|
Processo n.º 802/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 802/12, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Évora proferido em 18 de outubro de 2012 que indeferiu a reclamação que apresentou do despacho que reteve a subida de recurso de agravo, por si interposto.
2. Por decisão sumária n.º 587/12, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto, nos seguintes termos (transcrição parcial):
“4. Sabido que a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional) e, entendendo-se que, no caso em apreço, o recurso não é admissível, cumpre proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
5. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do “recurso de amparo” contra atos concretos de aplicação do Direito..
Nas palavras do Acórdão nº 138/2006 (acessível, como os demais referidos, em www.tribunalconstitucional.pt), a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto”.
Daí que, quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação normativa, o recorrente tem “o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional” (cfr., por exemplo, o Acórdão nº 21/2006). Com efeito, segundo jurisprudência pacífica deste Tribunal e utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição.”
Por outro lado, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que é pressuposto específico deste tipo de recurso que a questão de inconstitucionalidade haja sido suscitada “durante o processo” e “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer” (n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional), além da efetiva aplicação da norma ou interpretação normativa, em termos de a mesma constituir “ratio decidendi” ou fundamento jurídico da decisão proferida no caso concreto.
6. No caso presente, a questão de inconstitucionalidade formulada dirige-se aos artigos 734.º, n.º 2, 736.º, 740.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos, por violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 a 5 e 202.º, n.º 2, da Constituição, sem que, contudo, em sede de requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, a recorrente tenha identificado, com o mínimo de precisão, a exata interpretação normativa das referidas disposições legais que reputa inconstitucional e que, na sua perspetiva, teria sido aplicada na decisão recorrida.
De facto, a recorrente limita-se a invocar que o “entendimento plasmado no Acórdão, relativamente aos art.ºs 734.º, n.º 2, 736.º, 740.º, n.º 2, alínea b) da redação do CPC na versão em vigor em 2005, revela-se inconstitucional”, sem, em lado algum, precisar qualquer regra abstratamente enunciada e vocacionada para uma aplicação potencialmente genérica extraível das referidas disposições legais e autonomizável da concreta operação subsuntiva feita pelo julgador no caso concreto.
7. Ao invés, da leitura do requerimento de interpretação de recurso, ressalta que a recorrente pretende, verdadeiramente, centrar a sindicância na própria decisão judicial que, apreciando as circunstâncias próprias e específicas do caso concreto, entendeu que a subida diferida do agravo não o torna absolutamente inútil e indeferiu a reclamação apresentada, e não colocar em crise qualquer interpretação assumida pelo tribunal recorrido relativamente aos artigos 734.º, n.º 2, 736.º, 740.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, na redação aplicável aos presentes autos.
Ora, conformando-se o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade como recurso normativo, não cabe ao Tribunal Constitucional controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, ou, sequer, apurar se as normas nela aplicadas correspondem ou não ao melhor Direito.
Pelo exposto, não se mostrando colocada questão de constitucionalidade normativa, por força da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC não se poderá tomar conhecimento do objeto do presente recurso.
8. Acresce que a recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
De facto, a mera referência, no requerimento de reclamação apresentado, à “inconstitucionalidade da interpretação operada aos art.ºs 734.º, n.º 2, 736.º, 740.º, n.º 2, alínea b) da redação do CPC aqui aplicável, no despacho reclamado”, desacompanhada da especificação do segmento normativo retirado dos referidos artigos que a recorrente considera desconforme com princípios ou parâmetros constitucionais, não se apresenta suficiente para colocar o tribunal recorrido perante um dever de decisão de questão de inconstitucionalidade normativa, como, efetivamente, não aconteceu.
Assim, em virtude da ausência da suscitação prévia, imposta pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e pelo n.º 2 do art.º 72.º da LTC, falece igualmente a legitimidade da recorrente.”
3. Inconformada, a recorrente reclama da decisão sumária para a conferência, através de requerimento com o seguinte teor:
“1. Da leitura da Decisão Sumária proferida, alcança-se que o fundamento para não se tomar conhecimento do recurso interposto, resulta de duas ordens de razões: do facto de ter entendido que a Recorrente não enunciou claramente o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, ou seja, 'qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por desse modo, afrontar a Constituição'; e, ainda, por ter entendido não ter a Recorrente suscitado, de tal forma, a questão da apreciação da inconstitucionalidade que 'obrigasse' o tribunal que proferiu a decisão a pronunciar-se sobre tal questão, tendo por isso entendido estarmos perante 'ausência de suscitação prévia',
Contudo,
2. No entendimento da Recorrente, logo na reclamação que dirigiu ao Tribunal da Relação de Évora, encontra-se manifestada a violação das garantias constitucionais, e identificado com que sentido e alcance ocorre a violação das normas e princípios constitucionais aí referidos, como se verá infra.
3. E, nesse sentido, para a Recorrente, em singelo alvitre jurídico, os pressupostos de admissibilidade do Recurso, neste Venerando Tribunal Constitucional, estão verificados.
4. Com efeito, ao Tribunal Constitucional cumpre conhecer os recursos interpostos de decisões dos Tribunais, que apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
5. Ora, em causa está uma Decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Setúbal e posteriormente, decisão tomada em sede de reclamação pelo Tribunal da Relação de Évora.
6. O referido Tribunal da Relação veio corroborar o entendimento do Tribunal de 1.ª Instância que fixou a subida (diferida) e o efeito (meramente devolutivo) do recurso interposto pela recorrente do despacho proferido em audiência de julgamento e que ordenou que a A. procedesse ao depósito da quantia de €139.543,20 no prazo de três semanas (!) que também fixou;
7. e, itere-se, corroborou tal entendimento, apesar do alerta manifesto da Recorrente para o facto de que tal interpretação implicaria aplicação de norma infraconstitucional em sentido violador dos princípios elementares consagrados na Constituição da República Portuguesa, como nas normas constantes dos art.º 20.º, n.ºs 1 a 5 e o art.º 202.º, n.º 2.
8. Porém, no entendimento perfilhado quer pelo tribunal de 1ª instância quer pelo Tribunal da Relação, a retenção do recurso do despacho que determinou o pagamento da quantia de €139.543,20 não o tomaria inútil, como se por mero passe de mágica fosse verdadeiramente possível à Recorrente obter tal quantia (ainda que através de financiamento bancário) no prazo de três semanas, ao arrepio de jurisprudência maioritária a que se aludiu então e que fixam tal obrigação de depósito em fase processual muito posterior àquela que ocorreu nos presentes autos!
9. Ora, além do entendimento atualmente maioritário como se disse sobre o momento processual para realização do depósito do preço (após o trânsito em julgado da Decisão que julgue procedente o pedido de execução específica), nos presentes autos está quesitado qual o valor, a título de sinal, que foi entregue pela A e Recorrente, daí que se tenha interposto oportunamente recurso da Decisão que, sem instruir o processo, permitindo a produção de prova atinente, fixou sem mais qual o valor a depositar.
10. Sendo aplicável o regime de recurso anteriormente vigente à reforma do CPC de 2007 e constituindo os autos em causa processo intentado em 2005, o recurso interposto do Despacho que fixou a obrigação de prestar depósito deveria ter sido processado como recurso de agravo (art.ºs 733.º e 691.º, n.º 1 a contrario sensu do CPC), subindo de imediato (art.º 734.º, n.º 2 do CPC), já que a sua retenção o tomaria absolutamente inútil, na medida em que se prende com questão essencial para que o processo prossiga, e, com efeito suspensivo (740º, nº 1 do CPC).
11. Ademais, acresce que o efeito suspensivo de tal recurso sempre haveria de decorrer do disposto no art.º 740.º, n.º 2, alínea b) do CPC.
12. Por conseguinte, quer o despacho proferido pelo Tribunal Judicial de Setúbal, quando admitiu o recurso, quer o Acórdão da Relação de Évora proferido em sede de reclamação nos termos e para os efeitos do art.º 688º do C.P.C., manifestamente interpretaram e aplicaram de forma anticonstitucional as normas dos artsº 734º e 740º do CPC, quando fizeram interpretação do nº 2 do artº 734, à contrario, no sentido que não existira qualquer inutilidade no caso com a retenção da subida e ainda quando aplicaram, à contrario, as disposições contidas quer no nº 1 quer no nº 2, alínea b) do artº 740º do C.P.C..
13. Efetivamente, fazendo essa interpretação, à contrario, do disposto nos artigos artsº 734º e 740º, o tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação denegaram à Recorrente a utilidade do recurso interposto do despacho referido supra em 6 deste articulado, ou seja impossibilitarem o conhecimento do recurso em tempo útil e, por conseguinte, fizeram interpretação e aplicação das normas citadas atrás do C.P.C. contrariamente aos normativos consagrados na Constituição da República Portuguesa, como os aludidos no art.º 20.º, n.ºs 1 a 5 e no art.º 202.º, n.º 2.
14. Na verdade, não se admitindo, por um lado, a subida imediata do recurso interposto pela Recorrente do despacho que ordenou o depósito de quantia e, por outro, não se atribuindo efeito suspensivo ao recurso interposto, a consequência é (seria) a obrigação de depósito da referida quantia no prazo que, de resto, já ocorreu.
15. Por conseguinte, o recurso interposto pela Recorrente, aqui reclamante, que exatamente colocou em crise a obrigatoriedade de depósito da quantia determinada no prazo que lhe foi fixado, perde a sua utilidade ao não subir imediatamente e, consequentemente, ao não ter efeito suspensivo daquela decisão.
16. Pois que, se é (foi) manifestamente impossível à Reclamante obter a quantia de €139.543,20 (cento e trinta e nove mil, quinhentos e quarenta e três euros e vinte cêntimos) em três semanas, o não depósito fará (fez) caducar o direito que se arrogava nos presentes autos.
17. E, por esses motivos, a referida interpretação, constitui denegação de um verdadeiro e efetivo acesso à justiça e à sua administração, coartando o efetivo direito de recurso da Reclamante e de obtenção de uma decisão que tenha efetivamente utilidade.
18. Por outro lado, a referida questão de interpretação e aplicação das normas referentes ao regime de subida (imediata) e ao efeito (suspensivo) do recurso interposto pela Recorrente do despacho a que se aludiu supra em 6, foi expressamente suscitada pela Recorrente em sede da reclamação que apresentou nos termos do 688º, nº 1 do CPC para a Relação de Évora e através da qual expressamente aludiu à inconstitucionalidade da interpretação e aplicação efetuada pelo Tribunal de 1ª instância, tendo concluindo conforme a seguir se transcreve:
'... daí que, nesta sede, se sindique, desde já, a inconstitucionalidade da interpretação operada aos art.ºs 734.º, n.º 2, 736.º, 740.º, n.º 2, alínea b) da redação do CPC aqui aplicável, no, apesar de tudo, Douto Despacho presentemente reclamado'.
19. Ora, se o Tribunal da Relação do Évora, não se pronunciou explicitamente pela inconstitucionalidade alegada pela Recorrente, tal omissão (e, consequentemente, nulidade por omissão de pronúncia) não é da responsabilidade desta última (e sempre poderá ser questão a discutir em sede de alegações de recurso);
20. que, lícita e insistentemente, pugna pela declaração de inconstitucionalidade da interpretação das referidas normas do CPC no sentido efetuado e supra já exposto.
21. Por conseguinte, não se conhecer do recurso interposto para este Venerando e Digníssimo Tribunal Constitucional é, na perspetiva da Recorrente, não aplicar a alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC e o artº 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
22. Por mera cautela de patrocínio se diga que, qualquer eventual imprecisão, na forma como a Recorrente, ao longo do processo e mesmo no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, suscitou a questão da inconstitucionalidade sempre deveria ter sido objeto de convite para aperfeiçoamento nos termos, aliás, do disposto no artº 75º-A, nºs 5 e 6, da LTC;
23. o que não aconteceu, tendo inclusive sido admitido o recurso para este Tribunal, por Despacho do Exmo. Sr. Juiz Relator Desembargador, junto do Tribunal da Relação de Évora.
REQUER
atenta a argumentação supra aduzida, no sentido da verificação dos pressupostos da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC, admitir e julgar o presente recurso;
e, sempre, com o Douto Suprimento de V.ª as Exas., no salutar uso do poder-dever de, oficiosamente, suprirem as eventuais omissões da Recorrente e/ou convidarem a Recorrente a aperfeiçoar eventuais omissões ou imprecisões.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
4. A recorrente A. vem reclamar da decisão sumária n.º 587/2012, procurando contrariar os fundamentos em que se alicerçou e que, sustenta, consistem na ausência de clara enunciação do sentido normativo do preceito que se entende contrário à Constituição e na omissão de suscitação prévia de questão de constitucionalidade.
Contudo, apenas o segundo fundamento que se procura impugnar encontra correspondência, ainda assim não integral, como se verá, com as razões determinantes da decisão reclamada.
5. Com efeito, o primeiro fundamento da decisão de não conhecimento do recurso de constitucionalidade radica no afastamento da qualificação da questão colocada como questão normativa idónea a fundar recurso de constitucional, pois procura apenas discutir o acerto do efeito não suspensivo fixado ao recurso de agravo e não qualquer padrão ou critério normativo, ao qual seja atribuído desconformidade com a Constituição. Não se trata, assim, de apontar ambiguidade ou obscuridade na formulação da questão; trata-se considerar que a recorrente não colocou questão adequada a desencadear o controlo normativo da constitucionalidade, nos termos admitidos pela alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição e pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
6. Os termos da reclamação em apreço confirmam alcance infraconstitucional do questionamento formulado, pois a recorrente dedica boa parte da sua argumentação a procurar demonstrar a incorreção da decisão recorrida na subsunção às circunstâncias dos autos do conceito de retenção inutilizadora do efeito do recurso, constante n.º 2 do artigo 734.º do CPP, dirigindo à decisão, em si mesma, a crítica de violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 1 a 5 e 202.º, n.º 2 da Constituição.
O iter argumentativo constante dos pontos 14 a 17 da reclamação mostra-se particularmente nítido a esse propósito, quando se articula, como coleção de premissas, a valia da ponderação dos efeitos da retenção do recurso com a sua incapacidade financeira para efetuar o depósito ordenado, para concluir pela “denegação de um verdadeiro e efetivo acesso à justiça”.
No domínio da fiscalização concreta de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas, ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
A questão colocada pela recorrente encontra-se, com clareza, nesse segundo domínio, pertinente à apreciação da bondade ou correção da subsunção jurídica operada na decisão recorrida e, então, fora do perímetro do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, tal como fixado na alínea b) do n.º1 do artigo 280.º da Constituição, como se concluiu na decisão sumária.
7. Diga-se, ainda assim, que não assiste razão à reclamante quando sustenta que colocou o Tribunal a quo perante questão de constitucionalidade e que este dela não conheceu, podendo fazê-lo.
Com efeito, a suscitação efetuada perante a Relação de Évora apresenta-se inteiramente desprovida de conteúdo, pois limita-se a avançar com a inconstitucionalidade da interpretação de um conjunto de preceitos, sem que se possa enxergar, qualquer que seja o esforço interpretativo exercido, o sentido ou a dimensão normativo de tal interpretação.
Ora, essa conduta mostra-se imprestável para assegurar o cumprimento do ónus de prévia suscitação da questão perante o Tribunal a quo, em termos que determinem a respetiva vinculação ao seu conhecimento. Como se diz no Acórdão n.º 269/94: “Suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de tal modo que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita a questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou o princípio constitucional infringido”.
No caso em apreço, nem mesmo as normas da Constituição que indica no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foram avançadas na reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora, tornando ininteligível o sentido da inconstitucionalidade sustentada.
Em consequência, também por ilegitimidade do recorrente, nos termos conjugados da alínea b) do n.º1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não pode ser conhecido o recurso.
8. Finalmente, a recorrente sustenta que, perante omissões ou imprecisões, deveria ter sido solicitada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, em aplicação do estipulado no n.º 6 do artigo 75-A da LTC.
Porém, esse preceito permite apenas ultrapassar deficiências do requerimento de interposição de recurso e não deficiências do recurso, em atenção ao objeto fixado pelo pedido, como aqui acontece.
9. É, pois, de confirmar a decisão sumária que, com fundamento na ausência de colocação no recurso de questão normativa de constitucionalidade, e também por ilegitimidade do recorrente, não conheceu do objeto do recurso apresentado por A..
III. Decisão
10. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária n.º 587/2012.
11. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Notifique.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
|