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Processo n.º 430/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. No Serviço de Finanças de Tondela, foi instaurada execução, para cobrança de dívida ao Instituto de Financiamento da Agricultura e das Pescas contra A., S.A.. A executada reclamou para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, ao abrigo do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) do despacho do Chefe do Serviço de Finanças que ordenou a sua citação para a execução.
Por sentença de 5 de Janeiro de 2009, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu decidiu que não devia conhecer imediatamente do mérito do pedido, considerando que a reclamação apresentada não tinha por fundamento “prejuízo irreparável”, não revestindo carácter de urgência, pelo que a reclamação só deveria subir ao tribunal a final. A executada recorreu da sentença, alegando que a decisão recorrida adoptara uma dimensão normativa do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário orgânica e materialmente inconstitucional.
A inconstitucionalidade orgânica resultaria da violação da respectiva lei de autorização legislativa, a Lei n.º 87-B/98 de 31 de Dezembro, que autorizou o Governo a aprovar o Código de Procedimento e de Processo Tributário, por entender que o citado artigo 278.º extravasou tal autorização. A inconstitucionalidade material seria consequência da violação dos artigos 26.º, n.º 1 (direito ao bom nome, reputação, imagem, protecção legal contra formas de discriminação), 103.º, n.º 3 (impossibilidade de pagamento de impostos cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei) e 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos), por entender que a decisão de instaurar a execução e de mandar citar a executada tem natureza decisória e atinge directa e imediatamente a esfera jurídica da recorrente, constituindo acto lesivo e reclamável nos termos do artigo 276.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Por acórdão de 2 de Abril de 2009, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso. Diz o aresto:
“(…) A lei, para a subida imediata ao Tribunal da reclamação em execução fiscal, em vista do seu pronto conhecimento, exige que essa reclamação se fundamente em “prejuízo irreparável”, nos termos do n.º 3 do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário
Para o conhecimento imediato da reclamação judicial em execução fiscal, a lei não se preocupa com a tutela da simples utilidade que para o executado reclamante possa advir de um conhecimento judicial imediato da reclamação por si apresentada, nem com o mero prejuízo pessoal, social, económico ou financeiro que para o executado reclamante possa advir da não subida imediata a Tribunal da reclamação que tenha sido apresentada.
A lei exige, para o efeito, “prejuízo irreparável”, conceito que a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal Administrativo tem preenchido, integrado, comparado e conexionado com a noção de “absoluta inutilidade” da subida não imediata (diferida) da reclamação ao Tribunal.
(…)
No caso sub judicio, o despacho recorrido considerou, além do mais, que a reclamante, ora recorrente, “não invocou nenhum tipo de prejuízo – irreparável ou não – nem nas peças que endereçou ao Serviço de Finanças, nem na reclamação “sub judice””.
E, na verdade, assim é.
Na realidade, a reclamante, ora recorrente, não alegou “prejuízo irreparável” (…).
O facto, alegado pela ora recorrente, de poder encontrar-se “viciado o despacho que mandou instaurar o processo de execução fiscal”, manifestamente não é motivo ou fundamento para a execução fiscal ter de subir de imediato ao Tribunal – segundo os termos do artigo 278.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário – pois que, de tal despacho (que mandou instaurar o processo de execução fiscal), evidentemente não resulta prejuízo que não possa ser reparado por adequada, própria e oportuna reacção legal da reclamante.
E a verdade é que não estamos em sede de declaração da obrigação exequenda, mas nos achamos já na adiantada etapa de efectivação do direito já declarado. (…) E bem pode acontecer que (…), a reclamante, ora recorrente, tenha mesmo a obrigação legal de suportar alguns incómodos e “prejuízos” de vária ordem (…).
A ora recorrente invoca, sim a “inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do art.º 278.º do CPPT, na dimensão normativa aplicada.” (…)
Ora, a interpretação do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – segundo a qual as reclamações em processo de execução fiscal sobem imediatamente a Tribunal apenas nos casos em que a apreciação judicial não imediata cause prejuízo irreparável ao reclamante – está bem de ver que não se move em domínios em que o Governo se terá enxerido “no quadro da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP)”, pois que a subida diferida da reclamação não fere na sua essência e, por isso, não impede a concretização do evocado “direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos lesivos afirmado pelos arts. 95.º, n.º 1 e n.º 2, al. j) e art. 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.”
Pelo que improcede a alegada inconstitucionalidade formal-orgânica.
A ora recorrente invoca ainda a “inconstitucionalidade material dessa dimensão normativa extraída do art. 278.º do CPPT” (…).
Mas a verdade é que não se enxerga (nem a ora recorrente se dá ao trabalho de nos mostrar) como é que da aplicação do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – com o sentido de imediata subida da reclamação ao Tribunal tão-somente quanto ocorrer prejuízo irreparável – pode resultar a violação do disposto nos invocados artigos 26.º, n.º 1, 103.º, n.º 3, e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa.
Em nosso julgamento, a interpretação do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicada ao caso, não só respeita o disposto na Constituição da República Portuguesa e os seus princípios, como até lhes dá inteiro cumprimento, mormente quanto à garantia de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos da reclamante, ora recorrente – só que essa garantia constitucional terá de ser entendida em termos relativos, compatível com outros direitos fundamentais e não em termos absolutos, exclusivista e sem limites, como parece querer a ora recorrente.
Pelo que improcede, também, a alegada inconstitucionalidade material.
Estamos deste modo a dizer, em resposta ao thema decidendum, que não padece de inconstitucionalidade, nem formal nem material, a interpretação do 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, adoptada pelo despacho recorrido – o qual, de resto, decidiu o caso com essencial acerto.
E, então, a concluir, havemos de convir, em súmula, que o “despacho que mandou instaurar o processo de execução fiscal” não causa ao executado “prejuízo irreparável”, nos termos do n.º 3 do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Como assim, e em tal situação, a reclamação judicial ao abrigo do artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deve subir ao Tribunal apenas depois da penhora na respectiva execução fiscal – por força do disposto no n.º 1 do artigo 278.º do mesmo Código de Procedimento e de Processo Tributário.
(…)”
2. É desta decisão que A. interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), pretendendo ver apreciada a norma do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, na dimensão perfilhada pelo acórdão recorrido, segundo o qual «só há subida imediata da reclamação quando é invocado prejuízo irreparável».
E, isto, tanto na perspectiva da inconstitucionalidade orgânica da citada norma — por violação da alínea c) do artigo 51.º da Lei 87-B/98 de 31 de Dezembro, que autoriza o Governo a aprovar o CPPT “no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam”, em virtude de a norma extravasar o âmbito da competência do Governo nesta matéria, em que actua no quadro da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CR), porquanto o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos lesivos vem afirmado nos artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, alínea j) e 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária —, como também na perspectiva da sua inconstitucionalidade material, que lhe adviria da violação dos artigos 26.º, n.º 1 (direitos ao bom nome e reputação, à imagem, e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação), 103.º, n.º 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei) e 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos), todos da Constituição.
3. O recurso foi admitido. A recorrente alegou e concluiu:
“(…)
1 – O douto acórdão recorrido faz aplicação da norma contida no art. 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário na dimensão normativa segundo a qual a reclamação apresentada não apresenta por fundamento prejuízo irreparável, pelo que deverá subir a final;
2 – A dimensão normativa encontrada e aplicada e referida no ponto anterior padece de inconstitucionalidade orgânica e material;
3 – A sentença recorrida aplica uma dimensão normativa do artigo 278.º do CPC que é inconstitucional porquanto a presente reclamação perderia qualquer utilidade caso não subisse imediatamente e com efeito suspensivo.
4 – A inconstitucionalidade orgânica da norma extraída do art. 278.º do CPPT, na dimensão normativa aplicada, resulta da violação do disposto na Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que autoriza o Governo a aprovar o CPPT “no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária e regulamentação das disposições da referida lei que desta careçam” (cfr. art. 51.º, al. c) da Lei n.º 87-B/98 de 31/12).
5 – O direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos lesivos vem afirmado pelos arts. 95.º, n.º 1 e n.º 2, al. j) e 103.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária.
6 – Limitar a reclamação apenas aos casos em que se alega prejuízo irreparável, como limita a dimensão normativa do art. 278.º do CPPT aplicada pelo acórdão recorrido, implica a falta de compatibilização dessa norma com as da lei geral tributária, o que extravasa o âmbito da respectiva lei de autorização legislativa e, por consequência, o âmbito da competência do Governo nesta matéria, no quadro da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. i) da CRP).
7 – De outro lado, a inconstitucionalidade material dessa dimensão normativa extraída do art. 278.º do CPPT resulta da violação do disposto nos arts. 26.º, n.º 1 (direitos ao bom nome e reputação, à imagem, e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação), 103.º, n.º 3 (ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei) e 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos), todos da Constituição.
8 – A decisão de instaurar a execução e mandar citar a recorrente assume natureza decisória e atinge directa e imediatamente a esfera jurídica da executada, envolvendo de per si a definição autoritária de uma situação jurídica, pelo que constitui acto lesivo e reclamável nos termos do art. 276.º e ss do CPPT. Para mais quando, como é o caso, essa decisão assenta em título executivo nulo; não dispondo a lei qualquer outro modo adjectivo de reclamar desse vício que, para empregar a expressão utilizada no artigo 268.º, n.º 4 da Constituição, é lesivo dos direitos ou interesses da recorrente.
(…)”
4. A recorrida apresentou contra-alegação.
II. Fundamentação
5. Em causa está a norma do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quando estipula a subida imediata da reclamação quando é invocado prejuízo irreparável, alegadamente violadora do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) e dos artigos 26.º, n.º 1 (direito ao bom nome, reputação, imagem, protecção legal contra formas de discriminação), 103.º, n.º 3 (impossibilidade de pagamento de impostos cuja liquidação e cobrança não se façam nos termos da lei) e 268.º, n.º 4 (garantia aos administrados de tutela jurisdicional efectiva dos direitos ou interesses legalmente protegidos), todos da Constituição.
O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de se pronunciar sobre questão idêntica à que subjaz no presente caso no Acórdão n.º 338/09 (www.tribunalconstitucional.pt). Diz o aresto:
“[...]
As decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que, no processo de execução fiscal, afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de impugnação perante o tribunal tributário de 1.ª instância, mediante um meio processual que o Código de Procedimento e Processo Tributário qualifica como reclamação (artigo 276.º do CPPT).
A reclamação sobe ao tribunal e é apreciada nos termos do artigo 278.º do CPPT que dispõe:
[...]
A sentença interpretou este regime como significando que a regra é a do conhecimento diferido das reclamações: apenas sobem após a realização da penhora ou da venda, consoante sejam interpostas antes de um ou outro desses momentos processuais. Excepcionam-se, subindo imediatamente, além dos casos expressamente previstos no n.º 3, por exigência da garantia de tutela jurisdicional efectiva, as reclamações de actos susceptíveis de causar prejuízo irreparável. Mas entendeu que não cabem neste conceito os actos que causem os inconvenientes próprios de qualquer processo executivo, como é a instauração e a citação para a execução.
É esta leitura do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, no sentido de que – além dos casos expressamente enumerados, aliás todos relacionados com a penhora (de certo modo, a prestação de garantia é um sucedâneo da penhora), o que se compreende por ser o acto de maior lesividade potencial nesta fase - a subida imediata da reclamação só ocorrerá quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, que a recorrente considera orgânica e materialmente inconstitucional.
4. A inconstitucionalidade orgânica resultaria de a norma assim interpretada não observar a directiva resultante do artigo 51.º da Lei n.º 87-B/98, de 31 de Dezembro, que autorizou o Governo a aprovar o CPPT “no respeito pela compatibilização das suas normas com as da lei geral tributária”. Alega que o direito de reclamação para o juiz estava assegurado relativamente a todos os actos lesivos da administração fiscal pelo artigo 95.º, n.ºs 1 e 2, alínea j) e pelo artigo 103.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (LGT), sem a referida limitação, pelo que a norma extravasaria do âmbito da referida lei de autorização legislativa e, por consequência do âmbito de competência do Governo uma vez que a matéria cabe na reserva de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida pela alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.
Efectivamente, a impugnação das decisões materialmente administrativas proferidas pela administração tributária no processo de execução fiscal integra o elenco das garantias dos contribuintes. E, como tem sido realçado pela jurisprudência deste Tribunal (cfr., verbi gratia, os Acórdãos números, 321/89, 231/92, 268/97, 504/98, 63/2000 e 168/2002, o primeiro publicado na 1ª Série do Diário da República de, 20 de Abril de 1989, e os restantes na 2ª Série daquele jornal oficial de, respectivamente, 2 de Novembro de 1992, 22 de Maio de 1997, de 10 de Dezembro de 1998, de 27 de Maio de 2001 e de 1 de Junho de 2002) e pela doutrina (cfr. CARDOSO DA COSTA, O Enquadramento Constitucional do Direito dos Impostos em Portugal: A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Perspectivas Constitucionais, Nos 20 anos da Constituição de 1976, 2º Vol., maxime, 409, ANA PAULA DOURADO, O Princípio da Legalidade Fiscal na Constituição Portuguesa, na mesma colectânea de textos, 438 e segs., SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 32 e 38 e segs.), as “garantias dos contribuintes” é algo que se deve considerar como compreendido na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, numa leitura integrada da alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º com o artigo 103.º da Constituição.
Assim, o Código de Procedimento e Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, deve consagrar em tal domínio soluções compatíveis com as estabelecidas na lei geral tributária, para respeitar a extensão e o sentido da autorização legislativa ao abrigo da qual foi aprovado.
Vejamos, então.
O artigo 95.º da LGT garante o direito de impugnação ou recurso, preceituando que o interessado tem direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos segundo as formas de processo prescritas na lei (n.º 1) e indica, no elenco dos actos lesivos, os praticados na execução fiscal [n.º 2, alínea i)]. E o artigo 103.º estabelece que é garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, dando corpo à injunção de 'consagrar o direito dos particulares de solicitar a intervenção do juiz no processo', constante da alínea 19) do artigo 2.º da Lei n.º 41/98, de 4 de Agosto, através da qual foi concedida autorização ao Governo para aprovar a Lei Geral Tributária.
Porém, nenhum destes preceitos estabelece que a impugnação dos actos lesivos praticados pelas autoridades da administração tributária no processo de execução fiscal tem de subir imediatamente ao tribunal para apreciação. Essa é matéria que a LGT relega para as formas de processo prescritas na lei. Assim, não é possível ir buscar à directiva de que o Código compatibilize as suas normas com as da lei geral tributária o sentido de que o legislador autorizado estava vinculado a consagrar um regime de subida imediata de todas as reclamações de actos do órgão de execução fiscal.
Ora, a norma em causa não nega ao executado o direito de impugnar os actos lesivos praticados pela Administração nesse processo de execução. Limita-se a disciplinar os termos da impugnação, diferindo a apreciação daqueles que respeitem à fase anterior à penhora para o momento em que esta fase processual esteja concluída. É domínio não regulado nos preceitos da LGT que a recorrente indica – nem o Tribunal consegue vislumbrar que o seja em quaisquer outros – pelo que não pode dizer-se que essa norma contraria o mandato de compatibilização das soluções do Código com as dessa Lei.
Deste modo, saber se a solução do Código satisfaz as garantias de tutela jurisdicional efectiva contra actos lesivos praticados na execução fiscal será questão de constitucionalidade material, mas não de inobservância do sentido da lei de autorização legislativa, porque a remissão integrativa desta para a Lei Geral Tributária não é susceptível de interpretação como comportando uma directiva ao legislador autorizado quanto a este aspecto do regime da reclamação.
Assim, o recurso é claramente infundado quanto à inconstitucionalidade orgânica.
5. Passando à inconstitucionalidade material, a recorrente alega que a norma em apreço:
- viola a garantia de impugnação de quaisquer actos administrativos lesivos, consagrada no n.º 4 do artigo 268.º da Constituição;
- viola o direito de não pagar impostos cuja liquidação ou cobrança se não façam nos termos da lei, concedido pelo n.º 3 do artigo 103.º da Constituição;
- viola os direitos ao bom nome e reputação e à imagem e o direito à protecção contra qualquer forma de discriminação, reconhecidos a todos pelo artigo 26.º da Constituição.
5.1. No n.º 4 do artigo 268.º, a Constituição garante aos interessados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, designadamente a impugnação de quaisquer actos administrativos que os lesem. A efectividade da tutela jurisdicional implica a instituição de procedimentos conducentes a uma protecção jurisdicional sem lacunas e temporalmente adequada. Mas não impede o legislador ordinário de submeter a apreciação da impugnação dos actos da administração a pressupostos e requisitos adjectivos que compatibilizem o direito dos particulares com outros valores constitucionalmente reconhecidos que ao legislador incumba prosseguir, designadamente a realização do interesse público a que o procedimento se destina, a eficiência administrativa e a celeridade processual.
A norma em causa não afasta a impugnabilidade de quaisquer actos lesivos da administração tributária praticados em processo de execução fiscal. O interessado pode submeter ao juiz toda e qualquer actuação do órgão de execução que tenha como lesiva dos seus direitos e interesses legítimos. O que da norma resulta é o condicionamento temporal da apreciação jurisdicional da impugnação, fazendo depender a intervenção imediata do tribunal da insusceptibilidade de reversão ou de reparação dos efeitos dos actos cuja legalidade se discuta.
Desse modo, importa saber se a subordinação da subida imediata da reclamação à condição de susceptibilidade de ocorrência de prejuízos irreparáveis tem justificação razoável e se o momento processual escolhido para a subida da reclamação quando aos actos anteriores à penhora é arbitrário. E, adianta-se, tem justificação e não é arbitrário.
Recordemos que a questão que agora se aprecia surgiu no âmbito de uma reclamação em que a recorrente, protestando não prescindir do seu direito de deduzir oposição, pretende impugnar, mediante reclamação, a decisão de mandar instaurar a execução e de mandar citá-la para os termos da execução. Portanto, a dimensão da norma que interessa é a que respeita à reclamação de actos praticados na fase que antecede a penhora cuja reclamação só é apreciada após efectuada esta (e não os que respeitam a actos que respeitem à fase posterior, cuja reclamação sobe após a venda).
O processo de execução fiscal (abstracção feita dos casos em que certos créditos devam ser cobrados por essa forma processual nos tribunais comuns, que não vem ao caso) é instaurado nos serviços periféricos da administração tributária com base num título pelo qual se determinam os limites da obrigação que se imputa ao executado e que garante prima facie que o Estado, ou a pessoa colectiva de direito público exequente, tem direito a obter do executado a quantia que pretende cobrar. Destina-se a tornar efectivo um crédito a favor do ente público que, em princípio, já foi estabelecido através de um procedimento anterior que o tornou certo líquido e exigível (cfr. artigo 162.º do CPPT).
Iniciado o procedimento executivo com a instauração da execução, o executado é citado para pagar (ou requerer o pagamento em prestações ou a dação em pagamento) ou deduzir oposição à execução. A oposição ou qualquer outro meio em que se discuta legalidade ou exigibilidade da dívida exequenda apenas suspendem a execução se for prestada caução ou realizada a penhora de modo a assegurar a satisfação do direito do credor (artigos 169.º e 212.º do CPPT).
A fase inicial do procedimento executivo é ordenada de modo a obter o pagamento ou a possibilitar rapidamente a penhora ou a prestação de garantia que assegurem a satisfação do crédito exequendo. Processando-se a reclamação no próprio processo da execução fiscal [artigo 97.º, n.º 1, alínea n) do CPPT], a subida imediata da reclamação antes de completada a penhora ou garantida a quantia exequenda e acréscimos permitiria sucessivas paralisações dos actos de execução, afectando a pretendida celeridade do processo de execução fiscal. Especial celeridade, até no confronto com o processo de execução comum, que encontra justificação na natureza do crédito e na finalidade de arrecadação dos dinheiros públicos, em especial dos proporcionados pelo sistema fiscal que visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º da CRP), que sairiam frustrados se os actos definitórios das receitas não tivessem realização efectiva. Foi o equilíbrio entre os interesses do credor público e os interesses do executado ou de terceiro afectado por actos praticados no processo de execução que o legislador procurou alcançar ao congregar a regra da subida diferida da reclamação com a excepção para os casos de ilegalidades susceptíveis de causar prejuízos irreparáveis.
Esta conformação do regime de subida da reclamação, tal como resulta da interpretação adoptada pela decisão recorrida do regime instituído pelo artigo 278.º do CPPT, satisfaz as exigências de adequação, necessidade e justa medida, condicionando temporalmente mas não sacrificando a efectividade da tutela jurisdicional contra actos lesivos, que é ressalvada pela subida imediata da reclamação quando a subida diferida criar um deficit que não seja remediável pela anulação dos actos processuais entretanto praticados.
E não se torna lesivo dessa garantia pelo facto de, para este efeito, não serem considerados susceptíveis de integrar o conceito de prejuízos irreparáveis os efeitos coactivos ou desfavoráveis inerentes à própria instauração da execução e à convocação (mediante o acto de citação) para os termos do processo de execução fiscal. Eles são os mesmos de qualquer processo judicial executivo, não podendo considerar-se compreendidos no âmbito da protecção constitucional, como salienta o acórdão recorrido, os incómodos inerentes ao próprio funcionamento do regime global relativo à tutela dos direitos. Esses efeitos inevitáveis, resultantes para um dos sujeitos processuais do facto de o outro sujeito da relação accionar os meios de tutela jurisdicional a que também tem direito, só podem encontrar remédio nas sanções contra a litigiosidade abusiva ou imprudente e pela via de indemnização. Ora, mesmo que não se retire argumento da qualificação legal de tal processo como judicial (artigo 103.º, n.º 2, da LGT) porque o que se trata é de controlar a legalidade de actos da autoria de um órgão administrativo, seria manifestamente lesivo do interesse constitucionalmente legítimo que se pretende realizar através do processo de execução fiscal e do cometimento da prática de actos de natureza não jurisdicional nesse processo a órgãos da administração fiscal permitir a sua paralisação com fundamento em tais incómodos (Sobre a constitucionalidade da atribuição de competência para os actos não materialmente jurisdicionais da execução fiscal a órgãos administrativos, Acórdão n.º 152/2002, Diário da República, II Série, de 31 de Maio de 2002.
Deste modo, encontrando este regime de subida das reclamações fundamento constitucionalmente legitimado pelo interesse público, que ao legislador também é imposto proteger, de celeridade do processo de realização coerciva da dívida e não constituindo uma barreira ou constrangimento excessivos ao direito dos contribuintes a verem apreciadas em sede contenciosa as reclamações que deduzam dos actos praticados pelos órgãos de execução fiscal, não se considera violada a garantia de acesso aos tribunais para impugnação dos actos administrativos lesivos (artigo 268.º, n.º 4, da CRP).
5.2. Alega, depois, a recorrente que a norma em apreciação conduz à violação do direito de não pagar impostos cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei (artigo 103.º, n.º 3, in fine, da CRP).
É arguição manifestamente destituída de fundamento.
Com efeito, a norma em causa, respeitando apenas ao momento de subida da reclamação e não ao seu conteúdo, não veda ao executado a possibilidade de discutir seja o que for. Se tiver razão, os actos praticados serão anulados e nada pagará. Obviamente, não é da competência do Tribunal Constitucional dizer qual é o meio idóneo – designadamente, a oposição à execução ou a reclamação – para discutir a irregularidade ou insuficiência do título, a ilegalidade da instauração da execução ou os vícios do acto de citação.
5.3. Por último, invoca a recorrente a violação dos direitos ao bom nome e reputação, à imagem e à protecção contra quaisquer formas de discriminação, a todos reconhecidos pelo n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
Também quanto a este fundamento do recurso a improcedência é evidente e se encontra já nas considerações anteriores o princípio de resposta do Tribunal.
Com efeito, o objecto de recurso é a norma respeitante ao momento de subida da reclamação e não, em concreto, saber se efectivamente a instauração da execução é susceptível de afectar o crédito, a confiança ou a imagem de que na praça goze a recorrente. E esse conteúdo normativo é, por si, neutro relativamente a esses supostos efeitos lesivos, de que não é causa adequada.
Mesmo que se considere que, na medida em que não permita atalhá-los imediatamente, contribui para os efeitos prejudiciais ao executado decorrentes do acto da instauração da execução (necessidade de deduzir oposição, sujeição à penhora ou à prestação de garantia para obter efeito suspensivo), a norma em causa não infringe o n.º 1 do artigo 26.º da Constituição.
Desde logo, não se vislumbra qualquer nexo entre o diferimento da subida da reclamação e a protecção contra qualquer forma de discriminação. E a recorrente também não fundamenta essa imputação. O regime é universal, aplicando-se a qualquer reclamante em processo de execução fiscal que não sofra prejuízo irreparável com a retenção, pelo que, sendo evidente a improcedência do fundamento seria ocioso entrar em mais detalhada explicação sobre o recorte jurídico e dogmático deste novo direito pessoal acrescentado pela Lei Constitucional n.º 1/97 (5.ª Revisão) ao elenco dos direitos fundamentais pessoais.
E também revela uma disfuncionalidade interpretativa patente, mais a mais tratando-se de uma pessoa colectiva, a alegação de que uma tal norma pode violar o direito à imagem. Como dizem GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed., pág. 467, tem um conteúdo assaz rigoroso, abrangendo, primeiro, o direito de definir a sua própria auto-exposição, não sendo fotografado nem vendo o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento e, depois, o direito de não o ver apresentado em forma gráfica ou montagem ofensiva e malevolamente distorcida. Além de ser direito insusceptível de ser lesado pela norma em causa, é direito incompatível com a natureza das pessoas colectivas, porque só é concebível relativamente a pessoas físicas (artigo 12.º, n.º 2, da CRP). A recorrente parece ter confundido o termo constitucional 'imagem' com a reputação ou consideração no mundo dos negócios.
Por último, o direito ao bom nome e reputação, como referem os autores anteriormente citados, consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social mediante imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e a obter a correspondente reparação. Este direito fundamental pessoal só em termos translatos assiste às pessoas colectivas, que têm credibilidade, prestígio e confiança e o direito à correspondente protecção, mas dificilmente se concebe que sejam dotadas de honra e dignidade pessoal.
De todo o modo, a instauração de um processo executivo não é, na generalidade das situações, susceptível de causar lesão irreparável do bom nome e reputação. A protecção do bom nome não pode excluir o direito do credor de instaurar um processo executivo com vista à cobrança do crédito a que o título o habilita, fazendo-se a compatibilização ou concordância prática entre os direitos em conflito através dos meios judiciais de reacção contra a pretensão ilegal do credor eventualmente completados pela indemnização dos danos decorrentes da actuação abusiva ou manifestamente imprudente. Meios esses que, neste aspecto, não sofrem diminuição essencial da eficácia de protecção pelo diferimento que resulta da norma.
Por tudo o exposto, conclui-se que a norma do n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, interpretado no sentido de que, em processo de execução fiscal, só haverá subida imediata da reclamação dos actos do órgão de execução quando, sem ela, ocorram prejuízos irreparáveis que não sejam os inerentes a qualquer execução, não viola os artigos 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, nºs 2 e 3, e 26.º, n.º 1, da Constituição.
[...]”.
6. Efectivamente, o artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário não nega ao executado o direito de impugnar os actos lesivos praticados pela Administração no processo de execução, disciplinando os termos da impugnação por forma a diferir a apreciação daqueles que respeitem à fase anterior à penhora para o momento em que esta fase processual esteja concluída, termos processuais que se não se acham regulados nos preceitos da LGT que a recorrente indica. Não pode, pois, dizer-se que essa norma contraria o mandato de compatibilização das soluções do Código com as dessa Lei.
Por outro lado, a norma em causa não afasta a impugnabilidade de quaisquer actos lesivos da administração tributária praticados em processo de execução fiscal, podendo o executado submeter à apreciação do juiz a actuação do órgão executivo que considere lesiva dos seus direitos e interesses legítimos, embora a intervenção imediata do tribunal apenas ocorra em caso de prejuízo irreparável, o que tem justificação plausível do ponto de vista material.
Assim, tem de concluir-se que o artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário satisfaz as exigências de adequação, necessidade e proporcionalidade, condicionando temporalmente — mas não sacrificando — a efectividade da tutela jurisdicional contra actos lesivos, que é ressalvada pela subida imediata da reclamação quando a subida diferida criar um prejuízo que não seja remediável pela anulação dos actos processuais entretanto praticados.
É, assim, de manter e seguir a jurisprudência do Tribunal Constitucional a propósito desta matéria, constante no Acórdão já referido.
III. Decisão
8. Assim, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpretada no sentido de apenas haver subida imediata da reclamação quando é invocado prejuízo irreparável;
b) Negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida no que tange ao juízo de inconstitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça devida em 25 UC.
Lisboa, 12 de Outubro de 2010.- Carlos Pamplona de Oliveira – José Borges Soeiro – Gil Galvão – Maria João Antunes – Rui Manuel Moura Ramos.
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