tribunal que limite o montante de taxa de justiça devido no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado do montante em questão» (Acórdãos nºs. 227/2007 e 116/2008).
Também se julgou inconstitucional, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proibição de excesso, decorrente do artigo 2.º da CRP, «a norma que se extrai da conjugação do disposto nos artigos 13.º, n.º 1, 15.º, n.º 1, o), 18.º, n.º 2, e tabela anexa do CCJ, na redação do Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um processo, comportando um incidente de apoio judiciário e um recurso para o tribunal superior, ascendem ao montante global de €123.903,43, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.º 471/2007).
E reafirmou-se um tal juízo de inconstitucionalidade, apreciando esse mesmo conjunto normativo, «na parte em que dela resulta que as taxas de justiça devidas por um recurso de agravo de um despacho interlocutório, interposto por quem não é parte na causa, sendo a questão de manifesta simplicidade e tendo o recurso seguido uma tramitação linear, ascendem ao montante global de €15 204,39, determinado exclusivamente em função do valor da ação, sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcionado desse montante» (Acórdão n.º 266/2010). O mesmo sucedeu no Acórdão n.º 470/07, que julgou inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º, n.º 1, da Constituição, «a norma do artigo 66.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de novembro, interpretada por forma a permitir que as custas devidas pelo expropriado excedam de forma intolerável o montante da indemnização depositada, como flagrantemente ocorre em caso, como o presente, em que esse excesso é superior a €100.000,00».
Sendo também à luz das mesmas valorações constitucionais que não se censuraram soluções legais de tributação que, embora pautadas por exclusivos critérios de valor (da ação), não conduziram, nos concretos casos em apreciação, à fixação de uma taxa de justiça desproporcionada à complexidade do processo (Acórdãos nºs. 301/2009, 151/2009 e 534/2011).
Ora, o que determinou tais julgamentos, incluindo estas últimas decisões de não inconstitucionalidade, foi a ideia central de que a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007).
Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito.
É o que flagrantemente ocorre no caso sub judicio, em que, por aplicação do critério normativo sindicado, se exige ao autor de uma simples ação declarativa de condenação, que terminou com a homologação da desistência do pedido, apresentada ainda antes de decorrido o prazo da contestação, o pagamento a final de uma taxa de justiça no valor de €118.360,80.
A manifesta desproporção entre o valor cobrado de taxa de justiça e o custo implicado na ação, que registou uma tramitação muitíssimo reduzida, dela não decorrendo para o autor o benefício inerente ao elevado montante peticionado, reclama, pois, também no presente caso, que se censure, em aplicação da invocada jurisprudência, o critério normativo que permitiu um tal resultado.
4. Pelo exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redação introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da ação sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o caráter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
b) Confirmar o juízo de inconstitucionalidade formulado pela decisão recorrida, negando, em consequência, provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.
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