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Processo n.º 362/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No âmbito da acção administrativa especial proposta por A. contra o Ministério
da Defesa Nacional, que correu os seus termos no Tribunal Administrativo e
Fiscal de Lisboa, sob o n.º 323/05.2 BELSB, foi proferido acórdão, datado de 9
de Julho de 2007, que julgou improcedentes os pedidos de declaração de nulidade
de um despacho do Ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar,
e de condenação do demandado na reconstituição da carreira militar do
demandante.
Na sequência de recurso interposto pelo Autor, tal decisão viria a ser
integralmente confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul,
proferido em 30 de Outubro de 2008.
Após ter interposto recurso de revista desta decisão para o Supremo Tribunal
Administrativo - que não chegou a ser admitido –, o recorrente acabou por
interpor recurso daquela mesma decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal
Constitucional (LTC), onde, mediante requerimento oportunamente aperfeiçoado,
suscitou a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, na interpretação dada pelo tribunal
recorrido, segundo a qual a reconstituição da carreira nunca poderá ultrapassar
o posto de coronel, pelo que quem já é titular deste posto, como o Recorrente,
não tem direito a essa reconstituição.
Notificado para efeito de apresentação de alegações de recurso, o recorrente
apresentou as respectivas alegações e concluiu do seguinte modo:
«[...]
1ª- À data em que foi vitima de “saneamento administrativo e discricionário, 6
de Agosto de 1974, nos termos e por aplicação do disposto na alínea b) do artº
1º do Decreto-Lei nº 309/74 de 8 de Julho, o recorrente era coronel tirocinado,
por estar habilitado com o curso de Altos Comandos, habilitação que constituía
condição de promoção a brigadeiro (1º nível da categoria ou classe de oficiais
generais, hoje Major-general) – Cf supra, factos provados – Parte II.
2ª – À mesma data o recorrente reunia já todas as condições pessoais (incluindo
com condecorações e louvores), todas as condições gerais e todas as condições
especiais para ser promovido a brigadeiro, pois
a) era o Coronel mais antigo do serviço e desempenhava o cargo de Brigadeiro,
b) Estava entre os quatro oficiais mais condecorados e louvados, tendo sido o
primeiro a quem foram concedidas tais condecorações,
c) era o único dos coronéis que tinha licenciatura dada pela frequência de
escolas próprias para a função
d (factos assentes – cf supra Parte I e Parte II, de alíneas A) a M).
3ª- Por isso, à mesma data indicada na conclusão 1ª, o recorrente tinha a
expectativa jurídica legítima e fundada de que seria promovido, pelo menos a
brigadeiro, logo no ano de 1974, ou, pelo menos, a breve prazo, pois fora
nomeado pelo Conselho Superior da Aeronáutica para a realização do curso de
Altos Comandos, precisamente na previsão da iminente ocorrência de vaga para
esse posto (cf. supra factos assentes Parte II- Alínea E)
4ª- Na douta decisão recorrida confirmou-se a decisão anterior – proferida em 1ª
instância - que negara a reconstituição da carreira militar do recorrente, com
fundamento em que o nº 2 do artº 4 do D.L. nº 330/84 de 15 de Outubro é
aplicável ao recorrente, e impede a reconstituição da sua carreira militar além
do posto de coronel por já ser coronel à data do saneamento.
5ª- No entanto tal norma legal, é materialmente inconstitucional por violação do
princípio da igualdade constante no artº 13º, nº 1 da CRP, na vertente de
proibição do arbítrio, se interpretada como abrangendo a situação do recorrente
e impedindo a reconstituição da sua carreira militar além de coronel, visto que
à data em que foi vitima de saneamento administrativo e discricionário, era
coronel tirocinado (habilitado com o curso de Altos Comandos), diferente de
simples coronel, e, ao contrário da generalidade dos restantes coronéis, gozava
da expectativa jurídica, legítima e fundada, de ser promovido nesse ano de 1974,
ou em breve prazo, pelo menos a brigadeiro;
6ª – Com efeito, a descrita situação do recorrente, à data em que foi vitima de
saneamento, era essencialmente diferente dos coronéis não tirocinados, que
constituía a maioria dos restantes coronéis, e por isso, sendo substancialmente
diferentes essas duas situações devem elas ter tratamento diferente sob pena de
violação do principio da igualdade, na indicada vertente da proibição do
arbítrio – o que aconteceria caso se entendesse e interpretasse o indicado
preceito como aplicável indistintamente aos coronéis tirocinados ou não
tirocinados.
7ª- Aliás, nem no indicado preceito artº 4º nº 2, nem em qualquer outro do
citado diploma legal, consta, nem se vislumbra, qualquer razão, motivo ou
fundamento material quer para a limitação da reconstituição da carreira dos
militares aí referidos - visto ser infundada a justificação da necessidade de
escolha e de vaga - quer para o âmbito da sua aplicação (supostamente
abrangendo todos os coronéis, independentemente de serem ou não tirocinados) –
falta absoluta de “ratio”, ou fundamento razoável para um tal tratamento igual
perante duas situações essencialmente diferentes, em violação do invocado
principio constitucional da igualdade.
SEM conceder, e subsidiariamente,
Ainda que assim se não entenda,
Sempre se dirá que,
8ª – A decisão recorrida aplicou que a norma constante do artº 4º nº 2º do
citado D.L. nº 330/84 de 15 de Outubro, considerando que a mesma se aplica ao
caso do recorrente e impede a reconstituição da sua carreira militar com
fundamento em que à data em que foi saneado o recorrente já era coronel, e esse
preceito impõe que a reconstituição da carreira militar não pode ultrapassar o
posto de coronel
9ª – Porém, a citada norma legal constante do artº 4º nº 2 do DL nº 330/84 de 15
de Outubro, sofre do vício de inconstitucionalidade material, quando
interpretada no sentido de que impede a reconstituição da carreira militar dos
militares que, como o recorrente, eram já coronéis à data em que foram saneados,
ao contrário do que noutros preceitos do mesmo diploma (artº 2º e 4º) se
reconhece a outros militares em condições de igualdade de saneamento, a quem é
reconhecida a reconstituição da carreira militar até ao posto de coronel e
capitão de mar e guerra, sem que exista ou se vislumbre qualquer fundamento
material ou outro para essa diferenciação de tratamento
10ª - A absoluta falta de fundamento material – pelo qual se torne
compreensível, por razoável, tão diferente tratamento para situações
essencialmente iguais, isto é, - por um lado os militares saneados a quem se
reconhece o direito a reconstituição da carreira militar (até coronel e capitão
de mar e guerra - artº 4º nº 2 do citado diploma) - e por outro lado, os
militares saneados a quem se recusa qualquer reconstituição da sua carreira
militar (os que tenham sido saneados nesses postos) e embora seja exactamente
igual a situação de todos esses militares (destinatários desse diploma) por
terem sido todos igualmente alvo do “saneamento administrativo e discricionário”
a que se faz referência expressa no preâmbulo do mesmo diploma) torna
incompreensível e arbitrária, e por isso inconstitucional, essa norma segundo
tal interpretação, por violação do principio da igualdade, na vertente da
proibição do arbítrio.
11ª - Fundamentos por que, e segundo o douto suprimento deste Venerando
Tribunal, Requer seja dado provimento ao presente Recurso e em consequência ser
declarada a inconstitucionalidade material
a) da norma constante do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 330/84 de 15 de Outubro, –
por violação do principio da igualdade na vertente de proibição do arbítrio, se
interpretada como abrangendo a situação do recorrente, mas impedindo a
reconstituição da sua carreira militar além de Coronel, apesar de à data em que
foi vitima de saneamento administrativo e discricionário, ser coronel
tirocinado (habilitado com o curso de Altos Comandos) e reunir todas as
condições pessoais, gerais e especiais para a promoção a brigadeiro, ao
contrário dos restantes coronéis não tirocinados, sem que exista qualquer
fundamento material para esse tal tratamento igual para situações essencialmente
tão diferenciadas:
b) da mesma norma legal, constante do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 330/84 de 15 de
Outubro - por violação do principio da igualdade, na vertente de proibição do
arbítrio, quando interpretada no sentido de que impede a reconstituição da
carreira militar dos militares que, como o recorrente, eram já coronéis à data
em que foram vitimas de saneamento administrativo e discricionário, ao contrário
do que noutros preceitos do mesmo diploma (artº 2º e 4º) se reconhece a outros
militares, em igualdade de condições de saneamento, a quem é reconhecida a
reconstituição da carreira militar até ao posto de coronel ou capitão de mar e
guerra (reconstituição que consistirá na reconstituição integral em relação a
todos os que á data do saneamento não estivessem habilitados com o curso de
Altos Comandos) sem que exista ou se vislumbre qualquer fundamento material para
essa diferenciação de tratamento para situações essencialmente iguais.
[...]».
Por seu turno, o Recorrido Ministério da Defesa Nacional contra-alegou e
concluiu nos seguintes termos:
«[...]
1. Veio o Recorrente, atento o historial jurisprudencial sobre o assunto em
apreço, que lhe foi desfavorável, recorrer para o Tribunal Constitucional
pedindo a declaração de inconstitucionalidade da norma constante do art 4.º, n.º
2 do DL 330/84, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por
violação do princípio da igualdade na vertente de proibição do arbítrio (...)”,
bem como no facto da interpretação que é feita desse normativo impedir a “(...)
reconstituição da carreira militar dos militares que, como o recorrente, era já
coronel à data em que foi vítima de saneamento administrativo e discricionário,
ao contrário do que noutros preceitos do mesmo diploma (art. º 2º nº 4) se
reconhece a outros militares, em igualdade de condições de saneamento, a quem é
reconhecida a reconstituição da carreira militar até ao posto de coronel ou
capitão de mar e guerra (reconstituição que consistirá na reconstituição
integral em relação a todos os que à data do saneamento não estivessem
habilitados com o curso de Altos Comandos) sem que exista ou se vislumbre
qualquer fundamento material para essa diferenciação de tratamento:”
2. O n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, prevê que
a reconstituição da carreira não pode, em circunstância alguma, ultrapassar o
posto de Coronel.
3. O ora Recorrente, apesar de possuir o curso de tirocinado, detém o posto de
Coronel.
4. Resulta claro da letra da lei que o legislador quis abarcar única e
exclusivamente todos os postos até coronel ou capitão-de-mar-e-guerra, excluído
da sua aplicação os postos superiores como Major-general e Tenente-general e de
General.
5. E não tomou tal opção legislativa de forma inadvertida, pois conforme se
extrai do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, a “(...)
revisão da situação do militar, com eventual alteração da mesma, à luz da
reconstituição possível da sua evolução presumível, dentro de certos juízos,
condicionalismos e limites realistas (...).“
6. Ao conceder o pretendido pelo Recorrente, estar-se-ia a violar o princípio da
igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa
(CRP), em relação a outros militares nas mesmas condições e detentores do posto
de Coronel, tal como o Recorrente.
7. A promoção para o actual posto de Major-general não era, nem é hoje em dia,
automática, pois, para além de ser necessário o curso de tirocínio (Curso de
Altos Comandos da Força Aérea) que o ora Recorrente possui, dependia da
existência de vaga e era feita por escolha, de acordo com o Estatuto do Oficial
da Força Aérea vigente até 1990, aprovado pelo Decreto n.º 377/71, de 10 de
Setembro, mormente os artigos 128.º e 129.º.
8. Só podendo ser promovidos à categoria de Oficiais generais, os militares que
reúnam as condições gerais e especiais de promoção, em cúmulo com outras
exigências, nomeadamente, a existência de vagas e o posicionamento dos militares
face aos demais candidatos existentes, de acordo com os respectivos estatutos e
regulamentos militares.
9. E só reunidas todas as condições, a situação do militar será conduzida ao
Conselho Superior da Defesa Nacional, para aferir da sua possibilidade de
promoção, segundo critérios previamente definidos.
10. Só sendo promovidos os militares “(...) considerados mais competentes e que
ofereçam maior garantia de melhor servir a Força Aérea”, de acordo com o
estatuído na alínea c) do artigo 118.º do citado Decreto-Lei n.º 377/71.
11. O direito à promoção não é absoluto, antes resultando da globalidade do
anterior Estatuto do Oficial da Força Aérea e dos posteriores Estatutos dos
Militares das Forças Armadas, como um direito dependente das necessidades
estruturais das Forças Armadas e da consequente existência de vagas.
12. Carece, assim, em absoluto, de fundamento o defendido pelo Recorrente quanto
ao posto a que alega ter direito, uma vez que o mesmo não prova, nem o
conseguirá fazer, que teria sido escolhido de entre os coronéis tirocinados
para a promoção a Major-general nem que existisse vaga que permitisse a referida
promoção (isto no período que medeia entre 6 de Agosto de 1974 e 9 de Junho de
1977 já que nesta data o mesmo sempre teria que ter passado à reserva, por
limite de idade).
13. Aquando do seu pedido formulado em 1986, a Força Aérea reconstituiu a
carreira do Recorrente, aplicando o normativo constante no artigo 4º do Decreto
Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, tendo sido alterada a sua passagem à situação
de reserva de 6 de Agosto de 1974 para 9 de Junho de 1977.
14. Vem ainda o Recorrente que por ser Coronel tirocinado e por não se incluir
na previsão do referido preceito legal, defender que lhe deveria ter sido
aplicado a regra geral do Decreto-Lei n.º 330/84 ou ser excepcionado da
aplicação do n.º 2 do artigo 4.º do desse diploma, que manda reconstituir
integralmente a carreira dos militares saneados, sem qualquer restrição.
15. Tal solução violaria de forma gritante o princípio da igualdade, ao conceder
ao Recorrente um tratamento diferenciado sem que exista qualquer substrato legal
para o mesmo, consubstanciando um arbítrio.
16. O processo de solução problema criado pelo saneamento administrativo e
discricionário dos militares não cria mecanismos e procedimentos de excepção,
seguindo trâmites idênticos aos estabelecidos nos estatutos e regulamentos
militares, razão pela qual se estabelece como limite máximo de promoção o posto
de Coronel.
17. Na verdade, sendo a ascensão a posto superior feita por escolha, não é
possível ao legislador, por um lado, determinar quais os militares que teriam
sido escolhidos nem, por outro, regular no sentido de todos serem promovidos.
18. Podemos, pois, concluir que o legislador quis reconstituir a carreira
militar dos envolvidos até ao posto de Coronel, não tendo excepcionado, nem o
podendo fazer, como pretende o Recorrente, a sua situação, por ser possuidor do
tirocínio.
19. O n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, não está
ferido de inconstitucionalidade material por violação do artigo 13.º da
Constituição da República Portuguesa.
20. Não existe fundamento legal para interpretar o n.º 2 do artigo 4.º do
Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, no sentido de permitir um tratamento
diferenciado da situação do Recorrente, e considerar tal seria manifestamente
atentatório dos princípios da igualdade e da justiça.
21. De igual forma, a norma do n.º 2 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 330/84, de
15 de Outubro, não é inconstitucional por violação do princípio da igualdade na
vertente de proibição de arbítrio.
22. Pelo exposto, poderá concluir-se que não assiste razão ao ora Recorrente,
pelo que não tem acolhimento o pedido formulado de declaração de
inconstitucionalidade.
*
Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso de constitucionalidade
Resulta do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, após aperfeiçoamento, que o Recorrente pretende submeter à
respectiva apreciação a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.º,
n.º 2, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, na interpretação dada pelo
tribunal recorrido segundo a qual a reconstituição da carreira nunca poderá
ultrapassar o posto de coronel, pelo que quem já é titular deste posto, como o
Recorrente, não tem direito a essa reconstituição.
Posteriormente, em sede de alegações, o Recorrente concluiu pedindo a
“declaração de inconstitucionalidade material:
a) da norma constante do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 330/84 de 15 de Outubro, –
por violação do principio da igualdade na vertente de proibição do arbítrio, se
interpretada como abrangendo a situação do recorrente, mas impedindo a
reconstituição da sua carreira militar além de Coronel, apesar de à data em que
foi vitima de saneamento administrativo e discricionário, ser coronel tirocinado
(habilitado com o curso de Altos Comandos) e reunir todas as condições pessoais,
gerais e especiais para a promoção a brigadeiro, ao contrário dos restantes
coronéis não tirocinados, sem que exista qualquer fundamento material para esse
tal tratamento igual para situações essencialmente tão diferenciadas:
b) da mesma norma legal, constante do nº 2 do artº 4º do D.L. nº 330/84 de 15 de
Outubro - por violação do principio da igualdade, na vertente de proibição do
arbítrio, quando interpretada no sentido de que impede a reconstituição da
carreira militar dos militares que, como o recorrente, eram já coronéis à data
em que foram vitimas de saneamento administrativo e discricionário, ao
contrário do que noutros preceitos do mesmo diploma (artº 2º e 4º) se reconhece
a outros militares, em igualdade de condições de saneamento, a quem é
reconhecida a reconstituição da carreira militar até ao posto de coronel ou
capitão de mar e guerra (reconstituição que consistirá na reconstituição
integral em relação a todos os que data do saneamento não estivessem
habilitados com o curso de Altos Comandos) sem que exista ou se vislumbre
qualquer fundamento material para essa diferenciação de tratamento para
situações essencialmente iguais”.
Ora, atenta a natureza instrumental da fiscalização concreta da
constitucionalidade das normas, impõe-se fazer uma prévia delimitação do
objecto do presente recurso de constitucionalidade, de acordo com o real
conteúdo da fundamentação da decisão recorrida, onde se pode ler o seguinte:
«[...] Resulta do preâmbulo do D.L. n.º 330/84, de 15/10, que este diploma
visava reparar a violação do direito de defesa na prática dos actos de
saneamento administrativo e discricionário de militares, devendo essa reparação
consistir “na outorga da faculdade de revisão da situação militar, com eventual
alteração da mesma, à luz da reconstituição possível da sua evolução presumível,
dentro de certos juízos, condicionalismos e limites realistas (mormente o facto
inapagável de uma década de ausência da vida militar activa), no pressuposto da
sua não interrupção provável, se não fora o acto de saneamento em causa”.
Nos termos do n.º 1 do art. 1.º, este D.L. n.º 330/84 era aplicável “aos
militares dos quadros permanentes dos 3 Ramos das Forças Armadas afastados da
situação de activo ao abrigo das disposições dos DLs. n.os 178/84, de 30/4,
309/74, de 8/7, 648/74, de 2/12, 147-C/75, de 21-3 e 383/75, de 22/6”.
Um dos efeitos da revisão da situação militar, quando deferida, consistia na
“reconstituição da carreira militar do requerente, tendo em atenção o disposto
nos arts. 3º e 4º - cfr. art. 2.º, al. b).
Porém, essa reconstituição da carreira não podia, em circunstância alguma,
ultrapassar o posto de capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel (cfr. n.º 2 do art.
4º.).
Quanto aos oficiais generais, na revisão da sua situação militar não poderia, em
caso algum ser considerada a possibilidade de promoção ou de regresso à situação
de activo – cfr. n.º 1 do art. 5º.
Em face do exposto, logo se conclui que não se verifica a alegada violação do
preâmbulo do D.L. n.º 330/74 nem dos seus arts. 2º, al. b) e 4º, nº 1, al. a).
Efectivamente, não ocorre violação do preâmbulo porque este – além de ser
interpretado em conjunto com o articulado do diploma – não impõe que a carreira
militar tenha sempre de ser reconstruída, admitindo que o seja “dentro de certos
juízos, condicionalismos e limites realistas”. E embora o D.L. n.º 330/84 seja
aplicável ao recorrente, por ter sido afastado do activo ao abrigo do D.L. n.º
309/74 (cfr. transcrito n.º 1 do art. 1º), resulta claramente da conjugação do
art. 2º, al. b), com o art. 4º, n.º 2, que a reconstituição da carreira nunca
poderá ultrapassar o posto de coronel, pelo que sendo já aquele titular deste
posto não haverá lugar a tal reconstituição.
Também não assiste razão ao recorrente quando invoca a violação do referido art.
4.º, n.º 2, pois nunca existiu, nem existe, qualquer posto denominado de Coronel
Tirocinado (cfr. Estatuto do Oficial da Força Aérea aprovado pelo Dec. n.º
377/71, de 10/9 e art. 129º do EMFAR aprovado pelo D.L. n.º 236/99, de 25-6),
pelo que quando a lei se refere a “Coronel” não pode deixar de abranger todos os
que detém este posto, como sucede com o recorrente.
Quanto à violação do art. 6.º, não se vê, em face da alegação do recorrente,
como ela se poderá verificar, sendo certo que esse preceito não é aplicável à
sua situação (que não regressou “à efectividade de serviço na situação de
activo”) nem dele resulta a existência de vagas para oficiais licenciados.
No que concerne à violação dos aludidos arts. 101º, nº 1, 129º, nº 4 e 246º,
entendemos que também não se verifica, pois a circunstância de o recorrente
estar habilitado com curso que constituía condição para o exercício das funções
inerentes à categoria de oficial general ou de dever ser designado por coronel
tirocinado é completamente irrelevante para a decisão, dado que o posto que
detinha era o coronel, estando, por isso, abrangido pela limitação estabelecida
pelo citado art. 4º, nº 2.
Finalmente, quanto à violação do art. 13.º da CRP, invocada com o fundamento que
ficou referido, afigura-se-nos que também não ocorre, visto não estar
demonstrado que o recorrente tenha sido o “único discriminado”, sendo certo que,
em face do que dispõem os arts. 4º, n.º 2, e 5º, do D.L. n.º 330/84, a
reconstituição de carreira militar não abrange os oficiais generais nem todos
aqueles que detinham os postos de coronel e capitão-de-mar-e-guerra.
Assim sendo, improcedem todas as conclusões da alegação do recorrente, o que
implica que se negue provimento ao presente recurso jurisdicional, com a
consequente confirmação da sentença recorrida [...]»
O aludido n.º 2, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro,
dispõe que a reconstituição da carreira – nomeadamente dos militares
discricionariamente afastados da situação de activo ao abrigo do Decreto-Lei
n.º 309/74, de 8 de Julho – não pode, em circunstância alguma, ultrapassar o
posto de capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel.
Esta foi precisamente a disposição legal que fundamentou a improcedência do
pedido de condenação da entidade recorrida na reconstituição da carreira militar
do demandante.
Para esse efeito, o tribunal recorrido entendeu, à luz da referida disposição
legal, que o recorrente não tinha direito à reconstituição da sua carreira uma
vez que não podendo esta ultrapassar o posto de coronel ele já era titular desse
posto na hierarquia militar da Força Aérea, sendo irrelevante o facto de estar
habilitado com curso que constituía condição para o exercício das funções
inerentes à categoria de oficial general (designadamente o curso de altos
comandos da Força Aérea previsto no artigo 101.º, n.º 1, do Estatuto do Oficial
da Força Aérea, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 377/71, de 10 de Setembro).
O objecto do presente recurso de constitucionalidade não se pode estender a
outras realidades normativas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido,
nomeadamente o alegado preenchimento pelo recorrente de todas as condições
legalmente exigidas para a promoção a brigadeiro, devendo cingir-se à sua ratio
decidendi.
Por isso, o objecto do presente recurso de constitucionalidade restringir-se-á à
fiscalização da constitucionalidade da norma constante do artigo 4.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, na interpretação segundo a qual não há
lugar à reconstituição da carreira militar, nos termos deste diploma, quando o
interessado é já coronel habilitado com o curso de altos comandos da Força
Aérea.
2. Do mérito do recurso
2.1. Enquadramento da questão
O presente recurso versa a constitucionalidade do regime jurídico aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, na parte respeitante à reconstituição
de carreira de alguns militares que foram compulsivamente afastados da situação
de activo após a Revolução de 25 de Abril de 1974.
Na sequência desta Revolução, o Programa do Movimento das Forças Armadas
Portuguesas, constante da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, aprovada pela Junta de
Salvação Nacional, pugnava pela adopção imediata de medidas para a
“reorganização e saneamento das formas armadas e militarizadas”.
Em conformidade com o referido instrumento pré-constitucional, a Junta de
Salvação Nacional decretou a possibilidade dela própria determinar a passagem à
reserva dos militares que não oferecessem garantia de isenção política e
competência profissional por simples despacho (artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º
178/74, de 30 de Abril).
Posteriormente, o Conselho dos Chefes de Estado-Maior das Forças Armadas, “tendo
em vista assegurar, imediatamente, uma reestruturação da cadeia de comando por
forma a que ela seja eficiente, dinâmica e correspondente aos legítimos anseios
da dignificação da função militar”, determinou, entre outras medidas, a
“elaboração, para cada posto, de listas ordenadas, com base numa votação
secreta, de oficiais que devem passar à situação de reserva”, a sancionar pelos
respectivos Chefes de Estado-Maior (artigo 1.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 309/74, de 8 de Julho).
Mais tarde, o Conselho da Revolução previu a possibilidade dele próprio ordenar
a passagem à reserva dos militares que não dessem garantia de fidelidade aos
princípios definidos no Programa do Movimento das Forças Armadas (artigo 1.º, do
Decreto-Lei n.º 147-C/75, de 21 de Março).
O Recorrente passou compulsivamente à reserva, durante o ano de 1974, no posto
de coronel da Força Aérea, após ter sido incluído numa das listas elaboradas ao
abrigo do disposto no acima referido Decreto-Lei n.º 309/74, de 8 de Julho.
O Decreto-Lei n.º 383/75, de 22 de Julho, veio a conceder o direito à pensão e
a passagem ao quadro de complemento, com direito a indemnização a todos os
militares que haviam passado à reserva compulsivamente nos termos dos diplomas
acima referidos.
E, passada quase uma década, o legislador ordinário entendeu que “dez anos
volvidos sobre o período imediatamente posterior a 25 de Abril de 1974, é
possível um juízo distanciado e sereno sobre actos que, justificados pelos seus
autores numa perspectiva revolucionária, carecem de justificação à luz dos
direitos fundamentais que precisamente a revolução consagrou e hoje constituem
património inalienável dos Portugueses.
Estão nesse caso os actos de saneamento administrativo e discricionário de
militares a quem não foi reconhecido o direito de defesa ou sequer de prévia
audição.
Há que, embora tardiamente, reparar essa violação de um direito fundamental tão
caro à civilização de que Portugal se orgulha, tanto mais que, noutros domínios,
idênticas reparações foram sendo efectivadas.
A reparação consiste, em sucinto resumo, na outorga da faculdade de revisão da
situação militar, com eventual alteração da mesma, à luz da reconstituição
possível da sua evolução presumível, dentro de certos juízos, condicionalismos e
limites realistas (mormente o facto inapagável de uma década de ausência da vida
militar activa), no pressuposto da sua não interrupção provável, se não fora o
acto de saneamento em causa.
O processo de solução do problema não cria mecanismos e procedimentos de
excepção, seguindo ao contrário trâmites idênticos aos estabelecidos nos
estatutos e regulamentos militares.”(preâmbulo do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15
de Outubro).
Neste espírito de reparação da danos injustamente causados, o Decreto-Lei n.º
330/84, de 15 de Outubro, veio reconhecer aos militares dos quadros permanentes
dos três ramos das Forças Armadas afastados da situação do activo ao abrigo dos
diplomas acima referidos, incluindo o Decreto-Lei n.º 309/74, de 8 de Julho, a
faculdade de requererem a revisão da sua situação militar, com vista à sua
eventual alteração com reconstituição da respectiva carreira (artigo 1.º, n.º
1).
Na verdade, entre os diversos efeitos da revisão da situação militar dos
militares saneados, foi prevista a reconstituição da carreira militar (artigo
2.º, b)).
Porém, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, deste diploma, a reconstituição da
carreira não podia, em circunstância alguma, ultrapassar – no caso da Força
Aérea – o posto de coronel.
No caso concreto, esta norma foi interpretada pelo tribunal a quo no sentido de
que não podendo nunca a reconstituição de carreira ultrapassar o posto de
coronel, não há lugar a tal reconstituição na circunstância de o interessado ser
já coronel da Força Aérea habilitado com o curso de altos comandos da Força
Aérea.
Não cabe na economia do recurso de constitucionalidade aferir da bondade da
referida interpretação normativa no plano meramente infra-constitucional.
A intervenção do Tribunal Constitucional justifica-se porque o Recorrente
sustenta que esta interpretação normativa viola o princípio constitucional
estruturante da igualdade, consagrado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.
No essencial, o Recorrente entende que a interpretação normativa sob análise, na
medida em que impede a reconstituição de carreira a todos os coronéis saneados,
sem qualquer excepção, “viola o princípio da igualdade, na vertente de proibição
do arbítrio” por duas razões:
1.ª) por um lado, a mesma interpretação normativa conduz a que apenas uma parte
dos militares da Força Aérea saneados – a saber, os militares de posto inferior
a coronel – tem direito à reconstituição da respectiva carreira (tratamento
diferente de situações iguais);
2.ª) por outro lado, essa interpretação normativa permite que um coronel da
Força Aérea que se encontra habilitado com o curso de promoção a oficial
general, seja tratado da mesma forma que os coronéis que ainda não têm esse
curso (tratamento igual de situações diferentes).
2.2. A reconstituição da carreira
No essencial, através da aprovação do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro,
o legislador ordinário pretendeu reparar os militares que haviam sido objecto de
actos de afastamento compulsivo da situação de activo, mediante a revisão da sua
situação militar, com eventual reconhecimento do direito à reconstituição da sua
carreira, de modo a colocá-los na posição em que se encontrariam se não
tivessem sido passados compulsivamente à reserva.
Esta solução de reconstituição de carreira, como forma de reparação, não
constitui nenhuma originalidade no seio do ordenamento jurídico português.
A reconstituição da carreira constitui um efeito jurídico transversal às
relações de emprego público e privado, que se revela maxime quando a carreira de
um funcionário ou de um trabalhador é interrompida nas situações de invalidade
das penas de demissão ou de ilicitude de despedimentos.
Há muito que é reconhecido aos funcionários públicos, em caso de declaração
judicial da invalidade da pena disciplinar de demissão ou de revisão procedente
do processo disciplinar, o direito à reconstituição da carreira ou da situação
jurídico-funcional actual hipotética, com consideração das expectativas
legítimas de promoção que não se efectivaram por efeito da punição (Vide o
artigo 85.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da
Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 191-D/79,
de 25 de Junho; o artigo 83.º, n.º 6, do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e
Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 24/84, de 16 de Janeiro; o artigo 173.º, n.os 1 e 4 do CPTA, aprovado pela
Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro; os artigos 64.º, n.º 1, al. c), e 77.º,
n.º 4, al. a), do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Função Pública,
aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro).
O mesmo efeito jurídico é reconhecido no âmbito das relações jurídico-laborais
de direito privado quando à declaração judicial da invalidade do despedimento é
associado o direito do trabalhador à reintegração na empresa no respectivo cargo
ou posto trabalho e com a antiguidade que lhe pertencia (Vide o artigo 12.º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho; o artigo 13.º, n.º 1, al. b), do
Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro; o artigo 436.º, n.º 1, al. b), do
Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto; o artigo
389.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12
de Fevereiro).
A reconstituição de carreiras passa, necessariamente, como ensina A,, pela
operação intelectual que consiste na “tentativa de apurar de que maneira teria a
carreira do funcionário público evoluído sem o acto anulado, para o que deve
atender às circunstâncias que existiam e às normas que se encontravam em vigor
em cada momento a que teria correspondido cada passo dessa evolução” (in
“Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes”, pág. 523,
da ed. de 2002, da Almedina).
Nas palavras do próprio legislador do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro,
o processo de reconstituição de carreira dos militares abrangidos por este
diploma “não cria mecanismos e procedimentos de excepção, seguindo ao contrário
trâmites idênticos aos estabelecidos nos estatutos e regulamentos militares”
(Preâmbulo e artigo 3.º, n.º 1, alínea a)), sendo as promoções e mudanças de
situação decididas pelo Chefe do Estado-Maior de cada ramo das Forças Armadas
(artigo 3.º, n.º 2).
Em geral, a revisão da situação militar, quando deferida, implica a
reconstituição da carreira militar do requerente, a qual, tendo sempre em
consideração a respectiva idade, faz-se por referência à carreira dos militares
à sua esquerda à data em que mudou de situação e que foram normalmente
promovidos aos postos imediatos (artigo 4.º, n.º 1, proémio).
Para esse efeito, o legislador teve de regular expressamente, pelo menos, duas
situações particulares respeitantes aos militares colocados compulsivamente na
situação de reserva:
- O militar que regressar à situação do activo reocupará o seu lugar na escala
do respectivo quadro, depois de ter realizado com aproveitamento os cursos,
concursos, estágios ou tirocínios que constituam condição de promoção aos postos
por que transita ou a que ascende (artigo 4.º, n.º 1, al. a);
- O militar que permanecer na situação de reserva fora da efectividade de
serviço, a seu pedido ou por ter atingido o limite de idade estabelecido para o
seu posto e quadro, é considerado como satisfazendo todas as condições especiais
de promoção, com excepção dos cursos que constituam condição de acesso a oficial
(artigo 4.º, n.º 1, al. b).
Relativamente aos referidos militares que regressem à efectividade de serviço
na situação de activo, os mesmos são considerados na situação de
supranumerários permanentes até que por razões de idade, transitem para as
situações de adido ao quadro ou de reserva, ou solicitem a passagem a esta
última situação (artigo 6.º).
2.3. A limitação à reconstituição da carreira militar
O direito de reconstituição da carreira regulado no Decreto-Lei n.º 330/84, de
15 de Outubro, contém uma limitação, nada despicienda, que originou precisamente
o presente recurso: a reconstituição de carreira não pode, em circunstância
alguma ultrapassar o posto de capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel (artigo
4.º, n.º 2).
A referida limitação é ainda complementada pela impossibilidade de promoção ou
de regresso à situação de activo dos oficiais generais (artigo 5.º, n.º 2, 2.ª
parte).
O legislador ordinário, nomeadamente no preâmbulo do diploma não justificou
especificamente a limitação introduzida na reconstituição de carreira dos
oficiais saneados no artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de
Outubro, tendo apenas dito, duma forma genérica, que a possibilidade dessa
reconstituição era consagrada dentro de certos juízos, condicionalismos e
limites realistas (mormente o facto inapagável de uma década de ausência da vida
militar activa).
Por seu turno, a entidade administrativa recorrida identifica uma razão
fundamental, assente em dois pressupostos cumulativos, para a existência da
referida limitação em matéria de reconstituição de carreira: a promoção ao
posto de brigadeiro não era automática, na medida em que, para além do
preenchimento das condições gerais e especiais de promoção, dependia da
existência de vaga no posto de brigadeiro e era efectuada por escolha.
Para se compreender melhor o alcance destas razões, importa descrever, de forma
sintética, como estava organizado hierarquicamente o ramo da Força Aérea nas
categorias de oficiais e, sobretudo, como se processava a promoção dos coronéis
desse ramo militar no período compreendido entre a passagem do recorrente à
situação de reserva e a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de
Outubro.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Estatuto do Oficial da Força Aérea (EOFA),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 377/71, de 10 de Setembro, que reproduz, no
essencial, o artigo 22.º do Estatuto dos Oficiais das Forças Armadas (EOFAR),
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 672, de 29 de Novembro de 1965, a pretensão de
promoção do Recorrente ocorre por referência a um quadro hierárquico em que os
oficiais da Força Aérea se encontram agrupados nas seguintes categorias e postos
por ordem crescente:
a) Subalternos: Alferes, Tenente;
b) Capitães: Capitão;
c) Oficiais superiores: Major, Tenente-coronel, Coronel;
d) Oficiais generais: Brigadeiro, General (de três estrelas), General de quatro
estrelas, e Marechal da Força Aérea.
A promoção dos coronéis ao posto mais baixo da categoria dos oficiais generais
(brigadeiro) processava-se então por escolha, feita, em relação a cada
vacatura, entre todos os coronéis que, na data em que ocorresse a vacatura
respeitante ao seu quadro, perfizessem as necessárias condições de promoção
(artigos 128.º, n.º 1, al. b), e 129.º, al. b), do EOFA).
A promoção por escolha, que consistia no acesso a posto superior,
independentemente da posição na escala de antiguidade, tinha em vista a
vantagem de acelerar a promoção dos oficiais considerados mais competentes e que
oferecessem maior garantia de melhor servir a Força Aérea (artigo 118.º, n.º 1,
al. c)).
A referida promoção apenas se efectuava para preenchimento de vacatura nos
quadros (artigo 118.º, n.º 3).
As condições gerais de promoção a brigadeiro eram – nos termos do artigo 135.º
do EOFA – as seguintes:
- Bom comportamento militar e civil e perfeito espírito militar;
- Boas qualidades morais;
- Qualidades pessoais, intelectuais e profissionais necessárias para o
desempenho das funções do posto imediato;
- Aptidão física adequada.
As condições especiais de promoção a brigadeiro no quadro de intendência e
contabilidade (quadro a que pertencia o Recorrente) eram – nos termos do artigo
157.º, al. f), do EOFA – as seguintes:
- Quinze anos de tempo mínimo de serviço contados a partir da promoção a
tenente;
- Dois anos de tempo de permanência no posto de coronel,
- Ter exercido, no posto de coronel ou no de tenente-coronel, com reconhecida
competência, pelo prazo mínimo de um ano, funções de direcção em órgãos
privativos de serviços;
- Ter frequentado com aproveitamento o curso de altos comandos da Força Aérea.
Interessa precisar o alcance da frequência com aproveitamento do curso de altos
comandos da Força Aérea – desde logo porque o mesmo assume uma relevância
fundamental na argumentação aduzida pelo Recorrente.
Nos termos do n.º 1, do artigo 101.º, n.º 1, do EOFA, a habilitação com o curso
de altos comandos da Força Aérea constituía, como regra, condição para o
exercício das funções inerentes à categoria de oficial general dos respectivos
quadros.
A nomeação para a frequência do referido curso de promoção era feita anualmente,
por escolha, em separado para cada quadro, entre todos os coronéis (artigo
101.º, n.º 2).
Tendo em atenção as vagas de oficial general que se previssem vir a ocorrer e a
conveniência do serviço, o Conselho Superior da Aeronáutica propunha o número de
oficiais de cada quadro que deviam ser nomeados para a frequência do referido
curso de promoção e elaborava a lista dos elegíveis, pela ordem votada, e dos
que não deviam ser designados, as quais eram submetidas à apreciação do
Secretário de Estado da Aeronáutica para efeito de homologação (artigo 101.º,
n.º 3).
A promoção ao posto de brigadeiro começou por ser da competência do Conselho
Superior da Defesa Nacional, após audição do Conselho Superior da Aeronáutica
(artigo 128.º, n.º 2).
A seguir à Revolução de 25 de Abril, essa promoção passou a ser feita, pelos
Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas (artigo 3.º, do citado Decreto-Lei
n.º 309/75, e artigo 9.º, al. j), do Decreto-Lei n.º 400/74, de 29 de Agosto).
Posteriormente, a referida promoção continuou a ser efectuada por deliberação
do Conselho dos Chefes de Estado-Maior, com necessidade de confirmação do
Conselho Superior de Defesa Nacional (artigo 28.º, n.º 2, da Lei de Defesa
Nacional e das Forças Armadas, aprovada pela Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro).
Não se atenderá aqui, desde logo, porque não são aplicáveis ao período sob
análise, aos ulteriores regimes de promoção constantes dos Estatutos dos
Militares das Forças Armadas aprovados pelo Decreto-Lei n.º 34-A/90, de 24 de
Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho.
Todavia, como se referiu atrás, para efeito de aplicação do Decreto-Lei n.º
330/84, de 15 de Outubro, as promoções e mudanças de situação são decididas
exclusivamente pelo Chefe do Estado-Maior de cada ramo das Forças Armadas
(artigo 3.º, n.º 2).
Analisado o processamento da promoção dos coronéis da Força Aérea no período
compreendido entre a passagem do recorrente à situação de reserva e a entrada em
vigor do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, importa agora verificar as
razões aventadas pela entidade recorrida para a consagração da limitação contida
no n.º 2, do artigo 4.º, deste diploma.
Em primeiro lugar, a alegada exigência de abertura de vaga no posto de
brigadeiro não constitui justificação material bastante para a limitação da
promoção dos coronéis sob análise, na medida em que a reconstituição de carreira
dos militares saneados prevista no Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, se
faz por referência à carreira dos militares à sua esquerda à data em que mudou
de situação e que foram normalmente promovidos aos postos imediatos, sendo que a
promoção por simples antiguidade também apenas tem lugar para preenchimento de
vacatura (artigos 4.º, n.º 1, proémio, e 6.º, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15
de Outubro, e artigo 118.º, n.º 3, do EOFA).
Uma vez verificada a existência de vaga no posto pretendido de que o militar
saneado poderia ter beneficiado por referência à carreira dos militares à sua
esquerda, a mesma torna-se depois um aspecto secundário uma vez que todos os
militares que regressem à efectividade de serviço na situação de activo são
considerados na situação de supranumerário permanente até passarem novamente à
situação de reserva (artigo 6.º, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro).
Assim, em princípio, se um militar posicionado imediatamente à esquerda de um
militar saneado tiver sido ulteriormente promovido ao posto imediato, haverá
também lugar à promoção do militar saneado a esse posto, não sendo, pois, a
necessidade de abertura de vaga que explica a consagração da limitação aqui em
causa.
Importa passar agora à alegada exigência da escolha como pressuposto específico
do procedimento de promoção de coronel ao posto de brigadeiro.
Conforme se avançou atrás, a promoção por escolha consiste no acesso a posto
superior, independentemente da posição na escala de antiguidade, tendo em vista
a vantagem de acelerar a promoção dos oficiais considerados mais competentes e
que ofereçam maior garantia de melhor servir a Força Aérea (artigo 118.º, n.º 1,
al. c), do EOFA).
A promoção de um coronel ao posto de brigadeiro não se trata de uma promoção
automática, baseada na mera antiguidade, mas de uma promoção também assente no
mérito, que se evidencia, desde logo, pela exigência cumulativa do exercício
com reconhecida competência de funções de direcção no posto de coronel e da
frequência com aproveitamento de um curso de promoção destinado a exercer um
inequívoco papel selectivo nas promoções a oficial general.
Nestas situações, em que a promoção ocorre por escolha, a possibilidade de
reconstituição da carreira suscita naturais duvidas, atenta a dificuldade de
formular um juízo de prognose póstuma no sentido da previsibilidade da efectiva
escolha de um determinado coronel para efeito de promoção ao posto de brigadeiro
(vide, sobre esta questão, com posições não coincidentes, FREITAS DO AMARAL, em
“A execução das sentenças dos tribunais administrativos”, pág. 93-95, ed. 1967,
das Edições Ática, e A., na ob. cit., pág. 528-529).
Contudo, o critério da reconstituição consagrado no diploma em análise, evita
estas dificuldades, uma vez que prescinde de qualquer juízo de mérito relativo,
bastando que o oficial-referência, situado na escala à sua esquerda, à data do
saneamento, haja sido normalmente promovido, independentemente da modalidade de
promoção desse militar ou daquela que caberia ao interessado (neste sentido se
pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo em vários acórdãos. Por todos vide
o acórdão de 10-8-1987, publicado nos Apêndice do D.R. de 20-4-1994).
Não é, pois, esta modalidade de promoção que justifica a limitação estabelecida
no n.º 2, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15 de Outubro, até porque
a mesma também vigorava na promoção a postos inferiores aos dos oficiais
generais, como sucedia com as promoções a major (artigo 128.º, n.º 1, alínea e)
do EOFA), o que não impediu o legislador de permitir a reconstituição da
carreira até este posto.
A limitação consagrada no n.º 2, do artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15
de Outubro, parece, pois, ter razões diferentes daquelas que foram apontadas
pela entidade recorrida.
O legislador apenas admitiu a reconstituição possível das carreiras militares
interrompidas pelos actos de saneamento, num juízo de evolução previsível,
tendo, por isso, consagrado limites a essa reconstituição que apelidou de
realistas.
Daí que as promoções ficcionadas até aos postos de capitão-de-mar-e- guerra e de
coronel se fizessem por referência à carreira dos militares à esquerda do
requerente à data do seu saneamento e que foram normalmente promovidos aos
postos imediatos.
É apenas o percurso normal na carreira que se pode presumir que teria ocorrido,
caso esta não tivesse sido interrompida pelo acto de saneamento, que é possível
reconstituir.
Ora, foi o facto de não integrar o percurso normal da carreira militar a
ascensão à categoria de oficiais generais, atenta a excepcionalidade do ingresso
nestes lugares de topo, que determinou o legislador a impor, por um lado, que a
reconstituição da carreira militar não pudesse, em circunstância alguma,
ultrapassar o posto de capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel (artigo 4.º, n.º 2)
e por outro a proibir a possibilidade de promoção dentro da categoria dos
oficiais generais (artigo 5.º, n.º 1).
Além disso, e duma forma decisiva, ter-se-á entendido que a relevância destes
postos na hierarquia militar exigia uma escolha pessoal, efectiva e feita no
momento, não podendo resultar de um juízo de prognose póstuma, apoiado num
critério de normalidade.
Daí que noutras situações em que o legislador sentiu a necessidade de proceder à
reconstituição de carreiras militares, tenha consagrado igual limitação, como
sucedeu com a Lei n.º 43/99, de 11 de Junho, que determinou a revisão da
situação dos militares dos quadros permanentes dos três ramos das Forças Armadas
que participaram na transição para a democracia iniciada em 25 de Abril de 1974
e, em consequência do seu envolvimento directo no processo político desencadeado
pelo derrube da ditadura, foram afastados ou se afastaram ou cuja carreira foi
interrompida ou sofrido alteração anómala. Também aí se dispôs que “a
reconstituição da carreira não pode ultrapassar o posto de
capitão-de-mar-e-guerra ou de coronel” (artigo 6.º, n.º 2).
2.4. O princípio da igualdade
Como tem referido o Tribunal Constitucional «o princípio da igualdade abrange
fundamentalmente três dimensões ou vertentes: a proibição do arbítrio, a
proibição de discriminação e a obrigação de diferenciação, significando a
primeira a imposição da igualdade de tratamento para situações iguais e a
interdição de tratamento igual para situações manifestamente desiguais (...); a
segunda, a ilegitimidade de qualquer diferenciação de tratamento baseada em
critérios subjectivos (v.g., ascendência, raça, língua, território de origem,
religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou
condição social) e, a última surge como forma de compensar as desigualdades de
oportunidades.» (Acórdão nº 412/2002, acessível em
www.tribunalconstitucional.pt).
No caso concreto, o Recorrente convoca a vertente da proibição do arbítrio.
“A interdependência de planos que a estrutura do princípio da igualdade exige
implica…que o critério que serve de base ao juízo de qualificação da igualdade
encontre a sua justificação no fim a atingir com o tratamento jurídico. E para
que tal aconteça a conexão entre o critério e o fim tem de ser razoável e
suficiente. Isto quer dizer que o princípio da igualdade não orienta, em
concreto, a opção por um ou outro critério valorativo, mas exige que o critério
escolhido encontre uma justificação razoável e suficiente no fim ou na ratio do
tratamento jurídico” (MARIA GLÓRIA GARCIA em “Princípio da igualdade: fórmula
vazia ou fórmula “carregada” de sentido”, em “Estudos sobre o princípio da
igualdade”, pág. 56, da ed. de 2005, da Almedina):
E nessa matéria , o Acórdão n.º 69/2008 (acessível em
www.tribunalconstitucional.pt) acrescentou que:
«… a propósito do princípio da proibição do arbítrio, decorrente do nº 1 do
artigo 13º da CRP, tem sempre sublinhado o Tribunal duas ideias essenciais que
importa agora recordar. Antes do mais, que não estão aqui em causa – que não
podem estar aqui em causa – ‘juízos’ sobre a bondade das soluções legislativas;
depois, que proibindo a Constituição neste domínio apenas «as diferenciações de
tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer
justificação razoável, segundo critérios de valor constitucionalmente
relevantes» (Acórdão nº 39/88, in AcTC, 11º vol., pp. 233 e ss.), deve
descobrir-se a ratio das disposições em causa, para, a partir dessa mesma ratio,
se poder avaliar se as mesmas possuem ou não uma «fundamentação razoável»
(Acórdão nº 232/2003 e doutrina aí citada: AcTC, 56º vol., p. 39).»
Por outro lado, como ensinam J. J. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA (in
Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, pág. 399, da 4.ª Edição
revista, da Coimbra Editora), importa ter presente que:
«(...) a vinculação jurídico-material do legislador ao princípio da igualdade
não elimina a liberdade de conformação legislativa, pois a ele pertence, dentro
dos limites constitucionais, definir ou qualificar as situações de facto ou as
relações da vida que hão-de funcionar como elementos de referência a tratar
igual ou desigualmente. Só quando os limites externos da “discricionariedade
legislativa” são violados, isto é, quando, a medida legislativa não tem adequado
suporte material, é que existe uma “infracção” do princípio do arbítrio.»
A interpretação normativa aqui sindicada afirma que não há lugar à
reconstituição da carreira militar, nos termos do Decreto-Lei n.º 330/84, de 15
de Outubro, quando o interessado é já coronel habilitado com o curso de altos
comandos da Força Aérea.
O Recorrente alega que estamos perante um tratamento diferenciado de situações
iguais, porque assim, de entre todos os militares saneados na sequência da
revolução de 25 Abril de 1974, apenas os militares de posto inferior ao de
coronel (no que respeita à Força Aérea) têm direito à reconstituição da
respectiva carreira.
Apesar da impossibilidade da reconstituição da carreira acima do posto de
coronel afectar todos os militares, independentemente do posto que tinham no
momento em que foram saneados, é verdade que o tratamento jurídico, na óptica da
decisão recorrida, escolhido pelo legislador para reparar a situação dos
militares saneados após a Revolução de 25 de Abril de 1974, constituído pela
reconstituição da sua carreira, apenas beneficia os militares com uma patente
inferior à de coronel. Enquanto estes dispõem de uma margem de progressão até
este posto, os que já eram coronéis ou oficiais generais quando foram saneados,
não usufruem desta medida reparadora.
Contudo, não se pode qualificar esta distinção como arbitrária.
Em primeiro lugar, a mesma é coerente, suficiente e razoável, relativamente às
razões que motivaram o legislador a impedir o acesso à categoria de oficial
general através da reconstituição da carreira militar, como forma de reparação
de acto de saneamento injusto.
Na verdade, ela encontra uma justificação adequada, no facto da promoção de um
coronel da Força Aérea à categoria dos oficiais generais constituir um acesso
aos postos de topo da hierarquia militar, não podendo ser encarada como um passo
“normal” da carreira militar.
É certo que o Recorrente realça que essa distinção deixa de ter sentido,
relativamente aos coronéis que já se encontram habilitados com o curso de altos
comandos da Força Aérea, uma vez que o procedimento de escolha para efeito de
promoção de um coronel à categoria de oficial general não começa na selecção dos
coronéis que já reúnam as necessárias condições de promoção, incluindo a
habilitação com o curso de promoção, mas sim na nomeação e ordenação prévias
dos coronéis que vão frequentar aquele curso, atendendo ao número previsível de
vagas que venham a ocorrer, bem como pelo afastamento antecipado dos coronéis
que não devem sequer ser designados para o mesmo efeito e daqueles que não
obtiveram aproveitamento no curso de promoção (artigos 101.º, n.os 2 e 3, e 105,
n.º 2, do EOFA).
Mas, mesmo que se considerasse, o que não é certo, que, concluído esse curso, a
promoção a brigadeiro constitui um procedimento normal na carreira militar,
sempre aquela distinção encontraria justificação suficiente na ideia de que a
importância na hierarquia militar dos postos da categoria dos oficiais generais
não admite um acesso resultante de um mero juízo de prognose póstuma, apoiado
num critério de normalidade.
O critério distintivo apontado tem, pois, um fundamento material bastante e o
mesmo não merece qualquer censura do ponto de vista constitucional.
O Recorrente alegou ainda que estamos perante um tratamento igual de situações
diferentes, uma vez que a interpretação normativa aqui sob fiscalização permite
que um coronel da Força Aérea que já se encontra habilitado com curso de
promoção a oficial general, seja tratado da mesma forma que os coronéis que
ainda não se encontram habilitados com este curso.
Apesar da existência da diferença apontada entre as duas situações, a aplicação
do mesmo tratamento jurídico também não integra uma violação do princípio da
igualdade, porque essa diferença não releva, atendendo aos fins que constituem o
fundamento material da solução jurídica adoptada.
Visando o legislador impedir o acesso aos postos de topo da hierarquia militar
através de um simples juízo de prognose póstuma com recurso a um critério de
normalidade, é indiferente que o interessado estivesse ou não habilitado com o
curso que constituía uma das várias condições de promoção.
Se é verdade que a habilitação com esse curso colocava os interessados numa
posição mais próxima da promoção, esta continuava dependente da satisfação de
outras condições cuja verificação no entendimento do legislador não era possível
efectuar a posteriori num simples juízo de normalidade.
Isto é, a razão que tinha conduzido o legislador a adoptar o limite à
reconstituição da carreira militar questionado, valia indistintamente para os
coronéis que estavam habilitados com o curso de altos comandos da Força Aérea e
para os que não estavam habilitados com este curso, pelo que a sua aplicação a
todos eles não constitui qualquer violação ao princípio da igualdade.
Não se verificando que a interpretação normativa aqui fiscalizada resulte numa
violação ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º, da C.R.P., deve o
recurso interposto ser julgado improcedente.
*
Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a interpretação do artigo 4.º, n.º 2, do
Decreto-Lei n.º 330/82, de 15 de Outubro, com o sentido de que não há lugar à
reconstituição da carreira militar, nos termos deste diploma, quando o
interessado é já coronel habilitado com o curso de altos comandos da Força
Aérea;
b) e, consequentemente, negar provimento ao recurso interposto para o Tribunal
Constitucional por A., do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul,
proferido nestes autos em 30 de Outubro de 2008.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Foram rectificados vários lapsos de escrita pelo Acórdão nº 74/2010
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