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Processo n.º 448/10
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No Processo Comum, com Tribunal Colectivo, n.º 96.08.7SFPRT, pendente na 4.ª Vara Criminal do Porto, A., foi condenado, por acórdão proferido em 16 de Julho de 2009, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
Este arguido recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 18 de Novembro de 2009, julgou improcedente o recurso.
Após não ter sido admitido recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, nos seguintes termos:
«O arguido foi condenado na 4.ª vara Criminal do Porto, a 4 anos e 6 meses de prisão, como autor de um crime de Tráfico de Estupefacientes previsto e punível pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto, por entender que a sua conduta preenche um crime de Tráfico de Menor Gravidade (artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93), pois estamos perante um caso de mera detenção, não se tendo provado mais nada, nomeadamente o lucro.
Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, ter refeito a sua vida, tendo o total apoio e rectaguarda da mãe, desejar ressocializar-se, deveria ser-lhe aplicada uma pena mais leve, atenuada, próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, devendo ser suspensa na sua execução, mostrando-se violados os artigos 70.º e 71.º do CP; 25.º da Lei n.º 15/93 e 32º da CRP.
Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto, que negou provimento ao recurso.
De tal acórdão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não admitiu o recurso, tendo o arguido apresentado Reclamação que veio agora a ser indeferida.
Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 70.º, 71.º do CP, pelo insigne Tribunal da Relação do Porto, na interpretação de que «não registando o recorrente quaisquer antecedentes criminais, sendo jovem e de condição social modesta», não se verifica suficiente para acautelar as necessidades de prevenção especial e geral da medida de pena que possa ser suspensa na sua execução, por haver na suspensão um juízo de prognose mais favorável a esta, todos por violação do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso da 4.ª vara Criminal do Porto para o Tribunal da Relação do Porto.
Com efeito, ao erguer a culpa – como critério principal de determinação da pena – e a prevenção como critério secundário, o Tribunal a quo não avalizou correctamente o artigo 71.º do CP, não cumprindo com o principio constitucional da adequação e proporcionalidade das penas, revelando-se justo aplicar apenas uma pena concreta correspondente ao limite mínimo abstractamente aplicável para aquele tipo de ilícito, especialmente atenuada.
Violou assim também o douto acórdão recorrido o principio da proporcionalidade.
Pretende assim o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com uma norma constitucional.»
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso em 17 de Junho de 2010, com a seguinte fundamentação:
«Importa começar por recordar que, no sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No presente recurso o recorrente questiona a não aplicação da medida da suspensão da execução da pena pelo tribunal recorrido no caso concreto, pelo que não é qualquer norma, nem qualquer critério geral e abstracto, de cariz normativo, que é acusado de inconstitucionalidade, mas sim o próprio sentido da aplicação do direito ao caso concreto, efectuada pelo tribunal recorrido.
Não estando consagrado entre nós um recurso do tipo de amparo espanhol ou da queixa constitucional alemã, não pode o Tribunal Constitucional apreciar a impugnação de constitucionalidade imputada directamente à decisão do caso sub judicio, como sucede nesta situação, pelo que este recurso não pode ser conhecido.»
O Recorrente reclamou desta decisão, alegando o seguinte:
«O Tribunal a quo entende que “O recurso para o Tribunal Constitucional não é admissível pois se reporta à decisão que indeferiu a reclamação e não a qualquer norma em que a mesma decisão se tenha baseado.
Todavia, nesta parte, o arguido alude aos artigos 29.º e 32.º da CRP, por entender que a não admissão do recurso em causa configura uma violação de tais artigos.
Por outro lado, é claro que a arguida/recorrente não poderia arguir em momento anterior tal inconstitucionalidade – pela simples razão de não poder prever que a mesma se registaria em fase de recurso!
É a interpretação que o Digno Supremo Tribunal de Justiça fez dos preceitos invocados (artigo 2.º, nº 4, do Código Penal) que gera o vício da inconstitucionalidade que se invocou.
Se o recorrente não pudesse invocar as inconstitucionalidades resultantes da interpretação e aplicação das normas feitas pelos Tribunais Superiores (Relação ou Supremo Tribunal de Justiça) ficaria fora da alçada do Tribunal Constitucional uma grande parte da fiscalização concreta da constitucionalidade que cabe a esse alto tribunal.
Como é óbvio, também nesta particular questão a arguida/recorrente não podia pressupor, intuir, que o Digno Supremo Tribunal de Justiça, agiria como agiu, e interpretaria as normas do Código Penal e da própria Constituição como interpretou e aplicou.
É com a prolação da Decisão, e só nessa altura, que se tornam patentes os vícios e manifesta a interpretação inconstitucional dada às normas, afrontando de maneira gritante e inadmissível o Estado de direito e processo democrático, pondo em causa princípios que deviam estar mais do que consolidados na ordem jurídica portuguesa:
Assim sendo, o recorrente tem o direito a ver apreciado o recurso interposto para o Tribunal Constitucional no sentido de controlar a constitucionalidade:
a) Ora, entendemos salvo melhor opinião que a interpretação e aplicação do disposto no aludido artigo 2.º, pelo Insigne Supremo Tribunal de Justiça, ao não admitir o recurso em causa constitui uma violação dos artigos 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidades essas invocadas previamente no seu recurso do Tribunal da Relação do Porto, para o Supremo Tribunal de Justiça.
É, pois, um vício que se regista somente na Decisão, que se pretende seja analisado à luz das normas da Constituição.
Desta forma, tem a recorrente o direito a ver apreciado o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.»
O Ministério Público respondeu, pronunciando-se pelo indeferimento da reclamação apresentada.
Fundamentação
A reclamação apresentada pelo recorrente é incompreensível uma vez que este apresentou recurso para o Tribunal Constitucional, questionando “a interpretação e aplicação do disposto nos artigos 70.º, 71.º do CP, pelo Insigne Tribunal da Relação do Porto”, e não qualquer fundamentação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação do despacho que não admitiu o recurso interposto para este último tribunal do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
A decisão sumária considerou e bem que, sendo a acusação de inconstitucionalidade imputada directamente à decisão do caso sub judicio efectuada pelo Tribunal da Relação do Porto e não a qualquer norma, não era possível conhecer o mérito do recurso.
Esta decisão baseou-se apenas na falta de cariz normativo do objecto de impugnação do recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Não sendo apresentados na reclamação quaisquer argumentos que contrariem esta conclusão, resta indeferi-la.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A. da decisão sumária proferida nestes autos em 17 de Junho de 2010.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 5 de Julho de 2010. – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
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