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Processo n.º 666/11
Plenário
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
(Conselheiro Pamplona de Oliveira)
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1 – O Presidente da Assembleia Municipal do Cartaxo submeteu ao Tribunal Constitucional, para efeitos de verificação preventiva da constitucionalidade e da legalidade, nos termos do art.º 27.º da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto, que aprovou o regime jurídico do referendo local (LORL – à qual pertencerão os preceitos, doravante citados, sem indicação de outra referência), a deliberação da Assembleia Municipal do Cartaxo, de 1 de Setembro de 2011, que aprovou a proposta de realização de um referendo local sobre a concessão de exploração do parque público de estacionamento coberto na cidade do Cartaxo, com a integração de estacionamentos tarifados dispersos na via pública sob gestão do município a um privado, pelo prazo de trinta anos.
2 – O requerimento, que foi apresentado no Tribunal Constitucional, no dia 8 de Setembro de 2011, vem instruído com cópia do projecto de deliberação do Bloco de Esquerda (BE) que propôs a realização do referendo local e com cópia da minuta da acta da sessão ordinária da Assembleia Municipal do Cartaxo, de 1 de Setembro de 2011, que aprovou a referida proposta (artigo 92.º, n.º 2, da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro).
3 – Apresentado o memorando a que se refere o n.º 2 do artigo 58.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), o qual não obteve vencimento, cumpre elaborar acórdão, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da mesma Lei.
II. Fundamentação
4. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente o seguinte:
4.1. Em 23 de Agosto de 2011 foi apresentado, pelos deputados do Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal do Cartaxo, o seguinte «PROJECTO DE DELIBERAÇÃO»:
PROPOSTA DE REALIZAÇÃO DE UM REFERENDO LOCAL SOBRE A CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO DO PARQUE PÚBLICO DE ESTACIONAMENTO COBERTO NA CIDADE DO CARTAXO, COM INTEGRAÇÃO DE ESTACIONAMENTOS TARIFADOS DISPERSOS NA VIA PÚBLICA SOB GESTÃO DO MUNICÍPIO, A UM PRIVADO, PELO PRAZO DE TRINTA ANOS.
A Câmara Municipal do Cartaxo, em reunião de 2011/06/21, deliberou concessionar a exploração do parque de estacionamento coberto, situado no centro da cidade, bem como de 620 lugares de estacionamento à superfície, situados nas principais ruas adjacentes ao centro, a uma entidade privada. Esta decisão foi posteriormente aprovada por maioria, na sessão da Assembleia Municipal de 2011/06/27.
Para o alcançar, o procedimento a adoptar seria o diálogo concorrencial, cujo respectivo programa, apresentado na referida sessão, não referia o prazo de concessão (360 meses/30 anos);
Considerando que a dimensão do prazo corresponde a 7,5 mandatos autárquicos e que as suas implicações condicionarão futuras decisões do foro urbanístico no centro urbano do Cartaxo, é logicamente necessária uma reflexão profunda e objectiva com todos os Cartaxeiros sobre a relevância desta concessão, não só em termos de oportunidade, como de interesse público para o futuro do Cartaxo.
Depois de assistir a uma concessão do abastecimento de água e saneamento, por igual período, que até à data se manifestou totalmente prejudicial para os cidadãos, a troco de alguns milhões de euros para pura e simplesmente pagar dívidas da autarquia, (uma gota de água no mar de dívidas existente), prepara-se o executivo para repetir a receita, hipotecando mais uma vez o futuro dos Cartaxeiros e as receitas dos executivos vindouros.
Entendemos dever colocar o interesse público em primeiro lugar, há que dar a palavra aos Cidadãos do Concelho, pedindo-lhes que digam se concordam com a concessão dos 814 lugares de estacionamento na cidade do Cartaxo por trinta anos a uma entidade privada.
Argumentos como os utilizados para a concessão da água, de que: “é o melhor para o Cartaxo”, “as tarifas vão ser as mais baixas da região”, “temos de olhar aos investimentos que irão ser feitos”, não passam de promessas populistas e enganadoras, com resultados à vista. Um Poder Democrático não pode ignorar as manifestações de indignação da população como as que se verificaram face à concessão por trinta anos da água.
Por terem conhecimento da dimensão de mais este “negócio” vigente até ao ano 2042, os eleitos do Bloco de Esquerda na Assembleia Municipal propõem a realização de um referendo local para que sejam efectivamente os cidadãos a tomarem esta decisão.
Assim, propomos que a Assembleia Municipal do Cartaxo delibere nos termos e para os efeitos do artigo 240.º, n.º 1 da Constituição e da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto, apresentar ao Tribunal Constitucional e ao Senhor Presidente da Câmara Municipal do Cartaxo a proposta de realização de um referendo local em data a agendar no corrente ano, para que os cidadãos eleitores recenseados no Concelho do Cartaxo sejam chamados a pronunciar-se sobre as seguintes questões:
1 – Concorda que a Câmara Municipal do Cartaxo contratualize a concessão de exploração do parque público de estacionamento coberto, e de mais 620 lugares de estacionamento dispersos nas ruas circundantes ao centro, que são neste momento públicos, por um prazo de 30 anos a uma empresa privada-
2 – Concorda que a gestão do estacionamento em espaço público no Município do Cartaxo deve ser feita pelos serviços da autarquia, e as receitas do mesmo, devem reverter para a Câmara Municipal-
4.2. Submetida à apreciação da Assembleia Municipal do Cartaxo, na sessão ordinária de 1 de Setembro de 2011, a iniciativa obteve o seguinte resultado:
«A Assembleia deliberou, por unanimidade, aprovar a Proposta de realização de um referendo local sobre a concessão de exploração do parque público de estacionamento coberto na cidade do Cartaxo, com a integração de estacionamentos tarifados dispersos na via pública sob gestão do Município, a um privado, pelo prazo de trinta anos.»
4.3. Na sequência desta deliberação, o Presidente da Assembleia Municipal do Cartaxo enviou ao Presidente do Tribunal Constitucional o ofício n.º 24/2011, de 7 de Setembro de 2011, no qual requereu:
“(...) Nos termos da Lei Orgânica n.º 4/2000, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de Dezembro, do Capítulo III, Secção I, Artigo 25.º, venho por este meio solicitar a fiscalização, constitucionalidade e legalidade da respectiva deliberação tomada na Assembleia Municipal do 01 de Setembro de 2011 relativo à “Proposta de realização de um referendo local sobre a concessão de exploração do parque público de estacionamento coberto na cidade do Cartaxo, com integração de estacionamentos tarifados dispersos na via pública sob gestão do Município, a um privado, pelo prazo de trinta anos”.
Junto envio em anexo minuta da acta n.º 6, relativa à sessão ordinária da Assembleia Municipal de 01 de Setembro de 2011, bem como projecto de deliberação do BE sobre “Proposta de realização de um referendo local sobre a concessão de exploração do parque público de estacionamento coberto na cidade do Cartaxo, com integração de estacionamentos tarifados dispersos na via pública sob gestão do Município, a um privado pelo prazo de trinta anos”. (...)'.
5. A possibilidade de realização de consultas referendárias a nível local está prevista no n.º 1 do artigo 240.º da Constituição da República, que dispõe que «[a]s autarquias locais podem submeter a referendo dos respectivos cidadãos eleitores matérias incluídas nas competências dos seus órgãos, nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer», competindo ao Tribunal Constitucional, em fiscalização preventiva obrigatória, verificar a constitucionalidade e a legalidade do referendo, incluindo a apreciação dos requisitos relativos ao respectivo universo eleitoral, bem como ao âmbito material e limites temporais do referendo, e à validade das perguntas que nele se pretenda formular (cf. artigos 223.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, artigos 11.º e 105.º da LTC, e artigos 25.º e seguintes da LORL).
O referendo local pode advir de iniciativa representativa, ou seja, “dos deputados às assembleias municipais ou assembleias de freguesia, à câmara municipal e à junta de freguesia, consoante se trate de referendo municipal ou de freguesia” (artigo 10.º, n.º 1, da LORL), ou de iniciativa popular, ou seja, de “grupos de cidadãos recenseados na respectiva área” (artigo 10.º, n.º 2, da LORL).
No caso em apreço, a iniciativa do referendo local tem origem representativa, por haver sido exercida pela Assembleia Municipal, mediante proposta de deliberação apresentada, ao abrigo da alínea d) do n.º 6.º do artigo 64.º da Lei n.º 169/99, de 11 de Janeiro, na redacção dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro e do artigo 10.º, n.º 1, da LORL, mostrando-se cumprido o prazo estabelecido no artigo 24.º, n.º 1, da LORL, nos termos do qual “a deliberação [mencionada no artigo anterior, da assembleia municipal ou da assembleia de freguesia] é obrigatoriamente tomada, em sessão ordinária ou extraordinária, no prazo de 15 dias após a recepção da iniciativa referendária, caso esta tenha origem representativa”.
A deliberação sobre a realização do referendo foi tomada pela pluralidade de votos dos membros presentes na Assembleia Municipal do Cartaxo, tendo sido aprovada por unanimidade dos deputados presentes, pelo que se mostra cumprida a exigência prescrita no n.º 5 do referido artigo 24.º da LORL.
6. Passando à verificação dos demais aspectos que possam contender com a constitucionalidade e legalidade do referendo, cumpre apreciar, preliminarmente, a questão dos limites temporais dentro dos quais podem ser praticados os actos relativos à convocação e à realização da consulta popular local.
De acordo com o Decreto do Presidente da República n.º 59/2011, de 28 de Julho, publicado no Diário da República 1.ª Série, da mesma data, foi fixado o dia 9 de Outubro de 2011 para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
No entanto, segundo o disposto no artigo 8º da LORL, “[n]ão pode ser praticado nenhum acto relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional”.
Decorre assim do relatado, que na data em que foi aprovada a iniciativa de realização do referendo local – 1 de Setembro de 2011 – encontrava-se já marcada a data para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, razão pela qual se torna forçoso ponderar, face à norma do artigo 8.º da LORL, se a deliberação em apreço padece de ilegalidade por violação desse preceito.
O artigo 8.º da LORL vem estabelecer para os referendos locais uma limitação temporal semelhante à constante do artigo 8.º da Lei n.º 15-A/98, de 3 de Abril (com as alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 4/2005, de 8 de Setembro, e pela Lei Orgânica n.º 3/2010, de 15 de Dezembro), relativamente à realização de referendo de âmbito nacional de acordo com o estabelecido no artigo 115.º, n.º 7, da CRP.
Confrontando os respectivos regimes, pode concluir-se que, quanto a essa matéria, ambos partilham a mesma teleologia fundamentante, devendo reconhecer-se que, em qualquer dos casos, a previsão de tais limites temporais tem como finalidade evitar eventuais “confusões” entre actos eleitorais e consultas populares ou destas entre si, como poderia suceder nos casos em que se solicitasse, num momento temporal coincidente ou bastante aproximado, a intervenção do mesmo colégio eleitoral, ou de parte deste. Como refere Benedita Urbano, ainda que a propósito dos limites temporais do referendo de âmbito nacional (“O referendo– Perfil Historico-evolutivo do Instituto – Configuração Jurídica do Referendo em Portugal”, in Boletim da Faculdade de Direito – Studia Juridica 30, p. 213), “o legislador constituinte terá sem dúvida sido fortemente sensibilizado pelo argumento da confusão – a repercutir-se numa eventual distorsão dos resultados – que resultaria da realização simultânea (ou temporalmente bastante próxima) de um referendo e de eleições para cargos políticos – confusão e distorsão que se manifestariam em ambos os actos eleitorais, naturalmente em consequência das recíprocas interferências que cada um operaria em relação ao outro (no fundo e genericamente falando, ter-se-á pretendido evitar fricções entre o referendo e o regime representativo)”.
Nessa mesma linha, Gomes Canotilho/Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume II, 4.ª edição, nota X ao artigo 115.º, Coimbra, p. 106), referem que a previsão dos referidos limites temporais do referendo “visa garantir a sua autonomia face aos sufrágios eleitorais, procurando evitar que eles sejam contaminados pelos resultados destes (e vice-versa) e a promover a independência face às escolhas partidárias dos eleitores”.
Ora, considerando o alcance da limitação temporal em apreço, constata-se que o interesse que nela vai acautelado não é posto em causa ou afectado na situação emergente dos presentes autos em que se pondera a convocação de um referendo local num município não pertencente à Região Autónoma onde vai ocorrer a eleição dos deputados à respectiva Assembleia Legislativa, por não existir coincidência entre as esferas territoriais envolvidas, e, consequentemente, por ser diferente o colégio eleitoral que intervirá em ambos os actos.
Nessa medida, se, por um lado, os interesses perseguidos pela limitação temporal constante do artigo 8.º da LORL não se encontram minimamente afectados nos presentes autos, e se, por outro lado, a própria intencionalidade prático-normativa do preceito impõe uma diferenciação das hipóteses gramaticalmente previstas à luz do problema normativo regulado, justifica-se, perante tais pressupostos, uma redução teleológica do artigo 8.º da LORL, perante a qual se pode concluir pela inexistência de violação dos limites temporais aí previstos.
7. Importa, ainda, referir que “o referendo local só pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado e com as Regiões Autónomas”, devendo “a determinação das matérias a submeter a referendo local obedece[r] aos princípios da unidade e subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal” (artigo 3.º da LORL).
Constatando-se, neste caso, mesmo segundo um critério de simples evidência, que a matéria do referendo, por densificar um problema de afectação e gestão de bens públicos municipais, cujos efeitos se prolongarão no tempo durante vários mandatos, assume relevante interesse municipal.
8. Porém, o mesmo deverá considerar-se ilegal na medida em que as duas perguntas constantes da proposta aprovada pela Assembleia Municipal do Cartaxo não obedecem aos critérios constantes do n.º 2 do artigo 7.º da LORL, nos termos do qual se determina que “[a]s perguntas são formuladas com objectividade, clareza e precisão (...), sem sugerirem directa ou indirectamente o sentido das respostas”.
Como se sublinhou no Acórdão n.º 288/98 (Diário da República, I série A, de 18 de Abril de 1998), 'a clareza da pergunta há-de conjugar-se com a sua objectividade e precisão, o que implica uma maior complexidade e a utilização de terminologia rigorosa, para se evitar, posteriormente, a existência de equívocos quanto às soluções propugnadas, por a pergunta abranger situações não pretendidas ou consentir leituras ambíguas”, sendo que os requisitos da objectividade, clareza e precisão são verdadeiramente cruciais para permitir aos eleitores a leitura e compreensão acessíveis e sem ambiguidades da pergunta, evitando “que a vontade expressa dos eleitores seja falsificada pela errónea representação das questões” (J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, cit., p. 106), requerendo-se “a minoração, na medida do possível, do risco de leituras e entendimentos da questão pelos seus destinatários que possam – directa ou implicitamente, por interrogações ou ambiguidades que suscitem no eleitor – apontar para uma das respostas alternativas”, sendo que o adequado cumprimento destes requisitos não poderá deixar de ser equacionado, a partir do ponto de vista da globalidade dos eleitores, porquanto, “fazendo apelo a um paralelismo com a teoria da impressão do destinatário, o horizonte para aferir a compreensão das perguntas há-de ser o cidadão eleitor normal, sem conhecimentos especializados nas matérias sobre que é inquirido” (Acórdão n.º 531/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Quanto à primeira pergunta – “Concorda que a Câmara Municipal do Cartaxo contratualize a concessão de exploração do parque público de estacionamento coberto, e de mais 620 lugares de estacionamento dispersos nas ruas circundantes ao centro, que são neste momento públicos, por um prazo de 30 anos a uma empresa privada-” –, cumpre assinalar, desde logo, que a sua formulação não pode considerar-se clara, objectiva e precisa por dela poder retirar uma incorrecta representação da realidade, susceptível de inquinar a formação de uma vontade esclarecida por parte dos respectivos eleitores.
De facto, tal como a questão se encontra formulada, a mesma é compatível com uma leitura segundo a qual os lugares de estacionamento “que neste momento são públicos” deixam de o ser por virtude do contrato de concessão, o que traduz a consideração de um errado pressuposto de facto e de direito, susceptível de fazer cair os eleitores em erro quanto ao alcance e aos efeitos da concessão.
Por outro lado e considerando também o teor da segunda questão – “Concorda que a gestão do estacionamento em espaço público no Município do Cartaxo deve ser feita pelos serviços da autarquia, e as receitas do mesmo, devem reverter para a Câmara Municipal-” –, pode igualmente concluir-se que as perguntas em análise, tal como se encontram formuladas, não permitiriam necessariamente o apuramento de um resultado concludente num sentido unívoco, como é inerente à natureza do instituto do referendo.
Na verdade, a possibilidade de existirem respostas simultaneamente afirmativas ou negativas às duas questões, consente que se responda da mesma forma a perguntas de efeito antagónico, acolhendo uma solução sem a correspondente rejeição de hipótese diversa, prejudicando a aferição de um resultado unívoco e o carácter dilemático do referendo.
Finalmente, conjugando as duas perguntas, pode também concluir-se que as mesmas se encontram formuladas de modo a sugerir uma determinada resposta, porquanto omitindo-se na primeira questão qualquer referência às receitas municipais e incluindo-se essa realidade, que constitui um factor de ponderação, apenas na segunda hipótese, o sentido da resposta pode ser induzido por uma ambígua e inexacta representação da realidade.
III. Decisão
Consequentemente, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide pronunciar-se pela ilegalidade do presente referendo local que, na sua sessão ordinária de 1 de Setembro de 2011, a Assembleia Municipal do Cartaxo deliberou realizar, e ordenar a notificação do seu Presidente para que, no prazo de 8 (oito) dias, aquele órgão deliberar, querendo, no sentido da reformulação, expurgando-a da ilegalidade.
Lisboa, 3 de Outubro de 2011. – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Ana Maria Guerra Martins – José Borges Soeiro – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – Maria Lúcia Amaral – João Cura Mariano – Maria João Antunes – Joaquim de Sousa Ribeiro – Carlos Pamplona de Oliveira – vencido, conf. declaração – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
No memorando que apresentei à consideração do douto Tribunal propunha-se um julgamento de ilegalidade da proposta de referendo com base no seguinte: Resulta do artigo 23º do RJRL que a convocação do referendo ocorre com a deliberação assembleia municipal que aprova a correspondente iniciativa, ficando a sua realização condicionada à prévia fiscalização do Tribunal Constitucional e à decisão do presidente do órgão executivo da respectiva autarquia quanto à respectiva data (artigos 25º e 32º do RJRL).
Acontece que na data em que foi tomada a deliberação agora em apreço, que procedeu à convocação do referendo local, estava vigente o anúncio de eleições para os órgãos de governo próprio da Região Autónoma da Madeira, que decorrerão no próximo dia 9 de Outubro. É, assim, de considerar que a deliberação autárquica foi tomada numa data em que, por força do artigo 8.º do RJRL [«Não pode ser praticado nenhum acto relativo à convocação ou à realização de referendo entre a data de convocação e a de realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, eleições do governo próprio das Regiões Autónomas e do poder local, dos deputados ao Parlamento Europeu, bem como de referendo regional autonómico ou nacional»], não podia ser praticado nenhum acto relativo à convocação de referendo, pelo que seria ilegal.
O Tribunal adoptou, porém, uma interpretação restritiva da norma, cuja 'teleologia fundamentante' levaria a considerar que 'a previsão de tais limites temporais tem como finalidade evitar eventuais “confusões” entre actos eleitorais e consultas populares ou destas entre si, como poderia suceder nos casos em que se solicitasse, num momento temporal coincidente ou bastante aproximado, a intervenção do mesmo colégio eleitoral, ou de parte deste.' Reconheço que esta posição, aliás, bem alicerçada doutrinalmente, é bem mais atractiva para quem admita que as regras constitucionalmente impostas quanto à organização política do Estado podem ser sujeitas a interpretações resultantes da sua pretensa 'teleologia fundamentante', opção que, todavia, considerei ser de afastar, por se me afigurar que tal tipo de normas resulta de opções práticas, teleologicamente neutras, do legislador constitucional.
Quanto ao fundo, também me afastei da solução acordada.
Entendo que a pergunta é, do ponto de vista do cidadão que irá ser chamado a pronunciar-se sobre aquela matéria – isto é, os habitantes do Cartaxo –, clara, objectiva e precisa por dela constar uma representação da realidade absolutamente verdadeira, sendo insusceptível de fazer cair os eleitores em erro quanto ao seu alcance e efeitos. Por outro lado, a hipotética possibilidade de existirem respostas simultaneamente afirmativas ou negativas às duas questões, prejudicial à aferição de um resultado unívoco do referendo, não inquinaria, a meu ver, a pergunta, pois a desconformidade resultaria da eventualidade de respostas ostensivamente ilógicas e inesperadas. A segunda pergunta corresponderia, aliás, a uma reafirmação da primeira, agora equacionada em termos mais genéricos.
Ultrapassada a questão acima exposta relativa aos limites temporais do referendo, tenderia, portanto, a julgar não ilegal a formulação da questão referendária. Carlos Pamplona de Oliveira.
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