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Processo n.º 719/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Na sequência de despacho que não admitiu, por intempestivo, pedido de aclaração do Acórdão n.º 109/2013, veio a recorrente A., Lda, arguir a nulidade desse despacho, com o fundamento, além do mais, de não constar cominação na notificação que lhe foi dirigida pela secretaria, nos termos do n.º 6 do artigo 145.º do CPC.
2. Por despacho proferido em 14 de maio de 2013 (fls. 293 e 294), foi julgada improcedente tal arguição de nulidade, com os seguintes fundamentos, no que aqui interessa:
“(...)
Mas, acrescente-se, também não assiste razão ao recorrente quanto à ocorrência de vício na notificação que lhe foi dirigida, por imposição do mesmo n.º 6 do artigo 145.º do CPC.
Com efeito, e como bem aponta o Ministério Público e o recorrido, ao invés do pretendido pelo recorrente, do preceituado no artigo 145.º do Código de Processo Civil não decorre a exigência de qualquer menção para alem daquelas indicadas na notificação, ou seja, o montante a pagar, a previsão legal e o termo final do prazo para pagamento.
Assim, improcede a arguição de nulidade do despacho de fls. 277 formulada pelo recorrente.”
3. Veio o recorrente reclamar desse despacho para a Conferência, nos seguintes termos (transcrição, com notas de pé de página colocadas entre parêntesis retos no local da respetiva inserção):
“1.º O art. 145º, nº 6, do CPC, na redação do DL n.º 180/96, de 25-9, previa a notificação para pagamento da multa com a expressa cominação de “sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o ato”.
2º Não era suficiente a mera notificação para pagar a multa, devendo dela também constar a respetiva cominação legal [Ac. STJ, 26-02-1992, in BMJ 414, pág. 421].
3º Acontece que, na redação dada pelo DL n.º 324/03, de 27-12, foi suprimido este segmento normativo.
4º No entanto, a cominação mantém-se, pois, a multa é a condição de validade da prática do ato.
5º Por isso, também, para se manter o efeito preclusivo do ato processual, deve manter-se a obrigatoriedade da notificação com a respetiva cominação legal.
6º Sendo, aliás, o que resulta do princípio do direito de acesso à justiça e do princípio da equidade, como estão consagrados nos arts. 20º da CRP e 6º, n.º 1, da CEDH.
7º Na verdade, a interrupção do art. 145º, n.º 5 e 6, do CPC, tem suscitado opiniões divergentes.
Segundo uma parte da jurisprudência e doutrina, a secretaria deve notificar o autor do ato oficiosamente mesmo que este não tenha requerido o pagamento da multa, a falta de tal notificação importa nulidade que pode influir na decisão da causa [. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Coimbra, 1997, Vol. I, pág. 75; Cardona Ferreira, Decreto-Lei 242/85, de 9 de julho (Reforma Intercalar do Processo Civil) – Notas Práticas, anotação ao art. 145º; Acs. do STJ, de 09-12-99, CJ/STJ, 1999, T III, pág. 139, da Rel. Coimbra, 22-09-98 e de 22-06- 99, CJ, Ano XXIII, T IV, pág. 15 e Ano XXIV, T III, pág. 41 , e da Rel. Évora, 22-01-1998, BMJ, nº 473, pág. 584].
Para outros terá de ser requerido o pagamento da multa para que o ato possa ser admitido.
“A prática do ato fora do prazo, feita nos termos e ao abrigo do disposto nº 5 deste art. 145º, implica sempre o requerimento simultâneo do pagamento imediato da multa devida.
E só se, requerido o pagamento imediato da multa, ela não for paga, então, e só então, a secretaria mandará notificar a parte faltosa para proceder ao pagamento da multa e da sanção fixada no nº 6 do mesmo preceito. Ou seja, esta última notificação não tem lugar na hipótese de a prática do ato ter sido desacompanhada do requerimento para imediato pagamento da multa devida, hipótese em que o prazo se tem pura e simplesmente por perdido” [Abílio Neto, CPC Anotado, anotação ao art. 145º, Ediforum, Lisboa, 16º ed., 2001, pág. 246; Ac. Rel. Coimbra, 20-01-1998, BMJ n.º 473, pág. 573].
Ainda, outra posição, parece ver no n.º 6 do art. 145º uma mera faculdade da secretaria, para estes “... o diploma interca1ar de 1985 (...) aditou o n.º 6, que possibilitou a notificação pela secretaria para o pagamento de multa igual ao dobro da prevista no n.º 5, quando não paga espontaneamente dentro do respetivo prazo, salvando-se assim ainda o ato praticado” [José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, CPC Anotado, Vol. 1º, anotação ao art. 145º, Coimbra Editora, pág. 253].
O n.º 6 do art. 145º do CPC sofreu uma alteração legislativa introduzida pelo DL n.º 324/03, de 27-12, depois mantida na versão do DL n.º 34/08, de 26-02.
A versão anterior a DL n.º 324/03 tinha a redação seguinte:
“Praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notificará o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da mais elevada prevista no número anterior, sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o ato, não podendo, porém, a multa exceder 10 UC”.
Com este diploma tal norma passou a ter a seguinte redação: “Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar multa de montante igual ao dobro das taxa de justiça inicial, não podendo a multa exceder 20 UC”.
Assim desapareceu do novo n.º 6 o segmento “sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o ato”, que consagrava um efeito cominatório decorrente da falta de pagamento da multa e que se traduzia na invalidade do ato.
9.º Apesar de, suprimido este segmento normativo, matem-se o efeito preclusivo, atenta a articulação entre o n.º 5 e 6 do art. 145º do CPC.
10º No n.º 5 condiciona-se a validade do ato ao pagamento da multa e estabelece-se uma modalidade de pagamento por iniciativa do autor do ato: “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa...”; e já assim era na anterior versão dessa norma: “Independentemente de justo impedimento, pode o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa...”.
No n.º 6 prevê-se uma modalidade de pagamento por iniciativa da secretaria, para a hipótese de não ocorrer o pagamento por iniciativa do autor de ato previsto no número anterior, e faz-se-lhe corresponder uma multa agravada.
O n.º 6 funciona como alternativa ao n.º 5, pelo que a previsão do n.º 6 continua subordinada à consequência da falta de pagamento estabelecida no n.º 5, que é a invalidade do ato.
Pelo que, terá de se concluir que o legislador só não repetiu no n.º 6 o segmento “validade dependente do pagamento”, ou o equivalente – “sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o ato” – da versão anterior ao DL 324/03, porque seria redundante e desnecessário, ante a evidente dependência do n.º 6 em relação ao n.º 5.
11º Assim, se é certo que o art. 145º, n.º 6, do CPC, não prevê qualquer sanção processual para a falta de pagamento da multa, no seguimento do n.º 5 do mesmo preceito a consequência continua a ser a invalidade da prática do ato.
12º A mesma conclusão terá de se extrair da falta de notificação da cominação, pois, se esta contínua, como se disse, a existir, também, terá de continuar a existir a obrigatoriedade da notificação com a cominação [Além do Acórdão do STJ referido a nota 1 deve ter-se em conta, ainda, o Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 11-05-1988, onde se pode ler que “só se extinguindo o direito de praticar o ato se o recorrente for notificado com a cominação prescrita naquele n.º 6”, BMJ n.º 377, pág. 272].
13º A cominação será a invalidade do ato e é esta que terá de ser notificada ao autor do ato, sob pena de violação do princípio do contraditório, pois, nenhuma decisão deve ser tomada, sem que previamente tenha sido dada a possibilidade à parte, contra quem é proferida, a possibilidade de a discutir, de a pensar, de a contestar e de a valorar;
14º Sob pena de violação do princípio do processo equitativo e o art. 20º, nº 4, da CRP, pois, é necessário uma igualdade prática no processo, impedindo que se frustre a igualdade jurídica;
15º Sob pena de violação do princípio da legalidade, pois, só nos termos de um processo previsto na lei é que se pode aplicar uma sanção.
Termos em que, deve revogar-se a decisão sumária e proferido Acórdão nos termos da reclamação ora apresentada.”
4. O Ministério Público tomou posição, no sentido do indeferimento, dizendo:
“1.º Proferido o Acórdão n.º 109/2013, o recorrente veio pedir a sua aclaração.
2º Como o pedido foi feito um dia para além do prazo e o recorrente não efetuou, dentro do prazo legal e fixado, o pagamento da multa correspondente, apesar de notificado para tal (art.º 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil), o pedido não foi admitido, por extemporaneidade, pelo douto despacho de fls. 274.
3º O recorrente requereu a nulidade desse despacho.
4º O Exmo. Senhor Conselheiro Relator proferiu a douta decisão de fls. 293 e 294.
5º Nela, começando por apreciar a nulidade, entendeu que a mesma não se verificava.
6º Apreciou também o fundo da questão, que era a seguinte: deveria o recorrente ter sido notificado com a cominação de que se não efetuasse o pagamento de multa no prazo indicado perdia o direito de praticar o ato ?
7º Entendeu o Senhor Conselheiro que, do preceituado no artigo 145.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, não decorria “a exigência de qualquer menção para além daquelas indicadas na notificação, ou seja, o montante a pagar, a previsão legal e o termo final do prazo de pagamento”.
8º Vem agora o recorrente reclamar para a conferência reeditando, no essencial, o que havia dito quando arguiu a nulidade do anterior despacho.
9º Como se viu, o despacho ora reclamado apreciou a questão que vinha colocada (artigos 6 e 7º), concordando nós, inteiramente, com o decidido.
10º Ao que dissemos na nossa promoção de fls. 286 a 288, nada temos a acrescentar.
11º Quanto à questão de inconstitucionalidade agora invocada, a mesma parece-nos manifestamente infundada.
12º Na verdade, dando a lei a possibilidade de o ato ser praticado para além do prazo legal mediante o pagamento de uma multa (n.º 5 do art.º 145.º do Código de Processo Civil), concedendo-se ainda uma nova oportunidade para o pagamento dessa multa (n.º 6 do art.º 145.º) - um ónus de fácil cumprimento por parte dos mandatários das partes – e resultando claramente da lei quais as consequências do incumprimento, não vemos como possa ser violado qualquer princípio constitucional.
13º Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.”
5. Por seu turno, o recorrido respondeu, nos seguintes termos:
“Da decisão que indefere a nulidade não cabe reclamação para a conferência.
Caberia, quanto muito, pedido de reforma para o autor da decisão.
O poder jurisdicional deste Tribunal há muito se esgotou.
Pelo que deve ser ordenada, de imediato, a baixa dos autos à 1.ª Instância, a fim de a ação executiva aí pendente prosseguir os seus termos.
E, em consequência, deverá indeferir-se a reclamação para a conferência apresentada pela Recorrente.
É o que lhe cumpre dizer.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Vem a recorrente reclamar para a Conferência de despacho do relator negou provimento à arguição de nulidade processual, com referência aos termos da notificação que lhe foi dirigida pela secretaria, em cumprimento do n.º 6 do artigo 145.º do CPC.
7. Porém, antes de apreciar o mérito dessa pretensão, cumpre ter em atenção a questão, com precedência, colocada pelo recorrido, e que se traduz na suscitação da inadmissibilidade do impulso processual desencadeado pela recorrente.
Com efeito, tomando os termos do requerimento apresentado, verificamos que o mesmo começa por aludir ao despacho proferido a fls. 293 e 294, em que se julgou improcedente a arguição de nulidade que apresentara, mas termina peticionando a revogação de outra decisão, a saber, da decisão sumária. Ora, a decisão sumária proferida nos autos foi já objeto de reclamação, apreciada e decidida, no sentido do indeferimento, pelo que, nessa parte, encontra-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal (artigo 666.º do CPC).
Consequentemente, a reclamação não pode ser conhecida na parte em que contende com objeto distinto do supra aludido despacho e da decisão e respetivos fundamentos nele contidos.
Porém, na parte em que visa essa decisão, e a inverificação de vício processual nela declarado, a reclamação encontra acolhimento nas disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 78.ºB e dos n.ºs 3 e 4 do artigo 78.ºA, ambos da LTC. É certo que nenhuma dessas disposições surge referida, nem se encontra expressamente enunciado o pedido de revogação do despacho constante de fls. 293 e 294, mas essa pretensão encontra-se implícita na afirmação de ilegalidade processual, pelo que cumpre concluir pela admissibilidade e cognoscibilidade da reclamação, nessa parte.
8. Passando à apreciação dos fundamentos da reclamação, cumpre dizer, desde já, que não assiste razão à recorrente.
Em primeiro lugar, a doutrina e jurisprudência referida na reclamação mostra-se imprestável à decisão do problema colocado, na medida em que alude a outro contexto normativo e a divergência que radicava na definição de requisitos para a notificação a emitir pela secretaria. Essa querela jurídica foi por completo afastada com a redação conferida ao n.º 6 do artigo 145.º do CPC pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27/12, no sentido de que a secretaria emite, sem necessidade de qualquer ato judicial ou das partes, a notificação do interessado para pagar multa de montante igual ao dobro da taxa de justiça inicial.
Pretende o reclamante que tal notificação deve conter, sob pena de invalidade, situada no plano da nulidade, a advertência para as consequências da ultrapassagem do respetivo prazo mas, como se disse no despacho reclamado, essa exigência não encontra base legal, seja na Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), seja no ordenamento subsidiariamente aplicável – o Código de Processo Civil – nos termos do seu artigo 69.º. Inexiste, assim, fundamento para a afirmação da omissão de formalidade que a lei prescreva (artigo 201.º, n.º 1 do CPC).
9. Importa notar que, ao contrário do que pretende a recorrente, não se encontra em causa a advertência para o valor e fundamento legal da multa a pagar e respetivo prazo, mas sim a admonição para o que se encontra, afinal, prescrito para todos os prazos de natureza perentória, como é aqui o caso. Estatui o n.º 3 do artigo 145.º do CPC que “o decurso de prazo perentório extingue o direito de praticar o ato”.
E, porque se encontra em questão a prática de um ato das partes que envolve, nas circunstâncias de tempo em que ocorre, o pagamento de quantia fixa – e não uma decisão judicial sancionatória, como sustenta a recorrente – pagamento esse a que se encontra associada uma exigência temporal – um prazo -, materialmente justificado pela promoção da celeridade processual, não se vislumbra qualquer violação do acesso ao direito ou entorse ao processo equitativo, acolhido no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição, mormente na sua dimensão de salvaguarda do contraditório. A parte, para mais a parte representada por advogado, está em condições de apreender que a prática do ato – pagamento da multa - constante da notificação que lhe foi dirigida se encontra condicionada temporalmente e modelar correspondentemente a sua atuação processual. Como pode, ulteriormente, em caso de fixação de prazo ilegal ou de dissídio sobre a sua contagem e sobre admissibilidade do ato que pretendia tempestivamente praticar, fazer valer as suas razões perante o juiz, suscitando a verificação de vício processual. O que, aliás, a recorrente veio fazer nos presentes autos.
Por outro lado, não se vê, nem a recorrente explicita, em que medida poderá ficar ofendida “uma igualdade prática no processo”, pois não se vislumbra qualquer distinção de tratamento entre partes processuais no campo de aplicação da notificação imposta pelo n.º 6 do artigo 145.º do CPC e bem assim nas consequências da ultrapassagem do prazo prescrito nesse preceitos.
Improcede, assim, e em termos manifestos, a reclamação, devendo manter-se o despacho reclamado.
III. Decisão
10. Pelo exposto, decide-se:
a) Não conhecer da reclamação na parte dirigida à revogação da decisão sumária proferida nos autos;
b) Indeferir, no mais, a reclamação e confirmar o despacho reclamado;
c) Condenar a reclamante nas custas, que se fixam, atendendo aos critérios seguidos pelo Tribunal e a dimensão do impulso da reclamante, em 20 (vinte) Ucs.
Lisboa, 15 de Julho de 2013. – Fernando Vaz Ventura - Pedro Machete - Joaquim de Sousa Ribeiro.
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