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Processo n.º 829/2012
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(...)
1 – Na sequência da análise das diversas peças processuais apresentadas pelo ora Recorrente, entendeu o Exmo. Senhor Conselheiro Relator que “o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, não identificando com clareza e o rigor devidos a dimensão normativa cuja conformidade com o parâmetro normativo-constitucional pretende ver apreciada”.
2 – Mais refere que, «esta exigência decorre do facto de ao Tribunal Constitucional incumbir apenas o controle da constitucionalidade de “normas” e não de “decisões”, circunstância que demanda que o recorrente esclareça indubitavelmente qual o sentido ou dimensão normativa cuja legitimidade constitucional questiona».
3 – Entendeu ainda que “é porém, evidente que perpassam o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional diversas interpretações normativas extraídas de vários preceitos (cfr. artigos 168.º e 178.º do EMJ e o artigo 192.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), sem nunca o recorrente esclarecer cabalmente qual é aquela que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, e sem que nenhuma delas coincida com a interpretação normativa sufragada pelo tribunal recorrido”.
4 – Ora, salvo o devido respeito que é muito, não pode o Recorrente deixar de apresentar a presente Reclamação para a Conferência, uma vez que considera que desde o início do presente processo que identifica de forma clara e rigorosa o “sentido ou dimensão normativa cuja legitimidade constitucional questiona” porquanto de forma clara e rigorosa reputou de inconstitucional:
A interpretação sufragada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça de que o regime previsto no artigo 168.º e seguintes do EMJ é aplicável a todos os recursos de decisões do Conselho Superior da Magistratura e, por isso, aplicável também aos recursos das decisões disciplinares relativas a oficiais de justiça, porquanto com essa interpretação considera que tal regime constitui um regime especial que afasta a aplicação do artigo 192.º do CPTA, regulando o tipo de processo, o prazo de caducidade, o prazo para alegações de direito e o regime de recurso jurisdicional.
5 – Ao longo de todo o processo e todas as peças apresentadas junto do Venerando Supremo Tribunal de Justiça e, mais recentemente, junto desse Venerando Tribunal Constitucional, o Recorrente tem vindo a esclarecer à saciedade que a referida interpretação não é feita em relação a mais nenhum outro oficial de justiça, nomeadamente os que exerçam funções nos Tribunais Administrativos ou Fiscais ou nos Serviços do Ministério Público, pelo que a mesma constitui uma clara violação dos direitos à igualdade e à tutela jurisdicional efetiva do Recorrente.
6 – Nestes termos, resulta claro que a interpretação em relação à qual se requer o controlo da constitucionalidade é a que considera o Estatuto dos Magistrados Judiciais aplicável aos oficiais de justiça, afastando a aplicação do artigo 192.º do CPTA.
7 – E diga-se que esta interpretação coincide integralmente com a interpretação normativa sufragada pelo tribunal recorrido que, ao longo de todo o processo considerou que o Estatuto dos Magistrados Judiciais é aplicável nos processos disciplinares relativos a oficiais de justiça, afastando a aplicação do artigo 192.º do CPTA, conforme aliás resulta claro do Acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça proferido em 07.04.2011, nos termos do qual refere que,
“Os recursos das deliberações do CSM, órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial e dos funcionários de justiça, previsto na Constituição da República, são regulados no EMJ, designadamente no Capítulo XI, Secção III, aí se estabelecendo, nomeadamente o órgão jurisdicional com competência para o conhecimento dos recursos (Supremo Tribunal de Justiça), o respetivo prazo de interposição (30 ou, excecionalmente, 45 dias) e o modo da respetiva contagem (v. acórdão proferido em 07.04.2011).
8 – Ou seja, verifica-se que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que os recursos das deliberações do Conselho Superior de Magistratura são regulados no Estatuto dos Magistrados Judiciais, tal constituiria um regime especial aplicável a todos os recursos de todas as deliberações do Conselho Superior de Magistratura, sem cuidar de aferir se as deliberações se referem a magistrados judiciais ou a oficiais de justiça.
9 – Acontece que esta interpretação apenas está a ser feita em relação aos oficiais de justiça dos Tribunais Judiciais, estando a ser aplicado um regime especial apenas destinado aos Magistrados Judiciais, quando a norma que refere que o Conselho Superior de Magistratura é competente para esses processos nem sequer é o referido Estatuto dos Magistrados Judiciais mas sim o Estatuto Disciplinar dos Oficiais de Justiça.
10 – Pelo que resulta claro que o Recorrente identificou de forma rigorosa qual o sentido ou dimensão normativa que considera inconstitucional – ou seja, a interpretação do regime processual, previsto nos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, como sendo aplicável no âmbito de processos que tenham como objeto decisões disciplinares sobre funcionários judiciais, afastando a aplicação do artigo 192.º do CPTA, e violando os princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados.
11 – Da mesma forma, e ainda que o Exmo. Conselheiro Relator não se tenha pronunciado sobre a admissibilidade do recurso no que se refere a esta questão, o Recorrente também considera que identifica de forma clara e rigorosa o sentido ou a dimensão normativa da inconstitucionalidade da interpretação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça do regime previsto nos artigos 691.º/1 do CPC, 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, porquanto considera que não há a introdução de uma instância de recurso, tal como conclui que não decorre a ampliação da competência do Pleno das Secções do Supremo Tribunal de Justiça.
12 – Assim, e conforme se referiu no requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações, requer-se o controlo da constitucionalidade da interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça pela aplicação das normas previstas nos artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º, 177.º e 178.º, em detrimento do artigo 192.º do CPTA bem como da interpretação feita do artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, ambas claramente inconstitucionais por violação dos artigos 13.º, 268.º/4 e 212.º da Constituição da República.
(...)»
3. Notificado para apresentar resposta à reclamação, o Conselho Superior de Magistratura veio dizer o seguinte:
«(...)
i. A douta decisão sumária, ao negar conhecimento do recurso interposto, apreciou a questão em termos semelhantes aos que foram defendidos no requerimento apresentado por este Conselho Superior de Magistratura no passado dia 30 de abril de 2012.
ii. Na reclamação ora apresentada não é aduzido um único argumento que seja suscetível de colocar em causa os fundamentos em que se baseou o Exmo. Sr. Conselheiro Relator.
iii. Nela o reclamante limita-se a, tardiamente, introduzir alguma correção ao modo como suscitou a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada.
iv. E, ainda assim, de forma insuficiente, sem explicar as concretas razões pelas quais considera que as normas que pretende ver sindicadas estão em desconformidade com o parâmetro constitucional invocado.
v. Assim sendo, brevetis causa, remetemos para o já afirmado na resposta de 30 de abril de 2012.
(...)»
II. Fundamentação
4. A decisão sumária objeto de reclamação tem a seguinte redação:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 25/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), dos Acórdãos proferidos em 7 de abril de 2011, 21 de setembro de 2011, 5 de julho de 2012 e 18 de outubro de 2012, “este último que recusou o recurso apresentado aplicando para o efeito normas arguidas de inconstitucionalidade pelo Autor ao longo de todo o processo.”
2. O requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional assume o seguinte teor:
«(...)
Ora, ao longo do presente processo foi por diversas vezes suscitada a inconstitucionalidade da aplicação e da interpretação das normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), designadamente os artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º e 177.º, bem como da interpretação feita do artigo 691.º/1, do Código de Processo Civil, e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, porquanto em causa neste processo se encontra um ato administrativo de aplicação de uma sanção disciplinar a um (mero) oficial de justiça, cujo regime processual a aplicar deverá ser o CPTA, levando a aplicação do regime previsto no EMJ a uma clara violação da tutela jurisdicional efetiva, bem como da reserva de jurisdição constitucionalmente reconhecida aos tribunais administrativos, adaptada ao presente caso pelo artigo.
Assim, as normas e interpretação cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada são as dos artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º, 177.º e 178.º, bem como da interpretação feita do artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto.
E isto porque, a aplicação e interpretação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça conduz à violação do princípio da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e da reserva de constituição constitucionalmente reconhecida aos tribunais administrativos, adaptada a este caso pelo artigo 192.º do CPTA.
De referir que o Autor, ora Recorrente, exercia funções de oficial de justiça, à data da prolação da decisão disciplinar do Conselho dos Oficiais de Justiça, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, pelo que, ao não ter concordado com a decisão do Conselho dos Oficiais de Justiça que decidiu aplicar-lhe a pena de demissão, entendeu recorrer hierarquicamente para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Acontece que à revelia do disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro ou 30.º da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro (consoante o Estatuto Disciplinar a aplicar), e que estabelece que a pena será aplicada pela entidade competente à data em que tiver sido proferida a decisão final (neste caso o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais) o Conselho dos Oficiais de Justiça entendeu remeter o recurso interposto para o Conselho Superior da Magistratura, órgão incompetente para o efeito, e que manteve a decisão de aplicação de pena de demissão.
Não se conformando com tal decisão, entendeu o Autor intentar uma ação administrativa especial, nos termos do artigo 192.º e 46.º e seguintes, todos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante CPTA), dirigindo o pedido para o Supremo Tribunal de Justiça.
Acontece que, ostensivamente, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, afastou a aplicação do regime previsto no artigo 192.º do CPTA, aplicando o regime especial estabelecido no Estatuto dos Magistrados Judiciais, cujo âmbito de aplicação se resume a “juízes dos tribunais judiciais” e a “substitutos dos magistrados judiciais quando em exercício de funções”, conforme artigo 1.º do EMJ, criando com tal interpretação do regime previsto EMJ, designadamente, dos artigos 168.º e seguintes, uma situação de total desigualdade em relação a todos os outros oficiais de justiça que exercem funções em tribunais de outras jurisdições, nomeadamente, nos tribunais administrativos.
(…)
Nestes termos, e verificando-se que o EMJ nada diz sobre as decisões proferidas pelo Conselho Superior de Magistratura em sede de recursos hierárquicos dos atos do Conselho dos Oficiais de Justiça (nem mesmo no âmbito das suas competências e atribuições) temos que o processo de impugnação do ato administrativo pelo qual se decide a aplicação de uma pena disciplinar terá obrigatoriamente que se reger pelo disposto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Não fazendo tal interpretação, e considerando que as regras a aplicar são as regras previstas no EMJ, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça viola o princípio da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e da reserva de jurisdição constitucionalmente reconhecida aos tribunais administrativos, nos termos do artigo 192.º do CPTA, porquanto aplica regras diferentes em processos totalmente iguais, reduz os meios processuais e atribui competência a um tribunal que não da jurisdição administrativa a competência para dirimir litígios em matéria jurídico-administrativa, aplicando regras próprias definidas para processos totalmente distintos, como são os processos em que são parte os magistrados judiciais.
Da mesma forma, e prevendo-se no artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil que, “Da decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo cabe recurso de apelação”, não pode o Tribunal recusar a interpretação do recurso de uma decisão proferida em primeira instância apenas porque entende que o recurso não está legalmente previsto.
Aliás, tal entendimento é claramente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, conforme foi pelo Autor invocado no âmbito do seu requerimento apresentado via fax em 03.09.2012 (...).
(...)
Nestes termos, resulta claro que este entendimento, ou seja, a interpretação levada a cabo pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, tanto do regime previsto no artigo 178.º do EMJ, como do regime previsto no artigo 691.º do CPC e ainda do artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, constitui uma clara violação do princípio da igualdade, porquanto leva a uma profunda desigualdade entre o Autor, ora Recorrente, e os restantes oficiais de justiça, que por exercerem funções por exemplo, nos tribunais administrativos e fiscais, viram ser-lhes aplicado o regime do CPTA e reconhecido o duplo grau de jurisdição.
(...)
E, finalmente, foi o Autor, ora Recorrente gravemente prejudicado, atento o não reconhecimento do direito de interpor recurso da decisão proferida em 1.ª instância pelo Supremo Tribunal de Justiça, impedindo-o de usufruir – como os restantes oficiais de justiça que exercem funções nos tribunais de outra jurisdição – de um duplo grau de jurisdição.
(...)»
3. Assim, notificado do Acórdão proferido no Plenário do Conselho Superior de Magistratura, de 14 de setembro de 2010, que julgou improcedente o recurso interposto e manteve a condenação na pena de demissão, o recorrente interpôs, junto do Supremo Tribunal de Justiça, ação administrativa especial no âmbito da qual requereu o reconhecimento da nulidade ou a anulação do referido Acórdão. O Ministério Público suscitou, como questão prévia, a extemporaneidade do recurso interposto, nos termos do artigo 173.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), mas, em decisão com data de 7 de abril de 2011, considerou-se não estar verificada a intempestividade do recurso. Seguiu-se o Acórdão de 5 de julho de 2012, em que a Secção de Contencioso do STJ decidiu julgar improcedente o recurso. Veio seguidamente o recorrente, em requerimento com data de 3 de setembro de 2012, interpor novo recurso junto do STJ:
«(...)
O recurso é processado como recurso de apelação, com subida imediata nos próprios autos, requerendo-se o efeito suspensivo, atento o facto de a execução da decisão lhe causar graves prejuízos (...).
E, porque está em tempo, requer a sua admissão
De facto, embora a possibilidade deste recurso não se encontre expressamente prevista nos termos da Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais Judiciais, não pode o Autor deixar de considerar que o mesmo deverá ser admitido porquanto, em causa nos presentes autos está o Acórdão proferido, em primeira instância, em 05.07.12, que tendo considerado improcedentes os vícios invocados e não identificando causas de invalidade do ato impugnado diversas das alegadas, decidiu “julgar improcedente o recurso”, considerando assim válido o ato praticado pelo Conselho Superior dos Magistrados Judiciais no âmbito de um processo disciplinar de um oficial de justiça.
Desde logo, porque caso assim não se considerasse, o artigo 118.º/2 do Estatuto dos Funcionários Judiciais, bem como os artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais serão inconstitucionais, porquanto tal determina uma violação grosseira do princípio da igualdade, inconstitucionalidade que desde já se invoca.
Recorde-se que, caso o recurso hierárquico do Autor – mero oficial de justiça – tivesse sido decidido pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (como aliás deveria ter sido, porquanto à data da decisão o Autor exercia funções num tribunal administrativo), para o controlo judicial desse ato seria competente a secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e da decisão deste caberia recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo – ou seja, o Autor teria acesso a um duplo grau de jurisdição (v. artigo 25.º/1 do ETAF).
Ora, não pode um oficial de justiça ter garantido um duplo grau de jurisdição, apenas porque presta funções num Tribunal Administrativo, enquanto outro oficial de justiça, porque presta funções num tribunal judicial, estar dependente de um único grau de jurisdição.
De qualquer forma, e em última instância, sempre será inconstitucional o entendimento dos artigos 168.º/1 e 2 e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando interpretados no sentido de que os recursos da deliberação do Conselho Superior de Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça é de apenas um grau de jurisdição, não admitindo recurso ordinário as decisões jurisdicionais proferidas em primeira instância de recurso pela Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, atenta a violação do artigo 13.º, bem como do artigo 268.º/4, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca.
(...)»
O Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 18 de outubro de 2012, pugnou pela respetiva inadmissibilidade, louvando-se nos seguintes fundamentos:
«(...)
II- Quanto à questão da admissibilidade do recurso
O presente recurso não pode ser admitido, por não estar legalmente previsto. Do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (“São subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos do contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo”) não resulta a introdução de uma instância de recurso não prevista no âmbito do Supremo Tribunal de Justiça, tal como não decorre a ampliação da competência do Pleno das Secções do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto).
(...)»
Seguiu-se, finalmente, o recurso de constitucionalidade que agora se aprecia.
4. Notificado do despacho do Relator, de 18 de abril de 2013, onde se convidavam as partes a pronunciar-se relativamente a um eventual não conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto, veio o recorrente expor o seguinte:
«(...)
1. Nos termos do douto Despacho a que ora se responde, parecem resultar dois argumentos distintos para que eventualmente se possa vir a suscitar a questão de não conhecimento do recurso em causa,
(i) a não suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado – identificação clara e rigorosa da dimensão normativa cuja conformidade com o parâmetro normativo-constitucional deve ser apreciada;
(ii) não coincidência integral entre as diversas interpretações normativas que possam perpassar no requerimento de recurso e a que foi sufragada pelo Tribunal recorrido.
2. Assim sendo, e no que se refere à primeira questão, não pode, antes de mais, o Recorrente deixar de alertar para o facto de que, tendo sido entendido por parte do Venerando Supremo Tribunal de Justiça considerar aplicável o regime previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais ao presente processo, aquele Tribunal decidiu em primeira e única instância, o que significou que, sempre que o Recorrente suscitou as inconstitucionalidades agora em causa no presente processo, fê-lo, sempre, de forma preventiva e antecipada à decisão do Tribunal.
3. No entanto, e ainda que em todas as peças processuais apresentadas o Recorrente tenha antecipado as diversas inconstitucionalidades, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça decidiu interpretando as normas conforme antecipação do Recorrente, mas lamentavelmente sem se pronunciar sobre as alegadas inconstitucionalidades.
4. Veja-se por exemplo o Requerimento apresentado pelo Recorrente através do fax de 31.01.2011, e nos termos do qual este suscitou antecipadamente e a título preventivo a inconstitucionalidade da aplicação e da interpretação do artigo 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, atento o regime previsto no artigo 192.º do CPTA, aplicação essa que se veio a confirmar na decisão por parte do Venerando Supremo Tribunal de Justiça.
5. De facto, e conforme se demonstrou no âmbito do Requerimento de interposição do presente recurso, o Recorrente defende que,
10. Mas ainda que tal não tivesse sucedido, o que se prevê em mero benefício e sem conceder, sempre se dirá que o prazo para intentar a presente ação não é de 30 dias mas sim de três meses, nos termos do artigo 58.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 192.º do CPTA.
11. De facto, estabelece o artigo 1.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei 21/85, de 30 de julho, com a sua última versão introduzida pela Lei 37/2009, de 20 de julho, e cuja epígrafe é “Âmbito de aplicação”, que
“1. Os juízes dos tribunais judiciais constituem a magistratura judicial, formam um corpo único e regem-se por este Estatuto.
2. O presente Estatuto aplica-se a todos os magistrados judiciais, qualquer que seja a situação em que se encontrem.
3. O Estatuto aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, aos substitutos dos magistrados judiciais quando em exercício de funções”.
12. Estabelece ainda o artigo 2.º do mesmo Estatuto que,
“A magistratura judicial é constituída por juízes do Supremo Tribunal de Justiça, juízes das relações e juízes de direito”.
13. Ora, como resulta claro da leitura destes normativos legal, e atenta a ausência de qualquer norma de extensão do âmbito de aplicação do referido diploma, o Estatuto dos Magistrados Judiciais apenas se aplica aos Magistrados Judiciais.
14. Acontece que, no caso sub judice estamos perante uma decisão disciplinar referente a um oficial judicial – e não a um magistrado judicial.
15. Neste sentido, resulta claro que constituindo as normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais normas especiais para regular situações jurídicas referentes a magistrados judiciais, as mesmas não são aplicáveis aos oficiais judiciais.
16. E contra esta conclusão não se refira que o artigo 169.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais poderia ser aplicável por ausência de norma geral que regule o meio de reação das decisões de caráter administrativo do Conselho Superior da Magistratura, porquanto tal argumento é falso atento o teor do artigo 192.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
17. De facto, dispõe o artigo 192.º do CPTA que,
“Sem prejuízo do disposto em lei especial, os processos em matéria jurídico-administrativa cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional regem-se pelo disposto no presente Código, com as necessárias adaptações”.
6. No entanto, em resposta a este Requerimento, veio o Venerando Supremo Tribunal de Justiça decidir que,
“Os recursos das deliberações do CSM, órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial e dos funcionários de justiça, previsto na Constituição da República, são regulados no EMJ, designadamente no Capítulo XI, Secção III, aí se estabelecendo, nomeadamente, o órgão jurisdicional com competência para o conhecimento dos recursos (Supremo Tribunal de Justiça), o respetivo prazo de interposição (30 ou, excecionalmente, 45 dias) e o modo da respetiva contagem” (v. acórdão proferido em 07.04.2011).
7. Ou seja, verifica-se que, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça considerou que, uma vez que os recursos das deliberações do Conselho Superior de Magistratura são regulados no Estatuto dos Magistrados Judiciais, tal constituiria um regime especial aplicável a todos os recursos de todas as deliberações do Conselho Superior de Magistratura, sem cuidar de aferir se as deliberações se referem a magistrados judiciais ou a oficiais de justiça.
8. Ora, foi exatamente em relação a esta interpretação formalista do regime previsto no artigo 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, qualificando-o como um regime especial que atribui a competência a um tribunal de outra jurisdição e afasta a aplicação do artigo 192.º do CPTA, que o Recorrente antecipadamente suscitou a questão da sua inconstitucionalidade, defendendo naquele requerimento que,
18. Ou seja, tais processos reger-se-ão pelo disposto no CPTA, sempre que
(i) Estivermos perante processos em matéria jurídico-administrativa, como é o caso sub judice, atento o facto de estarmos perante uma decisão proferida em sede de recurso hierárquico no âmbito de um procedimento disciplinar;
(ii) Cuja competência seja atribuída a tribunais pertencentes a outra ordem jurisdicional, como é o presente caso, atento o disposto no artigo 4.º/3 do ETAF que dispõe que a fiscalização dos atos materialmente administrativos praticados pelo CSM estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal;
(iii) não haja lei especial que regule tais processos, como sucede no processo sub judice, atento o âmbito de aplicação do Estatuto dos Magistrados Judiciais que não permite a sua aplicação aos Oficiais de Justiça, e não se encontrando qualquer norma referente a esta matéria no Estatuto dos Oficiais de Justiça;
19. Assim sendo, temos que concluir que o presente processo se deverá reger somente pelo CPTA, não só no que se refere ao prazo, mas também em relação aos meios processuais e respetiva tramitação.
20. Sublinhe-se, aliás que, esta é a única interpretação correta daquele normativo legal, atento o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, bem como o da tutela jurisdicional efetiva previsto no artigo 268.º/4 da mesma Constituição.
21. Recorde-se que, nos termos do artigo 13.º da CRP,
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
22. Ora, estando em causa no âmbito deste processo um ato administrativo mediante o qual se decidiu um processo disciplinar de um trabalhador em funções públicas, não pode este trabalhador em funções públicas beneficiar, e muito menos ser prejudicado apenas porque tais funções públicas são de oficial de justiça.
23. De facto, se estivéssemos perante uma decisão de um processo disciplinar relativo a um qualquer outro trabalhador em funções públicas, não só o tribunal competente seria o Tribunal Administrativo de Círculo (em primeira instância), como o regime aplicável seria, claramente, o do CPTA.
24. Ora, aplicar-se o Estatuto dos Magistrados Judiciais ao caso sub judice, não só é ilegal atenta a letra da lei, como inconstitucional porquanto prejudica o ora autor apenas atenta a sua classificação funcional, conforme melhor se demonstrará infra.
25. Correlacionado com a violação do princípio da igualdade, cumpre também ter em conta a violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 268.º/4 da CRP, nos termos do qual,
“É garantido aos administrados tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, incluindo, nomeadamente, o reconhecimento desses direitos ou interesses, a impugnação de quaisquer atos administrativos que os lesem, independentemente da sua forma, a determinação da prática de atos administrativos legalmente devidos e a adoção de medidas cautelares adequadas”.
26. Este princípio constitucional foi melhor concretizado mediante o disposto no artigo 2.º do CPTA, nos termos do qual,
“1. O princípio da tutela jurisdicional efetiva compreende o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, cada pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar e de obter as providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, destinadas a assegurar o efeito útil da decisão.
2. A todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a tutela adequada junto dos tribunais administrativos, designadamente para o efeito de obter:
a) O reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
b) O reconhecimento da titularidade de qualidades ou do preenchimento de condições;
c) O reconhecimento do direito à abstenção de comportamentos e, em especial, à abstenção da emissão de atos administrativos, quando exista a ameaça de uma lesão futura;
d) A anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência de atos administrativos;
e) A condenação da Administração ao pagamento de quantias, à entrega de coisas ou à prestação de factos;
f) A condenação da Administração à reintegração natural de danos e ao pagamento de indemnizações;
g) A resolução de litígios respeitantes à interpretação, validade ou execução de contratos cuja apreciação pertença ao âmbito da jurisdição administrativa;
h) A declaração de ilegalidade de normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo;
i) A condenação da Administração à prática dos atos administrativos legalmente devidos;
j) A condenação da Administração à prática dos atos e operações necessários ao restabelecimento de situações jurídicas subjetivas;
l) A intimação da Administração a prestar informações, permitir a consulta de documentos ou passar certidões;
m) A adoção das providências cautelares adequadas para assegurar o efeito útil da decisão”.
Acontece que, se se aceitar a interpretação feita pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público, de que o regime aplicável à presente ação seria o previsto nos artigos 168.º e seguintes do EMJ, o que se prevê sem conceder e em mero benefício de raciocínio, tal determinaria que,
(i) Apenas se prevê um meio processual passível de ser utilizado como reação contra o ato do Conselho Superior da Magistratura;
(ii) Através desse meio processual apenas se poderia obter a revogação do ato do Conselho Superior da Magistratura;
(iii) O prazo para a interposição do recurso seria de 30 dias;
(iv) Não existe a possibilidade de audiência de julgamento para produção de prova testemunhal;
27. Já através da aplicação do CPTA, considerando-se que o Estatuto dos Magistrados Judiciais não é aplicável aos processos em que os autores sejam oficiais de justiça, temos que,
(i) O oficial de justiça pode requerer a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 109.º do CPTA;
(ii) O oficial de justiça pode requerer providências cautelares antecipatórias ou conservatórias, nomeadamente, intimação para a adoção de uma conduta por parte da Administração, bem como a suspensão de eficácia do ato administrativo, conforme previsto pelo artigo 112.º do CPTA;
(iii) O oficial de justiça pode intentar uma ação administrativa especial de impugnação do ato administrativo, cumulando esse pedido com a condenação da Administração à prática de um ato devido, bem como com um pedido de condenação a uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado;
(iv) O prazo para intentar a providência cautelar, bem como a ação administrativa especial é de 3 meses, nos termos do artigo 58.º do CPTA;
(v) Caso o Tribunal o entenda poderá ordenar diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, conforme artigo 90.º do CPTA;
(vi) Caso o Tribunal o entenda poderá ordenar oficiosamente a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto;
(vii) Caso a Administração não execute a sentença, o particular pode requerer a execução da sentença, conforme previsto no artigo 176.º do CPTA.
28. Desta análise resulta claro que, aplicar-se o regime do Estatuto dos Magistrados Judiciais a particulares que não são magistrados judiciais, determina a redução do número de meios processuais que o mesmo poderia adotar, levando a que não seja garantida a tutela adequada ao direito ou interesse legalmente protegido em causa.
29. Ou seja, aceitar-se a interpretação feita pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público, de que o regime aplicável à presente ação seria o previsto nos artigos 168.º e seguintes do EMJ, o que se prevê sem conceder e em mero benefício de raciocínio, tal determinaria a redução injustificada do número de meios processuais que o mesmo poderia adotar, levando a que não seja garantida a tutela adequada ao direito ou interesse legalmente protegido em causa em claro prejuízo do ora Autor em função dos restantes trabalhadores em funções públicas.
9. Da mesma forma, no âmbito do Requerimento de interposição de recurso apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça, também o Recorrente antecipou a decisão daquele Venerando Supremo Tribunal de Justiça de não admitir o mesmo, suscitando desde logo a questão de inconstitucionalidade da mesma, também por violação do princípio da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, nos seguintes termos,
“De qualquer forma, e em última instancia, sempre será inconstitucional o entendimento que os artigos 168.º/1 e 2 e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando interpretados no sentido de que os recursos da deliberação do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça é de apenas um grau de jurisdição, não admitindo recurso ordinários as decisões jurisdicionais proferidas em primeira instância de recurso pela Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, atenta a violação do artigo 13.º, bem como do artigo 268.º/4, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca”.
10. No entanto, veio o Supremo Tribunal de Justiça entender quanto “à questão da admissibilidade do recurso” que,
“O presente recurso não pode ser admitido, por não estar legalmente previsto. Do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (“são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos do contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal da Justiça [claramente por lapso refere-se Supremo Tribunal de Justiça, quando a norma se refere a Supremo Tribunal Administrativo] não resulta a introdução de uma instância de recurso não prevista no âmbito do Supremo Tribunal da Justiça, tal como não decorre a ampliação da competência do Pleno das Secções do Supremo Tribunal da Justiça (cfr. artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto” (v. acórdão proferido 18.10.2012).
11. Ou seja, analisando a decisão veio a confirmar-se a aplicação do entendimento em relação ao qual o Recorrente já havia suscitado a sua inconstitucionalidade.
12. Neste sentido, e salvo o devido respeito pelo douto entendimento desse Exmo. Tribunal, que é muito, (i) atento o facto de que o presente processo decorreu apenas no âmbito de uma única instância, em relação ao qual não se encontrava previsto nenhum meio de reação em relação a cada uma das decisões que foram sendo tomadas pelo Venerando Tribunal, (ii) e uma vez que em todas as peças processuais o Recorrente suscitou antecipadamente a questão da inconstitucionalidade da aplicação daquelas normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais, bem como a interpretação do artigo 691.º do Código de Processo Civil, que se vieram a confirmar no âmbito das decisões proferidas, não se concebe como pode vir a considerar-se que a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada de modo processualmente adequado.
13. Aliás, mesmo no que se refere à alegada falta de “identificação clara e rigorosa da dimensão normativa cuja conformidade com o parâmetro normativo constitucional deve ser apreciada”, também não pode o Recorrente deixar de, com o devido respeito por esse Exmo. Tribunal (que é muito), discordar da mesma, uma vez que ao longo de todo o requerimento de interposição de recurso, o Recorrente identificou de forma totalmente clara e rigorosa qual a dimensão normativa que considera inconstitucional – ou seja, a interpretação de aplicabilidade do regime processual previsto nos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no âmbito de processos que tenham como objeto decisões disciplinares sobre os funcionários judiciais, atento o regime previsto no artigo 192, e os princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.
14. Da mesma forma, o Recorrente também considera que identifica de forma clara e rigorosa a questão de considerar inconstitucional a interpretação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça do regime previsto no artigo 691.º/1 do CPC, considerando que do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais não resulta a introdução de uma instância de recurso não prevista no âmbito do Supremo Tribunal da Justiça, tal como não decorre a ampliação da competência do Pleno das Secções do Supremo Tribunal da Justiça.
15. De facto, e como resultou claro do requerimento de interposição do presente Recurso, conclui o Recorrente que,
“Pelo exposto, e estando cumpridos todos os requisitos previstos no artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, designadamente, por ser (i) interposto por meio de requerimento, no qual (ii) se indica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo do qual o recurso é interpostos (artigo 70.º/1 b)), e a (iii) norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º 176.º, 177.º e 178.º, artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto), bem como (iv) a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado (artigo 13.ºCRP - princípio da igualdade, artigo 268.º/4 – princípio da tutela jurisdicional efetiva, e artigo 212.º CRP consagrado no artigo 192.º do CPTA), e ainda a indicação das peças processuais em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade (requerimento de 31.01.2011 e requerimento de 03.09.2011), deverá o presente recurso ser admitido, concedendo-se prazo para apresentação das competentes alegações”.
16. Neste sentido, considera-se que, de facto, estando cumpridos todos os requisitos previstos no artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, designadamente, o presente recurso deve ser admitido, aliás como foi, conforme notificação de 11.01.2013, proferida nos Autos de Recurso.
17. Já no que se refere à segunda causa pela qual, nos termos do despacho a que ora se responde, se poderá vir a suscitar a questão de não conhecimento do presente recurso, ou seja, a não coincidência integral entre as diversas interpretações normativas que possam perpassar no requerimento de recurso e a que foi sufragada pelo Tribunal recorrido, cumpre referir que, mais uma vez, salvo o devido respeito não pode o Recorrente deixar de discordar do referido entendimento.
18. E isto porque, conforme se transcreveu, em sede do Acórdão proferido em 07.04.2011, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça decidiu que
“Os recursos das deliberações do CSM, órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial e dos funcionários de justiça, previsto na Constituição da República, são regulados no EMJ, designadamente no Capítulo XI, Secção III, aí se estabelecendo, nomeadamente, o órgão jurisdicional com competência para o conhecimento dos recursos (Supremo Tribunal de Justiça), o respetivo prazo de interposição (30 ou, excecionalmente, 45 dias) e o modo da respetiva contagem”.
19. Ou seja, nos termos do referido Acórdão o Venerando Supremo Tribunal Administrativo considera que o artigo 192.º do CPTA não é aplicável ao presente processo porque considera que o regime processual estabelecido no Estatuto dos Magistrados Judiciais – o artigo 168.º e seguintes – é o regime especial que regula os recursos das deliberações do CSM, aplicando-se sempre quer tenha por base decisões disciplinares referentes a magistrados judiciais, quer tenha por base decisões disciplinares referentes a oficiais de justiça.
20. Ora, como já se referiu supra é este entendimento formal que o Recorrente reputa de inconstitucional, porquanto resulta claro do Estatuto dos Magistrados Judiciais que o mesmo apenas se aplica a magistrados judiciais, pelo que apenas em relação a estes constitui um regime especial, o que significa que deve ser aplicável o artigo 192.º do CPTA.
21. De facto, tal interpretação por parte do Venerando Supremo Tribunal de Justiça significa afastar a aplicação do artigo 192.º do CPTA e com isso tratar de forma desigual os oficiais de justiça que exerçam as suas funções nos tribunais judiciais, dos funcionários de justiça que exerçam funções nos tribunais administrativos e fiscais ou junto dos serviços do Ministério Público, porquanto se entende ser de aplicar o regime previsto nos artigos 168.º e seguintes do Estatuto do Magistrado Judicial.
22. E a inconstitucionalidade deste entendimento ficou bem patente em todas as peças processuais apresentadas pelo Recorrente ao longo de todo o processo, ainda que o Venerando Supremo Tribunal Administrativo, nunca sobre a mesma se tenha pronunciado.
23. Pelo exposto, temos que,
(i) a interpretação sufragada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça é a de que regime previsto no artigo 168.º e seguintes do EMJ é aplicável a todos os recursos de decisões do Conselho Superior da Magistratura e por isso, aplicável também aos recursos das decisões disciplinares relativas a oficiais de justiça;
(ii) com essa interpretação considera que tal regime constitui um regime especial que afasta a aplicação do artigo 192.º, regulando o tipo de processo, o prazo de caducidade, o prazo para alegações de direito e o regime de recurso jurisdicional;
24. Esta interpretação é, no entendimento do Recorrente, inconstitucional, porquanto viola o princípio da igualdade estabelecida no artigo 13.º da CRP, uma vez que, estando em causa no âmbito deste processo um ato administrativo mediante o qual se decidiu um processo disciplinar de um trabalhador em funções públicas, o mesmo está a ser prejudicado, apenas porque tais funções públicas são de oficial de justiça, no âmbito de um tribunal judicial – e nenhuma norma ou fundamentação do regime do Estatuto dos Magistrados Judiciais permite concluir como justificada tal tratamento diferente.
25. Da mesma forma, esta interpretação é, ainda, no entendimento do Recorrente, inconstitucional por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva, estabelecido no artigo 268.º/4 da CRP, uma vez que, ao se aplicar o regime do artigo 168.º do EMJ a este processo,
(i) o Recorrente apenas tem acesso a um meio processual jurisdicional – o recurso contencioso;
(ii) Através desse meio processual apenas se pode obter a revogação do ato do CSM;
(iii) o prazo de interposição do recurso foi de 30 dias;
(iv) Não houve possibilidade de audiência de julgamento para produção de prova testemunhal;
26. Já com a interpretação de que o artigo 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais não constitui direito especial, uma vez que o mesmo é aplicável apenas a magistrados judiciais, seria aplicável o artigo 192.º do CPTA e por inerência o regime previsto nesse Código Processual, e nesse caso,
(i) O ora Recorrente poderia ter requerido a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, nos termos do artigo 109.º do CPTA;
(ii) O ora Recorrente poderia ter requerido providências cautelares antecipatórias ou conservatórias, nomeadamente, intimação para a adoção de uma conduta por parte da Administração, bem como a suspensão de eficácia do ato administrativo, conforme previsto pelo artigo 112.º do CPTA;
(iii) O ora Recorrente poderia ter intentado uma ação administrativa especial de impugnação do ato administrativo, cumulando esse pedido com a condenação da Administração à prática de um ato devido, bem como com um pedido de condenação a uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado;
(iv) O prazo para intentar tal providência cautelar, bem como a ação administrativa especial seria de 3 meses, nos termos do artigo 58.º do CPTA;
(v) Caso o Tribunal o entendesse poderia ordenar diligências de prova que considerasse necessárias para o apuramento da verdade, conforme artigo 90.º do CPTA;
(vi) Caso o Tribunal o entendesse poderia ordenar oficiosamente a realização de uma audiência pública destinada à discussão oral da matéria de facto;
(vii) Caso a Administração não executasse a sentença, o particular poderia requerer a execução da sentença, conforme previsto no artigo 176.º do CPTA.
27. Ou seja, com a interpretação de que o regime previsto no artigo 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais também é aplicável aos oficiais de justiça, determina uma clara redução do número de meios processuais que o mesmo poderia adotar se fosse aplicado o mesmo regime que é aplicável a todos os outros trabalhadores em funções públicas e, consequentemente, aos outros oficiais de justiça.
28. Sendo que tudo isto foi dito pelo Recorrente em sede de requerimento apresentado no âmbito do processo, junto do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, e ainda assim, o mesmo decidiu que “Os recursos das deliberações do CSM, órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial e dos funcionários de justiça, previsto na Constituição da República, são regulados no EMJ, designadamente no Capítulo XI, Secção III, aí se estabelecendo, nomeadamente, o órgão jurisdicional com competência para o conhecimento dos recursos (Supremo Tribunal de Justiça), o respetivo prazo de interposição (30 ou, excecionalmente, 45 dias) e o modo da respetiva contagem”, sem se pronunciar sobre as alegadas inconstitucionalidades.
29. Neste sentido, resulta claro que a interpretação normativa que perpassa no requerimento de recurso é exatamente a que foi sufragada pelo Tribunal recorrido – a aplicação ou não do regime previsto nos artigos 168.º e seguintes do EMJ aos oficiais de justiça dos Tribunais judiciais, quando nenhuma razão existe para que estes trabalhadores sejam tratados de forma diferente dos outros funcionários judiciais e dos outros trabalhadores em funções públicas, mas apenas porque aquele estatuto estabelece que os recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura são da competência do Supremo Tribunal de Justiça.
30. Ainda que tal possa ser verdade, nada impede a aplicação do artigo 192.º do CPTA, uma vez que o regime processual do Estatuto dos Magistrados Judiciais não deve ser aplicável aos oficiais de justiça, porquanto tal determina a aplicação de um regime diferente dos outros funcionários judiciais e dos outros trabalhadores em funções públicas, sem que haja qualquer justificação para tal.
31. Pelo exposto, o Recorrente considera ser de concluir que, salvo o devido respeito por esse Exmo. Tribunal, existe uma coincidência integral entre a interpretação normativa e a que foi sufragada pelo Tribunal recorrido, ainda que este nunca se tenha pronunciado sobre a questão da inconstitucionalidade invocada.
32. Da mesma forma, também a interpretação por parte do Tribunal no âmbito do Acórdão proferido em 18.10.2012, é a mesma que é posta em causa no requerimento de interposição de recurso porquanto, o mesmo decidiu que,
“O presente recurso não pode ser admitido, por não estar legalmente previsto. Do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (“são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos do contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal da Justiça [claramente por lapso refere-se Supremo Tribunal de Justiça, quando a norma se refere a Supremo Tribunal Administrativo] não resulta a introdução de uma instância de recurso não prevista no âmbito do Supremo Tribunal da Justiça, tal como não decorre a ampliação da competência do Pleno das Secções do Supremo Tribunal da Justiça (cfr. artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto”
33. E contra esse entendimento, e por considerar o Recorrente que prevendo-se no artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil que, “Da decisão do tribunal de 1.ª instância que ponha termo ao processo cabe recurso de apelação”, é inconstitucional que o Tribunal, mais uma vez aplicando o regime previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais, tenha recusado a interposição do recurso de uma decisão proferida em primeira instância apenas porque entende que o recurso não está legalmente previsto.
34.º E foi em relação aquele entendimento que o Recorrente reputou de inconstitucional por violação do princípio da igualdade, tendo também ela suscitada de forma preventiva e antecipada, pelo ora Recorrente no seu requerimento apresentado via fax em 03.09.2012, e nos termos do qual se refere que,
“Desde logo, porque caso assim não se considerasse, o artigo 118.º/2 do Estatuto dos Funcionários Judiciais, bem como os artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais serão inconstitucionais, porquanto tal determina uma violação grosseira do princípio da igualdade, inconstitucionalidade que desde já se invoca.
Recorde-se que, caso o recurso hierárquico do Autor – mero oficial de justiça – tivesse sido decidido pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (como aliás deveria ter sido, porquanto à data da decisão o Autor exercia funções num tribunal administrativo), para o controlo jurisdicional desse ato seria competente a secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo e da decisão deste caberia recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo – ou seja, o Autor teria acesso a um duplo grau de jurisdição (v. artigo 25.º/1 do ETAF).
Ora, não pode um oficial de justiça ter garantido um duplo grau de jurisdição, apenas porque presta funções num Tribunal Administrativo, enquanto outro oficial de justiça, porque presta funções num tribunal judicial, estar dependente de um único grau de jurisdição.
De qualquer forma, e em última instancia, sempre será inconstitucional o entendimento que os artigos 168.º/1 e 2 e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando interpretados no sentido de que os recursos da deliberação do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça é de apenas um grau de jurisdição, não admitindo recurso ordinários as decisões jurisdicionais proferidas em primeira instância de recurso pela Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, atenta a violação do artigo 13.º, bem como do artigo 268.º/4, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca”.
35. Nestes termos, resulta claro que este entendimento, ou seja, a interpretação levada a cabo pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, pela aplicação do regime previsto no artigo 178.º do EMJ, como do regime previsto no artigo 691.º do CPC e ainda do artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, constitui uma clara violação do princípio da igualdade, porquanto leva a uma profunda desigualdade entre o ora Recorrente, e os restantes oficiais de justiça, que por exercerem funções, por exemplo, nos tribunais administrativos e fiscais, e ainda os restantes trabalhadores em funções públicas, viram ser-lhes aplicado o regime do CPTA e reconhecido o duplo grau de jurisdição.
36. Pelo exposto, resulta também claro neste caso que, existe uma coincidência integral entre a interpretação normativa que perpassa do requerimento com a que foi sufragada pelo Tribunal recorrido.
37. Por outro lado, não pode o Recorrente deixar de chamar a atenção para o facto de que, até ao presente momento, o ora Recorrente não teve qualquer forma de reação contra a decisão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, por falta de meio processual adequado, tendo desde o início chamado a atenção para a desigualdade que a interpretação que aquele Tribunal vinha fazendo do regime a aplicar era claramente inconstitucional, porquanto, conforme já se demonstrou em sede de alegações, não tem qualquer fundamento.
38. De facto, a interpretação pela aplicação das normas do Estatuto dos Magistrados judiciais é claramente violador do princípio da igualdade porquanto processos sobre a mesma matéria, sobre comportamentos de funcionários com as mesmas funções, estão a ser julgados de acordo com regras diferentes e com garantias distintas, quando nos termos do artigo 13.º da Constituição da República se encontra definido que,
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
39. Assim, e conforme se referiu no requerimento de interposição de recurso e respetivas alegações, a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça pela aplicação das normas previstas nos artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º 176.º, 177.º e 178.º, em detrimento do artigo 192.º do CPTA bem como da interpretação feita do artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, é claramente inconstitucional por violação dos artigos 13.º, 268.º/4 e 212.º da Constituição da República.
40. Sendo que tal resulta claro do pedido a final do requerimento de recurso, uma vez que se refere que,
“Pelo exposto, e estando cumpridos todos os requisitos previstos no artigo 75.º da Lei do Tribunal Constitucional, designadamente, por ser (i) interposto por meio de requerimento, no qual (ii) se indica a alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo do qual o recurso é interpostos (artigo 70.º/1 b)), e a (iii) norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º 176.º, 177.º e 178.º, artigo 691.º/1 do Código de Processo Civil e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto), bem como (iv) a indicação da norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado (artigo 13.ºCRP - princípio da igualdade, artigo 268.º/4 – princípio da tutela jurisdicional efetiva, e artigo 212.º CRP consagrado no artigo 192.º do CPTA), e ainda a indicação das peças processuais em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade (requerimento de 31.01.2011 e requerimento de 03.09.2011), deverá o presente recurso ser admitido, concedendo-se prazo para apresentação das competentes alegações”.
(...)»
Já o recorrido – o Conselho Superior de Magistratura – pugnou pelo não conhecimento do objeto do recurso, louvando-se nos seguintes argumentos:
«(...)
O Conselho Superior da Magistratura, notificado nos termos do despacho do Exmo. Sr. Conselheiro Relator de 18 de abril de 2013 para se pronunciar acerca do eventual não conhecimento do recurso identificado em epígrafe, por o mesmo não cumprir os respetivos pressupostos ou requisitos (cf. art. 70/1, b), da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LOTC)), designadamente a suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado — identificação clara a rigorosa da dimensão normativa cuja conformidade com o parâmetro normativo constitucional deve ser apreciada —, vem dizer o seguinte:
i. Da análise do requerimento de interposição respetivo - nomeadamente do fundamento invocado e da circunstância de o recorrente referir a peça processual em que, alegadamente, terá suscitado a questão previamente — poderemos concluir que o recurso é interposto nos termos da alínea b) do referido n.º 1 do artigo 70 da LOTC.
ii. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70 da LOTC a existência de um objeto normativo — norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70/2); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 280/1, alínea b), da CRP; artigo 72/2 da LOTC).
iii. Acerca deste último requisito temos como certo que o n.º 2 do art. 72º da Lei do Tribunal Constitucional ao estabelecer que os «recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70º, só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» quer significar que a questão de constitucionalidade deve ser suscitada no tribunal recorrido no espaço temporal anterior à decisão proferida, de forma a que o mesmo tenha a oportunidade de se pronunciar sobre ela.
iv. Mas o cumprimento do ónus a que se refere a norma não se basta com a mera afirmação, perante o tribunal recorrido, de que certa interpretação normativa, não concretizada, é inconstitucional, pois que tal não traduz a invocação de uma verdadeira questão de inconstitucionalidade: o preceito vai mais longe, impondo ao recorrente a delimitação dessa questão, de forma a possibilitar ao tribunal recorrido a sua cabal compreensão e, portanto, a sua efetiva decisão. A propósito, vide os Acórdãos n.ºs 210/2006, 376/2006 e 141/2008, disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt.
v. Quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa é indispensável que o recorrente identifique expressamente essa interpretação em termos de o tribunal, no caso de vir a julgá-la inconstitucional, a poder enunciar na decisão de modo que não só os seus destinatários, como também os operadores do direito em geral, fiquem cientes do sentido da norma que não pode ser aplicado.
vi. Nas palavras de Lopes do Rego (Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra: Almedina, 2010, p. 104), “o ónus de suscitação, clara e precisa, da questão de inconstitucionalidade implica que não baste afirmar-se que uma “diferente interpretação” normativa será violadora da Constituição.
vii. Ora, no caso vertente, o recorrente pretende a declaração “da inconstitucionalidade da interpretação dos arts. 168 e ss. do Estatuto dos Magistrados Judiciais e da interpretação e aplicação do art. 691 do Código de Processo Civil e do art. 41.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais”, por considerar que tais interpretações, como feitas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, conduzem “à violação dos princípios da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e da reserva de jurisdição constitucionalmente reconhecida aos tribunais administrativos, adaptada a este caso pelo art. 192 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”
viii. Sucede que, perante o tribunal ora recorrido, o recorrente não suscitou de modo percetível as questões de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciadas.
ix. Na verdade, na única peça processual em que abordou as questões – no requerimento de resposta ao parecer emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, enviado por telecópia no da 21 de janeiro de 2011 – o recorrente limitou-se a, de modo genérico, vago e redundante, por vezes confuso, imputar inconstitucionalidades à suposta «interpretação» segundo a qual os arts. 168 a 177 do estatuto dos Magistrados Judiciais, bem como o art. 41 da Lei n.º 52/2008, são aplicáveis aos recursos contenciosos interpostos por um oficial de justiça tendo em vista impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura que o sancionou em virtude da prática de uma infração disciplinar.
x. Ao longo do seu arrazoado, o recorrente nunca concretizou, de forma cabal, perante o tribunal recorrido, a interpretação que considerava inconstitucional, omissão que manteve no requerimento de apresentação de recurso para o Tribunal Constitucional.
xi. De nada vale, assim, invocar que o tribunal recorrido entendeu a questão de constitucionalidade que era colocada.
xii. Indispensável era que aquele tribunal tivesse sido colocado em condições de a decidir o que, manifestamente não é foi caso, já que nenhuma questão de constitucionalidade normativa lhe foi colocada de forma adequada.
xiii. Antes e tão-só o enunciado de princípios constitucionais pretensamente violados, na interpretação disposições infraconstitucionais, com a qual o recorrente não se conforma.
xiv. Deste modo, não tendo o recorrente suscitado, perante o tribunal a quo, a questão da inconstitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada, em termos processualmente adequados, concluímos que não se mostra preenchido o pressuposto processual a que aludem os artigos 70/1, b), e 72/2, da Lei do Tribunal Constitucional, não podendo consequentemente conhecer-se do objeto do presente recurso.
(...)»
5. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Sucede que, in casu, constata-se que o recorrente não suscitou a questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado, não identificando com a clareza e o rigor devidos a dimensão normativa cuja conformidade com o parâmetro normativo-constitucional pretende ver apreciada (cfr. os Acórdãos n.ºs 199/88 e 178/95, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Esta exigência decorre do facto de ao Tribunal Constitucional incumbir apenas o controle da constitucionalidade de “normas” e não de “decisões”, circunstância que demanda que o recorrente esclareça indubitavelmente qual o sentido ou dimensão normativa cuja legitimidade constitucional questiona.
É, porém, evidente que perpassam o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional diversas interpretações normativas, extraídas de vários preceitos (cfr. os artigos 168.º e 178.º, do EMJ, e o artigo 192.º, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos), sem nunca o recorrente esclarecer cabalmente qual é aquela que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, e sem que nenhuma delas coincida integralmente com a interpretação normativa sufragada pelo tribunal recorrido.
Tal circunstância inviabiliza o conhecimento, por este Tribunal, do presente recurso de constitucionalidade.
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, na circunstância de a enunciação da questão de constitucionalidade não ter cumprido os requisitos de clareza e inteligibilidade que lhe são assacáveis, atenta a modalidade de recurso em causa.
Talqualmente salienta a entidade recorrida, na reclamação apresentada, a reclamante limita-se a introduzir “alguma correção” no modo como suscitou a questão de constitucionalidade que pretende ver apreciada por este Tribunal, introdução essa que, como é bom de ver, peca por tardia. Com efeito, na decisão sumária reclamada, sustenta-se que o então recorrente, se bem que chamando à colação diversos preceitos de direito infraconstitucional, não logra identificar, com a precisão e rigor exigidos, o exato sentido normativo cuja constitucionalidade predica inquinada, insuficiência essa que perpassa o requerimento de recurso para o STJ e se mantém no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional. Senão vejamos:
No requerimento de recurso para o STJ, o ora (reclamante) avançou que “(...) de qualquer forma, e em última instância, sempre será inconstitucional o entendimento dos artigos 168.º/1 e 2 e 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, quando interpretados no sentido de que os recursos da deliberação do Conselho Superior de Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça é de apenas um grau de jurisdição, não admitindo recurso ordinário as decisões jurisdicionais proferidas em primeira instância de recurso pela Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, atenta a violação do artigo 13.º, bem como do artigo 268.º/4, ambos da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que desde já se invoca (...)”.
Já no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional sustenta que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de “normas do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), designadamente os artigos 168.º, 169.º, 170.º, 171.º, 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º e 177.º, bem como da interpretação feita do artigo 691.º/1, do Código de Processo Civil, e artigo 41.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, porquanto em causa neste processo se encontra um ato administrativo de aplicação de uma sanção disciplinar a um (mero) oficial de justiça, cujo regime processual a aplicar deverá ser o CPTA, levando a aplicação do regime previsto no EMJ a uma clara violação da tutela jurisdicional efetiva, bem como da reserva de jurisdição constitucionalmente reconhecida aos tribunais administrativos, adaptada ao presente caso pelo artigo”. Ainda neste requerimento, o recorrente advoga que o tribunal recorrido, ao não ter enveredado pela interpretação ali proposta, “viola o princípio da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e da reserva de jurisdição constitucionalmente reconhecida aos tribunais administrativos, nos termos do artigo 192.º do CPTA, porquanto aplica regras diferentes em processos totalmente iguais, reduz os meios processuais e atribui competência a um tribunal que não da jurisdição administrativa a competência para dirimir litígios em matéria jurídico-administrativa, aplicando regras próprias para processos totalmente distintos, como são os processos em que são parte os magistrados judiciais”.
Por sua vez, na sua resposta ao despacho do Relator, de 18 de abril de 2013, o (ora) reclamante reitera ter suscitado tempestiva e adequadamente a inconstitucionalidade da “interpretação de aplicabilidade do regime processual previsto nos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no âmbito de processos que tenham como objeto decisões disciplinares sobre os funcionários judiciais, atento o regime previsto no artigo 192, e os princípios da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva”, bem como da “interpretação do Venerando Supremo Tribunal de Justiça do regime previsto no artigo 691.º/1 do CPC, considerando que do artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais não resulta a introdução de uma instância de recurso não prevista no âmbito do Supremo Tribunal da Justiça, tal como não decorre a ampliação da competência do Pleno das Secções do Supremo Tribunal da Justiça”.
Destarte, empreendido este périplo, não soçobram dúvidas de que, paralelamente à permanente confusão entre objeto e parâmetro de controlo a propósito do artigo 192.º do CPTA, o reclamante formulou, ao longo da sua intervenção processual, diversas questões de constitucionalidade, só agora – em momento processualmente intempestivo – vindo esclarecer, ainda que imperfeitamente, qual ou quais de tais questões integram o objeto do seu recurso. Em virtude de tal variabilidade ou inconstância, conclui-se que a suscitação levada a cabo pelo reclamante não preencheu níveis mínimos de clareza e inteligibilidade – seja para o tribunal a quo, seja para o tribunal ad quem – circunstância que, como esclareceu a decisão sumária reclamada, obsta ao conhecimento dos recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 27 de junho de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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