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Processo n.º 684/2009
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de execução fiscal, em que é executada A., Lda., veio esta apresentar reclamação contra o acto de compensação da dívida exequenda realizado no processo de execução fiscal que contra si foi instaurado para cobrança de IVA respeitante ao ano de 1995, com fundamento em prescrição da referida dívida.
Por sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, proferida em 28 de Outubro de 2008, julgou-se a reclamação improcedente, absolvendo-se a Fazenda Pública do pedido.
Inconformada, veio a reclamante interpor recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte, alegando, na parte que releva para o presente recurso de constitucionalidade, que o n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Tributário (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, interpretado no sentido de que a interrupção nele prevista só cessa se o processo que constitui a causa da interrupção estiver parado mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte, é inconstitucional, por violação do princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP e, mais especificamente os princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança, da proibição do excesso e da tutela jurisdicional efectiva (na vertente do direito a um processo justo e adequado), este último regulado no artigo 20.º, n.º 4 da CRP.
O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do recurso e competente, para o efeito, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Subidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, este declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do objecto do recurso, entendendo que para o conhecimento do mesmo era competente o Tribunal Central Administrativo Norte.
Remetidos os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte, veio este proferir acórdão, negando provimento ao recurso.
No que à questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente diz respeito, o tribunal entendeu que a atribuição de carácter duradouro às causas interruptivas da prescrição previstas no n.º 3 do artigo 34.º do CPT não viola a Constituição.
2. É dessa decisão que é interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional.
Através dele pretende a recorrente a apreciação da constitucionalidade da norma constante do n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, quando interpretado no sentido de a interrupção da prescrição tributária nele prevista ter natureza duradoura e não instantânea.
Entende a recorrente que tal norma viola os artigos 2.º e 20.º, n.º 4 da CRP, princípios da segurança jurídica, da certeza do direito e da protecção da confiança dos cidadãos, como corolários lógicos do princípio fundamental do Estado de direito democrático e o princípio do “due process of law”.
Notificada para o efeito, a recorrente veio apresentar alegações, tendo concluído do seguinte modo:
1ª
O objecto do presente recurso prende-se com a interpretação dada pelo Tribunal a quo ao art.° 34° nº 3 do Código de Processo Tributário (CPT) e da sua desconformidade com o princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.° 2° da CRP e os seus corolários dinâmicos da segurança jurídica (ou da certeza do direito), da protecção da confiança, da proibição do excesso e da tutela jurisdicional efectiva (na vertente do direito a um processo justo e adequado), regulado no art.° 20° n° 4 da CRP
2ª
A recorrente sustenta que o art.° 34° nº 3 do CPT, interpretado no sentido de que a prescrição aí prevista não corre após o funcionamento de uma causa interruptiva e só volta a progredir se cessar o efeito, viola o princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado o art.° 2° da CRP e os seus corolários dinâmicos da segurança jurídica (ou da certeza do Direito), da protecção da confiança, da proibição do excesso e da tutela jurisdicional efectiva (na vertente do direito a um processo justo e adequado), regulado no art.° 20° n° 4 da CRP.
3ª
Resulta imediatamente da interpretação controvertida que, uma vez ocorrida a instauração de um dos processos mencionados no art.° 34°/nº 3 do CPT (execução fiscal, reclamação, impugnação ou recurso) se dá a interrupção da prescrição tributária, com os efeitos do art.° 27°/n°1 do C Civil.
4ª
Ou seja, uma vez verificada a interrupção da prescrição, fica destruído todo o tempo decorrido antes da verificação da causa da interrupção e a prescrição só volta a correr depois do trânsito em julgado do processo que estiver na base da interrupção, considerando-se, por conseguinte, as causas da interrupção da prescrição tributária como causas de efeito duradouro.
5ª
O que vale por dizer que o prazo de prescrição fica paralisado no tempo, e por tempo indeterminado, ficando sem saber quando irá ocorrer a prescrição da dívida tributária.
6ª
Isto é, por via da interpretação que é feita do art.° 34°/n° 3 do CPT, introduz-se uma incerteza no regime da prescrição tributária e confere-se um alargamento desmesurado ao respectivo prazo, podendo, até, duplicar o prazo normal previsto na lei.
7ª
Da interpretação controvertida resulta um alargamento injustificado do prazo de prescrição das obrigações tributárias, premiando a inércia do Estado na resolução dos conflitos de natureza fiscal com os cidadãos contribuintes.
8ª
Na verdade, o art.° 34° do CPT reduziu o prazo de prescrição das obrigações tributárias de 20 para 10 anos.
9ª
No preâmbulo do DL nº 154/91, de 23 de Abril (diploma que aprovou o CPT) o legislador justificava, assim, o encurtamento do prazo de prescrição:
“Encurta-se o prazo de prescrição das obrigações tributárias, tendo em conta a actual rapidez da vida económica e a modernização em curso dos meios de fiscalização tributária”.
10ª
Ou seja, entendia-se, então, que o prazo de 10 anos era mais que suficiente para o Estado arrecadar os tributos a que tem direito.
11ª
Pois bem, através da interpretação do art.° 34°/n°3 do CPT aqui questionada, esse prazo de 10 anos, considerado mais que suficiente para a cobrança dos créditos tributários, pode chegar aos 20 ou mais anos.
12ª
Ainda segundo a interpretação questionada nos autos, uma vez instaurada a execução fiscal, a reclamação, a impugnação ou o recurso, a prescrição deixa de correr até que transite em julgado o processo que esteve na base dessa interrupção.
13ª
Isto é, fica-se sem se saber quando é que concretamente ocorrerá essa mesma prescrição.
14ª
O que equivale a introduzir no regime da prescrição tributária, pela via da interpretação, uma grande incerteza nesse regime jurídico.
15ª
Pelo que, uma tal solução não pode deixar de se considerar como altamente lesiva das legítimas expectativas dos contribuintes, em matéria de prescrição tributária, em flagrante oposição com os princípios da segurança jurídica (ou da certeza do direito), da protecção da confiança, da proibição do excesso e da tutela jurisdicional efectiva (na vertente do direito a um processo justo e adequado), regulados nos art°s 2° e 20°/n° 4 da CRP.
16ª
A recorrente entende que as causas interruptivas a que se refere o art.° 34º/n° 3 do CPT têm natureza instantânea, com os efeitos previstos no art.° 326° do CC.
17ª
Ou seja, uma vez ocorrida qualquer daquelas causas de interrupção, esse facto inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo, a partir do acto interruptivo, estando, a nova prescrição sujeita ao prazo da prescrição primitiva.
18ª
A interpretação do art.° 34°/n° 3 do CPT defendida pela recorrente é a que está mais conforme com os princípios da segurança jurídica (ou da certeza do direito), da protecção da confiança, da proibição do excesso e da tutela jurisdicional efectiva (na vertente do direito a um processo justo e adequado), regulados art°s 2° e 20º/ n° 4 da CRP.
19ª
O questionado “alargamento desmesurado” do prazo de prescrição das dívidas tributárias resulta, portanto, de uma interpretação do art. 34º n° 3 do CPT, desconforme com a Constituição.
20ª
Uma tal interpretação viola os princípios da segurança jurídica (ou da certeza do direito) e da protecção da confiança dos cidadãos, como corolários dinâmicos do princípio fundamental do Estado de Direito consagrado no art. 2º da CRP.
21ª
Na verdade, o instituto da prescrição aparece consagrado na lei, desde tempos imemoriais, como uma sanção para a inércia do credor.
22ª
Acresce que, a prescrição serve para conferir ao devedor a certeza de que a sua situação de devedor não permanecerá indeterminadamente indefinida no tempo.
23ª
Ora, não valorar desfavoravelmente a inércia do Estado na cobrança dos tributos, para o que dispõe de todos os meios processuais e legais para o fazer, premeia-se injustificadamente o credor relapso, ao considerar suspenso o prazo da prescrição enquanto o Estado goza do conforto da sua inércia.
24ª
Através da interpretação ora questionada, também se introduz no regime legal da prescrição tributária uma dose elevada de incerteza.
25ª
Por tudo isto se traindo a confiança dos cidadãos contribuintes que, legitimamente, esperam que o credor Estado acabe por ser sancionado precisamente pela sua inércia.
26ª
Logo por aqui se vendo que a interpretação do art. 34º nº 3 do CPT, ora questionada, padece de inconstitucionalidade material, por violar o art. 2º da CRP, mais especificamente, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, concretizadores do princípio do Estado de Direito democrático consagrado naquele normativo constitucional.
27ª
Como se pode ver, analisando o caso concreto da recorrente, uma interpretação do art.° 34º/ nº 3 do CPT, como aquela aqui sub judicio pode prolongar em muitos anos o prazo de prescrição da obrigação tributária da recorrente.
28ª
No caso da recorrente, está em causa uma dívida de IVA do ano de 1995. Uma dívida com 14 nos, tendo sido gastos desses 14 anos mais de 12 nos tribunais tributários.
29ª
E, assim contada, a prescrição só terminaria em 2011, ou seja, um prazo de prescrição superior a 16 anos!
30ª
Como é que se pode esperar 16 anos pela definição de uma situação jurídica, como a da recorrente-
31ª
Segundo a lição de J.J.Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, ed. Almedina, 1998, págs. 259 e ss., o princípio da proibição do excesso (ou da proporcionalidade) constitui um princípio concretizador do princípio do Estado de Direito Democrático e visa evitar actos de ingerência desmedida na esfera jurídica dos particulares, aplicando-se a todas as espécies de actos dos poderes públicos – legislativos, administrativos e jurisdicionais.
32ª
O Direito Tributário constitui um espaço onde a invasão da esfera jurídica dos cidadãos se faz com maior intensidade. Por isso, as medidas adoptadas neste campo do Direito têm de ser proporcionais à carga coactiva das mesmas.
33ª
Trata-se de um princípio de “justa medida” em cuja aplicação se terá de recorrer aos seus sub-princípios constitutivos – o princípio da conformidade ou adequação de meios e o princípio da exigibilidade ou necessidade.
34ª
Naturalmente que o efeito interruptivo previsto no art. 34º nº 3 do CPT faz todo o sentido, na justa medida em que nos casos aí previstos põe em causa, pelos meios legais, a própria legalidade da dívida exequenda.
35ª
Nestes casos, o credor tributário está impedido de cobrar a dívida, por facto imputável ao devedor.
36ª
Mas, essa circunstância não dá o direito ao Estado de protelar no tempo, indefinidamente, a resolução desses diferendos.
37ª
Ora, a interpretação do art.° 34° n°3 do CPT, tal como efectuada nas instâncias, precisamente, contribui para protelar indefinidamente no tempo a prescrição das dívidas tributárias.
38ª
Logo, trata-se de uma solução desproporcionada. Logo, inconstitucional.
39ª
É verdade que o regime da interrupção da prescrição em causa, na justa medida em que, sempre que ocorra uma causa interruptiva se reinicia o prazo da prescrição, é muito favorável ao credor tributário, o que justifica que a lei consagre uma espécie de “tampão” fazendo cessar o efeito interruptivo nos casos de paragem do processo por mais de um ano por razões imputáveis ao credor tributário,
40ª
Ou seja, nos casos de grave inércia do Estado na resolução dos diferendos com reflexo na interrupção da prescrição, o Estado perde o benefício resultante dessa interrupção.
41ª
Neste caso, o efeito interruptivo degenera-se em efeito suspensivo contando-se, então, todo o tempo decorrido antes e depois do efeito interruptivo, acrescido de um ano de suspensão.
42ª
Mas, um tal mecanismo não é suficiente, como se constata, para conferir ao regime da prescrição tributária, a necessária razoabilidade/proporcionalidade.
43ª
Tudo o que for além do razoável no “alargamento” do prazo de prescrição é desnecessário e potenciador de abusos, para além de ser igualmente desproporcional quando colocados em confronto o interesse público subjacente à prestação tributária e o direito fundamental à segurança jurídica e à protecção da confiança dos cidadãos, postos em crise com uma tal medida.
44ª
Pensamos não oferecer qualquer dúvida que o interesse público subjacente à prestação tributária não pode postergar os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, valores maiores, porquanto estruturantes do próprio Estado de Direito Democrático.
45ª
Logo por aqui se vendo, também, que a interpretação do art.° 34° n ° 3 do CPT, aqui posta em crise, padece de inconstitucionalidade material, por violar o art.° 2° da CRP, mais especificamente o princípio da proibição do excesso, concretizador do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado naquele normativo constitucional.
46ª
A questionada interpretação do art° 34° / n°3 do CPT, também viola o art.° 20º/ n° 4 da CRP, na justa medida em que ao alargar de forma injustificada o prazo de prescrição aplicável põe em causa o princípio do due process of law, que prevê a existência de um processo justo e equitativo, como garantia de acesso aos tribunais.
47ª
O art.° 20°/n° 4 da CRP consagra o direito fundamental de todos à tutela jurisdicional efectiva, mediante um processo justo e adequado.
48ª
Segundo a lição de J.J.Gomes Canotilho (ob.cit., págs 447 e ss.) a garantia de acesso aos tribunais mediante um processo justo e adequado constitui uma concretização do estado de Direito Democrático consagrado no art.° 2° da CRP.
49ª
Ainda segundo o mesmo autor, por processo justo e adequado há-de entender-se, inter alia, que “às autoridades legislativas deve ser vedado o direito de disporem arbitrariamente da vida, da liberdade e da propriedade das pessoas, isto é, sem razões materialmente fundadas para o fazerem” (processo justo) e que “o direito à tutela jurisdicional não pode ficar comprometido em virtude da existência legal de pressupostos processuais desnecessários, não adequados e desproporcionados” (processo adequado).
50ª
Ora, a prescrição das obrigações tributárias encontra-se regulada na lei tributária – no caso sub judicio, no art. 34º do CPT, e está fixada em 10 anos.
51ª
Antes da entrada em vigor do CPT (1/07/1991) vigorava o CPCI, em cujo art. 27º se previa um prazo de 20 anos.
52ª
Como foi já mencionado acima, o legislador do CPT justificou a redução daquele prazo com base na actual rapidez da vida económica e a modernização em curso dos meios de fiscalização tributária.” (cfr. Preâmbulo do DL nº 154/91, de 23 de Abril).
53ª
Por conseguinte, foi intenção do legislador reduzir efectivamente o prazo de prescrição das obrigações tributárias (processo de redução que continuou com a publicação da LGT, em 1998 – passando para 8 anos) por considerar que os prazos anteriores eram excessivos, não fazendo sentido aumentar aquele prazo, por via do mecanismo/subterfúgio do efeito interruptivo duradouro, que, à semelhança do que ocorre com o art. 327º do CC, paralisa a contagem da prescrição até ao trânsito em julgado.
54ª
E como é sabido, a prescrição constitui um pressuposto processual – excepção peremptória, que implica a absolvição do réu.
55ª
O processo de execução fiscal tem natureza judicial (art. 103.º da LGT).
56ª
O “alargamento’ do prazo de prescrição, pela via do efeito interruptivo duradouro sem justificação, constitui um pressuposto processual desproporcionado, em frontal violação do principio do due process of law.
57ª
Assim, interpretar o art.° 34° n° 3 do CPT de molde a “alargar-se” o prazo da prescrição, por via do efeito interruptivo duradouro, para além do necessário, traduz-se numa violação do art.° 20° n° 4 e do art.° 2° ambos da CRP, na justa medida em que põem em causa o princípio do Estado de Direito Democrático, bem como o princípio do due process of law, concretizador daquele.
A recorrida contra-alegou, concluindo que:
1. Até à alteração do art. 49.° da LGT pela Lei n.° 53-A/2006 de 29 de Dezembro e mau grado a sucessão de diversos regimes legais, o nosso ordenamento jurídico-fiscal atribuiu sempre carácter duradouro às causas interruptivas da prescrição das obrigações tributárias
2. A jurisprudência também sempre reconheceu que, em sede tributária, as causas interruptivas da prescrição não provocavam apenas o reinício do prazo prescricional mas também a imediata detenção desse prazo até à extinção do processo que deu azo à interrupção.
3. A única excepção a esta regra consistia na paragem do processo por período superior a um ano por causa não imputável ao devedor.
4. Atenta a permanência e fixidez do regime supra citado no nosso ordenamento legal, nada justifica que a Recorrente tenha criado a expectativa de que a impugnação por si deduzida ou a execução contra ela instaurada provocavam o imediato reinício do prazo prescricional.
5. Essa expectativa, porque assente numa interpretação distante do texto da lei e da prática jurisprudencial, não justifica protecção jurídica especial.
6. A frustração dessa expectativa não corresponde, portanto, a violação do princípio da segurança jurídica ou da protecção da confiança.
7. O alargamento do prazo prescricional não obstou ao normal acesso da Recorrente aos tribunais para defesa dos seus interesses porque, no caso, não ocorre qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional plena.
8. Enfim, um direito ou garantia constitucional só pode ser restringido para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.°, 3 da CRP).
9. Sucede que a percepção de receitas tributárias é crucial para a protecção de outros direitos constitucionalmente protegidos, designadamente direitos sociais e culturais, que implicam amplo e oneroso financiamento.
10. Tendo em conta os direitos em confronto, óbvio que a restrição imposta aos direitos dos contribuinte em sede de prescrição é adequada e justa.
11. Desta forma, não se mostra violado o princípio da proibição do excesso, pelo que o recurso improcede inteiramente.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A questão com a qual o Tribunal Constitucional é confrontado é a da conformidade com a Constituição da interpretação dada pela decisão recorrida ao n.º 3 do artigo 34.º do CPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, no sentido de a interrupção da prescrição tributária nele prevista ter natureza duradoura e não instantânea.
Entende a recorrente que tal interpretação do preceito viola o princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição bem como o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição.
Vendo no instituto da prescrição um instrumento que serve para conferir ao devedor a certeza de que a sua situação de devedor não permanecerá indeterminadamente indefinida no tempo, entende a recorrente que, ao não se valorizar desfavoravelmente a inércia do Estado na cobrança de uma dívida fiscal, permitindo-se que o mesmo disponha de todos os meios processuais e legais para o fazer, está-se com isso a premiar injustificadamente o credor relapso.
Afirma a recorrente que é precisamente o que se verifica caso se interprete o n.º 3 do artigo 34.º do CPT no sentido de a interrupção da prescrição tributária nele prevista ter natureza duradoura e não instantânea, pois com uma tal interpretação consegue-se que a demora, por mais longa que seja, na decisão de uma impugnação judicial não tenha qualquer reflexo no prazo de prescrição, traindo-se, desse modo, a confiança do contribuinte na efectividade do prazo prescricional.
No entender da recorrente, a atribuição de natureza duradoura à interrupção da prescrição introduz um grau de incerteza muito elevado no instituto, sem que para tal se vislumbre uma razão aceitável e justificada.
Face a esse entendimento, sustenta por isso a recorrente que as causas interruptivas a que se refere o n.º 3 do artigo 34.º do CPT têm natureza instantânea, com os efeitos previstos no artigo 326.º do Código Civil, i. é, que, uma vez ocorrida qualquer daquelas causas de interrupção, esse facto inutiliza, para efeitos de prescrição, todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr imediatamente – a partir do facto interruptivo – novo prazo, estando a nova prescrição sujeita ao prazo da prescrição primitiva.
Relativamente a este último ponto da argumentação da recorrente, importa, desde logo, clarificar que não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar se a decisão recorrida interpretou correctamente o direito infra-constitucional. Na verdade, não lhe cabe censurar a correcção do juízo hermenêutico desenvolvido pelo tribunal a quo e, nomeadamente, se, como defende a recorrente, a correcta interpretação a dar ao n.º 3 do artigo 34.º do CPT não deve ser antes a de que as causas interruptivas nele previstas têm natureza instantânea, com os efeitos previstos no artigo 326.º do Código Civil.
Sob apreciação neste Tribunal está única e exclusivamente a conformidade com a Constituição da dimensão interpretativa que ao preceito foi dada na decisão recorrida.
4. Entende a recorrente que tal interpretação viola o princípio do Estado de direito democrático e seus corolários.
Sem razão o faz.
Desde logo, e ao contrário do que vai implicado no seu raciocínio, não resulta da dimensão normativa questionada que, ao se considerar as causas interruptivas da prescrição como tendo natureza duradoura, paire uma situação de incerteza, da perspectiva do devedor, sobre a cessação do efeito interruptivo e, consequentemente, sobre o reinício da contagem do prazo prescricional.
Com efeito, longe de ficar paralisado no tempo, e por um período indeterminado, o reinício do curso do prazo de prescrição fica dependente da verificação de uma situação de inércia processual, durante mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte.
Essa salvaguarda, legalmente prevista no próprio artigo 34.º, n.º 3 do CPT, visa justamente limitar o efeito que, de outra maneira, a natureza duradoura da causa interruptiva da prescrição poderia produzir na situação jurídica do contribuinte devedor.
Em termos mais precisos, tal salvaguarda impede que o credor tributário possa beneficiar de uma eventual paralisação do processo que lhe seja imputável.
Além disso, mesmo que a paralisação do processo se não fique a dever à conduta processual da Fazenda Pública, mas a quaisquer outras vicissitudes não imputáveis a nenhuma das partes, ainda assim, o devedor não fica desprotegido, pois, passado um ano, reinicia-se a contagem do prazo prescricional.
Tal significa que a indefinição da situação jurídica do contribuinte devedor se deve, não ao regime estabelecido para a interrupção da prescrição, mas antes à própria natureza controvertida – a aguardar uma decisão judicial – dessa mesma situação.
Com efeito, na pendência da impugnação de actos da Administração Fiscal de liquidação de obrigações tributárias, em que justamente é controvertida a existência ou legalidade da dívida exequenda, inexistem quaisquer expectativas legítimas do contribuinte devedor de se ver liberado da sua obrigação tributária por inércia do exercício do direito por parte do credor tributário.
A sua situação jurídica não está ainda definida, porque até ao trânsito em julgado de um litígio em que se discutem questões controvertidas, todas as situações são, por “natureza”, indefinidas, não podendo merecer a tutela da certeza do direito.
Eis por que, desde logo, se não vê como é que a norma sub judicio possa ser sequer susceptível de violar o princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica. Mas, para além deste argumento, um outro se perfila ainda, que pode bem demonstrar o não fundado da pretensão do recorrente, quando invoca a lesão, in casu, do referido princípio.
5. Ínsito na ideia de Estado de direito consagrada no artigo 2ºda CRP, o princípio da protecção da confiança obriga a que, na conformação do ordenamento infraconstitucional, o legislador ordinário não deixe de tutelar a certeza e a segurança do Direito. O instituto da prescrição é, justamente, uma das formas pelas quais se concretiza a tutela desses valores. Por seu intermédio, pretende garantir-se que as pessoas saibam com o que podem contar, particularmente naquelas situações em que a um certo dever jurídico se oponha um direito cujo exercício, se mantenha, no tempo, inerte.
No entanto, ao regular o instituto da prescrição, o legislador ordinário não está apenas vinculado a proteger a condição jurídica do “devedor” em casos de inércia duradoura do “credor”. Para além disso, o legislador não pode deixar de preservar o núcleo essencial do direito cujo exercício a actuação da prescrição virá a inviabilizar. Tal significa,
por exemplo – e como se disse no Acórdão nº 148/87, disponível em www.tribunalconstitucional.pt – que o prazo de prescrição não pode ser de tal modo exíguo que dele resultem, de forma desproporcionada, manifestas e efectivas limitações do direito que é tutelado. Esta última exigência, para além de poder decorrer do âmbito de protecção normativa de preceitos constitucionais específicos em sede de direitos, liberdades e garantias, emerge seguramente, tanto do princípio consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição, quanto do próprio princípio do Estado de direito, consagrado no seu
artigo 2.º.
Assim sendo, melhor se vê como improcede a pretensão da recorrente de extrair imediatamente do princípio constitucional do Estado de direito democrático consequências em matéria do regime da prescrição. Sendo certo que desse princípio se retira um mandato dirigido ao legislador de, em nome da certeza e da segurança do Direito, fixar, no domínio pecuniário, prazos prescricionais, não menos certo é que do mesmo princípio se retira igualmente o dever do legislador de assegurar, em medida compatível, o exercício de direitos e interesses legalmente protegidos.
Sendo estes os valores constitucionais em conflito, cabe ao legislador ordinário realizar a sua conciliação, através de critérios de concordância prática, com observância das exigências decorrentes do princípio da proporcionalidade e tendo em conta a natureza dos bens jurídicos que, nas diferentes áreas do ordenamento, devem ser protegidos.
6. A norma sub judicio corresponde à solução encontrada pelo legislador para pacificar uma composição de interesses públicos e privados em conflito com características específicas, atendendo à natureza tributária da obrigação.
Entende a recorrente que a mesma viola o princípio da proporcionalidade, ínsito ao princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.
Contra a violação do princípio da proporcionalidade, enquanto proibição do excesso, argumentar-se-á pondo em evidência a natureza dos créditos em questão.
Enquanto créditos tributários a cobrar pelo Estado, é constitucionalmente justificado que o legislador assegure, por várias formas, inclusive através da modelação do instituto da prescrição e, mais especificamente, da regulação dos efeitos das suas causas interruptivas, a efectividade da sua cobrança.
Considerando, desde logo, o elevado número de dívidas fiscais com que a Administração Fiscal se vê confrontada e a dificuldade em lhes dar resposta imediata, bem como, naturalmente, o interesse público na cobrança efectiva dessas dívidas, as quais constituem receitas do Estado a afectar no cumprimento por este dos deveres a que se encontra constitucionalmente vinculado; considerando, por outro lado, que a situação jurídica do contribuinte devedor, embora seja afectada, se encontra salvaguardada em termos satisfatórios, tendo o legislador acautelado, desde logo, os casos de prolongada – superior a um ano – inércia processual por facto que não seja imputável ao contribuinte, deve entender-se que o alargamento do prazo prescricional que possa resultar da circunstância de às causas interruptivas previstas no n.º 3 do artigo 34.º do CPT se atribuir um efeito duradouro se não afigura como uma solução inadequada, desnecessária ou desproporcionada face à composição dos interesses em conflito, em termos de através dela ficar comprometido o princípio do Estado de direito democrático.
7. Sustenta finalmente a recorrente que a norma sob juízo, ao alargar, sem justificação, o prazo de prescrição pela via do efeito interruptivo duradouro, está com isso a criar um pressuposto processual desproporcionado, em frontal violação do direito a um processo justo e equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da CRP.
Mas mais uma vez se lhe não pode reconhecer qualquer razão.
Considerando o que já se disse a propósito da alegada violação do princípio do Estado de direito democrático (v., supra, n. 4), e pondo, de novo, em evidência a salvaguarda estabelecida no n.º 3 do artigo 34.º do CPT, não se vê minimamente como é que o facto de o prazo prescricional não começar a contar logo após cada acto interruptivo possa afectar o direito que ao contribuinte devedor assiste de obter uma decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.
É que ao fazer depender o reinício do curso do prazo de prescrição da verificação de uma situação de inércia processual, durante mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, o legislador está justamente a introduzir um mecanismo que visa tutelar o direito a obter uma decisão em prazo razoável e mediante um processo equitativo.
III – Decisão
8. Nestes termos, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 34.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, quando interpretado no sentido de a interrupção da prescrição tributária nele prevista ter natureza duradoura e não instantânea;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso;
c) Condenar a recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2010.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Vítor Gomes – Ana Maria Guerra Martins – Gil Galvão.
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