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Processo n.º 403/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. intentou no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, contra a Caixa Geral de
Aposentações, acção declarativa pedindo a condenação da ré a reconhecer-lhe o
direito ao recebimento de pensão de sobrevivência por morte do beneficiário B.,
com quem a autora vivera em situação análoga à dos cônjuges durante mais de
vinte anos. A seu tempo foi proferida sentença que, concedendo procedência à
acção, reconheceu à autora o direito a receber a pedida pensão de sobrevivência.
Inconformada, a Caixa Geral de Aposentações recorreu para a Relação de Lisboa
que, por acórdão de 11 de Outubro de 2007, julgou improcedente a apelação e
confirmou a sentença recorrida.
Novamente inconformada, a Caixa Geral de Aposentações recorreu para o Supremo
Tribunal de Justiça.
2. Por Acórdão proferido em 1 de Abril de 2008 o Supremo Tribunal de Justiça
decidiu conceder a revista, fundamentando a decisão nos seguintes moldes:
“[…] III. A questão que se coloca no presente recurso é, tão-só, a de saber se o
direito à pensão de sobrevivência por parte da A (recorrida) deverá, ser
reconhecido nos termos do artigo 41º nº 2 do DL nº 142/73, de 31/3 (regime
especial do Estatuto da Pensões de Sobrevivência) ou se, por
inconstitucionalidade material desta disposição legal (como entenderam as
instâncias), o deverá ser pela legislação referente ao regime geral da Segurança
Social (nomeadamente artigos 7.º n.º 1 do DL nº 332/90, de 18/10, e 6.º do
Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/1).
IV. Está fixada a seguinte matéria de facto: [...]
V. Como correctamente se refere no Acórdão recorrido a R (recorrente) não coloca
em causa o direito da A à pensão de sobrevivência por morte do seu companheiro
(beneficiário dela R) mas apenas o regime jurídico aplicável, o que, no caso
concreto, releva para efeitos de determinação do momento a partir do qual tal
pensão é devida.
Decidiu-se, como já referimos, no Acórdão recorrido, confirmando a sentença da
1.ª instância, que o artigo 41 nº 2 do EPS é inconstitucional por violação do
princípio da igualdade pelo que, recusando a sua aplicação, se aplicou “in casu”
o regime geral da segurança social (concretamente o disposto nos artigos 7º nº 1
do DL nº 322/90 e 6º do Decreto Regulamentar nº 1/94)
Sustenta, como já vimos, a CGA que, ao contrário do que foi decidido nas
instâncias, o artigo 41.º nº 2 do EPS não está ferido de inconstitucionalidade
(não há violação do principio da igualdade) devendo ser aplicado no caso
concreto, uma vez que o falecido beneficiário era agente da administração
publica e como tal sujeito a um regime especial, precisamente o definido pelo
Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
Tem a nossa doutrina e jurisprudência, nomeadamente a do Tribunal
Constitucional, entendido que o princípio da igualdade contém no essencial uma
proibição de arbítrio, funcionando como limite objectivo da discricionariedade
legislativa; não implica um tratamento idêntico em quaisquer circunstâncias,
antes postulando que a verdadeira igualdade se consegue quando recebem
semelhante tratamento aqueles que se encontram em semelhantes situações, o que
pressupõe o diferenciado tratamento jurídico daqueles que se encontram em
situações não semelhantes.
Na dimensão que para o caso nos interessa, o princípio da igualdade traduz-se na
proibição de estabelecer diferenciações de tratamento irrazoáveis (para
situações semelhantes), sempre que destituídas de fundamento ou justificação
material bastante.
Como é sabido, o sistema de previdência vigente no Estado Português subdivide-se
em dois grandes subsistemas — o regime especial da Caixa Geral de Aposentações
(criado em 1929) que tem a seu cargo a gestão do sistema de segurança social dos
funcionários públicos e trabalhadores equiparados, admitidos até 31/12/2005, em
matéria de pensões de aposentação e reforma, de sobrevivência e outras de
natureza especial e o regime geral gerido pelo ISSS (Caixa Nacional de Pensões)
destinado aos trabalhadores do sector privado (por conta de outrem e
independentes)
Os regimes, dirigidos a destinatários diferentes no seu vínculo e estatuto
profissional, têm, em geral, regras diferentes nomeadamente em matéria de
descontos, tempo de serviço relevante, cálculo de pensões, etc.
No que toca ao regime das pensões de sobrevivência a análise comparativa entre o
regime geral da segurança social (DL nº 322/90, de 18/10 e Decreto Regulamentar
nº 1/94, de 18/1) e o regime especial do Estatuto das Pensões de Sobrevivência
(DL nº 142/73, de 31/3, com as alterações introduzidas pelo DL nº 191–B/79, de
25/6) indica-nos diferenças substanciais de regime que vão desde a diferença de
prazo para requerer, ao inicio da pensão, à duração da mesma e ao tratamento das
situações de união de facto, as quais conduzem ao necessário reconhecimento da
vontade do legislador no estabelecimento de dois sistemas diferentes, ambos
unitários e coerentes, circunstancia que obsta, conforme se refere no Acórdão
deste Tribunal 07 A493, de 22/3/2007 (disponível em www.dgsi.pt) à
criação/aplicação de um “tertium genus” com normas de um e de outro.
O legislador quis, obviamente, criar e criou dois sistemas para realidades
diferentes atendendo a toda a diversidade de situações existente, diferenciando
dois regimes não idênticos não representando essa criação diversa de regimes
qualquer manifestação de arbítrio ou irrazoabilidade; isto porque apesar dessas
diferenças ambos os sistemas, com natural tendência para unificação, visam o
mesmo fim essencial de protecção social, constitucionalmente consagrado no
artigo 63º da Constituição da República.
Não estamos, por isso, perante situações que possam ou devam ser consideradas
iguais ou semelhantes, porque diferentes são os estatutos e os respectivos
destinatários. Poderá, contudo, afirmar-se não ser esta diferenciação de
estatutos suficiente para justificar a dualidade ou diferenciação de critérios
neles consagrados relativamente ao momento a partir do qual é devida a pensão,
sobretudo porque nem num nem noutro diploma é dada justificação para a opção
tomada na definição desse momento.
Apesar de reconhecermos isto, não existe, em nosso entender, sustentável razão
para formular um juízo de inconstitucionalidade da norma (no caso o nº 2 do
artigo 41.º do EPS) que, no caso, impõe um regime menos favorável nesse
especifico ponto.
Na verdade, o principio da igualdade na formulação contida no artigo 13º da
Constituição da Republica apresenta-se como um principio de proibição da
discriminação arbitrária, concedendo aos cidadãos os direitos à mesma dignidade
social e igualdade perante a lei (seu nº 1) e proibindo a essa discriminação
(arbitrária) na privação de direitos ou isenção de deveres (seu nº 2).
A ideia de igualdade (não absoluta) nele normativizada, serve para determinar,
razoavelmente (não arbitrariamente) que grau de desigualdade jurídica de
tratamento entre diversos sujeitos ou situações é tolerável; a igualdade é,
assim, um critério que mede o grau de desigualdade juridicamente admissível,
critério esse que deverá ser criteriosamente analisado e aplicado pelo julgador
à luz da realidade concreta da situação “sub judice”.
O que podemos observar do confronto dos dois regimes contidos nos estatutos
(geral) da segurança social e (especial) das pensões de sobrevivência é que
ambos concedem, perante idênticos fundamentos, o direito a pensão por morte de
beneficiário a quem com este viva em união de facto há mais de um ano, assim
cumprindo de forma idêntica o mesmo direito à protecção social
constitucionalmente consagrado (artigo 63º nº 3 CRP).
Ao divergirem os dois regimes quanto ao momento a partir do qual é devida a
pensão não ofende qualquer deles o princípio da igualdade tal como está
formulado no artigo 13º da Constituição da Republica, dado que o trato legal
adoptado, nesse especifico e concreto segmento, não tem quaisquer consequências
relevantes perante o nosso ordenamento constitucional.
Nestes termos o nº 2 do artigo 41.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (DL
nº 142/73, de 31 de Março, com a redacção introduzida pelo DL no 191-B/79, de 25
de Junho) não é inconstitucional, nomeadamente por violação do princípio da
igualdade.
[...]'
3. É desta decisão que a autora A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC (Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro), nos seguintes termos:
“O Supremo Tribunal de Justiça acordou que: “o n.º 2 do art. 41º do Estatuto das
Pensões de Sobrevivência (D.L. 142 73, de 31 de Março, com a redacção introdução
dada pelo D.L. 191-B/79, de 25 de Junho) não é inconstitucional, nomeadamente,
por violação do principio da igualdade”.
Ao assim decidir aplicou norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante
o processo (veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, em auto de fls. e
contra-alegações da aqui Recorrente para o S.T.J.), assim como, aplicou norma já
anteriormente julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional.
A norma do nº 2 do art. 41º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (D.L.
142/73, de 31 de Março, com a redacção introdução dada pelo D.L. 191-B/79, de 25
de Junho) foi declarada no Acórdão recorrido do S.T.J. que: “não é
inconstitucional, nomeadamente por violação do princípio da igualdade”,
contrariamente, ao decidido neste processo no douto acórdão da Relação de
Lisboa.
O acórdão do S.T.J. aqui recorrido também decide contra os seguintes acórdãos do
Tribunal Constitucional:
– O nº 195/07, Proc. 363/04, 2.ª Secção;
– O nº 233/07, Proc. 222/07, 2.ª Secção;
– O no 522/2006, Proc. 110/06, 1.ª Secção.
Nas referidas decisões do Tribunal Constitucional assentou a seguinte doutrina
jurisprudencial: declarar “inconstitucional, por violação do princípio da
igualdade (artigo 13º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), a norma
constante do trecho final do artigo 41º, nº 2, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, na redacção
introduzida pelo Decreto-Lei 191-B/79, de 25 de Junho, na parte em que determina
que a pensão de sobrevivência a que tenha direito aquele que, no momento da
morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo 2020º do Código
Civil, será devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em que tal pensão
tenha sido requerida, e não – como ocorre, nos termos do Decreto Regulamentar nº
1/94, de 18 de Janeiro, para o regime geral da segurança social – a partir do
início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando requerida nos
seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que reconheça o
respectivo direito.”
4. O recurso foi recebido. Alegou a recorrente e concluiu:
“I – O douto acórdão recorrido do S.T.J. deve ser revogado e substituído por
outro em face da inaplicabilidade do artº 41.º/2 do D.L. 142/73, de 31 de Março,
ao caso concreto;
II – Para todos os efeitos legais, inclusive em sede da presente conclusão em
alegação de recurso, a Recorrente dá como integralmente reproduzida a
argumentação jurídica usada pelo Tribunal Constitucional constante dos Acórdãos
nº 195/07, Procº 363/04, 2 Secção; o nº 233/07, Procº 222/07, 2.ª Secção; o nº
522/2006, Procº 110/06, 1.ª Secção, em virtude da mesma ser a que melhor
expressa a posição repetida e mais recente deste Tribunal Constitucional e quase
que substitui todo o argumentário usado na causa de pedir deste recurso.
III – Deve o Tribunal Constitucional julgar inconstitucional, por violação do
princípio da igualdade (artigo l3.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa), a norma constante do trecho final do artigo 4l.º, n.º 2, do
Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de
31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de
Junho, na parte relativa ao início dos pagamentos das prestações sociais onde
determina que a pensão de sobrevivência a que tenha direito aquele que, no
momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo
2020.º do Código Civil, sara devida a partir do dia 1 do mês seguinte àquele em
que tal pensão tenha sido requerida, e não – como ocorre, nos termos do Decreto
Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, para o regime geral da segurança social
– a partir do início do mês seguinte ao do falecimento do beneficiário, quando
requerida nos seis meses posteriores ao trânsito em julgado da sentença que
reconheça o respectivo direito.
IV – Em face da declaração da inconstitucionalidade da norma do trecho final do
nº 2 do art. 41º do D.L. 142/73, de 31 de Março, deve ordenar-se a aplicação em
substituição do correspondente regime geral da Segurança Social, previsto no
art. 6º do D.R. nº1 /94, de 18 de Janeiro.”
5. Cumpre decidir.
Em 11 de Junho de 2008 o Tribunal Constitucional declarou, 'com força
obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do princípio da
igualdade, da norma constante do artigo 41.º n.º 2 do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 142/73 de 31 de Março, na redacção
introduzida pelo Decreto‑Lei n.º 191‑B/79 de 25 de Junho, na parte em que
determina que a pensão de sobrevivência a que tenha direito aquele que, no
momento da morte do contribuinte, estiver nas condições previstas no artigo
2020.º do Código Civil, apenas será devida a partir do dia 1 do mês seguinte
àquele em que tal pensão tenha sido requerida' (Acórdão n.º 313/2008, in DR, I
Série, de 2 de Julho de 2008).
Ora, conforme se retira da decisão ora recorrida e do teor do
requerimento de interposição do recurso, é precisamente a mesma norma que está
em causa no caso em análise.
Acontece que a declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral entretanto adoptada pelo Tribunal Constitucional tem, conforme
indica o artigo 66º da LTC, 'os efeitos previstos no artigo 282º da
Constituição', ou seja, para o que agora aqui interessa, tal decisão erradicou
da ordem jurídica a referida norma.
Perde, por isso, relevo a particular configuração do presente
recurso, inicialmente submetido à disciplina das alíneas b) e g) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, cumprindo agora, unicamente, concluir que a erradicação da
norma não permite que ela possa ser aplicada ao caso em presença.
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao
recurso, devendo a decisão recorrida ser reformada em conformidade. Sem custas.
Lisboa, 26 de Novembro de 2008
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos
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