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Processo n.º 43/13
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 133/2013:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B., S.A., C., S.A., D., S.A., E., S.A., e F., S.A., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em 11 de julho de 2012 (fls. 12191 a 12431), posteriormente complementado pelo acórdão proferido, em conferência, pelo mesmo Tribunal e Secção, em 07 de novembro de 2012 (fls. 12501 a 12504-verso), que indeferiu arguição de nulidade do primeiro e conheceu de suscitação de inconstitucionalidade, para que seja apreciada a constitucionalidade:
i) “[D]a interpretação da dimensão normativa feita na decisão recorrida dos artigos 58º, 120º nº 2, alínea d), 141º nº 4, alínea c), 144º, 262º, 272º e 283º todos do CPP, no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, no seu interrogatório de inquérito, interrogatório obrigatório, com todos os factos concretos constitutivos de crimes, que venham a ser inseridos no despacho de acusação que contra si foi deduzido” (fls. 12549);
ii) “[D]a interpretação efetuada dos artigos 127º e 412º nº 3 e 4, ambos do CPP, no sentido de que tendo sido impugnada determinada matéria de facto, nos termos deste último normativo, a 2ª instância não tem de ponderar, especificadamente, a matéria de facto impugnada e os argumentos invocados, por não dispor da imediação e da oralidade” (fls. 12550);
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 07 de dezembro de 2012 (cfr. fls. 12554), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator verifique que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Quanto à primeira interpretação normativa reputada de inconstitucional, regista-se que o recorrente suscitou a sua inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, nas suas motivações de recurso (cfr. § 14, a fls. 11404), que dela conheceu. Aliás, apreciando tal questão, a decisão recorrida tomou expressa posição no sentido da não inconstitucionalidade da mesma, socorrendo-se do Acórdão n.º 72/2012, anteriormente proferido por esta mesma 2ª Secção do Tribunal Constitucional, a propósito de um recurso interposto por um coarguido do ora recorrente, exatamente deduzido no âmbito dos mesmos autos de processo-crime. Dessa feita, decidiu-se o seguinte:
«Aliás, dos próprios termos da lei fundamental, bem explícitos no n.º 5 do seu artigo 32.º,decorre a inexistência de uma imposição constitucional de uma genérica audição contraditória do arguido durante a fase do inquérito, uma vez que apenas os atos instrutórios que a lei determinar ficam subordinados ao princípio do contraditório.
Não é assim, no entanto, nos casos em que exista detenção do arguido, nos quais o contraditório constitui exigência ineliminável perante os artigos 27.º, n.º 4, e 28.º, n.º 1, da norma normarum, onde se estabelece a imperatividade constitucional da comunicação ao detido das causas que determinaram a detenção, de modo a conferir-lhe oportunidade de defesa, sendo que este regime acaba por ser essencialmente motivado perante os direitos fundamentais aí afetados.
Essa mesma justificação encontra-se clarificada nos Acórdãos n.os416/2003 e 607/2003 (disponíveis, como todos os adiante referidos em www.tribunalconstitucional.pt) que se debruçaram sobre as garantias dos arguidos durante a fase de inquérito em processo penal, ponderando, principaliter, a matéria do interrogatório judicial de arguido detido, tomando em consideração o disposto no artigo 141.º, n.º 4, do CPP.
No primeiro, o Tribunal julgou «inconstitucional, por violação dos artigos 28º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da CRP, a norma do n.º 4 do artigo 141º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que, no decurso do interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” pode consistir na formulação de perguntas gerais e abstratas, sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que ocorreram os factos que integram a prática desses crimes, nem comunicação ao arguido dos elementos de prova que sustentam aquelas imputações e na ausência da apreciação em concreto da existência de inconveniente grave naquela concretização e na comunicação dos específicos elementos probatórios em causa».
Idêntico juízo foi formulado no Acórdão n.º 607/2003 quanto à norma «extraída dos arts. 141º, n.º 4, e 194º, n.º 3, do CPP, segundo a qual, no decurso de interrogatório de arguido detido, a “exposição dos factos que lhe são imputados” e dos “motivos da detenção” se basta com a indicação genérica ao arguido do que é acusado (da prática de relações sexuais), do momento temporal dos factos (de 1998 a 2003), da identidade das vítimas como alunos, à data, da B. e outros, mas todos menores de 16 anos, estando o tribunal dispensado, por inutilidade, de proceder a maior pormenorização além da que resulta da indicação feita em tais termos quando o arguido confrontado com ela tome a posição de negar os factos».
Em ambos os arestos estava essencialmente em causa o conteúdo do interrogatório quanto à comunicação ao arguido dos factos subjacentes à detenção e dos elementos indiciadores dos factos imputados ao arguido, tendo o Tribunal sancionado que a exposição dessa factualidade assumisse “um grau de generalidade demasiado extensa, difusa e imprecisa” sem concretização das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, por tal determinar uma impossibilidade do arguido de exercer o seu direito de defesa e de contraditar os factos constantes do processo e que determinaram a detenção do arguido e, na sequência, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, tendo em conta não apenas o parâmetro constante do n.º 1 do artigo 32.º da norma normarum, mas também a injunção constitucional de que a detenção seja “submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”, como resulta do artigo 28.º, n.º 1, da Constituição.
No caso sub judicio, cumpre salientar que a questão decidenda se distancia, na sua essência, das que foram consideradas nos arestos citados, sendo patente a assimetria normativa entre o objeto do presente recurso de constitucionalidade e os referidos critérios normativos sindicados e sancionados por este Tribunal, porquanto e em bom rigor, o recorrente não contesta a suficiência dos factos que lhe foram comunicados em aplicação do disposto no artigo 141.º, n.º 4, do CPP, para sobre eles poder defender-se perante a detenção e a aplicação da medida de coação, mas sim a possibilidade de, na acusação do Ministério Público, serem incluídos factos concretos com os quais o arguido não foi confrontado durante o inquérito.
9. A lei adjetiva penal inclui o interrogatório no âmbito do inquérito como um momento obrigatório, independentemente da detenção do arguido, permitindo, assim que o arguido, ainda nessa fase, seja confrontado com factos e elementos colhidos no âmbito da investigação relevantes para a decisão de acusação ou de arquivamento do inquérito, para que sobre eles possa pronunciar-se, em conformidade, necessariamente, com o princípio constitucional consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição.
Existindo detenção do arguido, a exigência constitucional, ao nível das garantias de defesa, é bem mais rigorista, porquanto impõe, desde logo, a apresentação do detido à autoridade judicial competente para que este seja interrogado como arguido, interrogatório esse que visa reduzir ao mínimo possível os riscos de uma privação ilegal de liberdade, exigindo-se, logo nesse momento, a obtenção de um juízo judicial sobre a legalidade/ilegalidade da detenção e a definição da situação processual futura do arguido – artigos27.º, n.º 4, 28.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição.
(…)
Ainda assim, mesmo neste âmbito, não será exigível que ao arguido seja dado um conhecimento total e irrestrito dos factos previamente recolhidos e dos respetivos meios de prova, devendo ponderar-se concretamente se a divulgação dos factos em causa é, ou não, passível de afetar gravemente a investigação e impossibilitar a descoberta da verdade material ou de criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime.
Como se compreenderá, a realização deste “primeiro” interrogatório -ou de outros, submetidos ao mesmo regime (cf. Fábio Loureiro, “O primeiro interrogatório judicial do arguido detido”, em Prova Criminal e Direito de Defesa - Estudos sobre teoria da prova e garantias de defesa em processo penal, Coimbra, 2011, p. 73) - não preclude que outros sejam realizados ainda no âmbito do inquérito, como se prevê no artigo 144.º do CPP, os quais, no entanto, por não terem a mesma funcionalidade constitucional e não se destinarem à defesa de uma privação de liberdade, não gozam do mesmo regime garantístico, não existindo, v.g., obrigatoriedade quanto à sua realização, nem definição de momento em que tal deva ocorrer.
Desde logo, não é constitucionalmente imposto que o arguido seja ouvido sempre que um novo facto ou elemento probatório seja incorporado no inquérito ou que tenha de existir um interrogatório no encerramento do inquérito que, a título de “audiência pré-final” (cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 4.ª edição, Lisboa, 2007, p. 733), dê previamente a conhecer ao arguido todo o conteúdo fáctico da acusação.
Obviamente que, no âmbito de uma estrutura acusatória e numa fase em que o arguido detém alguns direitos de intervenção/participação processual (cf. artigo 61.º, n.º 1 do CPP), quanto mais alargado for o conhecimento que este detiver dos factos e meios de prova já existentes, melhor poderá defender-se, exercer os seus direitos processuais e, inclusivamente, contribuir para a descoberta da verdade material, fazendo uso do direito de intervir no inquérito através quer do oferecimento de provas quer do requerimento de diligências que se lhe afigurem necessárias (cf. artigo 61.º, n.º 1, alínea g) do CPP).
Todavia, se é certo que da Constituição não resulta a exigibilidade do conhecimento preciso de todos os factos que venham a ser inseridos na acusação e em momento anterior à formulação desta, não é menos certo que, no pleno respeito das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, tal conhecimento não poderá nunca ficar aquém dos factos essenciais a verter ou vertidos em tal peça processual (acusação), sob pena de violação das enunciadas garantias.
De qualquer modo, refira-se, ainda, que, tendo em conta o desenho do processo penal recortado no nosso sistema jurídico, não pode deixar de considerar-se a acusação como constituindo ainda um momento de instrução (conquanto inserida no seu encerramento) e a sua notificação ao arguido como consubstanciando também a sua audição sobre os factos da mesma, até porque este, no exercício dos seus direitos de defesa e de contraditório, pode sempre lançar mão do pedido de instrução e de audição sobre a factualidade sobre a qual, porventura, não tenha já sido ouvido.
Ter-se-á, assim, como acabou de dizer-se, que o processo penal prevê igualmente a existência de uma fase prévia ao julgamento em que o arguido, perante prévio conhecimento de todos os factos e meios de prova constantes da acusação, pode exercer na plenitude o seu direito de defesa, sem os constrangimentos impostos durante a fase do inquérito, sendo-lhe possibilitado, entre o mais, o pleno contraditório quanto aos factos pelos quais se encontra acusado e a produção de provas indiciárias complementares, e, consequentemente, ver até afastada a fase de julgamento, momento este que não pode deixar de ser considerado gravoso para o arguido, ao que tudo não será estranho, naturalmente, o princípio de presunção de inocência de que o mesmo beneficia, princípio este consagrado no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição.
Num tal quadro normativo, não se vê que saiam postergados os direitos de defesa do arguido, quando se não verifique, por parte deste, um conhecimento prévio à formulação da acusação de todos os factos que nela venham a ser inseridos, desde que naquele conhecimento venham a ser incluídos os factos essenciais que daquela venham a constar.
Não existe, em suma, no caso sub judicio, qualquer lesão do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.»
Ora, não havendo razões para discordar do teor e sentido da fundamentação vertida no supra citado acórdão e correspondendo a questão normativa agora apreciada integralmente à que foi por aquele decidida, ao abrigo do artigo 78º-A da LTC, não se julga inconstitucional a primeira interpretação normativa, procedendo-se a uma remissão para a fundamentação mais extensa constante do Acórdão n.º 72/2012.
4. Quanto à segunda interpretação normativa, comprova-se que a decisão recorrida não a adotou, nos exatos e precisos termos em que o recorrente a fixou como objeto do presente recurso. Com efeito, ali se pode ler:
«Flui da análise global da sobredita argumentação que, além do efetivo tratamento daquilo que importava apreciar, ali se dissecou, com o pormenor que a situação reclamava, a prova sindicada, a qual, decorre do decidido, comprometeu naturalmente a factualidade que constava da acusação, pelo que não existiu omissão alguma.” (fls. 12503-verso)
E, mais adiante, após afirmar que o tribunal de recurso não beneficia da mesma proximidade à prova produzida em audiência de discussão e de julgamento, não deixou, contudo, de realçar que:
«(…) Claro está que tal não significa que, e embora dentro deste específico contexto, não possa e firmar-se convicção diversa, devidamente fundamentada, quando esse for o caso, ou seja, quando a prova reapreciada o impuser, o que, reitere-se, não sucedia “in casu”.» (fls. 12504))
Daqui decorre que a decisão recorrida não aplicou efetivamente a segunda interpretação normativa, pois nunca afirmou que não teria “de ponderar, especificadamente, a matéria de facto impugnada e os argumentos invocados” (fls. 12550). Assim sendo, mais não resta do que rejeitar conhecer do objeto do presente recurso, quanto a esta segunda parte.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional “a interpretação da dimensão normativa feita na decisão recorrida dos artigos 58º, 120º nº 2, alínea d), 141º nº 4, alínea c), 144º, 262º, 272º e 283º todos do CPP, no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido , no seu interrogatório de inquérito, interrogatório obrigatório, com todos os factos concretos constitutivos de crimes, que venham a ser inseridos no despacho de acusação que contra si foi deduzido” (fls. 12549);
b) Não conhecer do objeto do recurso, quanto à “interpretação efetuada dos artigos 127º e 412º nº 3 e 4, ambos do CPP, no sentido de que tendo sido impugnada determinada matéria de facto, nos termos deste último normativo, a 2ª instância não tem de ponderar, especificadamente, a matéria de facto impugnada e os argumentos invocados, por não dispor da imediação e da oralidade” (fls. 12550);
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação, cujos termos ora se sintetizam:
«(…)
2. O recorrente, como se viu, reclama o direito do arguido a ser confrontado, em inquérito, com todos os factos concretos constitutivos de crimes, que venham a ser inseridos no despacho de acusação.
3. Não com quaisquer factos, mas com todos os factos concretos que sejam constitutivos de crimes, que venham a ser inseridos no despacho de acusação.
4. É que o inquérito destina-se a investigar a existência de um crime (artigo 262º nº 1 do CPP), que obviamente é um facto humano concreto subsumível a determinada norma de natureza penal.
5. A lei ordinária aplicável aos interrogatórios dos arguidos, o artigo 141º do CPP, na redação vigente na sequência da Lei nº 48/2007, de 29 de agosto, diz, de modo explícito, que no interrogatório de arguido, ato processual obrigatório (artigo 272º nº 1 do CPP) o arguido é informado «… Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo lugar e modo…»
6. No caso especifico do ora recorrente, o mesmo foi confrontado, em inquérito, com cinco factos concretos, passíveis de serem considerados crime, com indicação das suas circunstâncias de tempo, lugar e modo, mas foi acusado por esses cinco factos concretos e… MAIS QUINZE (!!!), NÃO SÓ COMPLETAMENTE DISTINTOS, COMO COMPLETAMENTE DIFERENTES NAS SUAS CIRCUNTÂNCIAS DE TEMPO, MODO E LUGAR.
7. Quer dizer que tendo sido interrogado, como era obrigatório, nessa altura foi confrontado com ¼ dos factos que foram levados à acusação. Dos restantes quinze, até à acusação, não sabia RIGOROSAMENTE nada. Pura e simplesmente tinham-lhos escondido.
8. Naturalmente que se não foi confrontado com os factos concretos, subsumíveis a normas penais, NÃO TEVE QUALQUER HIPÓTESE DE SE DEFENDER RELATIVAMENTE AOS MESMOS. Quanto a esses QUINZE o Mº Pº acusou de arbítrio puro. Apeteceu-lhe acusar sem ter dado QUALQUER HIPÓTESE DE DEFESA.
9. Nada lhe foi dito.
10. Dizer numa situação de facto deste tipo que ao recorrente foi dado conhecimento dos factos essenciais vertidos na acusação não pode ser levado a sério. É que não teve conhecimento nem dos ACIDCENTAIS quanto mais dos ESSENCIAIS. NÃO TEVE CONHECIMENTO DE NADA.
11. Não teve, pois, qualquer hipótese de defesa!» (fls. 12618)
(…)
«2. De folhas 12.501 a 12.503/V resulta que o Tribunal da Relação manteve a sua perspetiva e não ponderou, como lhe fora solicitado, especificadamente, a matéria de facto questionada e os argumentos invocados tecendo, antes, considerações sobre os seus limites a esse conhecimento.
3. Como se considera combinado um acidente se nem sequer se consegue demonstrar que as pessoas se conheciam? Como se entende o depoimento da testemunha Alice « .... Dei-me como culpada .... não ia imaginar que iam provocar .... se é que provocaram .... ». O que infirma as conclusões das companhias de seguros quanto ao modo do acidente e suas consequências?
4. Efetivamente, se Da verdade, Dão afirmou, de modo explícito, que a 2ª instância não tem de ponderar, especificadamente, a matéria de facto impugnada e os argumentos invocados, a realidade é que o fez.
5. Fugiu da livre apreciação da prova, pela 2ª Instância, não ponderando, especificadamente, nem a factualidade impugnada, nem argumentos invocados,
6. E di-lo de modo expresso: Não se vislumbra que a prova produzida e examinada normente na veste aqui salientada pelo recorrente, permitisse, e muito menos impusesse, a pretendida alteração factual, ou qualquer outra, restando concluir que está aqui apenas em causa a mera discordância da convicção do tribunal, que não um visionável erro de julgamento. Estamos, por isso, no exclusivo e não invasivo domínio da livre apreciação da prova, cujas vertentes da oralidade e imediação são inquestionavelmente insupríveis.» (fls. 12621)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
«(…)
2º
A primeira questão de inconstitucionalidade que o recorrente identifica no requerimento, é a seguinte:
“[D]a interpretação da dimensão normativa feita na decisão recorrida dos artigos 58º, 120º nº 2, alínea d), 141º nº 4, alínea c), 144º, 262º, 272º e 283º todos do CPP, no sentido de que não constitui nulidade, por insuficiência de inquérito, o não confronto do arguido, no seu interrogatório de inquérito, interrogatório obrigatório, com todos os factos concretos constitutivos de crimes, que venham a ser inseridos no despacho de acusação que contra si foi deduzido” (fls. 12549);
3º
Ora, a dimensão normativa questionada, cuja inconstitucionalidade constitui objeto do recurso, corresponde integralmente àquela que o Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.º 72/2012, não julgou inconstitucional.
4º
Concordando a Exm.ª Senhora Conselheira com tal juízo e não vindo invocados quaisquer novos argumentos que justificassem sequer uma reapreciação da questão, remeteu-se, na douta Decisão Sumária, para aquele aresto.
5.º
Na reclamação agora apresentada, continua a não se vislumbrar nada de inovador em relação ao que consta do Acórdão.
6.º
Efetivamente, quer o número de crimes que constam da acusação, quer os exatos e concretos contornos que rodearam o confronto, ou não confronto, do arguido com os factos, são matérias que, ou são irrelevantes face à fundamentação que consta do Acórdão nº 72/2012, ou caem fora da competência do Tribunal Constitucional, por ausência de normatividade.
7.º
Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade, como muito bem se demonstra na douta Decisão Sumária, a dimensão normativa expressamente aplicada como ratio decidendi não corresponde integralmente àquela que vem definida no requerimento de interposição do recurso como objeto do mesmo.
8.º
O afirmado agora na reclamação em nada abala os fundamentos da decisão reclamada.
9.º
Na verdade, o recorrente dá-nos a conhecer aquilo que para ele serão erros de julgamento da matéria de facto cometidos na 1.ª instância e que a Relação não ponderou como devia.
10.º
Ora, ao Tribunal Constitucional apenas cabe aceitar a interpretação acolhida no acórdão recorrido, não tendo competência para, face às concretas circunstâncias do caso, sindicar a forma como a lei ordinária foi aplicada.
11.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
4. Por sua vez, igualmente notificados, os demais recorridos deixaram esgotar o prazo de resposta.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Quanto à primeira questão de inconstitucionalidade normativa, o reclamante não acrescenta qualquer argumento que permita contrariar o sentido da jurisprudência deste Tribunal – em especial, o Acórdão n.º 72/2012 –, que já tomou posição no sentido da sua não inconstitucionalidade, antes se limitando a reiterar, de modo genérico, que teria sido privado do exercício pleno do seu direito de defesa. O reclamante limita-se a questionar o modo como foi aplicado o critério normativo em causa, não competindo a este Tribunal proceder a este controlo. Assim sendo, confirma-se apenas a decisão reclamada, quanto àquele ponto, mediante nova remissão para a fundamentação mais exaustiva constante do referido Acórdão n.º 72/2012.
Quanto à segunda questão de inconstitucionalidade normativa, o reclamante reitera uma estratégia de crítica quanto à concreta apreciação da prova que foi feita pelas instâncias recorridas. Contudo, não logra afastar a evidência de que o objeto do presente recurso (quanto a esta parte) não corresponde, de modo algum, à interpretação efetivamente aplicada pela decisão recorrida, conforme bem se demonstra pelas transcrições já feitas pela decisão ora reclamada.
Assim sendo, confirma-se igualmente a decisão de não conhecimento do objeto do recurso, quanto à segunda questão de inconstitucionalidade normativa.
III – Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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