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Processo n.º 34/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 3 de dezembro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 105/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Mais se exigindo que a suscitação tenha ocorrido de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Nos presentes autos não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada de qualquer questão de constitucionalidade reportada ao artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal. O recorrente questionou determinada interpretação deste preceito legal à luz do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, mas não a identificou. E tal obsta ao conhecimento do objeto do presente recurso, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC). É entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode questionar determinada interpretação de um preceito legal, mas neste caso tem de a identificar perante o tribunal recorrido, sob pena de não se poder considerar cumprido o ónus da suscitação prévia e de forma adequada da questão de constitucionalidade».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«1.- A decisão de que se reclama entendeu que o arguido não suscitou a questão da inconstitucionalidade durante o processo, ou pelo menos, que não o fez de forma processualmente adequada.
2.- Antecedendo essas decisão, a Ex.ma Juíza Conselheira Relatora cita alguns excertos da motivação de recurso do arguido para o Tribunal da Relação do Porto.
3.- O primeiro excerto que é citado começa por dizer “E por maioria de razão nos parece violento e violador…”, inculcando desde logo que esta frase vem na sequência de outra ou outras.
4.- E de facto, nos números antecedentes ao número 32, da motivação de recurso (o tal primeiro excerto citado pela Douta Decisão reclamanda), o arguido desenvolve os argumentos no sentido de procurar demonstrar qual a interpretação que atribui ao Tribunal recorrido relativamente ao preceito constitucional em causa:
“25. - Se não temos dúvidas que, lendo agora a decisão, competiria ao arguido comprovar que frequentava as aulas cuja finalidade seriam a obtenção da carta e que numa interpretação literal poderia levar ao extremo de ter de demonstrar que tinha chumbado no exame de condução e por isso não obtivera a respetiva licença, não podemos olvidar:
a) o referido enquadramento da leitura e explicação – mal interpretada – da sentença (enfermada pelo que se passar no julgamento)
b) do momento que foram frequentadas as aulas – em momento posterior à prática dos factos, depois da dedução da acusação e - na pior interpretação para o arguido - até ao dia do julgamento apenas
c) da data da emissão da declaração da escola de condução e do seu teor
d) do momento da apresentação em juízo dessa declaração
e) a finalidade da condição imposta pelo Tribunal – compelir alguém que foi apanhado a conduzir sem carta a frequentar uma escola de condução no sentido de vir obter a respetiva licença
f) o desvalor da ação do arguido que efetivamente se matriculou numa escola e frequentou algumas aulas.
26.- Tendo tudo isto em conta parece-nos excessivo considerar que houve grosseira ou repetida violação das regras de conduta impostas ao arguido, sendo de referir que para esse efeito nos parece irrelevante a sua condenável e irritante conduta posterior no que concerne à sua ausência injustificada para prestar esclarecimentos porquanto tal atuação (ou omissão) tem consequências próprias.
27.- Os factos que constam dos autos são suficientes para aferir a conformidade do arguido com as regras que lhe foram impostas e a sua falta de colaboração apenas o poderá prejudicar pela falta de elementos que eventualmente atenuem ainda mais a sua conduta ou que mesmo contradigam os factos que lhe são imputados mas nunca, a nosso ver, poderão ser integrados como fazendo parte das regras de conduta que a condição de suspensão contém.
28.- Por outro lado não pode colocar-se o rótulo de grosseira infração de regras de conduta do mesmo modo a um arguido que efetivamente nada faça – nem se inscreva em aulas de condução, seja antes ou depois da sentença, que não venha aos autos trazer qualquer comprovativo de que mal ou bem procurou cumprir o que entendeu ser a sua obrigação - e a dos presentes autos.
29.- É que aqui alguma coisa de positiva – no sentido de por um lado procurar adequar a sua conduta à legalidade requerida quando praticou os factos que lhe valeram a condenação e por outro de demonstrar efetivo respeito pelo Tribunal – se pode descortinar na conduta do arguido.
30.- A reprovável omissão/falta de colaboração do arguido referida na douta promoção não pode ser uma acha para esta fogueira pois respeita apenas a regras de conduta processuais!
31.- Assim, sendo, mesmo entendendo-se que houve infração das regras de conduta a que estava adstrito, não nos parece que o fosse de modo repetido e muito menos – com o enquadramento esmiuçado – de um modo grosseiro!”
5. - E mais adiante se complementa:
48.- Se no caso dos autos consideramos reiterada e grosseira a violação por parte do arguido dos deveres impostos pela condição de suspensão – tendo este junto documento que reputava de suficiente para a satisfação daquela condição, onde na sequência não de uma mas de 16 aulas teóricas se comprova que frequentava com assiduidade uma escola de condução, mas tendo faltado injustificadamente à diligência para o qual fora convocado e por esse motivo tendo-lhe sido aplicada a correspondente multa – que dizer de situações de completa inação por parte do agente?
49. - O arguido poderia não ter frequentado qualquer aula, poderia apenas ter frequentado uma ou duas para obter um atestado de frequência, poderia ter frequentado as aulas mas sem se preocupar em demonstrar ao Tribunal que procurava cumprir a condição que lhe era imposta mas não se limitou a qualquer desses comportamentos, sendo ainda assim duvidoso que todos eles preenchessem o requisito de reiterada e grosseira violação ...!
50. - Em suma, a revogação da suspensão da execução da pena pela prática de crime terá que ter na sua base causas que deverão perfilar indiciariamente o fracasso, em definitivo, da prognose inicial que determinou a sua aplicação, a infirmação, certa, da esperança de, por meio daquela, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade.” (in Ac. TRLisboa de 16 de janeiro de 2006, in www.pglisboa.pt).
6.- A síntese que foi efetuada no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, procurando respeitar as exigências normativas àquele atinentes, não contém nenhuma informação, dado ou argumento que não conste dos autos e que por isso não pudesse ser apreciado pelo Tribunal Recorrido.
7.- Salvo o devido respeito, e face aos normativos em causa (art.ºs 56.º1 a) e b) do CPP e 18.º/2 da CRP), às referências ao “princípio da proporcionalidade” e “desproporcionada retribuição” que se fazem e, finalmente, ao elenco de factos que sustentam a discordância pela solução preconizada, parece-nos que, quando muito por excesso (mas nunca por defeito), terá ficado bem explícito o sentido em que se considera ter a decisão violado o preceito constitucional.
8.- Admitindo que a redação possa não ser a mais feliz ou até a que mais se adeque do ponto de vista estético – o que não impede este Tribunal de se debruçar sobre a argumentação e de modo algum a elas ficaria vinculado – resulta suficientemente exposto o sentido ou qual a interpretação que se considera violadora do invocado preceito constitucional:
a) tendo o arguido sido condenado na pena de 11 (onze) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a condição de comprovar a frequência das aulas de condução necessárias à sua habilitação legal com carta de condução,
b) tendo junto aos autos uma declaração emitida por uma escola de condução a qual comprovava que na data da respetiva emissão o arguido frequentava assiduamente as aulas “para a obtenção da carta de condução da categoria B”,
c) escola essa que posteriormente veio a precisar que as aulas cuja assiduidade atestara correspondiam a um total de 16 (dezasseis) – totalmente desconhecidas nos autos – mas tendo a última das mesmas ocorrido precisamente no dia da leitura da mencionada sentença e que entretanto por ausência do arguido a licença de condução expirara,
d) tendo por fim sido o arguido notificado para comparecer ao Tribunal a fim de justificar o incumprimento dos deveres que lhe impunham a condição de suspensão da pena de prisão de que beneficiava, e
e) tendo faltado à diligência, sem justificar tal falta,
não pode consubstanciar uma violação grosseira ou repetida daqueles deveres, pelo que a consequente revogação da suspensão da pena, se traduz numa decisão inconstitucional porque limita os direitos liberdades e garantias do arguido, mais do que o necessário para a salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos!
TERMOS em que e nos mais de direito deverá a presente reclamação proceder, seguindo-se os demais trâmites, como é, formal e materialmente, de JUSTIÇA!».
4. Notificado, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 105/2013, não se conheceu do objeto do recurso porque o recorrente “durante o processo” não suscitara adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade reportada ao artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal, a norma identificada no requerimento de interposição do recurso.
2.º
Parece-nos evidente a inverificação daquele requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3º
As partes que na Decisão Sumária se transcrevem da motivação do recurso interposto para a Relação – o momento processual adequado – são elucidativas da ausência de normatividade da questão de inconstitucionalidade ali referida pelo recorrente.
4º
Mas vendo o resto dessa motivação, como sustenta o recorrente na reclamação, a conclusão a que se chega não é diferente, antes sai reforçada.
5.º
Efetivamente, o recorrente descreve o comportamento que teve durante o período da suspensão e sustentou, diferentemente do que as instâncias entenderam, que ele não consubstanciava uma infração grosseira da obrigação que lhe havia sido fixada na sentença condenatória, como condição de suspensão da execução da pena.
6.º
A discordância situa-se assim ao nível da valoração dos factos e da consequente qualificação do comportamento do recorrente, sendo à sentença que se imputa a violação do princípio constitucional (o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
7.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal recorrido, de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada ao artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal.
Para contrariar o decidido, o reclamante apela a passagens da motivação do recurso para o Tribunal da Relação do Porto que não foram transcritas na decisão reclamada. Só que, nas passagens agora indicadas e reproduzidas, não é, de todo, identificada qualquer interpretação normativa reportada ao artigo 56.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal. O mesmo sucedendo quando seja tida em conta aquela peça processual no seu todo.
Este Tribunal tem vindo a entender, de forma reiterada, que, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido” (Acórdão n.º 106/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). O que, manifestamente, não ocorreu durante o processo, nem tão-pouco sucede na presente reclamação, onde é patente que se pretende, afinal, questionar a decisão judicial que revogou a suspensão da execução da pena de prisão em que o reclamante havia sido condenado.
Há que indeferir, pois, a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.
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