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Processo n.º 155/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Por decisão da 1.ª instância o arguido A. foi condenado pela prática dos seguintes crimes:
- um crime de burla, previsto e punível pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- um crime de falsificação de documento, previsto e punível pelo artigo 256º, n.ºs 1, alíneas b) e d), e 3, do Código Penal, na pena 2 anos e 6 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico destas penas parcelares foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 9 de maio de 2012, negou provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo a decisão da 1.ª instância, corrigindo apenas o lapso de escrita da decisão recorrida, nos termos do artigo 380.º, n.ºs 1, alínea h), e 2, do Código de Processo Penal: onde está escrito «as anteriores condenações do arguido», passa a constar «a ausência de antecedentes criminais do arguido».
Inconformado, o arguido A., interpôs recurso desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
O recurso não foi admitido por despacho do Desembargador Relator de 7 de novembro de 2011, nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
O arguido reclamou desta decisão para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tendo o Vice-Presidente deste Tribunal indeferido a reclamação, por despacho proferido em 29 de janeiro de 2013.
O arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, arguindo a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
Por decisão sumária proferida em 12 de março de 2013, não se julgou inconstitucional a norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, e consequentemente, negou-se provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
“O Tribunal Constitucional já se pronunciou em numerosas decisões sobre a questão colocada no presente recurso, tendo sempre emitido um juízo de não inconstitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, f), do Código de Processo Penal, na versão dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto (v.g. os Acórdãos n.º645/2009, 649/2009, 174/2010, 276/2010, 277/2010, 308/2010, 359/2010, 213/2011, 215/2011, 643/2011, 51/2012, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Não havendo razões para alterar esta posição deve ser proferida decisão sumária nesse sentido, com remissão para a fundamentação desses arestos, nos termos permitidos pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.”
O Recorrente apresentou reclamação desta decisão com as seguintes conclusões:
1 – É um facto que o artigo 400º nº 1 alínea f) do CPP é inconstitucional, porque viola entre outras normas, o princípio da igualdade artigo 13º da CRP, já que impede que os cidadãos tenham a “mesma dignidade social” e sejam “iguais perante a lei” e, o artigo 32º nº 1, porque não garante “todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” e, o trânsito em julgado é atingido por uns e por outros, em função do crime ou da com que foram punidos, sem respeito pela igualdade de se defender na sua plenitude - artº 32º nº 2 da CRP.
2 – “Não é admissível recurso”: alínea f) do preceito acima referido, “dos acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
3 - É um facto que o artigo 400º nº 1 alínea f) do CPP é inconstitucional, porque não respeita, nem dá garantias de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e, como tal, viola as regras do Estado de Direito.
4 - Porque não garante “todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” e, o trânsito em julgado é atingido por uns e por outros, consoante o crime porque foram condenados e obterem uma decisão condenatória, sem as mesmas hipóteses de recurso artº 32º nº 2 da CRP. É desigual até perante os sujeitos processuais. Exemplo o princípio de proibição reformatio in pejus.
5 – Impõe para admitir recurso para o STJ, conceitos, com o da conformidade e da dupla jurisdição, que não têm dignidade constitucional, que apenas derivam do poder de conformação atribuído ao legislador, que denotando pouca sensibilidade pela humanização e dignificação da legislação, apenas se preocupa com princípios, porventura legítimos, mas com preocupação de celeridade e, pretensão de organização-simples demagogia, que a experiência tem demonstrado inútil. Porquê então continuar a respeitar uma lei que nada de útil, antes pelo contrário traz à sociedade e à Justiça, em clara violação do nº 3 do artigo 3º da CRP?
6 – Uma norma para a qual “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, são restringidos pelo legislador, fora dos casos expressamente previstos na Constituição e, que representa uma restrição dos direitos, liberdades e garantias, ...” que vão muito para lá do limite e do necessário ... “sem ser para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. A “dupla conforme” e o “princípio da dupla jurisdição”, merecem em algum momento ser salvaguardados, quando é a liberdade de uma pessoa, um dos direitos supremos e sua defesa que estão a ser postos em causa. Pelo que consubstancia uma clara violação do artigo 18º nºs l e 2 da CRP.
7 – Quando não assegura, ao impor condições que não estão ao dispor de todos, ou porque o crime praticado ou porque foi condenado é menos grave e com menos impacto social, daí, com menor moldura penal, A todos, em igualdade, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo ser denegada a justiça...”, não só por condições económicas, mas por razões de igualdade e de obter desta forma, uma decisão do poder judicial. O artigo 400º nº 1 alínea f) do CPP, viola o disposto no nº 1 do artigo 20º da CRP.
8 – Porque não assegura as garantias do processo criminal – artigo 32º, nº 1, pelo qual a todos é assegurado “... todas as defesas, incluindo o recurso” uma norma que não exige nem “um duplo nem um triplo grau de jurisdição”, mas sim, a defesa total e na sua plenitude. A interpretação do espírito do legislador, não se faz unicamente a partir da letra da lei, à qual o legislador não se deve cingir (embora seja verdade que tem que haver um mínimo de correspondência) ... “mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada” – artigo 9º nº 1 e 2 do Código Civil e 4º do CPP.
9 - Igualdade que é violada também pelo artigo 400º nº 1 alínea f), “já que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação...” - artigo 32º nº 2, porque por força dos pressupostos exigidos, uns vêm aquela presunção ou até a inocência, com condições, com chances diferentes, quer em número, quer em qualidade.
10 - Sobre uma administração da Justiça não em nome do povo, sem transparência, que se faz com uma decisão sumária, estando prevista na lei, não permite, uma fundamentação e até uma decisão justa, porque assenta, num outro caso e não no caso, que desconhece, não quer conhecer e, que é, indubitavelmente, diferente – artigo 202º nº 1 e 205º da CRP.
11- A Douta Decisão sumária foi proferida sem uma análise critica, assumindo um critério dogmático que não permitiu, aferir se o artigo 400º, nº 1 alínea f) do CPP, mais uma vez usado para legitimar aquela Decisão Sumária, é constitucional ou inconstitucional, ou seja, na opinião do recorrente, da Douta Decisão, resultou aplicação de uma norma inconstitucional.
12 - Quando o Tribunal Constitucional emite uma decisão sumária, com o argumento de que já há uma ou várias decisões desse tribunal, mesmo quando o argumento é legal, está a fazer-se um julgamento baseado na quantidade, a decidir-se sem conhecer e, impedindo que se faça justiça e se obtenha uma decisão em que a verdade material deixa de ser um fim.
13 - Apenas se sindica a constitucionalidade sem um procedimento, a única maneira de se atingir aquele desiderato. Um processo penal é a Constituição em movimento e resulta a violação do nº 1 do artigo 20º da CRP, e dos princípios básicos de um Estado de Direito Democrático e do princípio da legalidade, ou seja, a violação dos artigos 2º e 3º da CRP.
14 – O Tribunal Constitucional, agindo desta forma, não corre o risco de mudar de opinião, nem que tal seja benéfico para a Justiça e consequentemente, para a sociedade.
15 - O que se pretende com a presente reclamação, como já se fez no recurso deduzido e julgado não inconstitucional, é a sindicância do artigo 400º n.º 1 alínea f) do CPP e, da sua conformidade com a CRP. Pretende-se com o presente recurso, infirmar a Douta Decisão no seu conteúdo ou, falta dele.
16 – O que se pretende infirmar com o presente recurso é a Douta decisão, que já e em vez de usar o artigo que aqui se pretende sindicar, em termos de (in)constitucionalidade e, obter uma decisão que declare aquele artigo 400º nº alínea f) do CPP inconstitucional, ou como prefere o TC não constitucional, isto é, em total desconformidade com a CRP, por violação dos seguintes artigos: 2º, 3º, 9º alínea b), 12º, 13º, 18º 1 e 2 20º nºs. 1 e 2, 32º nºs. 1 e 2, 202º, nº 1 e 205º, artigos que foram alegados ao longo do processo e em especial, na reclamação para o Exmo. Senhor Presidente do STJ e no recurso para o TC.
17 - Pois assim estará a contribuir para uma sociedade que esteja de acordo com o Estado de Direito Democrático, com o principio da legalidade quer rege aquele tipo de estado como é o Português e assim, estará a fazer JUSTICA, prevista na Constituição da República Portuguesa, que o legislador ordinário, usando, com a desculpa de conformação, de celeridade e de organização, vai violando, de forma ilegítima, já que não foi eleito com poderes constituintes, nem para os usar, como mera desculpa. Está destituído para restringir de forma desnecessária e sem justificação com dignidade constitucional, as garantias que a lei fundamental prevê e garante.
18 - Este desiderato não se alcança com decisões sumárias que sendo legais, mais não são que uma aberração, para qualquer Estado Democrático, onde alguém deve obter uma decisão fundamentada, aliás, o que distingue um Estado Democrático de um estado totalitário, onde as pessoas, são meros instrumentos ao serviço de órgãos de poder, como são os tribunais. Não é esse o objetivo, concerteza do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, que pretende fazer que os tribunais julguem, não aplicando a lei, sem aferir da sua constitucionalidade. Por isso deve evitar as Decisões Sumárias.
19 - A Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal. – Ac. do Tribunal Constitucional, nº 49/2003
20 - É importante ter presente que a legislação Portuguesa sempre se pautou pela humanização e dignificação da pessoa humana e, não por critérios meramente organizativos e de celeridade, que visam esvaziar os tribunais.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
O Recorrente pediu que o Tribunal Constitucional procedesse à fiscalização de constitucionalidade da norma constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
O Tribunal Constitucional já procedeu por diversas vezes à verificação da constitucionalidade desta norma, tendo sempre concluído pela sua não inconstitucionalidade, conforme resulta da leitura dos arestos citados na decisão reclamada.
Os argumentos invocados pelo Recorrente que já foram ponderados nas anteriores pronúncias do Tribunal Constitucional não são suscetíveis de determinar uma alteração da posição do Tribunal, devendo a mesma manter-se, pelo que se revelou inteiramente justificada a prolação de decisão sumária, nos termos permitidos pelo artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC, atenta a existência de jurisprudência consolidada sobre a questão.
A utilização deste tipo de decisão, em que se remete para a fundamentação de anteriores decisões que procederam à fiscalização da mesma norma, não fere qualquer parâmetro constitucional, designadamente o disposto nos artigos 2.º, 20.º, 205.º, n.º 1, e 280.º, da Constituição, uma vez que a questão de constitucionalidade normativa colocada pelo Recorrente ao Tribunal Constitucional foi apreciada e objeto de julgamento, resultando os seus fundamentos da remissão para outras decisões em que a mesma questão foi conhecida.
Conforme se escreveu no Acórdão n.º 550/99 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), sustentando-se a constitucionalidade desta figura processual: “perante o cada vez maior número de processos no Tribunal Constitucional, o legislador ordinário, sem descurar a necessidade de assegurar uma tutela plena dos direitos dos recorrentes, criou a figura da decisão sumária, para acelerar o processo decisório de determinadas questões. Pode e deve ser proferida decisão sumária relativamente a questões caracterizadas pela sua simplicidade, nesse grupo se incluindo, “designadamente”, aquelas que já tiverem sido objeto de julgamento anterior pelo Tribunal Constitucional (cfr. artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional) … Prossegue-se, assim, o objetivo da mais célere administração da justiça, em função da menor complexidade do caso, sem esquecer as garantias de defesa das partes.”
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada.
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Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
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Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os elementos referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 10 de maio de 2013.- João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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