|
Processo n.º 769/08
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I – Relatório
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º nº 1
alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro – LTC –, 'com fundamento na
inconstitucionalidade do art. 14º do RGIT, aplicado nos autos, por violação das
normas constitucionais constantes dos arts. 18º nº 3 e 13º da Constituição da
República Portuguesa, tal como arguido e fundamentado na sua motivação de
recurso para o Tribunal da Relação'.
2. O recurso foi, no entanto, logo julgado improcedente por decisão sumária do
seguinte teor:
[...] 2. A Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, deixou escrito o seguinte,
quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente:
“ (…) 6.4. A inconstitucionalidade do artigo 14.º do RGIT:
Ao contrário do que sucede com a questão anterior, não consta que a presente
tenha sido suscitada pelos recorrentes durante o processo, nomeadamente na
contestação (v. fls. 637-644).
Mas fizeram-no no recurso, pelo que estamos perante uma questão nova, a qual,
como tal, e por princípio, nem se imporia aqui apreciar.
Esta uma primeira observação.
Há mais, porém. É que entre as normas que os recorrentes indicam como tendo sido
violadas pela decisão recorrida nem sequer consta a do mencionado art. 14.º.
E não é tudo. Com efeito, a sentença, ao comparar, em concreto, os dois regimes
punitivos que se sucederam no tempo, optou, no cumprimento do disposto no n.º 4
do art. 2.º do Cod. Penal, pelo que decorre do RJIFNA, no que respeita ao
recorrente A., e pelo que se estabelece no RGIT, no que concerne à sociedade.
Depois, ao subordinar a suspensão da execução da pena de prisão, invoca os
“termos do disposto” no art. 11.º, n.º 7, daquele primeiro Regime, e no falado
art. 14.º, n.º 1.
Quer dizer: ainda que porventura fosse de entender, no seguimento da opinião dos
recorrentes, que a aplicação desta última norma efectuada pela decisão recorrida
contende com qualquer preceito constitucional, que eles também não concretizam,
sobraria incólume a aplicação da norma daquele n.º 7, adquirido que temos, no
juízo formulado ao abrigo do art. 204.º da Constituição da República, que a
mesma não ofende qualquer preceito da Constituição da República.
Enfim, tudo isto seria o bastante para, sem mais, rejeitar a alegada
inconstitucionalidade.
Contudo, e pese embora o referido, não queremos encerrar assim a questão.
Até porque, lembre-se, a douta sentença, já na sua parte final, não deixou de
indicar, em nota de rodapé, um aresto do Tribunal Constitucional que se
pronuncia sobre a conformidade do obrigatório condicionamento, positivado no n.º
1 do dito art. 14.º, com o diploma básico.
Ora, as considerações que se podem retirar dos demais acórdãos daquele Tribunal
que se pronunciaram sobre a questão – o último, ao que sabemos, com o n.º
61/2007 – são o melhor testemunho da sem razão dos recorrentes.
Aliás, também o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21-12-2006, na mesma
linha, rejeitou a inconstitucionalidade da norma em apreço.
Por conseguinte, improcedendo também esta questão, mais não resta do que remeter
os recorrentes para esses doutos arestos.”
3. Acontece que o Tribunal Constitucional já se pronunciou, em anteriores
arestos, pela não inconstitucionalidade da norma impugnada, face aos princípios
constitucionais contidos nos artigos 13.º e 18.º da Constituição, que o
recorrente invoca.
Fê-lo, por exemplo, nos Acórdãos n.º 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 543/06,
29/07; 61/07, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, nos quais
decidiu não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 14.º do RGIT,
enquanto condiciona a suspensão da execução da pena ao pagamento ao Estado das
quantias em dívida.[...]”
3. Inconformado, o recorrente reclama para a conferência, nos
termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, nos seguintes termos:
“ (…)
1
É certo que a lei o permite, mas com todo o devido respeito, não se afigura
certa a decisão do Sr. Juiz Relator, desde logo porque desconhece os fundamentos
do Recurso sobre a violação das normas constitucionais citadas no requerimento
de interposição do mesmo
2
Na verdade, nenhum dos Acórdãos citados na decisão sumária sub judice,
relacionando‑se com a inconstitucionalidade do art. 14º do RGIT, por violação
dos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, se refere ao
sentido em que o Recorrente entende tal violação acontecer.
3
É certo que o art. 14º do RGIT, no entender do Recorrente, que não deste
Tribunal Constitucional nos Acórdão citados pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro
Relator, viola não só o principio da separação de poderes e da proibição de
restrição de direitos liberdades e garantias (ao limitar a decisão do tribunal
comum a critérios de natureza política, levando-o à imposição de pena restritiva
de liberdade em caso de não pagamento de impostos – art. 18º da CRP) como o
principio da igualdade (art. 13º da CRP – impondo uma sanção privativa de
liberdade a quem se sabe a priori não ter condições económicas para o fazer,
descriminando-o perante aqueles outros cuja condição económica lhes permite
fugirem a penas restritivas de liberdade, e nomeadamente à pena de prisão)
Todavia,
4
No entender do Recorrente, tal violação de normas e princípios constitucionais
de aplicação directa a todos os cidadãos, ocorre também, como é o caso do
Recorrente, quando lhe é imposta uma condição para a suspensão da execução da
pena (pagamento do imposto(s) alegadamente em dívida) quando tal dívida ainda se
encontra em discussão nos tribunais tributários.
Ou seja,
5
Da norma em causa, não consta qualquer referência ou singular possibilidade do
aqui Recorrente, poder demonstrar que afinal o imposto que está obrigado a
pagar, afinal não existe, porque no tribunal tributário anos volvidos sobre a
sua condenação em pena de prisão, e até sobre o cumprimento da mesma
(eventualmente) chegue á conclusão que afinal as liquidações de IRC em causa nos
autos foram indevidas.
6
Em nenhum dos arestos citados se coloca esta questão!
No entanto,
7
É entendimento do Recorrente, que nesta vertente (imposição de pena de prisão
pelo não pagamento do imposto, condição de suspensão da mesma, enquanto os
tribunais tributários não decidirem sobre a existência de tal obrigação
tributária, ou mesmo sobre outra de dimensão diversa) o art. 14º do RGIT
mostra-se contrário aos referidos arts. 13.º e 18.º da CRP.
8
Sob pena de ficar por analisar por este Tribunal, questão relevante e actual,
que no entender do Recorrente choca de forma brutal com as normas e princípios
constitucionais citados, deve o presente Recurso ser admitido e prosseguir seus
normais termos até final.”
4. O representante do Ministério Público neste Tribunal, notificado da
reclamação deduzida no processo em epígrafe, veio responder-lhe nos termos
seguintes:
1.º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2.º
Importando, desde logo, notar que no requerimento de interposição de recurso
para este Tribunal Constitucional, de fls. 1006, o recorrente não curou sequer
de delimitar adequadamente qualquer específica interpretação ou dimensão
normativa do artigo 14.º do RGIT, não podendo naturalmente aproveitar a presente
reclamação para intempestivamente vir cumprir tal ónus.
II – Fundamentação
5. A presente reclamação não abala os fundamentos da decisão
sumária proferida. Efectivamente, tal como se afirma na decisão reclamada, o
Tribunal Constitucional já se pronunciou, em anteriores arestos (nomeadamente,
os citados na decisão sumária proferida) pela não inconstitucionalidade da norma
em apreço.
De todo o modo, e respondendo à argumentação trazida pelo recorrente
na reclamação, cabe dizer que o recorrente invoca agora, inovadoramente, uma
dimensão normativa retirada do artigo 14.º do RGIT que não faz parte do objecto
do presente recurso e que o Tribunal não pode conhecer. Na verdade, cabendo ao
recorrente a tarefa de fixar o objecto do recurso previsto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da LTC, como o presente, no momento em que interpõe o respectivo
requerimento, o certo é que não particularizou qualquer especial dimensão
normativa retirada do preceito, designadamente a de que constitui imposição de
pena de prisão pelo não pagamento do imposto, condição de suspensão da mesma,
enquanto os tribunais tributários não decidirem sobre a existência de tal
obrigação tributária, ou mesmo sobre outra de dimensão diversa. Cumpre, por
isso, reconhecer que a jurisprudência que se retira dos invocados arestos do
Tribunal sobre esta matéria não é minimamente abalada pelas razões que o
reclamante invoca na reclamação em análise.
III – Decisão:
6. Em face do exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação. Custas pelo
recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 19 de Novembro de 2008.
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
|