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Processo n.º 819/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. e B. reclamam (fls. 578 a 579), ao abrigo do n.º 4 do
artigo 76º da LTC, do despacho do Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de
Justiça (fls. 574) que, em 11 de Setembro de 2008, rejeitou o recurso de
inconstitucionalidade interposto para o Tribunal Constitucional (fls. 567),
interposto ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b), da CRP, e dos artigos
70º, n.º 1, alínea b) e 72º, n.º 2, ambos da LTC, com fundamento na falta de
fundamento do mesmo, quando alicerçado numa alegada inconstitucionalidade
material por violação do artigo 62º da CRP.
Os termos da reclamação são os seguintes:
“O douto despacho rejeita o recurso porque o considera manifestamente infundado.
Ora, com todo o respeito, não pode entender-se ser manifestamente infundado o
entendimento, segundo o qual viola o direito de propriedade a norma, na
interpretação de que a posse boa para a usucapião não pressupõe uma inversão do
título de posse pelo comproprietário, ou não a pressupõe qualificadamente.
E porque tal interpretação significa, muito simplesmente, que qualquer
comproprietário de um qualquer imóvel pode ver prejudicado o seu direito real em
virtude de ter ocorrido usucapião, independentemente de ter havido inversão do
título.
Ora, manifestamente, estão em causa os requisitos da aquisição e perda da
titularidade do direito de propriedade.
No caso em apreço, reitere-se, está em causa a interpretação, segundo a qual, é
boa para a usucapião a posse que não pressupõe inversão do título.
Embora o Tribunal Constitucional seja alheio ao caso concreto, diremos que um
prédio rústico havia sido adquirido por dois irmãos, na proporção de metade para
cada um deles. A aquisição foi, desde logo, registada na Conservatória do
Registo Predial, em nome de ambos. Mais tarde, os herdeiros de um dos
comproprietários tiveram ganho de causa ao ser-lhes conferida a propriedade
sobre todo o prédio.
Por aqui, se poderá ver melhor, que o que está em causa é a violação do direito
de propriedade de um dos comproprietários.” (fls. 578 a 579)
2. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal (fls. 588-verso)
pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos
seguintes termos:
“A presente reclamação é, a nosso ver, manifestamente improcedente – e, desde
logo, por um fundamento que tem prioridade lógico-jurídica relativamente à
rejeição do recurso por liminar formulação de um juízo de manifesta falta de
fundamento da argumentação do recorrente quanto ao mérito da questão de
constitucionalidade suscitada: não ter sido suscitada, no âmbito do recurso de
revista, em termos processualmente adequados, uma questão de constitucionalidade
normativa, idónea para servir de base ao recurso interposto para este Tribunal
Constitucional.
Na verdade, a matéria constante da conclusão 27º, a fl. 491, não
traduz cumprimento adequado de tal ónus do recorrente, que se limita a “arrolar”
uma série dispersa de preceitos legais, sem delinear qual era, afinal, a
interpretação normativa dos mesmos que pretendia submeter ao controlo normativo,
exercido por este tribunal.”
3. Perante a suscitação de questão nova que obstaria à admissão do
recurso interposto, ainda que não tenha sido alvo de expresso acolhimento por
parte da decisão reclamada, a Relatora ordenou a notificação dos reclamantes,
nos termos do n.º 3 do artigo 3º do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 69º da LTC,
para que exercessem o direito ao contraditório relativamente ao parecer do
Ministério Público. Os reclamantes pronunciaram-se nestes termos:
“Com o devido respeito, o douto parecer do digno agente do Ministério Público
confunde os pressupostos da admissibilidade do recurso, com a eventual
procedência do mesmo.
O que está em causa é o ónus processual de demonstrar a admissibilidade do
recurso e não o ónus processual de demonstrar a sua procedência. Esta é uma
questão de mérito ou de fundo, a ponderar, e que escapa à lupa, nesta fase
processual.
O reclamante deu cumprimento ao disposto no art. 280º, nº 1, alínea b) da C.R.P.
e art. 51°, nº 1 da L.T.C.
A denominada “amalgama” de normas não desqualifica a admissibilidade do recurso,
porque, no fundo, o que interessará demonstrar é se o tribunal “a quo” fez
efectiva aplicação das normas invocadas, e quais, por meio de uma interpretação
expressa ou implícita, violadora das normas constitucionais.” (fls. 591)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Com efeito, independentemente da apreciação do mérito do recurso interposto,
importa primeiro averiguar do preenchimento dos pressupostos processuais
necessários ao seu conhecimento pelo Tribunal Constitucional.
Ora, conforme notado pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto a exercer funções junto
deste Tribunal, é forçoso concluir que os reclamantes não suscitaram de modo
processualmente adequado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa
perante o tribunal “a quo”. Não obstante a sua afirmação de que teriam suscitado
uma questão de inconstitucionalidade normativa através das suas alegações para o
Supremo Tribunal de Justiça, a verdade é que tal não sucedeu de modo
processualmente adequado.
Com efeito, através do § 27 das respectivas conclusões, os recorrentes
limitam-se a seriar um vasto elenco de preceitos legais, todos constantes do
Código Civil, referindo apenas que eles “na interpretação, expressa ou
implícita, que lhe[s] foi dada pelo Acórdão da Relação, são inconstitucionais,
porque violam designadamente os artigos 2º (Estado de Direito), 20º (tutela
jurisdicional efectiva) e 62º (Direito de propriedade) da Constituição da
República Portuguesa.” (fls. 491 e 491-verso). Daqui resulta que os recorrentes
nunca identificaram uma precisa e específica interpretação normativa,
limitando-se a reputar de inconstitucional uma indefinida interpretação
normativa alegadamente adoptada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sem que a
tivessem identificado expressamente. Como tal, a questão não foi colocada de
modo a que o Supremo Tribunal de Justiça dela fosse obrigado a conhecer.
Por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, o Tribunal Constitucional só pode
conhecer de recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da LTC quando os recorrentes tenham suscitado a questão de inconstitucionalidade
normativa de modo processualmente adequado. Tendo ficado demonstrado que não o
fizeram, afigura-se legalmente impossível conhecer do objecto do presente
recurso, ainda que por motivos distintos dos adoptados pela decisão reclamada.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente
reclamação.
Fixam-se as custas devidas pelos reclamantes em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º
do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 26 de Novembro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão
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