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Processo n.º 363/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), da decisão sumária proferida nos autos que decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante.
2. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
“(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e i), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção (LTC), invocando que “a interpretação e aplicação que o Tribunal da Relação do Porto faz dos referidos normativos, alínea g) do n.º 1 do art.º 61.º; alínea a) do art.º 323.º e alínea d) do art.º 119.º do CPP, ao pugnar pela manutenção da decisão recorrida, viola as garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
2. Com interesse para a resolução do caso sub judicio, resulta dos autos:
2.1. O recorrente fora condenado, em 1.ª Instância, pela prática de um crime de burla informática, na pena de três anos e seis meses de prisão, e no pagamento, ao ofendido Banco B. S.A., da quantia de € 550000,00 acrescida de juros.
2.2. Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, onde alegou, em síntese:
“1ª – O tribunal recorrido, ao indeferir a produção dos meios de prova documental requeridos pelo Arguido na contestação, deu primazia ao direito de sigilo bancário, em detrimento do direito de defesa do arguido.
2ª – O direito de defesa do arguido em processo penal é inalienável e encontra consagração constitucional no art.º 32° da C.R.P., assim como no art.º 61° do CPP, e ao que no caso dos autos importa, com especial relevo o direito consagrado na al. g) do n.º 1 do citado art.º 61° do CPP, sancionando a violação deste direito com a nulidade insanável a que alude a al. d) do art.º 119.º do CPP.
3ª – O Arguido, no requerimento de abertura de instrução requereu igualmente a produção de meios de prova documental em poder do B., nomeadamente extractos das contas do cliente C., visadas pelos movimentos de transferência realizados pelo Arguido, assim como documentação interna referente ás autorizações das operações e das comunicações entre o arguido e o C. que se encontram igualmente arquivadas no banco.
4ª – Estes requerimentos foram indeferidos face à necessidade de prévia autorização do C. para levantamento do sigilo bancário, que o Arguido não logrou obter, tendo sido renovados na contestação à acusação, e objecto de novo indeferimento.
5ª – Deste modo, é inequívoco que ocorreu uma insuficiência de instrução nos autos ao inviabilizar a produção de prova ao Arguido que se revelava crucial para a construção e demonstração da sua defesa, assim como ocorreu já em sede de julgamento uma clara denegação ou restrição do direito de defesa do arguido ao deixar o tribunal de lançar mão de todos os elementos essenciais à descoberta da verdade, dando primazia à protecção do valor do sigilo bancário em detrimento do direito de defesa processual do arguido.
6ª – Ora, salvo o devido respeito, que é todo, pelo entendimento contrário, somos de opinião de que ocorrendo um conflito de direitos, como sucedia neste caso, deveria ter sido dado preferência à salvaguarda do direito de defesa do Arguido, já que este enfrentava uma possível condenação em pena de prisão, medida que implica uma restrição ao exercício dos seus direitos liberdades e garantias.
7ª – Porque assim não entendeu o tribunal recorrido, a decisão proferida enferma de uma nulidade insanável que cumpre a este tribunal de recurso declarar, sob pena de ocorrer o atropelo do direito constitucional à defesa do arguido, tudo em obediência ao disposto pelos artigos 32° da CRP, 61° e 119° do CPP, com a consequente anulação do julgamento e revogação do acórdão prolatado. (...)”.
2.3. Na parte circunstancialmente relevante, o acórdão do Tribunal da Relação tem o seguinte teor:
“(...)
1ª Questão: a nulidade insanável do artigo 119°, alínea d), do CPP.
1. O recorrente suscita esta nulidade com o fundamento de que
O tribunal recorrido, ao indeferir a produção dos meios de prova documental requeridos pelo Arguido na contestação, deu primazia ao direito de sigilo bancário, em detrimento do direito de defesa do arguido.
O direito de defesa do arguido em processo penal é inalienável e encontra consagração constitucional no art.º 32° da C.R.P., assim como no art.º 61° do CPP, e ao que no caso dos autos importa, com especial relevo o direito consagrado na al. g) do n.º 1 do citado art.º 61° do CPP, sancionando a violação deste direito com a nulidade insanável a que alude a al. d) do art.º 119° do CPP.
O Arguido, no requerimento de abertura de instrução requereu igualmente a produção de meios de prova documental em poder do B., nomeadamente extractos das contas do cliente C., visadas pelos movimentos de transferência realizados pelo Arguido, assim como documentação interna referente às autorizações das operações e das comunicações entre o arguido e o C. que se encontram igualmente arquivadas no banco.
Estes requerimentos foram indeferidos face à necessidade de prévia autorização do C. para levantamento do sigilo bancário, que o Arguido não logrou obter, tendo sido renovados na contestação à acusação, e objecto de novo indeferimento.
Deste modo, é inequívoco que ocorreu uma insuficiência de instrução nos autos ao inviabilizar a produção de prova ao Arguido que se revelava crucial para a construção e demonstração da sua defesa, assim como ocorreu já em sede de julgamento uma clara denegação ou restrição do direito de defesa do arguido ao deixar o tribunal de lançar mão de todos os elementos essenciais à descoberta da verdade, dando primazia à protecção do valor do sigilo bancário em detrimento do direito de defesa processual do arguido[1].
2. Manifestamente, não se verifica a nulidade invocada pelo recorrente.
Pretende o recorrente transformar o disposto na alínea d), do citado artigo 119º, do CPP, num “saco sem fundo”, onde, em seu entender, tudo cabe ou está previsto.
A questão por si suscitada nada tem a ver com falta de inquérito ou instrução, mas tão só no indeferimento da produção em julgamento, de determinada prova indicada na contestação.
Esta pretensão do arguido/recorrente, mereceu apreciação no despacho judicial de fls. 606 a 608, datado de 29.4.2010, que foi indeferida.
A consequência lógica, normal e legal de impugnação do teor deste despacho, era o recurso. O que o recorrente não fez.
Transitado em julgado o teor daquele despacho, ficou ultrapassada esta questão.
Com certeza que o processo deve assegurar o direito à defesa do arguido, tal como previsto no artigo 32°, n° 1, da CRP. Mas este direito concretiza-se, efectiva-se, através da acção do arguido nesse sentido. No caso, seria, perante o indeferimento de uma pretensão, recorrer dessa decisão que o mesmo, pelos vistos, considera desfavorável.
Após a prolação daquele despacho, os autos prosseguiram para julgamento e esta questão não voltou a ser suscitada até ao presente recurso.
Pelo que não foi tal questão objecto de apreciação na sentença recorrida, como não tinha que ser.
E ao colocá-la agora perante este Tribunal de Recurso, a mesma reveste a natureza de questão nova.
Como refere Simas Santos/Leal Henriques in” Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição, 2008. pág. 83:
‘Na verdade, com o recurso abre-se somente uma reapreciação dessa decisão, com base na matéria de facto e de direito de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso.
Como assim, visando os recursos modificar as decisões impugnadas e não criar decisões sobre matéria nova, não é lícito na motivação ou nas conclusões invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, isto é, questões novas’.
Termos em que improcede esta pretensão do recorrente.
(...)”.
2.4. Na sequência desta decisão foi interposto, nos termos supra referidos, o presente recurso de constitucionalidade. Todavia, porque a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional, conforme se estabelece no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque in casu se configura uma situação que se integra na previsão normativa do artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se com base nos fundamentos seguintes.
3. O presente recurso encontra-se interposto ao abrigo das alíneas b) e i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3.1. Como é consabido, o recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – igualmente previsto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa (CRP) – exige, como pressuposto processual específico, que a questão de constitucionalidade objecto do recurso tenha sido suscitada durante o processo de modo a que o tribunal recorrido se encontrasse vinculado ao seu conhecimento, como decorre, igualmente, do disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, cabendo ao recorrente o ónus de suscitar o problema de constitucionalidade normativa num momento anterior ao da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional [cf. Acórdão n.º 199/88, publicado no Diário da República II Série, de 28 de Março de 1989; Acórdão n.º 618/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, remetendo para jurisprudência anterior (por exemplo, os Acórdãos nºs 178/95 - publicado no Diário da República II Série, de 21 de Junho de 1995 -, 521/95 e 1026/96, inéditos e o Acórdão n.º 269/94, publicado no Diário da República II Série, de 18 de Junho de 1994)].
Por outro lado, sendo o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade constituído por normas jurídicas que violem preceitos ou princípios constitucionais, não pode sindicar-se, no recurso de constitucionalidade, a decisão judicial em si própria, mesmo quando esta faça aplicação directa de preceitos ou princípios constitucionais, quer no que importa à correcção, no plano do direito infraconstitucional, da interpretação normativa a que a mesma chegou, quer no que tange à forma como o critério normativo previamente determinado foi aplicado às circunstâncias específicas do caso concreto (correcção do juízo subsuntivo).
No presente caso concreto, afigura-se claro que o recorrente não suscitou perante o tribunal recorrido qualquer questão de constitucionalidade (por antonomásia, normativa, como é sabido).
Para tais efeitos, exige-se que a questão de constitucionalidade seja concretizada de modo claro, directo e objectivo, “(...) modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que (...) tal se faça de modo claro e perceptível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.” (cf. Acórdãos nºs 37/97, 680/96, 663/96 e 618/96, este último, aqui citado, publicado no Diário da República, II Série, de 15-05-1996)”.
Perscrutando o teor das conclusões da motivação do recurso, constata-se que o recorrente alega, entre o mais, que a “decisão recorrida enferma de uma nulidade insanável que cumpre a este tribunal de recurso declarar, sob pena de ocorrer o atropelo do direito constitucional à defesa do arguido, tudo em obediência ao disposto pelos artigos 32.º da CRP, 61.º e 119.º do CPP, com a consequente anulação do julgamento” (conclusão 7.ª).
Ora, não é possível extrair daí, nem das demais conclusões que delimitaram o âmbito e o objecto do recurso para a Relação, a enunciação de uma questão de constitucionalidade normativa, porquanto aí não se identifica qualquer norma ou segmento normativo contrário à Constituição, antes se controverte a decisão recorrida sobre o prisma do direito ordinário e constitucional que o recorrente considera aplicável.
Por outro lado, a fortiori, conclui-se igualmente que o recorrente também não controverteu sub species constitutionis e perante o tribunal a quo o substrato normativo que consubstanciou a ratio decidendi do acórdão recorrido, segundo a qual o despacho que indeferiu a produção de prova requerida havia transitado em julgado, por o arguido dele não ter recorrido atempadamente, cumprindo ainda assinalar que a mera sindicância do juízo aplicativo realizado pelo Tribunal da Relação do Porto da norma do artigo 119.º, do Código de Processo Penal, no sentido de não ter por verificada a nulidade invocada pelo recorrente não é também susceptível de integrar a esfera de competência cognitiva deste Tribunal, não lhe cabendo, por isso, emitir um juízo quanto ao mérito da aplicação dessa norma às circunstâncias do caso.
3.2. O recurso vem igualmente interposto ao abrigo da “segunda parte” da alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, que tem o seguinte teor: cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões “que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional”.
Estão aí em causa decisões dos tribunais relativas aos casos de desaplicação da lei interna com fundamento na contrariedade com uma convenção internacional ou, então, que a apliquem em desconformidade com decisão anterior do Tribunal quanto a essa matéria específica, restringindo-se o recurso às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida (artigo 71.º, n.º 2, da LTC) – cf., sobre o alcance do recurso em causa, José Manuel Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª ed., Coimbra, 2007, p. 38, n.40.
Ora, in casu, é manifesto que não houve desaplicação de acto legislativo interno com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, nem aplicação de norma em desconformidade com o anteriormente decidido sobre essa questão pelo Tribunal Constitucional, razão pela qual igualmente não se verificam os pressupostos da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
4. Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do recurso. (...)”.
3. Por seu turno, a reclamação encontra-se suportada nos seguintes argumentos:
“(...)
I)
O Mmº Juiz Conselheiro Relator sustentou que: “Ora, in casu, é manifesto que não houve desaplicação de acto legislativo interno com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, nem a aplicação de norma em desconformidade com o anteriormente decidido sobre essa questão pelo Tribunal Constitucional, razão pela qual igualmente não se verificam os pressupostos da admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do art. 70º da LTC.”
II)
Com todo o devido respeito que nos merece o entendimento defendido na decisão de que ora se reclama, entendemos, porém, que a conduta anticonstitucional apontada ao Tribunal Recorrido, o Tribunal da Relação do Porto, configura, entre o mais, a desaplicação de acto legislativo interno
III)
Ou seja, preceitua o n.º 2 do art. 181º do Cód. Proc. Penal que: “O juiz pode examinar a correspondência e qualquer documentação bancárias para descoberta dos objectos a apreender nos termos do número anterior.”
Esclarecendo o n.º 1 do mesmo normativo que: “O juiz procede à apreensão em bancos ou outras instituições de crédito de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros objectos, mesmo que em cofres individuais, quando tiver fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome.” (o sublinhado e realce são nossos).
IV)
Por isso, entendeu, e entende o Recorrente, que o seu direito constitucional de defesa em processo penal foi violado, mediante a recusa na admissão dos meios de prova que requereu, impondo-lhe o ónus da obtenção da autorização prévia do levantamento do sigilo bancário.
Assim, a norma cuja desaplicação deu origem à questão da inconstitucionalidade suscitada consiste no artigo 181º/n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, por referência, a título de exemplo, ao Acórdão n.º 278/95, de 31/05/1995, publicado no DR, II Série de 28/07/1995 e disponível no sítio da Internet www.tribunalconstitucional.pt.
V)
A interpretação e aplicação que o Tribunal da Relação do Porto fez do referido normativo, ao pugnar pela manutenção da decisão recorrida, viola as garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32º/n.º 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
Razão pela qual subsiste a suscitada questão da inconstitucionalidade, pelo que deveria o recurso interposto para este Tribunal Constitucional prosseguir para conhecimento e decisão sobre o mérito do seu objecto
(...)”.
4. Notificado do teor da reclamação, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, pugnou pela sua improcedência, sustentando que:
“(...)
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 295/2011, não se conheceu do objecto do recurso, quer enquanto interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1, quer enquanto interposto ao abrigo da alínea i) (“segunda parte”) do n.º 1, ambos do artigo 70.º da LTC.
2º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente apenas impugna o não conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea i).
3.º
Ora, parece-nos evidente que “in casu, é manifesto que não houve desaplicação de acto legislativo interno com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional, nem aplicação de norma em desconformidade com o anteriormente decidido sobre essa questão pelo Tribunal Constitucional”.
4.º
A reclamação apresentada pelo recorrente não é facilmente perceptível, uma vez que ele fala em desaplicação do acto legislativo interno, refere Acórdãos anteriores do Tribunal Constitucional, mas nunca menciona, sequer, qualquer convenção internacional.
5.º
Ou seja, tudo circunstâncias que, teoricamente, apenas podiam justificar a interposição dos recursos previstos na alínea a) ou na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, mas nunca o previsto na alínea i).
6.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação”.
Cumpre agora julgar.
II. Fundamentação
5. A reclamação sub judicio não logra abalar os fundamentos que determinaram a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
O reclamante abona a sua argumentação numa existência de uma suposta “desaplicação” do artigo 181.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, que, no seu entendimento, seria recorrível para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea i) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Como se referiu na decisão reclamada, o recurso de constitucionalidade previsto nessa norma apenas abrange os casos de desaplicação da lei interna com fundamento na contrariedade com uma convenção internacional ou, então, aqueles em que a lei interna é aplicada em desconformidade com decisão anterior do Tribunal quanto a essa matéria específica, restringindo-se o recurso às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-internacional implicadas na decisão recorrida.
No caso sub judicio, é manifesto que não ocorreu nenhuma das situações tipificadas no citado preceito, nem o reclamante aduz qualquer argumento susceptível de infirmar tal juízo.
Na verdade, afigura-se que a presente reclamação acaba por ter subjacente um errado entendimento quanto à natureza do recurso de constitucionalidade. Este é, sem dúvida, um recurso que tem como objecto imediato a decisão judicial recorrida, mas apenas para a apreciação da questão de constitucionalidade da norma que tenha constituído seu fundamento normativo (objecto mediato do recurso), ao passo que o reclamante parece entendê-lo como um recurso de reexame da bondade jurídica da decisão recorrida dentro da hierarquia dos tribunais de instância. Esse entendimento, no entanto, revela-se equívoco uma vez que não cabe na competência do Tribunal Constitucional a sindicância do mérito das demais decisões judiciais na parte em que aí se decida o direito a aplicar por referência às circunstâncias do caso.
A decisão reclamada não merece, pois, qualquer censura, aqui se reiterando todos os fundamentos aí referidos com base nos quais se decidiu não tomar conhecimento do recurso interposto para este Tribunal.
III. Decisão
6. Termos em que, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário.
Lisboa, 29 de Setembro de 2011. – J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.
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[1] Conclusões 1ª a 5ª
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