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Processo n.º 237/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A. reclama, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 20 de fevereiro de 2013, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que não lhe admitiu o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional.
Sustenta que o recurso deve ser admitido, com os seguintes fundamentos:
“O douto despacho reclamado não admitiu o recurso interposto por entender que a decisão de que o arguido pretende recorrer para o Tribunal Constitucional ainda admite recurso ordinário.
O reclamante fundamentara processualmente a interposição do seu recurso no ponto V do respetivo requerimento:
V. Uma vez que, salvo melhor opinião, o acórdão desta Relação já apreciou as várias questões processuais suscitadas nos recursos, assim formando caso julgado (parcial) sobre as mesmas, o arguido, ora recorrente, encontra-se na posição de que, para si, estão completamente esgotados todos os meios recursórios ordinários (nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 70.º da LTC) que lhe permitam, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea d) e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, reagir contra a inconstitucionalidade material das supra referidas normas, com a qual se mantém irresignado e de que continua arraigadamente convicto.
Ou seja: se é certo que os autos aguardam decisão – da 1ª instância, passível de recurso para a Relação –, também parece certo – e tal parecer, que é o nosso, ex abundanti cautela, sujeito a melhor opinião, como expressamente sublinhado no ponto acima transcrito – que essa decisão, por só poder apreciar a questão da multa (como admitido no próprio despacho reclamado), já não apreciará as questões donde emergem as de constitucionalidade que o reclamante quer ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional.
Por outras palavras: sobre as questões processuais de que decorrem as inconstitucionalidades normativas invocadas pelo reclamante, sobre a decisão essas questões não será admissível mais nenhum recurso ordinário porque... não haverá mais nenhuma decisão!...
A única e última e definitiva decisão sobre essas questões foi a proferida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19.11.2012, complementado pelo de 21.01.2013.
Assim sendo, como nos parece ser, mas sempre salvo mais avalizado parecer, porque sobre as questões que fundamentam o recurso para o Tribunal Constitucional já não haverá mais nenhuma decisão – e, logo, não caberá quanto a essas questões mais nenhum recurso ordinário –, deverá ser revogado o despacho de indeferimento e admitido o recurso interposto pelo reclamante, sob pena de precludir o direito processual de sindicar as alegadas inconstitucionalidades normativas.”
2. Neste Tribunal, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
”(…) 6. Não tendo a ver as questões de constitucionalidade que o reclamante invoca com a medida da pena, elas integram-se na parte do acórdão que negou provimento ao recurso, não cabendo recurso ordinário dessa decisão.
7. No despacho reclamado entende-se que como o reclamante poderá recorrer da decisão que vier a ser proferida em 1.ª instância, em cumprimento do decidido pela Relação na parte em que concedeu provimento ao recurso, a interposição do recurso, agora, para o Tribunal Constitucional era “desatempada”.
8. É certo que dessa decisão cabe recurso ordinário, mas também nos parece que não é menos certo, que esse recurso só pode limitar-se à medida da pena.
9. Na parte restante, as questões foram resolvidas pelas instâncias a título definitivo, devendo, consequentemente, ser mantidas intactas na nova sentença que vier a ser proferida.
10. Portanto, se o reclamante concordasse com a pena e não interpusesse recurso ordinário, teria de interpor recurso para o Tribunal Constitucional da sentença proferida em 1.ª instância, não podendo na altura o recurso ser rejeitado, com fundamento na recorribilidade da decisão.
11. Por tudo o exposto, parece-nos que é mais lógico considerar este o momento adequado para a interposição do recurso.
12. Aliás, se o recurso fosse admitido e fosse proferida decisão de mérito a conceder-lhe provimento, a Relação teria de reformar a sua decisão em conformidade.
13. Pelo contrário, se o recurso não fosse admitido ou, se admitido, lhe fosse negado provimento, as questões de constitucionalidade estavam definitivamente resolvidas, cabendo à 1.ª instância reapreciar, exclusivamente, questão da medida da pena, em cumprimento do decidido pela Relação.
14. Contudo, para, com segurança nos podermos pronunciar sobre se a reclamação deve ser deferida, ou não, parece-nos ser essencial conhecer o conteúdo da motivação do recurso interposto para a Relação.
15. Assim sendo, promovo que se solicite cópia dessa peça processual.
16.Não podendo, pelo que atrás dissemos (n.ºs 8, 9 e 10), as questões de constitucionalidade serem novamente colocadas, os pressupostos de admissibilidade do recurso têm de se verificar agora, não podendo ser reeditados.
17. Se o Tribunal tiver um entendimento diferente, no sentido de considerar que este ainda não é o momento adequado, então a reclamação será, desde já, de indeferir, sem necessidade de consulta de quaisquer novos elementos.
18. No entanto, nesse caso, uma conclusão temos como certa: o recurso para o Tribunal Constitucional não poderá ser rejeitado com fundamento no trânsito da decisão quanto às questões que não se integrem na medida da pena.”
3. Solicitada cópia da motivação do recurso interposto, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, nos seguintes termos:
“1. Aceitando, na sequência do que anteriormente dissemos (fls. 43 a 45), que o recurso para o tribunal constitucional foi tempestivamente interposto, iremos indagar se se verificaram os restantes requisitos de admissibilidade.
2. Com o recurso para o Tribunal Constitucional o recorrente pretende ver apreciadas as seguintes questões de inconstitucionalidade:
“a) dos artigos 127.º e 410.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal – por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa -, quando interpretados no sentido de que também concorre para a formação da convicção do julgador a apreciação de prova que não foi produzida, e que não consta da sentença que o tenha sido (constando até uma fundamentação contrária ou contraditória ou ainda que apenas divergente de determinado facto dado como provado) – cfr. artigos 33 a 80 das alegações recursórias e conclusões 12.ª a 35.ª;
b) do artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal – por violação do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – quando interpretado no sentido de que nele é subsumível a ação praticada quanto a um crédito que jamais seria cobrado, total ou sequer parcialmente, na ação executiva (independentemente do número de bens penhorados nessa execução), onde o que se frustrou foi a penhora (e não o crédito) de (apenas alguns) bens nessa execução – cfr. artigos 121 a 181 das alegações recursórias e conclusões 58.ª a 76.ª.”
3. Quanto à primeira questão, vendo o Acórdão da Relação – a decisão recorrida – não vislumbramos minimamente que tivesse sido feita a interpretação adiantada pelo recorrente.
4. A prova foi apreciada com minúcia na 1.ª instância e reapreciada com rigor na Relação.
5. No acórdão fazem-se considerações sobre o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127.º), nunca se refere ou se retira que o afirmado pelo recorrente tenha qualquer correspondência no ali consignado.
6. No fundo, e como se vê mais claramente da motivação do recurso para a Relação, o recorrente discorda da forma como a prova foi apreciada e valorada.
7. Quanto à segunda questão, diz-se no acórdão recorrido:
“Aqui chegados, e porque não só o tribunal a quo não baseou a condenação dos recorrentes, como estes alegam, na frustração de qualquer penhora, mas sim em atos dolosos de diminuição do património adequados à frustração da satisfação do crédito de credor que instaurara ação executiva para ver satisfeito o seu crédito, mas também porque a interpretação feita do art.º 227.º-A do CP não implica qualquer violação do art.º 29.º, n.º 1 da CRP (os pressupostos da punição estavam previstos por lei bem anterior à prática dos factos em causa nos autos) ou de qualquer Convenção Comunitária ou Internacional, não resta dúvida terem os recorrentes que ser punidos pela prática dos factos previstos e punidos pelo art.º 227.º-A do CP, o primeiro por referência ao n.º 2 e o segundo ao n.º 1 do art.º 227.º do CP.”
8. Ora, parece-nos evidente que também neste ponto, a dimensão normativa efetivamente aplicada – e que ao Tribunal Constitucional, neste segmento, apenas cabe aceitar - não corresponde à questionada.
9. Aliás, tendo sido o artigo 227.º-A do Código Penal aplicado na sua literalidade, não tem sentido invocar a violação do princípio da legalidade penal.
10. Assim, não tendo as dimensões normativas identificadas pelo recorrente como devendo constituir (a sua constitucionalidade) objeto do recurso, sido efetivamente aplicadas na decisão recorrida, falta um pressuposto de admissibilidade do recurso.
11. Pelo exposto, ainda que, eventualmente, com fundamento diferente daquele que consta na decisão reclamada, deve indeferir-se a reclamação.”
4. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre os novos fundamentos de inadmissibilidade do recurso apresentados pelo Ministério Público, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69º da LTC, o recorrente nada disse.
II. Fundamentação
5. Cumpre decidir se o recurso de constitucionalidade interposto pelo reclamante deve ser admitido, o que implica a apreciação do preenchimento de todos pressupostos do tipo de recurso em causa, uma vez que este Tribunal decide, com caráter definitivo, da admissibilidade do recurso (artigo 77.º, n.º 4, da LTC).
6. Para a apreciação da presente reclamação, releva a seguinte evolução processual:
6.1. Por sentença proferida em 26 de abril de 2012, pelo 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, o arguido e ora reclamante A. foi condenado, como autor material, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelo artigo 227.º-A, n.ºs 1 e 2, por referência ao artigo 227.º, n.º 2, ambos do Código Penal, na pena de multa, especialmente atenuada, de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo a multa de € 1.120,00 (mil cento e vinte euros).
6.2. Interposto recurso por aquele arguido e outro que também havia sido condenado, o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 19 de novembro de 2012, concedendo parcial provimento ao recurso, determinou a reabertura da audiência de julgamento para produção de prova sobre as condições pessoais, situação económica e financeira e encargos pessoais dos recorrentes, para determinação da medida concreta da pena de multa e da razão diária da mesma, nos termos dos artigos 47.º, n.ºs 1 e 2, 71.º, n.ºs 1 e 2, alínea d), do Código Penal e 369.º, n.º 2, e 371.º do Código de Processo Penal.
6.3. Requerido o esclarecimento da decisão pelo ora reclamante, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de janeiro de 2013 foi o mesmo indeferido.
6.4. O reclamante apresentou então recurso para o Tribunal Constitucional, em requerimento com o seguinte teor:
“A., arguido nos autos acima identificados, em face do acórdão de 19.11.2012, complementado pelo de 21.01.2013, respetivamente notificado pelos ofícios supra referenciados, com o qual não se conforma, vem requerer a V. Ex.ª, ao abrigo do consignado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º da Lei de Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15.11, sucessivamente alterada (LTC), se digne admitir a interposição de recurso para o tribunal constitucional, em secção, nos termos preceituados nos artigos 75.º e 75.º-A, da LTC, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo (n.º 4 do artigo 78.º da LTC).
I. Por douta sentença de 26.04.2012, o arguido foi condenado à pena especialmente atenuada de 160 dias de multa à taxa diária de €7,00 pelo crime de frustração de créditos.
II. Inconformado, interpôs recurso para esta Relação dessa sentença, com fundamento, além de outros, na ilegalidade e na inconstitucionalidade material:
a) dos artigos 127.º e 410.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal – por violação dos artigos 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa –, quando interpretados no sentido de que também concorre para a formação da convicção do julgador a apreciação de prova que não foi produzida, e que não consta da sentença que o tenha sido (constando até uma fundamentação contrária ou contraditória ou ainda que apenas divergente de determinado facto dado como provado) – cfr. artigos 33 a 80 das alegações recursórias e conclusões 12ª a 35ª;
b) do artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal – por violação do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa –, quando interpretado no sentido de que nele é subsumível a ação praticada quanto a um crédito que jamais seria cobrado, total ou sequer parcialmente, na ação executiva (independentemente do número de bens penhorados nessa execução), onde o que se frustrou foi a penhora (e não o crédito) de (apenas alguns) bens nessa execução – cfr. artigos 121 a 181 das alegações recursórìas e conclusões 58ª a 76ª.
III. Por douto acórdão de 19.11.2012, esta Relação, embora tendo julgado parcialmente procedente o recurso do arguido e determinado a reabertura da audiência de julgamento para produção de prova sobre as condições pessoais, situação económica e financeira e encargos pessoais dos arguidos, apreciou e decidiu não reconhecer a verificação de nenhuma das alegadas inconstitucionalidades.
IV. Desse acórdão, requereu o arguido aclaração, que, por acórdão de 21.01.2013 (o qual se considera complemento e parte integrante do acórdão de 19.11.2012, nos termos da parte final do n.º 1 do artigo 670.º do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal), foi indeferida.
V. Uma vez que, salvo melhor opinião, o acórdão desta Relação já apreciou as várias questões processuais suscitadas nos recursos, assim formando caso julgado (parcial) sobre as mesmas, o arguido, ora recorrente, encontra-se na posição de que, para si, estão completamente esgotados todos os meios recursórios ordinários (nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 70.º da LTC) que lhe permitam, ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea d) e n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, reagir contra a inconstitucionalidade material das supra referidas normas, com a qual se mantém írresignado e de que continua arraigadamente convicto.
VI. Porque continua inconformado com o acórdão desta Relação que decidiu julgar constitucionalmente conformes essas normas cuja ilegalidade e inconstitucionalidade o arguido suscitou, estando este em tempo e tendo legitimidade para o efeito (artigo 72.º, n.º 1, alínea b) da LTC), interpõe o presente recurso para o tribunal constitucional, ao abrigo das alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70.º da LTC.
VII. De harmonia com o preceituado nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC, desde já esclarece que, com este recurso, pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a ilegalidade, a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais:
a) dos artigos 127.º e 410.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido de que também concorre para a formação da convicção do julgador a apreciação de prova que não foi produzida, e que não consta da sentença que o tenha sido (constando até uma fundamentação contrária ou contraditória ou ainda que apenas divergente de determinado facto dado como provado) – o que viola os artigos 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
b) do artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal, quando interpretado no sentido de que nele é subsumível a ação praticada quanto a um crédito que jamais seria cobrado, total ou sequer parcialmente, na ação executiva (independentemente do número de bens penhorados nessa execução), onde o que se frustrou foi a penhora (e não o crédito) de (apenas alguns) bens nessa execução – o que viola o artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
e, outrossim, incorpora a violação do artigo 16.º da Lei Fundamental que, sob a epígrafe «Âmbito e Sentido dos Direitos Fundamentais», impõe no seu n.º 2 que «Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem», sendo que o artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal com o sentido acima referido implica a violação do artigo 11.º, n.º 2 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (bem como do artigo 7.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, do artigo 15.º, n.º 1 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do artigo 49.º, n.º 1 da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia) – cfr. conclusão 76.ª do recurso.
VIII. Todas essas questões de inconstitucionalidade material foram suscitadas no recurso ordinário (cfr. artigos 33 a 80, 121 a 181 das alegações e conclusões 12.ª 35.ª e 58.ª a 76.ª)
Nestes termos, reunidos que estão todos os requisitos legais para o efeito (incluindo o do patrocínio judiciário – artigo 83.º da LTC), requer-se a V. Ex.ª se dignem admitir o recurso deste acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães para o Tribunal Constitucional, seguindo-se a respetiva ritologia processual, mormente a produção de alegações junto do tribunal ad quem (artigo 79.º da LCT).”
6.5. Sobre esse requerimento incidiu a decisão reclamada, de não admissão do recurso, proferida em 20 de fevereiro de 2013, com o seguinte teor:
“Dado que, por ter que ser reapreciada em 1ª instância a questão da multa, a decisão de que o recorrente pretende recorrer para o Tribunal Constitucional ainda admite recurso ordinário, após aquela reapreciação, pelo que, e nos termos do n.º 2 do art. 70º da L. 28/82, de 15/11, não se admite o recurso interposto a fls. 587, por desatempado.
Sem custas.
Notifique”
7. Importa começar por referir que, pese embora o recorrente aluda, no início do requerimento de interposição de recurso, a que recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, no desenvolvimento do requerimento alude igualmente às alíneas c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Do mesmo jeito, diz no ponto VII que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie “a ilegalidade, a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais”, pese embora, no ponto VIII, indique a colocação de “questões de inconstitucionalidade material”.
Fica, assim, a dúvida se o recorrente pretendeu tão somente colocar questões de inconstitucionalidade, seguindo a via de recurso prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 70.º da LTC, ou também suscitar o controlo de ilegalidade qualificada previsto na alínea f), com referência, à alínea c), ambas do mesmo n.º1 do artigo 70.º da LTC.
Porém, em qualquer dessas vias de recurso para o Tribunal Constitucional, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa: i) a suscitação pelo recorrente da questão normativa de inconstitucionalidade ou de ilegalidade qualificada “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da LTC); ii) a efetiva aplicação, expressa ou implícita, da norma ou interpretação normativa questionada, em termos de a mesma constituir “ratio decidendi” ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto, pressuposto decorrente da instrumentalidade da fiscalização concreta (artigo 79.ºC da LTC); e iii) o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam (n.º 2 do artigo 70.º da LTC).
Acresce, quanto à via de recurso prevista na alínea f), em conjugação com a a alínea c), do n.º1 do artigo 70.º da LTC, que o objeto do recurso verse questão normativa de legalidade qualificada, e não mera questão de conformidade do ato decisório, em si mesmo considerado, com o ordenamento infraconstitucional, na medida em que a fiscalização concreta cometida ao Tribunal Constitucional naqueles preceitos abrange unicamente a aplicação de norma constante de ato legislativo que viole lei com valor reforçado, tal como definido pelo n.º3 do artigo 112.º da Constituição.
9. O reclamante impugna o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19 de novembro de 2012 que, julgando parcialmente procedente o recurso, ordenou a reabertura da audiência de julgamento para produção de prova sobre as condições pessoais, situação económica e financeira e encargos pessoais do recorrente, com vista à determinação da medida concreta da pena de multa e a razão diária da mesma, peticionando que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional: i) dos artigos 127.º e 410.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido de que também concorre para a formação da convicção do julgador a apreciação de prova que não foi produzida, e que não consta da sentença que o tenha sido (constando até uma fundamentação contrária ou contraditória ou ainda que apenas divergente de determinado facto dado como provado); ii) e do artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal, quando interpretado no sentido de que nele é subsumível a ação praticada quanto a um crédito que jamais seria cobrado, total ou sequer parcialmente, na ação executiva (independentemente do número de bens penhorados nessa execução), onde o que se frustrou foi a penhora (e não o crédito) de (apenas alguns) bens nessa execução.
10. Resulta do despacho reclamado que, na ponderação do Tribunal a quo, não se mostra verificado o requisito do n.º2 do artigo 70.º da LTC, em virtude da decisão a proferir pela 1ª instância, nos termos determinados, admitir recurso ordinário. Nessa ótica, o recurso não será admissível, por “desatempado”, na medida em que a decisão recorrida não reveste definitividade.
Porém, assim não acontece.
O requisito do esgotamento dos recursos ordinários imposto pelo referido preceito implica que a parte apenas pode sujeitar utilmente à reapreciação do Tribunal Constitucional questão de inconstitucionalidade que mereceu por parte dos tribunais decisão definitiva, valoração que atende ao conteúdo da pronúncia judicial e ao pertinente regime processual do recurso, em termos de concluir pela prolação, ou não, da última palavra pelo Tribunais ordinários sobre a dimensão material do objeto do processo abrangida ou potencialmente afetada pelo recurso de constitucionalidade.
Ora, no caso, perante os termos do Acórdão recorrido, verifica-se que os recursos apresentados pelos arguidos – incluindo o recurso do reclamante – não lograram provimento nas vertentes dirigidas à declaração de nulidade da decisão condenatória, à modificação da decisão em matéria de facto e à (in)verificação do cometimento do crime de frustração de créditos p. e p. pelo artigo 227.ºA, n.ºs 1 e 2 do Código Penal (quanto ao reclamante). Em tais matérias, e em virtude da confirmação do juízo condenatório em pena de multa pelo Tribunal da Relação não admitir recurso (artigo 400.º, n.º1, al. e), do CPP), encontramo-nos perante decisão definitiva na ordem jurisdicional ordinária.
É certo que o juízo condenatório não atingiu a sua plenitude e exequibilidade na medida em que subsiste indeterminabilidade sobre o quantum da sanção decorrente da imposição de ampliação do julgamento em matéria de facto, em prolação de nova sentença pela 1ª instância, sobre a qual poderá incidir impugnação recursória. Mas, nos termos do decidido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a cognição determinada encontra-se tematicamente limitada à matéria da determinação concreta da pena de multa, como avulta da determinação de reabertura de audiência para produção de prova suplementar “sobre as condições pessoais dos recorrentes, situação económica e financeira e encargos pessoais dos recorrentes, para determinação da medida concreta da pena de multa e da razão diárias da mesma nos termos dos art.ºs, 47.º n.º 1 e 2 e 71.º n.ºs 1 e 2 alínea d) do Código Penal, e 369.º n.º 2 e 371.º do Código de Processo Penal”. Tudo o mais, encontra-se coberto pelo juízo de improcedência do recurso e pela inerente formação de caso julgado.
Aliás, o Tribunal a quo não deixa qualquer dúvida quanto à apreciação e confirmação do juízo condenatório, incluindo quanto ao argumento de infração do artigo 29.º, n.º 1 da Constituição, esgrimido na motivação de recurso do arguido reclamante, no seguinte segmento da fundamentação do Acórdão recorrido:
“Aqui chegados, e porque não só o tribunal a quo não baseou a condenação dos recorrentes, como estes alegam, na frustração de qualquer penhora, mas sim em atos dolosos de diminuição do património adequados à frustração da satisfação do crédito do credor que instaurara ação executiva para ver satisfeito o seu crédito, mas também porque a interpretação feita do art.º 227.º-A do CP não implica qualquer violação do art.º 29.º n.º 1 da CRP (os pressupostos da punição estavam previstos por lei bem anterior à prática dos factos em causa nos autos) ou de qualquer Convenção Comunitária ou Internacional, não resta dúvida terem os recorrentes que ser punidos pela prática dos factos previstos e punidos pelo art.º 227.º-A do CP, o primeiro por referência ao n.º 2 e o segundo ao n.º 1 do art.º 227.º do CP.”
Ora, as duas questões colocadas pelo reclamante por este Tribunal – sem cuidar neste momento de apreciar a sua conformação e identidade com a razão de decidir – versam precisamente os domínios materiais consolidados pela decisão recorrida, a saber, os fundamentos de facto e a responsabilidade criminal pelo crime tipificado no artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal.
Mostra-se, pois, preenchido o requisito em análise, cumprindo afastar o fundamento em que se baseou o despacho reclamado.
11. Porém, os pressupostos e requisitos incidentes sobre o recurso de constitucionalidade não se esgotam na imposição do n.º 2 do artigo 70.º da LTC. Exigem, como se disse, que seja colocada questão normativa de constitucionalidade ou de legalidade qualificada e que a norma, ou interpretação normativa, colocada à apreciação do Tribunal Constitucional em sede de fiscalização concreta tenha sido aplicada na decisão recorrida como determinante do julgado.
Ora, e como aponta o Ministério Público, sem resposta do reclamante, nenhuma das interpretações enunciadas pelo reclamante corresponde a regra ou padrão normativo assumido, expressa ou implicitamente, pela decisão recorrida como ratio decidendi.
Com efeito, mostra-se cristalino que em nenhum momento da decisão foi adotada interpretação do preceituado nos artigos 127.º (princípio da livre apreciação da prova) e 410.º, n.º 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Penal (vícios da sentença por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão) em que se articule a apreciação de prova que não foi produzida e sem referência no texto da sentença proferida em 1ª instância.
Acresce que, no plano da aplicação do tipo incriminador contido no artigo 227.º-A, n.º 1 do Código Penal - e independentemente de se concluir pelo questionamento do ato de julgamento, em si mesmo considerado, na subsunção das particularidades do caso ao quadro normativo infraconstitucional, o que escapa ao sistema de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade qualificada -, os elementos da questão formulada pelo recorrente mostram-se irremediavelmente afastados do iter seguido pelo Tribunal a quo. A alusão a “crédito que jamais seria cobrado” e a “o que se frustrou foi a penhora (e não o crédito) de (apenas alguns) bens nessa execução”, correspondem aos dados de facto e de direito por que o reclamante pugnou no recurso na defesa da inverificação do crime por que fora acusado e condenado e não ao que o Tribunal a quo considerou demonstrado e essencial para o preenchimento dos elementos do crime de frustração de crédito.
Ora, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a correção ou bondade da decisão recorrida no plano infraconstitucional, mas sim verificar a legitimidade constitucional e a legalidade qualificada dos critérios ou padrões normativos efetivamente aplicados, que toma como um dado.
E, para o que interessa, como resulta do segmento supra transcrito, o Tribunal a quo não assentou a sua decisão na frustração de qualquer penhora ou na incobrabilidade do crédito.
Por consequência, qualquer que fosse a decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão colocada, sempre subsistiria intocado o fundamento da decisão recorrida, o que veda, em obediência à natureza instrumental do recurso de constitucionalidade e de legalidade qualificada (sendo certo que no requerimento de recurso não é feita alusão a qualquer lei com valor reforçado), a apreciação do recurso.
Cumpre, então, concluir pela improcedência da reclamação e pela inadmissibilidade do recurso, ainda que com fundamento distinto daquele em que assentou o despacho reclamado.
III. Decisão
12. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 12 (doze) unidades de conta.
Notifique.
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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