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Processo n.º 746/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., L.da, apresentou reclamação para a conferência,
ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 6 de Outubro de 2008, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ela interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A., L.da, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o despacho do
Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), de 5 de Agosto de
2008, que não admitiu «reclamação para a conferência» deduzida através de fax
constante de fls. 429 a 450 (o original consta de fls. 452 a 462), em que a ora
recorrente peticionou a condenação como litigantes de má fé dos requeridos no
arresto por ela proposto (recorrentes no agravo da decisão que julgou
improcedentes as oposições por eles deduzidas contra o arresto) e arguiu
nulidades e pediu a reforma do acórdão da mesma Relação, de 21 de Abril de 2008,
que concedera provimento aos agravos e, em consequência, indeferira o arresto
em relação a todos os requeridos.
De acordo com o requerimento de interposição de recurso, a
recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a questão da
inconstitucionalidade – «por violação dos princípios do Estado de direito, da
decisão equitativa, da tutela jurisdicional efectiva e da fundamentação das
decisões, previstos nos artigos 2.º, 20.º, n.ºs 4 e 5, e 205.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa» – dos «artigos 668.º, 669.º, 700.º, n.º 3,
716.º e 749.º, todos do Código de Processo Civil, na redacção em vigor nos
presentes autos, na interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, no
sentido que as reclamações como a dos autos constituem reclamações para a
conferência nos termos do disposto no mencionado artigo 700.º, n.º 3, que são
segundas aclarações de uma primeira aclaração, e que o poder jurisdicional do
Tribunal da Relação de Lisboa se encontra esgotado para conhecer de todas as
matérias ali suscitadas, e não apenas daquelas que digam respeito às
inconstitucionalidades então invocadas, e consequentemente não admitindo a
reclamação deduzida sem conhecer dos seus fundamentos», mais aduzindo que as
inconstitucionalidades invocadas foram perpetradas pelo despacho ora
recorrido, razão pela qual não teve oportunidade de suscitar as questões de
inconstitucionalidade antes da prolação dessa decisão.
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRC, decisão
que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3,
da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2.1. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas, e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a
inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é
imputada directamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é
discernível na decisão recorrida a adopção de um critério normativo (ao qual
depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e,
por isso, susceptível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda
hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por
relevantes às particularidades do caso concreto.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o
uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.»
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da prévia exaustão dos recursos ordinários no caso
cabíveis, sendo equiparados a recursos ordinários as reclamações dos juízes
relatores dos tribunais superiores para a conferência (n.ºs 2 e 3 do artigo 70.º
da LTC).
2.2. No presente caso, a questão que a recorrente pretende que este
Tribunal aprecie carece de natureza normativa, pois ela recorrente não imputa
aos preceitos dos artigos 668.º, 669.º, 700.º, n.º 3, 716.º e 749.º do Código
de Processo Civil (CPC), no seu teor literal, nem a qualquer interpretação
normativa deles extraída, definida com o mínimo de precisão e dotada de
generalidade e abstracção, a violação de normas ou princípios constitucionais,
antes imputa esta violação directamente à decisão judicial recorrida, em si
mesma considerada, tendo em conta as especificidades próprias do caso concreto.
Por outro lado, a decisão recorrida – o despacho do Desembargador
Relator de 5 de Agosto de 2008 – era, ele próprio, ainda susceptível de (agora,
sim, verdadeira) reclamação para a conferência, ao abrigo do artigo 700.º, n.º
3, do CPC [a crítica que a recorrente faz a esse despacho por ter considerado o
requerimento de fls. 429 a 450 como uma «reclamação para a conferência» prevista
no artigo 700.º, n.º 3, quando se tratava de arguição de nulidade e pedido de
reforma do anterior acórdão, previstos nos artigos 668.º e 669.º, todos do CPC,
para além de pedido de condenação da contraparte por litigância de má fé, é, em
parte, imputável à própria recorrente, que, no cabeçalho desse requerimento,
expressamente refere vir «reclamar para a conferência»]. Ora, cabendo do
despacho recorrido reclamação para a conferência, que é equiparada a recurso
ordinário, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, o presente
recurso também é inadmissível por este segundo fundamento: falta de exaustão dos
recursos ordinários.”
1.2. A reclamação da recorrente assenta nos seguintes
fundamentos:
“1.º Vem o Ex.mo Senhor Relator fundar a inadmissibilidade do
recurso em dois factos que considerou determinantes, a saber:
a) O facto de a recorrente não ter questionado a adopção, pelo
tribunal a quo, de um critério normativo com carácter de generalidade ou, pelo
menos, não o ter feito com um mínimo de precisão, tendo questionado, isso sim, a
decisão judicial em si considerada;
b) O facto de o despacho recorrido não ser ainda irrecorrível,
aquando da interposição do presente recurso, por ainda ser passível de
reclamação para a conferência no Tribunal da Relação;
Ora,
2.º Quanto à primeira das questões enunciadas em 1.º (alínea a)),
cumpre dizer o seguinte:
No requerimento de interposição de recurso veio a recorrente alegar,
a esse respeito, que:
«Os artigos 668.º, 669.º, 700.º, n.º 3, 716.º e 749.º, todos do
Código de Processo Civil, na redacção em vigor nos presentes autos, na
interpretação que lhes foi dada pelo Tribunal a quo, no sentido que reclamações
como a dos autos constituem reclamações para a conferência nos termos do
disposto no mencionado artigo 700.º, n.º 3, que são segundas aclarações de uma
primeira aclaração, e que o poder jurisdicional do Tribunal da Relação de
Coimbra se encontra esgotado para conhecer de todas as matérias ali suscitadas,
e não apenas daquelas que digam respeito às inconstitucionalidades então
invocadas, e consequentemente não admitindo a reclamação deduzida sem conhecer
dos seus fundamentos, são inconstitucionais por violação dos princípios do
Estado de direito, da decisão equitativa, da tutela jurisdicional efectiva e da
fundamentação das decisões, previstos nos artigos 2.º, 20.º, n.ºs 4 e 5, e
205.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa.»
3.º É evidente que o despacho de que se recorre nos presentes autos
parece, muito simplesmente, resultar da confusão entre a reclamação para a
conferência de decisão singular do relator – prevista no artigo 700.º, n.º 3, do
CPC e a reclamação prevista nos artigos 668.º e 669.º do mesmo diploma.
4.º Tal erro, a existir, terá decorrido de um erro terminológico e
de referências legais, cometido, desta feita pela recorrente, em ambas as
reclamações que fez.
5.º Facto é que ambas as reclamações são permitidas.
Efectivamente, a reclamação objecto do presente recurso constitui a
reclamação de decisões ou acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação em sede
de recurso de agravo, por força do que vai disposto nos artigos 716.º, 749.º e
752.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que se reporta aos vícios da decisão
de que se possa conhecer, nos termos do disposto nos artigos 668.º e 669.º
referidos, e distingue‑se da reclamação para a conferência a que se reporta o
artigo 700.º, n.º 3, do CPC, que tem em vista o exercício de um direito
potestativo, em concreto o de que sobre a decisão singular recaia acórdão,
designadamente por não aceitar a simplicidade da causa a que alude o artigo
705.º do CPC.
6.º Porém, independentemente do erro referenciado, ou até
possivelmente por causa dele, há três interpretações normativas abstractas,
feitas no despacho recorrido, que são censuráveis em termos de positivo
constitucional, e que se consubstanciam no seguinte:
I – Se, em agravo de primeira instância, for feita uma reclamação
para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC, de uma decisão
singular do relator, elaborada nos termos do n.º 1, alínea g), do mesmo artigo
700.º, bem como do artigo 705.º do mesmo diploma, então já se não poderá,
contemporânea ou posteriormente, apresentar uma reclamação nos termos e para os
efeitos do disposto nos artigos 668.º e 669.º do mesmo diploma, designadamente
por ambas cumprirem os mesmos desígnios e acautelarem o mesmo tipo de
interesses;
II – Que, independentemente de ser, ou não, apresentada essa
reclamação de decisão singular, não existe possibilidade de reclamar, de
decisão singular ou de acórdão, nos termos e para os efeitos dos referidos
artigos 668.º e 669.º, ficando desde logo esgotado o poder jurisdicional do
Tribunal da Relação;
III – Que, como consequência disso, o Tribunal da Relação se
encontra desonerado de se pronunciar sobre a matéria dessa reclamação e, em
consequência, de fundamentar cabalmente as suas decisões.
7.º Essas interpretações normativas abstractas parecem decorrer duma
interpretação que dá um alcance excessivo à reclamação prevista no artigo 700.º,
n.º 3, do Código de Processo Civil, inserindo no seu âmbito de conhecimento as
situações previstas, quer nos artigos 668.º e 669.º do CPC, quer a extensão de
atribuições fixadas pelas normas constantes dos artigos 716.º, 749.º e 752.º,
n.º 3, do mesmo Diploma, excluindo nova reclamação, o que, no entender da
recorrente, viola claramente os preceitos constitucionais constantes dos artigos
2.º, 20.º, n.º s 4 e 5, e 205.º da CRP.
8.º Embora de uma forma que se admite imperfeita, foram essas
interpretações normativas abstractas que foram atacadas no recurso de
inconstitucionalidade interposto e, sempre salvo o devido respeito e melhor
opinião em contrário, que ali se encontram efectivamente vertidas, sendo
possível ao tribunal extraí‑as do seu texto por forma a ser dado cumprimento ao
corpo de requisitos que tão bem explanado vem no douto Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 367/94, referenciado no douto despacho de que ora se
reclama.
9.º Mas, ainda que assim não fosse, sempre o Ex.mo Senhor Relator
poderia ter usado da faculdade prevista nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75.º‑A da Lei
do Tribunal Constitucional, o que sempre constitui um poder que não é
discricionário, mas sim um poder‑dever, ou um poder vinculado, como alguma
doutrina o apoda.
10.º Assim, ainda e sempre salvo o devido respeito, que é muito, não
deveria o recurso ter sido considerado inadmissível por força do primeiro dos
fundamentos sintetizados no anterior artigo 1.º. Tem, porém, a recorrente a
certeza que, ao contrário do que actualmente constitui vox populi, o Venerando
Tribunal Constitucional valoriza a prossecução da justiça na eterna tensão
dialéctica entre os valores da justiça e da segurança, por forma a
secundarizar, no presente caso, as exigências de forma que, ainda que
necessárias, se podem tornar elemento esclerosante do sistema, e da confiança
que nele depositam os destinatários da justiça, quando levadas para além dos
limites do razoável.
11.º Quanto ao segundo dos factos sintetizados no anterior artigo
1.º (alínea b)), o de não ter sido, o presente recurso, considerado admissível
por o despacho recorrido não ser ainda irrecorrível, aquando da sua
interposição, uma vez que ainda passível de reclamação para a conferência no
Tribunal da Relação, cumpre referir o seguinte:
12.º Mais uma vez sempre salvo o devido respeito, que é muito, e
melhor opinião em contrário, entende a recorrente que o disposto no artigo
700.º, n.º 3, apenas se reporta a despachos proferidos antes da prolação de
acórdão. Efectivamente, o próprio n.º 4 do mesmo artigo profere expressamente
que a reclamação deduzida é em regra decidida no acórdão que julga o recurso,
excepto se se impuser decisão imediata.
13.º O sentido do artigo 700.º, n.ºs 3 e 4, parece reportar‑se,
inequivocamente, ao período processual anterior à prolação de acórdão.
14.º Ora, parece evidente que, sobre a reclamação final apresentada
pela recorrente, que já o é do próprio acórdão final, não poderá recair um novo
acórdão. Interpretar a lei da forma que foi feita no douto despacho agora
reclamado exigiria que a ora recorrente reclamasse, para a conferência, do
despacho proferido em 6 de Agosto de 2008, que já de si incide sobre uma
reclamação de um acórdão que foi proferido após reclamação de decisão singular
para a conferência.
15.º Caso a tese de que se reclama vingue, será possível criar uma
sucessão infinita de reclamações para a conferência, acórdãos e reclamações de
acórdãos, que dariam lugar a decisões singulares que imporiam reclamação para a
conferência, e assim sucessivamente num ciclo vicioso imparável.
16.º Não parece ter sido essa a intenção do legislador ordinário
nem, tampouco, do legislador constituinte, daí advindo a restrição decorrente
do n.º 4 do artigo 700.º
17.º No fundo, o que está em causa é, ainda e sempre, a recusa,
sempre reiterada, em ter que justificar uma decisão singular sobre o fundo da
questão, que é, em si, injustificável, e que apenas beneficiou do facto de não
ser possível dela interpor recurso ordinário, e que também foi objecto de outro
(anterior e ainda não decidido) recurso constitucional.
18.º O que, em última análise, torna a posição daquele específico
colectivo decidente do Venerando Tribunal da Relação revoltante é o facto de,
pelo menos aparentemente, denotar que se está a esquivar a ter, ou que dar,
fundamentadamente, a cara na defesa de uma decisão indefensável proferida
singularmente por um dos seus pares e apenas por eles chancelada ou, pelo
contrário, dar razão à recorrente revogando essa mesma decisão que chancelaram.
19.º Para isso, escudam‑se num pretexto formal (e, como se referiu,
ilegal e inconstitucionalmente encontrado) para se não ver obrigados a tomar
tal posição.
20.º E é precisamente por isso que a recorrente apela ao mais alto
sentido de justiça dos Ex.mos Senhores Conselheiros. Para que a bem do Estado
de Direito Democrático e da confiança no Sistema Judiciário, os Senhores
Desembargadores que criaram esta situação sejam obrigados a desempenhar a sua
função, isto é, a assumir a responsabilidade de tomar posição fundamentada
sobre uma decisão que tomaram e que terá, possivelmente, como consequência, a
perda definitiva da única garantia possível de ressarcimento dos prejuízos que a
recorrente sofreu, prejuízos esses causados pelos arrestados.
Termos em que se requer a V.as Ex.as se dignem admitir o presente
recurso, autuando‑o e seguindo-se os demais termos até final,
Assim fazendo JUSTIÇA!”
1.3. Os recorridos responderam, propugnando o
indeferimento da reclamação e sustentando o recorrido B. a condenação da
reclamante como litigante de má fé.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. O presente recurso emerge de agravo deduzido por C. e
mulher D. e por B. contra a decisão que julgou improcedentes as oposições por
eles deduzidas contra o decretamento de arresto requerido pela ora recorrente
A., L.da, agravo a que foi concedido provimento pelo acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra, de 22 de Abril de 2008, com consequente indeferimento do
arresto em relação a todos os requeridos.
Notificada deste acórdão, a ora recorrente requereu a
sua aclaração, o que foi indeferido por acórdão de 24 de Junho de 2008.
Notificada deste segundo acórdão, a mesma recorrente
veio, em 18 de Julho de 2008:
− “nos termos e para os efeitos do disposto,
conjuntamente, nos artigos 266.º‑A, 752.º, n.º 3, 716.º, 670.º, n.º 3, 66.º e
669.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, na redacção que se encontra em
vigor para o presente processo, reclamar para a conferência, quer pedindo a
condenação dos requeridos como litigantes de má fé, quer deduzindo nulidades,
quer, ainda, pedindo a reforma do douto acórdão proferido nos autos, que
conheceu da matéria do recurso” (fls. 452‑462); e
− interpor recurso para o Tribunal Constitucional contra
o “acórdão de provimento do recurso de agravo intentado nos autos” (fls.
507‑509).
Por despacho do Desembargador Relator, de 5 de Agosto de
2008 (fls. 628), foi admitido o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional contra o acórdão de 22 de Abril de 2008, e, relativamente ao
requerimento de fls. 452‑462, consignou‑se o seguinte:
“(...) a recorrida A. ... vem agora deduzir nova reclamação para a
conferência, pedindo a condenação dos recorrentes como litigantes de má fé e
nova reforma do acórdão.
Ora, para além de não haver aclaração de acórdão que denega
aclaração, o poder jurisdicional da Relação está esgotado.
Assim, não admito a reclamação.”
Foi deste último despacho que a recorrente interpôs o
presente recurso para o Tribunal Constitucional (distinto do recurso
anteriormente interposto, e admitido, contra o acórdão de 22 de Abril de 2008),
tendo, no requerimento de interposição de recurso, definido como seu objecto a
questão da inconstitucionalidade, “por violação dos princípios do Estado de
direito, da decisão equitativa, da tutela jurisdicional efectiva e da
fundamentação das decisões, previstos nos artigos 2.º, 20.º, n.ºs 4 e 5, e
205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”, dos “artigos 668.º,
669.º, 700.º, n.º 3, 716.º e 749.º, todos do Código de Processo Civil, na
redacção em vigor nos presentes autos, na interpretação que lhes foi dada pelo
Tribunal a quo, no sentido que as reclamações como a dos autos constituem
reclamações para a conferência nos termos do disposto no mencionado artigo
700.º, n.º 3, que são segundas aclarações de uma primeira aclaração, e que o
poder jurisdicional do Tribunal da Relação de Lisboa se encontra esgotado para
conhecer de todas as matérias ali suscitadas, e não apenas daquelas que digam
respeito às inconstitucionalidades então invocadas, e consequentemente não
admitindo a reclamação deduzida sem conhecer dos seus fundamentos”.
Como se sublinhou na decisão sumária ora reclamada, a
questão que a recorrente pretende que este Tribunal aprecie carece de natureza
normativa, pois ela não imputa aos preceitos dos artigos 668.º, 669.º, 700.º,
n.º 3, 716.º e 749.º do CPC, no seu teor literal, nem a qualquer interpretação
normativa deles extraída, definida com o mínimo de precisão e dotada de
generalidade e abstracção, a violação de normas ou princípios constitucionais,
antes imputa esta violação directamente à decisão judicial recorrida, em si
mesma considerada, tendo em conta as especificidades próprias do caso concreto.
Trata‑se de deficiência que afecta irremediavelmente a admissibilidade do
recurso, já que se prende à intrínseca inidoneidade do objecto do recurso para
poder ser apreciado pelo Tribunal Constitucional, ao qual apenas compete
sindicar questões de inconstitucionalidade normativa. Por isso, não se tratando
de falta ou irregularidade no cumprimento das menções que o artigo 75.º‑A da LTC
exige que constem do requerimento de interposição de recurso, não se justificava
a formulação do convite previsto no n.º 6 do mesmo preceito.
No sentido da inadmissibilidade do recurso vale também a
segunda razão apontada na decisão sumária ora reclamada: a falta de exaustão
dos recursos ordinários cabíveis, a que são equiparadas as reclamações para a
conferência dos despachos dos relatores nos tribunais superiores.
Contrariamente ao que a reclamante ora defende, o sentido do aditamento, na
reforma processual civil de 1995/1996, do n.º 4 do artigo 700.º do CPC, foi o de
evitar que, na generalidade dos casos, a reclamação contra despachos
interlocutórios do relator, na sua função de preparar o recurso para
julgamento, implicasse a imediata intervenção da conferência; estabeleceu‑se,
assim, a regra de que nesses casos – que são os mais numerosos – a reclamação é
decidida no acórdão que julga o recurso, excepto se a natureza da questão
suscitada impuser decisão imediata. Mas daqui não deriva que os despachos do
relator posteriores ao acórdão que julga o recurso passem a ser irreclamáveis, o
que seria de todo incompatível com a natureza colegial dos tribunais superiores.
Aos relatores incumbe deferir “todos os termos do recurso até final” (n.º 1 do
artigo 700.º do CPC), incluindo o processado posterior ao acórdão que julga o
recurso; os despachos que então profira, salvo o que não admita recurso desse
acórdão para tribunal superior, que é reclamável nos termos do artigo 688.º, são
reclamáveis ao abrigo do n.º 3 do artigo 700.º e sujeitos a imediata decisão da
conferência. Assim, também por este motivo o recurso interposto era
inadmissível.
Não se evidenciam, por ora, razões que justifiquem a
condenação da reclamante por litigância de má fé.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de Novembro de 2008.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
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