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Processo n.º 369/11
2.º Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. interpôs recurso da decisão de 6 de Abril de 2011, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, com as alterações posteriores (Lei do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
Tal recurso foi admitido parcialmente pelo tribunal a quo, ou seja, apenas quanto à “apreciação da inconstitucionalidade imputada à alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na interpretação normativa que lhe foi dada na decisão (…) que indeferiu a reclamação.”
2. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente definiu o respectivo objecto – relativo à parte admitida – nos seguintes termos:
“(…) interpretação realizada do artigo 400°, nº1, alínea c) do C.P.P., (…) no sentido de que o acórdão proferido em Conferência pelo Tribunal da Relação de Lisboa, ao confirmar a decisão sumária do Relator de rejeição, por extemporaneidade, do recurso interposto do acórdão proferido em 1ª Instância que, entre outros, condenou o arguido em pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva no cumprimento, não constitui uma decisão proferida pela Relação, que conheça a final do objecto do processo, sendo portanto insusceptível de recurso para o S.T.J à luz do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c) do C.P.P.”
3. Neste Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária, datada de 5 de Julho de 2011, em que não se conheceu do objecto do recurso, por não corresponder a uma verdadeira questão normativa.
Na fundamentação de tal decisão, pode ler-se o seguinte:
“(…) O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objecto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP); artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Vejamos se tais pressupostos – de verificação cumulativa – estão presentes no caso concreto.
(…) Começando por analisar a natureza do objecto do presente recurso de constitucionalidade, teremos de concluir que o mesmo não consubstancia uma verdadeira questão normativa.
Na verdade, dispõe a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objecto do processo.
Sendo tal o preceito indicado, pelo recorrente, como suporte da interpretação normativa, cuja sindicância pretende, constata-se não existir correspondência entre o teor de tal inciso e a pretensa dimensão normativa, que o recorrente erige como objecto do seu recurso de constitucionalidade.
Tal falta de correspondência resulta da circunstância de a aparente norma criada pelo recorrente ser, afinal, uma selecção de elementos casuísticos, específicos do caso concreto, – descritos em moldes aparentemente abstractos – que não consubstancia mais do que uma forma velada de pretensão de sindicância da concreta decisão jurisdicional, enquanto operação subsuntiva realizada pelo julgador.
Na verdade, o recorrente não autonomiza um qualquer critério normativo – entendido como regra abstracta, potencialmente aplicável a uma generalidade de situações – extraível da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, limitando-se a reproduzir as circunstâncias concretas do caso, para impugnar o juízo subsuntivo que determinou a convocação, pelo julgador, da disposição legal referida.
Esquece o recorrente que o Tribunal Constitucional apenas pode sindicar a constitucionalidade de normas ou interpretações normativas e não de decisões, nomeadamente jurisdicionais, não compreendendo o nosso ordenamento jurídico a figura do recurso constitucional de amparo ou queixa constitucional, pelo que a admissibilidade do recurso de constitucionalidade depende da suscitação de uma verdadeira questão normativa, requisito não preenchido no presente caso.
Nestes termos, sendo inidóneo o objecto do presente recurso de constitucionalidade, conclui-se pela sua inadmissibilidade.”
4. O reclamante, admitindo que “possa não ter usado de todo o rigor e clareza na exposição” da questão de constitucionalidade, que pretendia ver sindicada, defende, na sua reclamação, que deveria ter sido proferido um despacho de convite ao aperfeiçoamento, possibilitando que fosse reformulada a enunciação do objecto do recurso, “de forma abstracta” e “distanciada do caso concreto”.
Acrescenta que a questão de constitucionalidade, que pretende ver analisada, foi explanada, na reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e concretamente apreciada pelo tribunal a quo, que se pronunciou no sentido da não verificação de desconformidade com a Lei Fundamental.
Conclui, referindo que resulta perceptível do requerimento de interposição do recurso que a pretensão aí plasmada se traduz na apreciação da “inconstitucionalidade da interpretação restritiva realizada do artigo 400º, nº 1, alínea c) do C.P.P., ou seja, de que são insusceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos em recurso pela Relação que versem exclusivamente questões de direito processual penal, como o conhecimento da tempestividade do recurso, por se entender que as mesmas não integram decisões que conheçam a final do objecto do processo”.
Finaliza mencionando que idêntica questão já foi apreciada no âmbito do acórdão n.º 597/2000, deste Tribunal Constitucional.
O Ministério Público, respondendo à reclamação deduzida, pugna pelo seu indeferimento, acentuando que a formulação da questão de constitucionalidade normativa não é uma simples questão de forma, mas sim de fundo, constituindo a “essência do próprio recurso de constitucionalidade”.
Acrescenta que “ a questão de constitucionalidade carece de ser suscitada pela parte “de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, pelo que a sua indefinição, neste específico ponto, não é susceptível de ser suprida por posterior convite ao interessado, perante o Tribunal Constitucional.
Conclui, deste modo, que a reclamação para a conferência não é o momento processual adequado para a definição da questão de constitucionalidade
Refere ainda o Ministério Público que, ainda que o entendimento do Tribunal Constitucional fosse diferente do supra exposto, a argumentação de fundo do reclamante não poderia proceder, face aos argumentos aduzidos na decisão recorrida, que subscreve nos seguintes termos:
“O objecto do processo penal é delimitado pela acusação ou pela pronúncia e constitui a definição dos termos em que vai ser julgado e decidido o mérito da causa - ou seja, os termos em que, para garantia de defesa, possa ser discutida a questão da culpa e, eventualmente, da pena.
O acórdão em causa não conheceu, e muito menos a final, do objecto do processo, precisamente porque ao rejeitar o recurso por extemporaneidade não se pronunciou sobre o mérito da causa.
Com efeito, a apreciação dos requisitos sobre a admissibilidade do recurso reporta-se a questões de ordem processual (legitimidade, interesse em agir, respeito pelo prazo de interposição) que precedem o conhecimento do objecto do processo nos limites definidos pelo âmbito do recurso, mas o âmbito do recurso não se identifica com o objecto do processo.
Logo, o recurso não é admissível ao abrigo do art. 400º, nº 1, alínea c), do CPP.
(…) O reclamante suscita a inconstitucionalidade do art. 400°, n° 1, alínea c) do CPP por violação do art. 32º, n 1, da CRP.
A interpretação adoptada da referida norma não é inconstitucional.
Com efeito, não viola o art. 32º, n°1, da Constituição, porque a decisão proferida pela Relação (extemporaneidade do recurso), por se incluir nos pressupostos do conhecimento do recurso, não se autonomiza e integra-se nas próprias condições do exercício do direito, que só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende.
Por último, o Tribunal Constitucional, na construção que tem feito sobre o direito ao recurso, tem decidido que este se satisfaz com o duplo grau de jurisdição e, no caso dos autos, intervieram tanto a 1ª como a 2ª instância.”
Finaliza o Ministério Público, referindo ainda a argumentação defendida no acórdão n.º 551/09 deste Tribunal Constitucional:
“ (…) O Tribunal Constitucional tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mais relevantes garantias de defesa do arguido. Mas também que a Constituição não impõe, directa ou indirectamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados. E que não é arbitrário nem manifestamente infundado reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (Cfr., entre muitos, a propósito da anterior redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na peculiar interpretação acima referida do que era a pena aplicável, acórdão n.º 64/2006 (Plenário), publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006). Essa limitação do recurso apresenta-se como “racionalmente justificada, pela mesma preocupação de não assoberbar o Supremo Tribunal de Justiça com a resolução de questões de menor gravidade (como sejam aquelas em que a pena aplicável, no caso concreto, não ultrapassa o referido limite), sendo certo que, por um lado, o direito de o arguido a ver reexaminado o seu caso se mostra já satisfeito com a pronúncia da Relação e, por outro, se obteve consenso nas duas instâncias quanto à condenação” (citado Acórdão n.º 451/03).”
II - Fundamentos
5. Como resulta do teor da reclamação e do seu confronto com os fundamentos exarados na decisão sumária reclamada, o reclamante não aduziu qualquer argumento que abalasse a correcção do juízo efectuado.
Na verdade, a questão definida como objecto do recurso não assume uma verdadeira natureza normativa, como se esclarece na decisão sumária.
O reclamante, reconhecendo a possibilidade de ter enunciado a questão de forma indevida, centra a sua discordância, relativamente à decisão reclamada, na circunstância de a respectiva prolação não ter sido precedida de um convite ao aperfeiçoamento, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º -A da LTC.
Tal entendimento do reclamante, porém, só pode partir de um equívoco quanto à natureza e alcance de tal convite.
Na verdade, só faz sentido formular um convite ao aperfeiçoamento quando o recorrente tiver omitido a indicação de qualquer dos elementos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC, conforme resulta expressamente dos n.ºs 5 e 6 do mesmo normativo.
Ao invés, uma errada indicação de tais elementos, nomeadamente a enunciação de uma questão desprovida de conteúdo normativo, como objecto do recurso, só poderá conduzir à inadmissibilidade do mesmo, sendo insusceptível de correcção ou reformulação, nomeadamente em sede de reclamação para a conferência.
Em face do exposto, reafirmando e dando por reproduzida toda a fundamentação constante da decisão reclamada, resta apenas concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da reclamação da decisão sumária, proferida nestes autos a 5 de Julho de 2011.
III - Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 11 de Outubro de 2011.- Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.
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