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Processo nº 772/2007
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. Pelo Acórdão nº 128/2009, de 12 de Março, proferido nesta 3ª Secção, decidiu
o Tribunal não julgar inconstitucional a norma ínsita no artigo 7º, nº 3 da Lei
nº 30-G/2000, de 29 de Dezembro, na parte em que revoga o nº 31 do artigo 11º do
Código Municipal de Sisa e de Imposto sobre Sucessões e Doações, quando
aplicável a transacções ocorridas depois da sua entrada em vigor e a sociedades
abrangidas pelo regime de tributação do lucro consolidado. Consequentemente,
decidiu-se ainda conceder provimento ao recurso, interposto pelo Ministério
Público, e ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o juízo
proferido quanto à questão de constitucionalidade.
2. Notificada deste Acórdão, veio a recorrida A., S.A., dele recorrer para o
Plenário do Tribunal Constitucional nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1
do Código de Processo Civil.
Alegando a existência de nulidades processuais e sustentando que a “a decisão
[deveria] ser alterada em conformidade”, concluiu A. do seguinte modo:
1.ª
Existindo nulidades processuais, são as decisões do Tribunal Constitucional,
como a aqui em apreço, recorríveis.
2.ª
O Acórdão recorrido parte de um vício de raciocínio, que ofusca toda a demais
argumentação e demonstração, e que determinou que o Tribunal Constitucional não
analisasse a questão em causa nos autos e que decorria da decisão do Supremo
Tribunal Administrativo.
3.ª
O Tribunal Constitucional coloca a questão erradamente, debruçando-se sobre uma
situação que não é a que está em causa: partindo do caso concreto (confundido
esta apreciação – em concreto – com a modalidade de fiscalização da
inconstitucionalidade – em concreto), pergunta se “uma norma que determine a
revogação de uma isenção de Sisa, aplicável a transacções ocorridas depois da
sua entrada em vigor e a sociedades abrangidas pelo regime de tributação do
lucro consolidado é inconstitucional por violação do princípio da
irretroactividade da lei fiscal ou da protecção de confiança?”
4.ª
ORA, esta questão, que delimitou in casu o âmbito de apreciação do Tribunal
Constitucional, tem já inerente a respectiva “resposta”, o que, como é evidente,
nega a razão de ser do recurso.
5.ª
O que está em causa é a aplicação da norma em apreço nos autos, cuja redacção
foi dada em 29 de Dezembro de 2000 e entrou em vigor apenas em 2001, a situações
de facto tituladas nos pedidos da Recorrente de Novembro e Dezembro de 2000 –
daí o seu efeito retroactivo.
6.ª
Contudo, o Tribunal Constitucional, formulou outra pergunta...
7.ª
Este “erro sobre os pressupostos” demonstra uma clara “parcialidade” na
apreciação, pois ao dizer que “decorre dos autos que o acto constitutivo da
relação tributária (aquele que o Supremo Tribunal Administrativo elegeu enquanto
momento relevante para a determinação da lei aplicável (no tempo) decorreu
depois da entrada em vigor da lei nova: com efeito, a Lei n.° 30‑G/2000 entrou
em vigor em 2001; os actos de transmissão de imóveis foram declarados em 2003.”
(pág. 14 do Acórdão), o Tribunal Constitucional votou ao esquecimento os outros
factos relevantes que também decorrem dos autos e aos quais o Supremo Tribunal
Administrativo deu especial relevo: os referidos pedidos formulados antes da
entrada em vigor da norma em apreço e o facto do regime fiscal a que estava
adstrita a Recorrente ter um período temporal compreendido entre 2000 e 2004.
8.ª
A questão em apreço nos autos tem a ver com a aplicação (retroactiva) de uma
norma sobre transacções ocorridas apenas em 2003, mas a que há muito a
Recorrente tinha inquirido a Autoridade competente atendendo ao regime fiscal
então vigente e para o qual estava previamente “autorizada”.
9.ª
Os factos passados em causa, não são, como erroneamente refere o Tribunal
Constitucional, as “transmissões de 2003”, mas sim os anteriores pedidos de
isenção a que respeitam: é que antes de ter transmitido, a aqui Recorrente pediu
a isenção dessas transmissões, à luz da norma então em vigor e conforme lhe
permitia o seu regime fiscal, para o qual estava autorizada até 2004.
10.ª
Aplicando a lei nova, esta afecta os efeitos e as legítimas expectativas,
subjacentes aos pedidos já formulados e a que se aguardava resposta da entidade
competente (Ministério das Finanças) – esquecendo-se desta situação de facto,
julgada nas instâncias judiciais administrativas – o Tribunal Constitucional
viciou o seu raciocínio e desvirtuou o “âmbito do recurso”, deixando de se
pronunciar sobre aquilo que devia.
11.ª
Por outro lado, a questão em apreço não é a que configurou o Tribunal
Constitucional, pois, conforme refere o STA, da norma em causa resulta a
revogação do “art. 11.º, n.° 31 do CIMSISD, deixando de beneficiar de isenção de
imposto municipal de sisa as transmissões anteriores à entrada em vigor da
citada Lei, muito embora com a condição resolutiva de só se consolidar se as
sociedades deixarem de estar abrangidas, nos três exercícios seguintes ao da
transmissão, pelo regime do lucro consolidado ou pelo regime especial de
tributação dos grupos de sociedades”, pelo que temos aqui mais uma omissão de
pronúncia, já que o Tribunal Constitucional jamais se pronunciou sobre a
inconstitucionalidade da norma no caso concreto face a esta condição
resolutiva...
12.ª
A decisão em apreço está em contradição com a orientação seguida em outros
arestos, tendo viciado totalmente todo o subsequente raciocínio, dado que não se
debruça sobre dados normativos mas antes sobre um caso concreto...
13.ª
Tornou “irrelevante” o facto de estarmos perante uma “norma retroactiva” – que
geraria a sua “inconstitucionalidade”, à luz da Jurisprudência unânime (após
1997) do Tribunal Constitucional, conforme mui doutamente se refere no próprio
Acórdão, mas que, depois, se esquece na decisão!! – para se pronunciar sobre o
“caso concreto”.
14.ª
O que estava em causa nos autos é uma norma que afecta os direitos e
expectativas legitimamente fundados pelo facto de ser ter um regime fiscal que
permitia uma certa isenção e para a qual atempadamente se requereu.
15.ª
Ora, como o próprio Acórdão realça (cfr. pág. 13), o Tribunal Constitucional
desde 1997 tem entendido que, “consagrado que está o princípio geral de
irretroactividade da lei fiscal, a mera natureza retroactiva de uma lei fiscal
desvantajosa para os particulares é sancionada, de forma automática, pela
Constituição, qualquer que tenha sido, em concreto a conduta da administração
fiscal ou do particular tributado. Por outras palavras, o juízo de
inconstitucionalidade decorre apenas da mera análise dos dados normativos, não
dependendo, em nenhum momento, da averiguação de quaisquer elementos
circunstanciais que resultem da condição em concreto, de uma certa relação
jurídico-tributária.” (carregado nosso), PELO QUE o juízo de
inconstitucionalidade não depende da relação jurídico-tributária concreta, isto
é, da actuação em concreto da administração fiscal ou do particular.
16.ª
Não obstante, debruça-se sobre o caso em concreto – esquecendo, também, que a
fiscalização em concreto não implica tal apreciação, como tem sido decidido –
para apreciar a norma em causa, designadamente em sede de retroactividade e
protecção da Confiança!!!
7.ª
Ao partir do caso concreto, sem analisar a norma, apenas enquanto tal, numa mera
análise dos dados normativos, o Acórdão em apreço “viola” a Jurisprudência
unânime e recente do Tribunal Constitucional.
18.ª
Por fim, o TC tornou “irrelevante” o facto de estarmos perante uma “norma
retroactiva”, sancionada, de forma automática, pela Constituição.
19.ª
O que significa que deveria ter efectuado uma mera análise dos dados normativos,
e não se debruçado sobre a situação concreta, confundindo a modalidade de
fiscalização com o processo cognitivo da inconstitucionalidade da norma...
20.ª
Este “vício” contradiz a própria fundamentação, pois é o próprio Tribunal que
expressamente refere que “passou a ler esta proibição (da retroactividade em
matéria fiscal) já não numa dimensão subjectiva (dependendo, em concreto, do
contexto dos sujeitos da relação tributária resultantes da aplicação da lei) mas
antes numa dimensão objectiva”...
21.ª
Não obstante, parte da situação em concreto, embora esquecendo certos “factos”
deveras importantes, ao ponto de referir que “antes disso não se pode, a priori,
dizer que a recorrida não tinha uma expectativa jurídica no surgimento do seu
futuro direito à isenção de pagamento de Sisa”: pergunta-se, “como não tinha
essa expectativa” se antes da “nova norma” já tinha requerido à entidade
competente essa isenção? – este facto, dado como provado e constante da
fundamentação, contradiz claramente a decisão...
22.ª
Perante as nulidades verificadas deve ser alterada a decisão, em conformidade.
3. Notificado, veio por seu turno o representante do Ministério Público no
Tribunal Constitucional dizer que:
1º
O recurso para o Plenário, previsto no artigo 79°-D da Lei do Tribunal
Constitucional (e não no artigo 668°, n° 1, do Código de Processo Civil, como a
reclamante afirma) pressupõe que o Tribunal Constitucional haja emitido juízos
de mérito contraditório sobre a questão da constitucionalidade da mesma norma.
2°
É evidente que tal pressuposto se não verifica, no caso dos autos, já que a
decisão reclamada é a que, pela primeira vez, se pronunciou sobre a questão de
constitucionalidade da norma que integra o objecto do recurso (o artigo 7°, n°
3, da Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro), versando todos os acórdãos que a
reclamante, de forma confusa, invoca, sobre normas perfeitamente distintas.
3º
Sendo, pois, ostensivamente inadmissível o recurso interposto para o Plenário
deste Tribunal Constitucional.
4º
Parece a reclamante, por outro lado, ignorar, que num recurso para o Plenário
não é possível invocar pretensas nulidades do acórdão recorrido, já que o
objecto do recurso se circunscreve, naturalmente, à estrita dirimição do
conflito jurisprudencial efectivamente existente.
5º
Aliás, é manifesto que, na sua argumentação, a reclamante sobrepõe aos planos
das nulidades da sentença (obviamente inexistentes, no caso dos autos, já que o
douto acórdão reclamado se limitou a dirimir a questão de constitucionalidade
normativa suscitada) e da mera divergência com o sentido e teor da decisão
proferida, a título definitivo, pela secção – não podendo naturalmente a
invocação de pretensas ou ficcionadas nulidades ser a capa através da qual,
artificiosamente, se impugna decisão irrecorrível.
4. Por despacho do relator não foi admitido recurso para o Plenário, competindo
à Secção apreciar a arguição de nulidades.
II
5. Nos termos do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, é nula a
sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a
decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça
de questões de que não devia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Argui a reclamante que é nula a sentença do Tribunal por omissão de pronúncia e
por contradição entre os fundamentos e a decisão.
6. Não houve omissão de pronúncia. No Acórdão nº 128/2009, decidiu o Tribunal
de recurso interposto pelo Ministério Público de sentença de não aplicação de
norma, conforme dispõem a alínea a) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e a
alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Ambas as
disposições dizem respeito a processos de fiscalização concreta da
constitucionalidade das normas, em que se ajuíza, não da conformidade
constitucional de uma norma abstractamente considerada – independentemente da
sua aplicação, a um caso concreto, por qualquer tribunal – mas da conformidade
constitucional de uma norma tal como ela terá sido aplicada, ou não aplicada,
pela sentença de que se recorre. Os pontos 5., 6., e 7., da fundamentação da
sentença, ao identificar a norma sob juízo, delimitaram o objecto do recurso em
harmonia com o âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal em processos de
fiscalização concreta da constitucionalidade das normas. Nesse âmbito, respondeu
o Tribunal à questão de constitucionalidade que havia sido colocada.
7. Não houve contradição entre os fundamentos e a decisão. O Tribunal emitiu um
juízo de não inconstitucionalidade por entender que não havia violação da norma
contida no nº 3 do artigo 103º da Constituição (ponto 7 da fundamentação) e por
entender que não havia violação do princípio contido no artigo 2º da CRP (pontos
8 e 9 da fundamentação).
8. Conforme salienta o representante do Ministério Público no Tribunal, as
divergências face ao teor e sentido das decisões proferidas, em definitivo,
pelas secções, não são fundamento da arguição de nulidade.
III
Assim, e pelas razões expostas, o Tribunal decide indeferir a arguição de
nulidade do Acórdão nº 128/2009.
Custas pela requerente, fixadas em 10 (dez) unidades de conta da taxa de
justiça.
Lisboa, 27 de Maio de 2009
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
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