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Processo n.º 166/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
Por sentença de 10 de Dezembro de 2010, proferida nos autos de impugnação judicial n.º 418/07.8BELRS deduzida por A., S.A., ora recorrida, contra o Município de Odivelas, ora recorrente, tendo por objecto a liquidação da quantia de €106,95 referente a “taxa” de renovação da licença de publicidade para o ano de 2007, decidiu o Tribunal Tributário de Lisboa recusar aplicação, por inconstitucionalidade, das normas regulamentares ao abrigo das quais foi liquidada à impugnante, ora recorrida, a referida taxa (Regulamento de Ocupação do Espaço Público e do Mobiliário Urbano do Município de Odivelas e Tabela de Taxas, Tarifas e Outras Receitas Municipais de Odivelas), como sustentado por esta na respectiva petição inicial e alegações escritas.
O Município de Odivelas, inconformado, dela recorreu para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), a fim de ver apreciada, especificamente, a constitucionalidade das normas dos artigos 2.º, 3.º, alínea b), 4.º, nºs 1 e 2, 11.º, 20.º, 22.º, 25.º, 30.º, 37.º, 108.º, 109.º, 120.º e 121.º, alínea k), do Regulamento de Ocupação do Espaço Público e do Mobiliário Urbano do Município de Odivelas, e artigos 53.º, 55.º, alínea a), e 66.º da Tabela de Taxas, Tarifas e Outras Receitas Municipais de Odivelas, por serem aquelas que basearam a tributação impugnada.
O Tribunal recorrido, por despacho de 21 de Janeiro de 2011, admitiu o recurso.
O recorrente, notificado para o efeito, apresentou alegações, tendo em requerimento ulterior, após convite, concluído do seguinte modo:
“A. A sentença de que se recorre é, no decisório, absolutamente omissa quanto às normas regulamentares emanadas pelo Município de Odivelas que considera inconstitucionais.
B. Com o presente recurso, o Recorrente Município de Odivelas, pretende a apreciação da constitucionalidade das normas contidas nos artigos 2º, 39º, alínea b), 4º, nº 1 e 2, 11º, 20º, 22º, 25º, 30º, 37º, 108º, 109º, 120º, 121º, alínea k) do Regulamento de Ocupação do Espaço Público e do Mobiliário Urbano do Município de Odivelas, conjugadas com os artigos 53º, 55º, alínea a) e 66º da Tabela de Taxas, Tarifas e outras receitas municipais de Odivelas.
C. Não colhe de todo em todo a qualificação que a Recorrida pretende atribuir à taxa de afixação de publicidade exterior que lhe foi liquidada.
D. Porque com a renovação da taxa de afixação de publicidade a Recorrida viu ser-lhe removido um obstáculo jurídico e passou a usufruir do domínio público municipal consubstanciada nas vistas a partir daquele domínio.
E. É esta visibilidade da via pública (da qual decorre uma utilidade económica) que consubstancia a utilização de um bem semi publico na asserção que deste Conceito é feita pela melhor doutrina, nomeadamente por Sousa Franco (in Finanças Públicas e Direito Financeiro, vol. 1).
F. Sobre os benefícios que a Recorrida retira para a sua actividade do facto de a mensagem publicitária ser visível a partir da via pública, poucas ou mesmo nenhuma dúvidas se oferecem, pois se visibilidade não houvesse, a Recorrida não teria afixado aquela mensagem.
G. Sobre a possibilidade de os municípios taxarem actividades geradoras de impacto ambiental negativo também inexistem quaisquer dúvidas (n 2 do artigo 6º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais).
H. Também sendo inegável que a mensagem publicitária da Recorrida, sendo lícita e legitima a sua afixação, gera sempre um impacto ambiental negativo.
I. Ora, o Tribunal Tributário de Lisboa cingiu a sua apreciação a saber se as quantias cobradas por um município como contrapartida do licenciamento ou renovação da licença de afixação de painéis publicitários em edifícios privados constituem taxas ou devem ser qualificadas como impostos.
J. Tendo, acertadamente, deixado claro que se estava perante “verdadeiras licenças - Actos administrativos que removem um obstáculo à actividade dos particulares
K Citando o Acórdão deste Tribuna Constitucional nº 313/92 em que se decidiu que “mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma “taxa” somente desde que tal retirada se traduza na acção de possibilidade de utilização de um bem público ou semi público”.
L. Mas, contraditoriamente, afirma que o tributo em causa, porque se reporta a renovação das licenças de instalação de anúncios e reclamos luminosos colocados na fachada e na cobertura de prédios particulares e em que não houve qualquer actividade do ora Recorrente relativamente aos anos a que se reporta a liquidação, pelo que o tributo não pode ser qualificado como taxa.
M. Ora é na remoção de um obstáculo jurídico para utilização de um bem semi-publico (no conceito, supra citado, de Sousa Franco) que se ancora a posição do ora Recorrente no sentido de pugnar pela constitucionalidade das suas normas regulamentares que taxam o licenciamento da afixação do painel publicitário que utiliza um bem semi-publico.
N. Porquanto dessa remoção resultou, acrescidamente, para a A. a utilização de um bem semi-publico, consistente na visibilidade a partir da via pública da sua mensagem publicitária.
O. Residindo aqui o necessário sinalagma que acresce aqueloutro que resultou da remoção do obstáculo jurídico.
P. Qualquer entendimento que, em sentido restritivo, não acolha como taxa o tributo previsto nas citadas normas regulamentares do Município de Odivelas, colide inexoravelmente com o teor do n.º 1 do artigo 49 da Lei Geral Tributária e com o artigo 39 do Regime Jurídico das Taxas das Autarquias Locais, pois estes normativos traduzem a vontade do legislador em alargar o conceito de taxa, de forma a nele incluir os tributos que funcionem como contrapartida de uma qualquer das situações previstas no citado preceito, ainda que isoladamente verificadas.
Q. Acresce que esta solução é, além do mais, a única que se coaduna com a recente jurisprudência desse Venerando Tribunal, contida no Acórdão nº 177/2010.”
A recorrida não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Embora a sentença recorrida não especifique claramente quais, em concreto, as normas constantes dos regulamentos municipais em referência a que recusa aplicação, afigura-se que, estando assente nos autos que a liquidação impugnada pela ora recorrida o foi ao abrigo dos artigos 2.º, 3.º, alínea b), 4.º, nºs 1 e 2, 11.º, 20.º, 22.º, 25.º, 30.º, 37.º, 108.º, 109.º, 120.º e 121.º, alínea k), do Regulamento de Ocupação do Espaço Público e do Mobiliário Urbano do Município de Odivelas, e artigos 53.º, 55.º, alínea a), e 66.º da Tabela de Taxas, Tarifas e Outras Receitas Municipais de Odivelas, incidindo precisamente sobre tais normas a arguição de inconstitucionalidade invocada como um dos fundamentos da impugnação nela apreciada, é de concluir que o juízo de inconstitucionalidade motivante da decisão de recusa de aplicação, de que foi interposto o presente recurso, teve por objecto especifico, ainda que não expresso, as normas conjugadas dos citados artigos.
Sustentou, em síntese, o tribunal recorrido, como fundamento da decisão de recusa ora sindicada, que a quantia cobrada a título de licenciamento ou renovação da licença de afixação de painéis publicitários em edifícios privados, pelo Município de Odivelas, ora recorrente, ao abrigo dos citados preceitos regulamentares, constitui um verdadeiro imposto por não configurar contrapartida de qualquer serviço ou actividade pública nem utilização de um bem público ou semi-público, pelo que, inserindo-se a respectiva criação no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), as normas regulamentares que o criaram enfermam de inconstitucionalidade.
Afigura-se, contudo, ser de restringir o objecto do recurso às normas conjugadas dos artigos 4.º, nºs. 1 e 2, 11.º, 20.º e 30.º, n.º 1, do Regulamento em causa, e artigo 68.º da Tabela de Taxas acima especificada porquanto é apenas de um tal conjunto normativo que decorre directamente a solução, que o Tribunal recorrido julgou inconstitucional, de sujeitar o licenciamento de afixação de painéis publicitários em edifícios privados, e respectiva renovação, ao pagamento de dada quantia pecuniária.
Questão semelhante à que constitui objecto dos presentes autos, tal como acima delimitado, foi recentemente resolvida pelo Plenário do Tribunal Constitucional no acórdão nº 177/2010, de 5 de Maio de 2010 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), no qual se decidiu não julgar organicamente inconstitucionais as normas do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento de Taxas e Licenças do Município de Guimarães e do artigo 31.º da Tabela anexa, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pela afixação de painéis publicitários em prédio pertencente a particular.
Pelos fundamentos do citado acórdão, que aqui se reiteram, por plenamente transponíveis para o caso dos autos, é de manter, na situação vertente, o mesmo juízo de não inconstitucionalidade.
III. Decisão
Nestes termos, acordam em:
a) Não julgar inconstitucionais as normas conjugadas dos artigos 4.º, nºs. 1 e 2, 11.º, 20.º e 30.º, n.º 1, do Regulamento de Ocupação do Espaço Público e do Mobiliário Urbano do Município de Odivelas, e 68.º da Tabela de Taxas, Tarifas e Outras Receitas Municipais de Odivelas, na medida em que prevêem a cobrança da taxa aí referida pelo licenciamento de afixação de painéis publicitários, e respectiva renovação, em edifícios privados;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e ordenar a reforma da decisão recorrida, quanto ao juízo de inconstitucionalidade nela contido.
Sem custas.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.
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