|
Processo n.º 674/2011
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Empresa Jornal da Madeira, Lda. e João Henrique Pinto Correia, vêm, na qualidade respectiva de proprietária e director do Jornal da Madeira, interpor junto do Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), recurso da deliberação da Comissão Nacional de Eleições (CNE) de 13 de Setembro de 2011, que ordenou a notificação daquele último para «cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do DL n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal», requerendo, a final, a anulação da deliberação impugnada.
Invocam, para tanto, que a referida deliberação, para além de ter sido notificada aos recorrentes em circunstâncias de tempo que consideram violadoras do deveres de boa fé e colaboração com os particulares a que a CNE está obrigada, padece de vícios formais, decorrentes da sua intempestividade e falta de fundamentação, e do vício de violação de lei, o que sintetizam, em sede de conclusões, do seguinte modo:
«I. A CNE violou os mais elementares deveres de boa fé (previsto no artigo 6°- A do CPA) e de colaboração com os particulares (previsto no artigo 7º do CPA) ao enviar uma vez mais, tarde e a más horas (depois de encerrados os serviços administrativos da EJM) a sua decisão, prejudicando, assim, os direitos de defesa dos Recorrentes, já que (na prática) reduziu a umas horas, o prazo para apresentação da defesa dos Recorrentes. Nem se podendo invocar o carácter de urgência da decisão da CNE, já que a CNE conseguiu levar 7 dias para elaborar uma deliberação e informação praticamente idênticas à anterior (proferida em 30/8/2010) e ainda assim, frise-se, padecendo, igualmente, do vicio de falta de fundamentação.
Sem prescindir,
II Nos termos do art. 141.° do CPA, ex vi do art. 137º, nº. 2 do CPA, os actos administrativos inválidos só podem ser renovados (“ratificados”) dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida.
III. A alegada “renovação” da Deliberação da CNE de 30/08/2011 em 13/09/2011 é intempestiva, porquanto em 1/09/2011 os ora Recorrentes interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional daquela Deliberação, nos termos do art. 102.°-B da Lei n.° 28/82 de 15 de Novembro.
IV. Pelo que se a CNE pretendesse ratificar a referida Deliberação, deveria tê-lo feito imediatamente após a remessa dos autos para o Tribunal Constitucional, mas nunca após o decurso do prazo que o Tribunal Constitucional dispunha para decidir.
Sem prescindir,
V. A Deliberação da CNE é ANULÁVEL (nos termos do artigo 135° do CPA), por falta de fundamentação nos termos do artigo 125° do CPA e 268° n° 3 da CRP, visto conter fundamentação insuficiente e contraditória.
VI. Atendendo à natureza acusatória da Deliberação da CNE, a qual comina, inclusivamente, caso seja inobservada, a aplicação de um crime de desobediência ao Director do JM e uma vez que a CNE pretende suprimir e comprimir direitos, tão fundamentais e essenciais como o direito constitucionalmente garantido da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa, a fundamentação da decisão da CNE deveria ser o mais circunstanciada e o mais completa possível, só sendo suficiente se esclarecesse concretamente os factos que integravam as condições legais da decisão e se não ignorasse os argumentos principais que os Recorrentes invocaram na suas sucessivas respostas às participações (vide documentos nos 7 a 11 juntos à Deliberação da CNE), o que a CNE pura e simplesmente não fez.
VII. A CNE não fundamenta o porquê da aplicação do DL n° 85-D/75, de 26 de Fevereiro, ao período de 6 de Agosto a 26 de Agosto, uma vez que neste período não está ainda em causa o período da campanha eleitoral, o qual decorrerá de 25/9/2011 a 7/10/2011 e uma vez que este diploma legal aplica-se, apenas, ao período de campanha eleitoral. Sendo que, ainda que o DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, fosse aplicável ao período de pré- campanha, o que se admite apenas por mera questão de raciocino, sendo os deveres nesta fase mais ténues do que no período de campanha eleitoral, e estando o eleitorado a 1 mês do inicio do período de campanha eleitoral, a CNE devia ter tido o especial cuidado de fundamentar a sua decisão, uma vez que se trata de uma limitação à liberdade de expressão (artigo 37º da CRP) e à liberdade de imprensa (artigo 38° da CRP) e uma ingerência no alinhamento editorial de um órgão de comunicação social.
VIII. A CNE não fundamenta o tipo de decisão que está aqui em causa nos termos do artigo 15° do Regimento da CNE, o que não é de todo irrelevante uma vez que só a partir dessa qualificação é que os Recorrentes conseguem entender se a decisão tem ou não carácter vinculativo.
IX. A Deliberação da CNE não especifica como seria seu dever os factos que considera provados e não provados, nem tão pouco analisa criticamente os argumentos invocados pelos Recorrentes nas suas sucessivas defesas, bem como a prova documental e testemunhal que estes produziram nos vários processos.
X. A Deliberação da CNE sustenta a sua “fundamentação” numa Informação que por sua vez remete para um mero documento anexo não assinado, nem rubricado) com excertos de alguns artigos de opinião, sem estabelecer um nexo causal entre estes (individualmente considerados e em conjunto) com a lei que supostamente consideram violada. A Deliberação deveria especificar concretamente quais os fundamentos de facto e a partir daí relacioná-los com o direito aplicável, não sendo suficiente para uma fundamentação clara e esclarecida, uma simples menção da violação de uma norma legal, sem que se estabeleça em que termos concretos de facto, a mesma norma foi violada, mais a mais tendo em conta que a Deliberação visa a supressão/limitação de direitos fundamentais como a liberdade de expressão (artigo 37º da CRP) e de imprensa (artigo 38° da CRP).
XI. A fundamentação da CNE é contraditória, pois nos considerandos da Deliberação e na Informação que a sustenta refere simultaneamente aspectos relacionados com as publicações de carácter jornalístico e as matérias de opinião e depois conclui, apenas, no sentido de limitar os espaços de opinião, deixando em aberto para os Recorrentes e sem se perceber, qual a posição, no fim de contas, da CNE quanto ao tratamento jornalístico efectuado pelos Recorrentes e qual o sentido (se é que existe algum) da decisão da CNE quanto a esta matéria. Acresce que, a análise que a CNE efectua às edições do JM extravasa as participações apresentadas. Com efeito, nas participações intentadas junto à CNE contra a EJM referem-se, apenas, as edições do JM de 6 de Agosto de 2011 a 22 de Agosto de 2011. Ora, a CNE estende a sua ‘'análise” às edições do JM de 6 de Agosto de 2011 a 26 de Agosto de 2011, sem que se perceba porquê-!
Sem prescindir.
XII. As determinações do DL n° 85-D/75. de 26 de Fevereiro visam o período de campanha eleitoral (que terá inicio no dia 25/9/2011 e terminará no dia 7/10/2011). O que significa que no período analisado pela CNE (6 de Agosto a 26 de Agosto de 2011) e até ao dia 25/9/2011 este diploma legal não tem aplicação.
Sem prescindir,
XIII. A CNE analisou os artigos de opinião publicados no JM no período de 6 de Agosto a 26 de Agosto (o que equivale a 21 dias de edições), a 1 mês do período de campanha eleitoral. Ora, ainda que se considerasse aplicável ao período de pré-campanha eleitoral o DL n° 85-D/75, de 26 de Fevereiro, o que se admite apenas por mera hipótese de raciocínio, atendendo a que esta fase se iniciou em 28/7/2011 e terminará em 24/09/2011, estaríamos a falar de 59 dias de edições do JM que não foram integralmente analisadas pela CNE. Desse período de tempo, a CNE analisou, apenas, os artigos de opinião referentes a 21 dias de fase eleitoral, ou seja, apenas 21 edições do JM. E dessas 21 edições do JM analisadas pela CNE muitos dos artigos de opinião nem sequer fazem qualquer referência a candidaturas, partidos políticos ou eleições. Ora, para haver rigor na amostragem usada pela CNE e para que se pudesse concluir que efectivamente os Recorrentes não davam cumprimento ao nº 2 do artigo 7° do DL n° 85-D/75, de 26 de Fevereiro, teria sido necessário abranger, as edições do JM durante todo o período de pré campanha eleitoral, ou pelo menos, num período de tempo de “campanha eleitoral” mais alargado. Ora, não tendo a CNE feito isso não tem base factual e legal para considerar preenchido o n° 2 do artigo 7º do DL n° 83-D/75, de 26 de Fevereiro.
XIV. E se a CNE considerasse que haveria o perigo do JM poder prevaricar tal disposição legal, então deveria ter optado por tomar medidas provisórias, nos termos do artigo 84° do CPA, antes de proferir uma decisão para a qual não tem qualquer sustento factual e legal.
Sem prescindir,
XV. Pelas contas da CNE, no período de tempo analisado, que, frise-se não corresponde sequer ao período de campanha eleitoral (o qual está ainda à distância de um mês), dos 57 artigos de opinião analisados, cerca de 19 não têm qualquer relação com candidaturas, partidos políticos ou eleições e dos cerca de 38 artigos de opinião que supostamente constituem, segundo a CNE, violação ao n° 2 do artigo 7° do DL n° 85-D/’5, de 26 de Fevereiro, pelo menos, 13 destes artigos de opinião não têm carácter partidário e/ou relacionado com a fase de campanha eleitoral em curso, o que uma vez mais, reduz a amostragem da CNE a uns poucos artigos de opinião dispersos no tempo, o que impede que se possa considerar preenchido o conceito de 'forma sistemática de propaganda” do nº 2 do artigo 7° do DL n° 85-D/75, de 26 de Fevereiro.
Sem prescindir,
XVI. É FALSO e desprovido de qualquer fundamento o alegado pelos Participantes e o sentido da Deliberação proferida pela CNE: o JM sempre efectuou um tratamento jornalístico das campanhas eleitorais e do espaço de opinião isento e cumpridor do princípio constitucional da igualdade de oportunidades e de tratamento, conforme proclamado, designadamente, no artigo 113°, n° 3, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e no artigo do DL n° 85-D/5 de 26 de Fevereiro.
XVII. Num Estado de Direito Democrático não é suposto haver limites e condicionamentos às opções editoriais dos meios de comunicação social e a EJM, tal como qualquer outro meio de comunicação social, é livre de exprimir as suas ideias e de escolher os seus colaboradores de acordo com as suas opções editoriais, sob pena de violação dos artigos 38.° da CRP e 1.º da Lei de Imprensa.
XVIII. Os Participantes e a CNE pretendem efectuar uma intrusão e ingerência ilegítimas nas opções e escolhas editoriais da EJM que só a si e ao seu Director, nos termos do artigo 20°, n.° 1, da Lei de Imprensa, diz respeito.
XIX. O espaço de opinião do JM cobre as mais variadas e diversas matérias, desde as mais triviais às mais técnicas, conforme ampla documentação que os Recorrentes enviaram para apreciação da CNE, veja-se, por exemplo, nas edições do JM do dia 17, 18 e 19 de Agosto de 2011 (os artigos de opinião da colaboradora Graça Alves, que aborda FÁTIMA, do colaborador Francisco Fernandes que analisa o Estado Social e Educação - A Escola a tempo inteiro, da colaboradora Rubina Berardo que analisa os distúrbios no Reino Unido, do colaborador Bruno Macedo que disserta sobre a crise económico-financeira e do colaborador Filipe Malheiro, que discorre sobre a acção formativa dos Internos do Hospital).
XX. São os colaboradores de longa data e de colaboração continuada (não colaboram, apenas, em período de campanha eleitoral que definem as matérias e os assuntos que pretendem abordar no JM, sem qualquer ingerência da Direcção do JM e escrevem artigos de opinião e não artigos de opinião politica, desconhecendo os Recorrentes a sua filiação partidária
XXI. Impedir tais colaboradores de colaborarem com o JM em período de campanha eleitoral e fora dele, como habitualmente o fazem seria impedir, interferir com o conteúdo dos seus artigos de opinião e limitar ilicitamente a liberdade de expressão dos mesmos e o pluralismo democrático e configuraria, inclusivamente, uma injustificada e desmerecida censura política aos seus autores. Sublinhe se também que não existe qualquer proibição legal que determine que candidatos e/ou filiados em partidos políticos escrevam e/ou colaborem com os seus artigos de opinião nos meios de comunicação social (a este respeito juntou-se o artigo publicado no Jornal Público do dia 10 de Agosto de 2009, conforme documento junto às sucessivas defesas da EJM, que demonstra a polémica em torno desta questão e para a qual aqui se remete).
XXII. Além do mais a CNE tem uma ideia pouco abonatória dos leitores do JM e da generalidade dos eleitores da Madeira, pois a CNE considera que um simples artigo de opinião do JM é capaz de determinar pessoas a votarem num ou noutro sentido; frise-se que não está provado que exista uma relação directa entre os artigos de opinião e os votos nos partidos. Para além do mais, o espaço reservado aos artigos de opinião está perfeitamente assinalado. E qualquer leitor médio de um jornal sabe que tratando-se de uma opinião é por natureza algo caracterizado por alguma subjectividade. Contudo, o leitor tem actualmente a possibilidade de aceder a uma quantidade de informação vastíssima e de escolher e processar a informação que lhe aprouver, sem estar cingido a um único meio de comunicação social.
XXIII. Note-se, igualmente, que o teor de tais artigos de opinião é da exclusiva responsabilidade de quem os escreve - vide artigo 31° n° 4 da Lei n° 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa). Os artigos de opinião publicados nas edições em causa neste processo, identificam os seus autores, pelo que a haver qualquer tipo de “responsabilidade”, o que só por mera questão de patrocínio se admite, essa só seria imputável aos seus autores e nunca ao JM.
XXIV. E ainda que assim não fosse, o que só por mera questão de patrocínio se concede, sempre se dirá que tais artigos não prefigurariam qualquer violação da Lei Eleitoral. Tais artigos são meras opiniões particulares, ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão, previsto no artigo 37° da CRP. Aliás, é prática corrente dos vários periódicos, publicarem artigos de opinião expressivos das tendências de quem os profere, de forma a garantir o pluralismo democrático.
XXV. A EJM é uma sociedade comercial por quotas, que tem por actividade a edição e comercialização de publicações periódicas e não periódicas e a actividade de radiodifusão, sonora, e colateralmente, a recolha de distribuição de noticias, comentários ou imagens, a publicidade, a execução e comercialização de trabalhos tipográficos, a organização de eventos culturais (vide certidão permanente com o código de acesso: 4624-3106-0682). A EJM é, assim, uma empresa jornalística, que tem por missão informar e recolher/divulgar noticias, com o seu próprio estatuto editorial e livre de exprimir as suas opiniões. Qualificar a EJM como uma sociedade de economia pública ou mista para efeitos de aplicação do artigo 60° da LEALRAM é um enquadramento errado e excessivo. Aliás, a própria CNE não está segura da sua razão, já que refere que lhe “parece” integrar o conceito de “sociedade de economia pública ou mista’.
II. Fundamentação de facto
2. Os autos demonstram, com relevância para a sua apreciação, os seguintes factos:
Foram instaurados pela Comissão Nacional de Eleições procedimentos relativos a participações contra o Jornal da Madeira por tratamento jornalístico discriminatório no âmbito da eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, designada para o próximo dia 9 de Outubro de 2011.
Em 30 de Agosto de 2011, a CNE deliberou notificar o Director do Jornal da Madeira «para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias de opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei”, designadamente para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal».
Em 1 de Setembro de 2011, os ora recorrentes interpuseram junto do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102.º-B da LCT, recurso contencioso da deliberação referida em b).
Pelo Acórdão n.º 391/11, de 6 de Setembro de 2011, proferido no processo n.º 655/11, o Tribunal Constitucional decidiu julgar o referido recurso procedente e anular, por falta de fundamentação, a deliberação da CNE de 30 de Agosto de 2011.
Os serviços da CNE elaboraram a seguinte informação, datada de 13 de Setembro de 2011:
«Informação
Assunto: Participações apresentadas contra o “Jornal da Madeira” por tratamento jornalístico discriminatório, no âmbito da eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira:
-Proc. 4/ALRAM-2011 – Participação do PND
- Proc. 5/ALRAM-2011 – Participação de cidadão
- Proc. 6/ALRAM-2011 – Participação de cidadão
- Proc. 9/ALRAM-2011 – Participação da CDU Madeira
- Proc. 12/ALRAM-2011 – Participação de cidadão
No âmbito dos processos acima elencados, a Comissão Nacional de Eleições, na reunião de 30 de Agosto p.p., aprovou, por unanimidade dos Membros presentes, a Informação que se anexa (Doc. 1) e deliberou nos termos e com os fundamentos constantes da mesma notificar o Director do «Jornal da Madeira» para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro.
Interposto recurso daquela deliberação por parte da Empresa Jornal da Madeira, Lda., o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão nº 391/2011, que se anexa (Doc. 2), através do qual decide conceder provimento ao recurso e anular a deliberação recorrida com fundamento na falta dos elementos de facto que foram determinantes para a adopção da deliberação da CNE.
A Comissão de Acompanhamento, reunida no dia 8 de Setembro p.p., deliberou por unanimidade determinar ao gabinete jurídico a elaboração de uma informação com carácter de urgência, a ser submetida à próxima reunião plenária da CNE, com vista a sanar o vício apontado pelo Tribunal Constitucional.
E é o que se fará de seguida.
As participações que deram origem aos processos em causa fazem referências concretas a 20 edições do Jornal da Madeira, distribuídas entre os dias 6 de Agosto e 26 de Agosto, que analisadas, todas, na parte relativa a matérias de opinião, se verificou conterem 57 artigos de opinião.
Destes, em 38 artigos de opinião identificaram-se elementos susceptíveis de constituir violação do nº 2 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, por neles se promover directa ou indirectamente a candidatura do partido que suporta o Governo Regional e seus candidatos, em particular do seu cabeça-de-lista, ou se atacarem directamente outras candidaturas ou candidatos destas.
No documento em anexo (Doc. 3) constam, ordenados por edição e devidamente identificados, extractos meramente exemplificativos do teor dos artigos de opinião em que se funda materialmente a conclusão anterior.
Em nenhuma das edições foi possível descortinar um artigo de opinião que promovesse directa ou indirectamente qualquer outra candidatura ou qualquer candidato de outra candidatura.
Os restantes artigos de opinião não contêm matéria relacionada com as candidaturas, partidos políticos ou eleições.
Em 29 de Julho p.p., a CNE remeteu aos órgãos de comunicação social, designadamente ao Jornal da Madeira, o seu Comunicado sobre o “Tratamento jornalístico não discriminatório”, que constitui anexo à presente informação (Doc. 4), aliás no seguimento do que já havia feito recentemente no âmbito da eleição do Presidente da República de Janeiro do corrente ano, reafirmando os princípios da igualdade e da não discriminação entre todas as forças políticas concorrentes à eleição.
Em todos os processos em causa, o Jornal da Madeira foi notificado para responder às acusações que contra ele foram formuladas e em todos eles respondeu sempre com a mesma justificação e sempre reafirmando o seu pretenso direito a prosseguir nesta prática em nome da liberdade de imprensa e da sua linha editorial.
Em conclusão
Nas edições analisadas, o Jornal da Madeira não cumpriu o dever imposto pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, por nos espaços de opinião promover com carácter sistemático e exclusivo uma candidatura ou candidatos seus e denegrir outras;
A manter-se este comportamento, os factos resultarão em violação grosseira da referida norma eleitoral;
O Jornal da Madeira manifestou reiterada incompreensão dos deveres impostos pela lei e a intenção de persistir no seu comportamento;
O interesse público protegido pela norma em causa – o direito dos cidadãos a serem informados e o direito das candidaturas a serem tratadas com igualdade – é impossível de reparar após o termo do processo eleitoral.
Proposta de deliberação
Propõe-se que a Comissão Nacional de Eleições renove a deliberação tomada a 30 de Agosto p.p., nos seguintes termos:
Considerando que:
- A CNE deve assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas, designadamente a igualdade e a não discriminação das candidaturas por parte dos órgãos de comunicação social;
- As publicações de carácter jornalístico que façam a cobertura da campanha eleitoral estão obrigadas a dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas ao acto eleitoral;
- As publicações de carácter jornalístico não podem dar maior destaque a determinadas candidaturas em detrimento das outras, nem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas;
- As matérias de opinião, de análise política ou de criação jornalística relativas às eleições não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras;
- O Jornal da Madeira se encontra subordinado aos deveres de neutralidade e imparcialidade e que a violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade constitui ilícito criminal;
- Da análise das edições do Jornal da Madeira, concretamente referidas nas participações que deram origem aos processos em causa, verifica-se que é feita propaganda sistemática e exclusiva de uma candidatura e de candidatos seus, sendo omitidas ou atacadas outras e seus candidatos;
- O Jornal da Madeira demonstrou reiteradamente não compreender os seus deveres e manifesta a sua intenção de manter esse comportamento.
Notifique-se o Director do «Jornal da Madeira» para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7º do DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias de opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei” designadamente, para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º Código Penal.
Desta deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102º-B da Lei n.º28/82, de 15 de Novembro.”
a) Em 13 de Setembro de 2011, a CNE tomou a seguinte deliberação, que consta da acta respectiva:
«2.1 Participações contra o Jornal da Madeira por tratamento jornalístico discriminatório (Proc.ºs nºs 4, 5, 6, 9, 11 e 12/ALRAM-2011) -------------------------------------------------------------
--------------------------------
A Comissão aprovou, por unanimidade dos Membros presentes, a Informação que constitui anexo à presente acta e nos termos e com os fundamentos constantes da mesma, bem como da informação aprovada na reunião de 30 de Agosto p. p., tomou a seguinte deliberação--------------------
Considerando que: ---------------------------------------------------------------------------------------
- A CNE deve assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas, designadamente a igualdade e a não discriminação das candidaturas por parte dos órgãos de comunicação social; -----
- As publicações de carácter jornalístico que façam a cobertura da campanha eleitoral estão obrigadas a dar um tratamento jornalístico não discriminatório às diversas candidaturas ao acto eleitoral; ------------------------
- As publicações de carácter jornalístico não podem dar maior destaque a determinadas candidaturas em detrimento das outras, nem adoptar condutas que conduzam à omissão de qualquer uma das candidaturas; ----
- As matérias de opinião, de análise política ou de criação jornalística relativas às eleições não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras; ----------------------
- O Jornal da Madeira se encontra subordinado aos deveres de neutralidade e imparcialidade e que a violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade constitui ilícito criminal; -----------------------------
Notifique-se o Director do «Jornal da Madeira» para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7º do DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias de opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei” designadamente, para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º Código Penal. ----------------------------------------------------------------------------------
Desta deliberação cabe recurso para o Tribunal Constitucional a interpor no prazo de um dia, nos termos do artigo 102º-B da Lei n.º28/82, de 15 de Novembro. ----------------------------------------------------------------------
------------------------
As eleições para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira foram designadas para o dia 9 de Outubro de 2011, pelo Decreto do Presidente da República n.º 59/11, publicado no Diário da República de 28 de Julho de 2011.
O capital social da “Empresa do Jornal da Madeira Lda.” é de €4 345 876,44, sendo a Região Autónoma da Madeira detentora de uma quota de €4 344 878,84.
III – Fundamentação de direito
3. Notificação do acto impugnado
Os recorrentes começam por suscitar questões relacionadas com o momento em que foi efectuada a notificação do acto impugnado, alegando, em síntese, que a notificação foi efectuada por fax para além do horário normal de expediente, implicando, na prática, uma diminuição do prazo útil para a elaboração do recurso, que a lei fixa em um dia a contar da data do conhecimento da deliberação.
No entanto, como se assinalou já no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 391/11, que incidiu sobre idêntica temática, as eventuais deficiências respeitantes à notificação não constituem causa de invalidade do acto, e são meras ocorrências externas posteriores que respeitam, quando muito, aos requisitos integrativos de eficácia, não aos requisitos, elementos ou pressupostos da deliberação impugnada, sendo como tal irrelevantes em sede de apreciação de invalidade.
4. Da tempestividade do acto impugnado
Sustentam os recorrentes, para justificar a intempestividade da deliberação de 13 de Setembro de 2011, que constitui objecto do presente recurso, que a CNE só poderia ter ratificado a deliberação de 30 de Agosto de 2011, suprindo a invalidade decorrente de falta de fundamentação que a afectava, dentro do prazo do respectivo recurso contencioso, isto é, um dia a contar da data do conhecimento pelo recorrente da deliberação impugnada (artigo 102.º-B, n.º 2, da LTC, aplicável ex vi das disposições conjugadas dos artigos 137.º, n.º 3, e 141.º do CPA) ou, no máximo, no prazo de que o Tribunal Constitucional dispunha para decidir o recurso contencioso por ambos interposto daquela anterior deliberação em 30 de Agosto, pelo que a deliberação impugnada, datada de 13 de Setembro seguinte, é intempestiva e, como tal, anulável.
Vejamos se lhes assiste razão.
A ratificação-sanação é um acto administrativo (secundário) através do qual o órgão competente decide sanar um acto administrativo anteriormente praticado (primário) com vista à sanação das invalidades (formais ou procedimentais) de que o mesmo padece, expurgando-o dos vícios delas geradores.
Ora, a prática de um tal acto ratificante, cujos efeitos, em regra, retroagem à data dos actos a que respeitam (artigo 137.º, n.º 4, do CPA), pressupõe a subsistência jurídica do acto ratificado, ou, com mais propriedade, a sua existência jurídica (artigo 137.º, n.º 1, do CPA), pois que o que a Administração pretende, com a sua prática, é, precisamente, substitui-lo no ordenamento jurídico, conferindo-lhe, com eficácia retroactiva, os atributos de valia formal de que carece.
Se é certo que, no caso vertente, o acto ora impugnado mantém o sentido decisório daqueloutro praticado, com o mesmo objecto, em 30 de Agosto de 2011, não se afigura ser bastante uma tal correspondência decisória para concluir, como o fazem os recorrentes, que se trata de um acto juridicamente configurável como ratificação, designadamente para o efeito de o sujeitar ao regime remissivamente definido, em matéria de prazos, pelo n.º 2 do citado artigo 137.º do CPA.
Com efeito, e como decorre dos termos com que a lei indirectamente delimita o âmbito operativo do regime, que adiante define por referência expressa às condições de admissão da prática dos actos de ratificação, reforma e conversão (artigo 137.º, n.º 1, do CPA), não ocorre ratificação quando o acto (formalmente) inválido tenha sido anulado em recurso contencioso que dele foi interposto, deixando, por isso, de existir no ordenamento jurídico.
Aliás, o regime previsto para a ratificação, entre outras modalidades de actos tendentes à sanação da invalidade de actos anteriores, no que se refere à sua tempestividade, pressupõe exactamente a não convalidação do acto por decurso do prazo de recurso contencioso, sendo que as razões de segurança jurídica e protecção de direitos constituídos que lhe estão subjacentes nenhum sentido fazem quando aplicadas às situações em que o acto precedente foi contenciosamente anulado.
Ora, no caso vertente, a deliberação da CNE de 30 de Agosto, que os recorrentes dizem ter sido intempestivamente ratificada pela deliberação de que ora recorrem, foi contenciosamente anulada pelo Acórdão n.º 391/11, de 6 de Setembro, do Tribunal Constitucional.
Assim sendo, a deliberação da CNE de 13 de Setembro de 2011, de que ora se recorre, não pode, pelas razões enunciadas, ser qualificada como acto de ratificação, consubstanciando, antes, a prática ex novo de um acto administrativo que, em execução do acórdão anulatório, visa expurgar o acto ilegal dos vícios de que padecia, e que está limitado temporalmente apenas por considerações ligadas aos prazos de execução de decisões judiciais.
Trata-se, nesse sentido, da substituição do acto ilegal por outro com idêntico conteúdo, no reexercício do mesmo poder de definição jurídica (que caracteriza a prática de um acto renovatório), e que unicamente terá respeitar os limites ditados pela autoridade do caso julgado, designadamente no tocante à eliminação das ilegalidades anteriormente cometidas e jurisdicionalmente reconhecidas (cfr. artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Improcedem, pois, neste particular, as invocadas razões de invalidação formal da deliberação impugnada.
5. Da falta de fundamentação do acto impugnado
Defendem, ainda, os recorrentes que a deliberação da CNE sob apreciação é anulável, por falta de fundamentação, por conter uma fundamentação insuficiente e contraditória (artigo 125.º, n.º 2, do CPA).
Estando em causa aspecto que se prende com a externação do acto, no que respeita à justificação da decisão em que se consubstancia, o que cumpre, em rigor, aferir é se a deliberação impugnada, globalmente considerada, se apresenta como um «discurso justificativo», isto é, se é funcionalmente apta a esclarecer concretamente os motivos (de facto e de direito) que a sustentam.
E uma tal aptidão justificante opera quando for possível apreender do contexto discursivo integrante do acto visado por que razão a Administração tomou determinada decisão, sendo irrelevantes todas as deficiências ou imperfeições de fundamentação, de ordem lógica ou comunicacional, que, por marginais, não comprometam a apreensão das razões que basearam o acto e a aferição da sua racionalidade valorativa interna.
Ora, analisando o teor da deliberação em causa e, em particular, da informação jurídica de 13 de Setembro para que aquela legalmente remete (artigo 125.º, n.º 1, do CPA), verifica-se que, em particular no que respeita à sua fundamentação de facto – posto que se afiguram suficientemente esclarecedoras as razões de direito apresentadas –, nela são concretamente enunciadas as razões de facto por que se decidiu ordenar a notificação do director do Jornal da Madeira para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75.
Invoca-se, em síntese, na informação que integra a deliberação sub judicio, que nas edições do Jornal da Madeira distribuídas entre os dias 6 de Agosto e 26 de Agosto foram publicados 57 artigos de opinião, sendo que em 38 destes artigos, aí devidamente identificados por referência à data e respectivo autor (ainda que por remissão para documento anexo em que, exemplificativamente, se transcrevem passagens desses 38 artigos de opinião), se promove directa ou indirectamente a candidatura do partido que suporta o Governo Regional e seus candidatos, em particular do seu cabeça de lista, ou se atacam directamente outras candidaturas ou candidatos destas, não contendo os restantes artigos de opinião matéria relacionada com as candidaturas, partidos políticos ou eleições (cf. ponto 4 da referida informação e documento 3 que lhe está anexo).
São estes os factos concretos que a deliberação impugnada expressamente considera consubstanciarem promoção, com carácter sistemático e exclusivo, de uma candidatura ou candidatos seus e ataque a outras, violadora do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro, resultando, pois, do acto impugnado que foram estas as razões, e não outras, que justificaram a ordem de cumprimento do citado normativo legal, sob cominação de desobediência, que ora se impugna.
Não se afigura, pois, insuficiente a fundamentação do acto impugnado, pois que, como acima se demonstrou, ela contém os elementos bastantes ou aptos a permitir entender quais os motivos concretos (de facto e de direito) que a CNE considerou determinantes da decisão que adoptou.
E, como é evidente, não podem ser tidas como razões geradoras de insuficiência de fundamentação, como pretendem os recorrentes, a circunstância de o acto impugnado alegadamente não ponderar os argumentos de defesa por si apresentados no respectivo procedimento administrativo; não enunciar os factos que considera provados e não provados; não justificar a aplicação do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro, ao período de pré-campanha eleitoral; nem especificar o tipo de acto que consubstancia.
Com efeito, não é legalmente exigível, em ordem ao cumprimento do dever legal de fundamentação, que o autor do acto especifique, como se de uma decisão judicial se tratasse, os factos que se consideram provados e não provados, que analise criticamente as provas produzidas, nem tão pouco que proceda à expressa qualificação do tipo legal de acto que está em causa, ou explicite as razões porque, em dada situação concreta, se considera aplicável ao caso um dado diploma legal.
A não ponderação dos factos invocados e dos meios de prova apresentados pelo interessado constitui um mero vício de procedimento, que poderá invalidar o acto administrativo por violação do princípio da imparcialidade. Isso porque o respeito pelo princípio da imparcialidade exige por parte da Administração a ponderação e a valoração comparativa de todos os interesses juridicamente relevantes na situação a conformar, como forma de assegurar a melhor prossecução do interesse público e o respeito pelas posições jurídicas subjectivas dos particulares. Em particular, quando se verifique que, na selecção de interesses para a ponderação, não foram integrados interesses relevantes, situações jurídicas dignas de protecção, ocorre um vício de desvio material da ponderação, caso em que o incumprimento do princípio da imparcialidade resulta de não terem sido captados todos os factos e interesses que o exercício do poder discricionário impunha, implicando que não tenham sido ponderados na tomada de decisão elementos relevantes que deveriam ser considerados (David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: para uma concretização do princípio do parâmetro decisório, Coimbra, 1996, pág. 452 e segs.; Acórdão do STA de 11/06/1992, apêndices ao Diário da República de 16/04/1996, pág. 3923).
Porém, no caso, nada permite concluir que a decisão recorrida tenha deixado de considerar quaisquer testemunhos ou documentos ou considerações ou argumentos que tenham servido de fundamento à defesa, que possa inquinar o acto pelo alegado deficit de instrução.
Por outro lado, a fundamentação de direito basta-se com a mera menção do regime jurídico ao caso aplicável (normas ou princípios jurídicos que regulam a situação concreta), sendo que o eventual erro de interpretação ou aplicação da lei redunda, não em vício de forma por insuficiência ou falta de fundamentação, mas em vício de violação de lei.
Acresce que não há qualquer incompatibilidade quanto ao facto de a CNE ter tido em atenção factualidade que remonta ao período de pré-campanha eleitoral.
Como se sublinhou no citado acórdão 391/11, a norma do n.º 2 do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro – que definiu disposições sobre o tratamento jornalístico que devia ser dado às diversas candidaturas à Assembleia Constituinte, mas foi mantido em vigor pelas sucessivas leis eleitorais – é igualmente aplicável à campanha eleitoral para a eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, por força do disposto no artigo 60.º da Lei Orgânica n.º 1/2006, de 13 de Fevereiro, que estabelece um princípio de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, incluindo as sociedades de economia pública e de economia mista, e cujo regime se torna extensivo ao período que decorre desde a publicação do decreto que marque a data das eleições (cfr. artigo 60.º, n.º 4).
Por outro lado, também a Lei n.º 25/99, de 3 de Maio, alargou a aplicação dos princípios reguladores da propaganda e a obrigação da neutralidade das entidades públicas ao período de pré-campanha, passando a impor, designadamente às empresas de economia publica ou de economia mista, o dever de velar no período que se segue à marcação da data das eleições por um tratamento igualitário das diversas candidaturas.
E está fora de dúvida que a Empresa Jornal da Madeira, quer pelo objecto da sua actividade, quer pelo facto de constituir uma empresa pública regional (segundo a definição constante do artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro), em cujo conceito se integram as sociedades de capitais públicos ou de capitais maioritariamente públicos, está incluída no âmbito de aplicação desses diplomas, e, por isso, obrigados a adoptar uma conduta editorial que não prejudique ou favoreça um concorrente às eleições em detrimento de outros.
E esse dever é imposto, como se explicitou, desde a marcação das eleições, e, portanto, ainda no período de pré-campanha.
Pelo que nenhum motivo há para reputar como ilegal a valoração feita pela CNE em relação a peças jornalísticas publicadas no período de 6 a 26 de Agosto.
Em suma, não se descortina do contexto da deliberação em referência qualquer incongruência ou contradição entre os fundamentos invocados e o conteúdo decisório do acto, que se mostre ser relevante, nem este enferma de vício de procedimento ou de erro de aplicação da lei.
Improcedem, por conseguinte, os fundamentos do recurso que constam das conclusões V a XV.
6. Do vício de violação de lei
Por fim, os recorrentes põem em causa o juízo decisório em que assenta a deliberação impugnada, alegando, em resumo, que é falso e desprovido de qualquer fundamento que o JM tenha deixado de efectuar um tratamento jornalístico das campanhas eleitorais isento e cumpridor do princípio constitucional da igualdade de oportunidades e de tratamento, acrescentando que o seu espaço de opinião cobre as mais variadas e diversas matérias e, ademais, o jornal não pode impedir os seus colaboradores de expressarem as suas opiniões e não podem sequer ser impostos limites e condicionamentos às opções editoriais dos meios de comunicação social, que são livres de exprimir as suas ideias e de escolher os seus colaboradores de acordo com as suas opções editoriais.
Importa, a este propósito, ter presente o objecto da decisão recorrida.
A CNE deliberou notificar o Director do Jornal da Madeira «para cumprir o disposto no n.º 2 do artigo 7º do DL nº 85-D/75, de 26 de Fevereiro, nos termos do qual as matérias de opinião “não podem assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras, de modo a frustrarem-se os objectivos de igualdade visados pela lei” designadamente, para não permitir que nos espaços de opinião se faça apologia sistemática de uma só candidatura (…)».
A CNE é uma entidade administrativa independente, com competência «relativamente a todos os actos de recenseamento e de eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local» e a quem especialmente incumbe «assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais» (artigos 1.º, nºs. 2 e 3, e 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro).
A CNE agiu, por conseguinte, como órgão da administração eleitoral, e ao interpretar os factos imputados ao Jornal da Madeira, nos termos já analisados, como sendo susceptíveis de «assumir uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras», esse órgão limitou-se a preencher, no uso de uma competência própria, o conceito jurídico indeterminado que consta do disposto no artigo 7º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-D/75, de 26 de Fevereiro.
É indiferente para o caso que a disposição em causa se caracterize também como uma norma de natureza penal (cuja infracção implica que o respectivo agente possa incorrer em pena de prisão ou multa), e que a CNE disponha ainda de competência para realizar diligências para efeito de elaborar e remeter ao Ministério Público a competente participação para prosseguimento de acção penal.
Apesar disso, no caso vertente a qualificação dos factos como integrando o ilícito penal previsto no artigo 7º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-D/75 não tem qualquer carácter constitutivo e visou unicamente caracterizar a situação concreta, por referência ao conceito indeterminado constante da referida disposição legal, como constituindo uma violação do princípio da igualdade de oportunidades de acção e propaganda. Daí também que a CNE se tenha limitado a emitir uma injunção em vista a impedir, ainda em tempo útil, considerando a proximidade do acto eleitoral, que o Jornal da Madeira pudesse continuar a publicar artigos de opinião que envolvessem uma forma sistemática de propaganda de certa candidaturas ou de ataque a outras.
Em termos gerais, o exercício do poder discricionário da Administração (entendido num sentido amplo como abrangendo a margem de livre apreciação, o preenchimento de conceitos indeterminados e a prerrogativa de avaliação), é apenas sindicável pelos tribunais nos seus aspectos vinculados, designadamente os relativos à competência, à forma, aos pressupostos de facto e à adequação ao fim prosseguido, e ainda no tocante à aplicação dos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, a que alude o artigo 266º, n.º 2, da CRP, que funcionam como limites internos à actividade discricionária (veja-se, neste sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 440/05, e ainda os acórdãos do STA (Pleno) de 30 de Junho de 2000, Processo n.º 44933, e de 7 de Fevereiro de 2001, Processo n.º 44852).
E assim, fora dos casos em que possa haver um controlo externo e negativo do tribunal (por referência a esses aspectos vinculados ou aos limites internos da actividade discricionária), sempre que o conceito indeterminado confie à Administração a tarefa da formulação de valorações próprias do exercício da sua função, só em casos de erro manifesto de apreciação ou de aplicação de critério manifestamente inadequado é que a conduta da Administração pode ser sindicada jurisdicionalmente (cfr. Mário Aroso de Almeida/Carlos Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição Coimbra, págs. 469-471; Sérvulo Correia, Direito do Contencioso Administrativo, vol. I, LEX, Lisboa, págs. 777-779; em idêntico sentido, os acórdãos do STA (Pleno) de 27 de Janeiro de 2008, Processo n.º 269/02, do STA de 3 de Novembro de 2005, Processo n.º 239/05, e do TCA Norte de 20 de Setembro de 2007, Processo n.º 213/06).
E, sendo assim, não estando de nenhum modo demonstrado que a decisão da CNE assentou em erro patente ou critério ostensivamente desajustado, não cabe ao Tribunal Constitucional, sob pena de violação do princípio de separação de poderes (cfr. artigo 3º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), substituir-se à autoridade recorrida na formulação de juízos de valoração próprios do exercício da função administrativa.
E diga-se a propósito que não pode sequer ser posta em causa, no caso, a exactidão dos pressupostos de facto em que assentou a decisão recorrida (que seria um dos aspectos vinculados no preenchimento do conceito indeterminado). De facto, os recorrentes não contestam a publicação dos artigos que serviram de fundamento à decisão, nem a transcrição dos extractos que constam da informação anexa, e apenas discutem a interpretação que dessas publicações possa ser feita no sentido de integrarem «uma forma sistemática de propaganda de certas candidaturas ou de ataque a outras». Mas, como vimos, à luz dos precedentes considerandos, essa não é, no circunstancialismo do caso, questão que o Tribunal possa sindicar.
Sabe-se que o contencioso eleitoral é um processo de plena jurisdição, mas isso apenas significa que o Tribunal não se limita a anular ou a confirmar o acto impugnado, mas resolve em termos definitivos o litígio; mas isso apenas ocorre nas situações em que o Tribunal detenha poderes de cognição que não invadam a esfera de actuação própria dos órgãos administrativos. O que manifestamente não é o caso, quando se depara com valorações próprias da actividade administrativa.
Por outro lado, não é também invocável, no caso, a liberdade de imprensa.
De facto, e como o Tribunal Constitucional sublinhou no seu acórdão n.º 391/11, «(…) como os demais direitos, a liberdade de imprensa, incluindo a liberdade de orientação editorial dos jornais, não é um direito absoluto, tendo os limites inerentes à concordância prática com outros direitos fundamentais. Ora, a Constituição garante institucionalmente a existência de períodos pré-eleitorais definidos e especialmente destinados ao esclarecimento dos cidadãos eleitores, em que, a par do princípio da liberdade de propaganda, avultam os princípios da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e da imparcialidade das entidades públicas perante elas [alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 113.º da CRP]. O estabelecimento de um dever, a cargo do director do jornal, de que é proprietária uma entidade do sector empresarial público, de evitar que a intervenção de colaboradores externos em artigos de opinião ou análise transforme os “espaços de opinião” do meio de comunicação em causa em instrumento de apologia sistemática a favor de alguma ou algumas das candidaturas em detrimento dos demais é adequado e necessário para a realização da igualdade das candidaturas.»
Improcede, por conseguinte, também o vício de violação de lei.
IV. Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 21 de Setembro de 2011. – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão – João Cura Mariano – Maria João Antunes – J. Cunha Barbosa – Catarina Sarmento e Castro – Ana Maria Guerra Martins – José Borges Soeiro – Vítor Gomes – Joaquim de Sousa Ribeiro (com declaração de voto) – Carlos Pamplona de Oliveira, com declaração remetendo para o voto do Exmo. Senhor Cons. Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanho a decisão, com reservas quanto à afirmação de que não cabe ao Tribunal, sob pena de violação ao princípio de separação de poderes, substituir-se à autoridade recorrida na formulação de juízos próprios do exercício da função administrativa.
No caso presente, a competência da CNE ultrapassa o exercício de mera função administrativa, pois valora, com aplicação de padrões normativos, e eficácia injuntiva, a actividade da recorrente, o que torna imediatamente operativa a revisibilidade jurisdicional, ao abrigo da garantia da tutela jurisdicional efectiva prevista do n.º 4 do art.º 268.º da CRP.- Joaquim de Sousa Ribeiro.
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20110395.html ]
|