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Processo n.º 958/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Em 25 de Junho de 1997, a sociedade “A., S.A.” requereu junto da Câmara
Municipal de Lisboa (CML) o licenciamento da construção de um edifício novo, com
cinco pisos acima do solo, destinados a habitação, comércio e escritórios, e
seis caves destinadas a estacionamento e arrecadações, em substituição de
edifícios antigos e demolidos, na cidade de Lisboa.
Posteriormente, em 14 de Abril de 2000, ao aprovar o referido pedido de
licenciamento, a CML viria a condicionar a emissão da competente licença de
construção à obrigação de pagamento, pela Requerente, da importância de Esc.
158.752.952$00, a título de taxa devida pela realização de infra-estruturas
urbanísticas (TRIU), então liquidada ao abrigo do disposto no Regulamento da
Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa
(RTRIU), aprovado em 11 de Julho de 1991, na redacção constante do Edital n.º
122/95, do Município de Lisboa.
Em 24 de Maio de 2000, a Requerente reclamou graciosamente contra a liquidação
da referida TRIU, tendo esta reclamação sido indeferida por decisão proferida
pelo Vereador das Finanças da CML.
Em 15 de Setembro de 2000, inconformada com esta decisão, a Requerente viria a
impugnar judicialmente a aludida liquidação da TRIU junto do Tribunal Tributário
de 1.ª Instância de Lisboa.
A impugnação foi julgada improcedente na 1.ª instância, por sentença proferida
em 16 de Setembro de 2003, da qual a Requerente interpôs recurso para a Secção
de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, tendo este
tribunal superior negado provimento ao recurso e confirmado a sentença
recorrida, por acórdão datado de 11 de Outubro de 2005.
É desta decisão do Tribunal Central Administrativo Sul – não obstante ter
havido, entretanto, lugar à intervenção do Supremo Tribunal Administrativo em
sede de recurso fundado em oposição de acórdãos, que veio a ser julgado findo
por inexistência de oposição – que a Requerente interpôs recurso de
constitucionalidade, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo
70.º, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), tendo por objecto a “questão da
inconstitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTRIU), aprovado por
deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa de 1991.07.01, que prevêem a Taxa
pela realização de Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIU) face às normas e
princípios consagrados nos artigos 2.º, 9.º, 18.º, 20.º, 62.º, 103.º e
165.º/1/i) e 266.º da CRP.”
A recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
“1º. O tributo instituído pelo RTMIEU e concretamente exigido à ora recorrente
nunca poderia qualificar-se como taxa, pois:
a) Não existe qualquer relação concreta ou contrapartida específica, por parte
do Município relativamente ao respectivo pagamento, pois não se verificou a
instalação ou reforço de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, primárias ou
secundários, cuja construção ou ampliação tenha sido necessária em consequência
do licenciamento e construção do prédio da ora recorrente, não podendo também
ser exigido pela recorrente a realização da referida prestação pelo Município;
b) Não existe qualquer nexo de proporcionalidade ou equilíbrio entre o montante
do referido tributo e eventuais serviços prestados ou a prestar pelo Município
de Lisboa à ora recorrente;
c) O tributo em análise foi liquidado apenas por a recorrente manifestar a sua
capacidade contributiva, ao requerer e obter a emissão da respectiva licença de
construção – cfr. texto n.ºs a 1 a 5;
2º. No caso em análise inexiste qualquer relação entre os montantes pagos pelo
recorrente e eventual contrapartida a prestar pelo Município de Lisboa, pelo que
o tributo criado pelas normas regulamentares do RTMIEU nunca poderio
qualificar-se como taxa (v. Ac. TCA, de 2003.05.13, Proc. 4/03) – cfr. texto
n.ºs 6 a 10;
3º. O tributo em análise assume a natureza de contribuição especial, estando
sujeito ao princípio da legalidade tributária e ao regime de criação e execução
legalmente estabelecido para os impostos, sendo manifesta a
inconstitucionalidade material e orgânica das normas do RTMIEU que o instituíram
(v. arts. 2º, 9º, 18º, 20º, 61º, 62º, 103º, 165º/1/i) e 266º da CRP; cfr. art.
3º/3 da LGT; cfr. ainda, Ac. TC n.º 274/2004, de 2004.04.20, Proc. 295/03, in
ww.tribunalconstitucional.pt) – cfr. texto n.º 11;
4º. O Município de Lisboa não realizou quaisquer obras de urbanização nem
procedeu à abertura de grandes vias de comunicação nem provou a realização de
quaisquer infra-estruturas urbanísticas em consequência do licenciamento do
prédio da ora recorrente, tendo reconhecido que os estacionamentos projectados
pela recorrente são suficientes (v. arts. 9º e 10º da p.i., não impugnados;
cfr. fls. 28 do Acórdão recorrido do TCAS, de 2005.10.11; cfr. ainda acta de
inquirição de testemunhas de fls. 85 a 93 dos autos cfr. texto n.º 12;
5º. As normas do RTMIEU que criaram a TRIU são assim claramente
inconstitucionais, por violação do disposto nos arts. 103º e 165º/1/i) do CRP,
pois estabeleceram um imposto ou contribuição especial não previsto na lei cfr.
texto n.º 12;
6º As normas regulamentares do RTMIEU violam ainda os princípios constitucionais
da igualdade, justiça, proporcionalidade, iniciativa privada, segurança,
confiança e boa fé (v. arts. 2º, 9º, 13º, 18º, 61º, 103º e 266º da CRP) – cfr.
texto n.ºs 13 e 14.”
Por seu turno, o Recorrido MUNICÍPIO DE LISBOA contra-alegou e
concluiu nos seguintes termos:
“I - A taxa de realização de infra-estruturas urbanísticas do Município de
Lisboa foi criada por deliberação da assembleia municipal no âmbito dos seus
poderes tributários previstos no artigo 238º da CRP, encontrando-se prevista na
Lei das Finanças Locais e no Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais.
II - Esta taxa conforme decorre do artigo 2º do referido Regulamento, ao incidir
sobre o aumento de área bruta de construção e/ou do coeficiente de utilização
resultante de operações urbanísticas de loteamento urbano, construção,
reconstrução e ampliação de edifícios ou respectivas fracções ou alteração da
utilização destes, respeita os princípios da proporcionalidade e da
equivalência jurídica, encontrando-se assim estabelecida a sinalagmaticidade,
característica essencial das taxas.
III - Na realidade, desta forma procede-se a uma repartição da nossa receita
pública pelos particulares que pretendem realizar operações de construção,
segundo um padrão médio, que de modo razoável exprima a responsabilidade de
cada um pela necessidade de construir, remodelar ou reforçar infra-estruturas
urbanísticas.
IV - A TRIU no Município de Lisboa corresponde, assim, a uma contrapartida
específica devida ao município como compensação das despesas efectuadas, ou a
efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre
que incide esse tributo, cujo valor determinado caso a caso respeita a
proporcionalidade entre o seu montante, o fim proposto e os meios utilizados na
realização da contraprestação tendo natureza de taxa e não de imposto.
V - Não consubstanciando, assim, qualquer imposto ou contribuição especial
ilegalmente criado, conforme é confirmado pela jurisprudência dominante e
conforme foi já também apreciado pelo próprio Tribunal Constitucional.”
*
Fundamentação
1. Do objecto do recurso
No respectivo requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional, a Recorrente requereu a fiscalização concreta da
constitucionalidade das normas do Regulamento da Taxa pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa (RTRIU), mais
concretamente, daquelas que prevêem a Taxa Municipal pela Realização de
Infra-Estruturas Urbanísticas (TRIU).
Sendo o requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade o acto
idóneo para a fixação do seu objecto, não pode o recorrente, nas peças
processuais subsequentes, alterar ou modificar esse objecto, sendo apenas
possível restringi-lo.
Assim, convém precisar, face a alguma equivocidade das alegações apresentadas
pelo recorrente, que a fiscalização de constitucionalidade a efectuar neste
recurso recairá apenas sobre as regras que integram o denominado RTRIU do
Município de Lisboa, aprovado em 11 de Julho de 1991, na redacção constante do
edital nº 122/95, e não sobre qualquer interpretação normativa destas
disposições, porventura sustentada na decisão recorrida, e muito menos sobre o
resultado da aplicação dessas normas ao caso concreto, o que configuraria um
recurso de amparo, o qual não tem lugar no nosso sistema de fiscalização
concreta da constitucionalidade.
2. Da constitucionalidade do RTRIU do Município de Lisboa
O presente recurso de constitucionalidade versa a vexata quaestio da natureza
jurídica das “taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas” criadas
por regulamentos emanados das assembleias municipais.
Para melhor compreensão da realidade em presença importa recuperar os dados de
facto essenciais e situá-los no tempo, sendo certo que, entretanto, houve lugar
a alterações legislativas relevantes em matéria de taxas das autarquias locais.
Em 25 de Junho de 1997, a sociedade recorrente requereu, junto da Câmara
Municipal de Lisboa (CML), o licenciamento da construção de um edifício novo,
com cinco pisos acima do solo destinados a habitação, comércio e escritórios, e
seis caves destinadas a estacionamento e arrecadações, em substituição de
edifícios antigos e demolidos, na cidade de Lisboa.
Posteriormente, em 14 de Abril de 2000, ao aprovar o referido pedido de
licenciamento, a CML viria a condicionar a emissão da competente licença de
construção à obrigação de pagamento, pela Recorrente, da importância de Esc.
158.752.952$00, a título de taxa devida pela realização de infra-estruturas
urbanísticas (TRIU), então liquidada ao abrigo do disposto no Regulamento da
Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do Município de Lisboa
(RTRIU), aprovado pela Assembleia Municipal em 11 de Julho de 1991, na redacção
constante do Edital n.º 122/95 do Município de Lisboa, entrada em vigor em 6 de
Dezembro de 1995, e publicado no Boletim Municipal n.º 94, de 5-12-1995, fls.
2712-2715.
2.1. Do conteúdo das normas questionadas
Os preceitos do aludido regulamento municipal apresentavam então a seguinte
redacção:
Artigo 1º
(Natureza e fins)
É estabelecida a Taxa Municipal pela Realização de Infra-Estruturas
Urbanísticas, que constitui a contrapartida devida ao município pelas utilidades
prestadas aos particulares pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e
secundárias cuja realização, remodelação ou reforço seja consequência de
operações de construção, reconstrução ou ampliação, de edifícios ou de
alterações na forma de utilização destes.
Artigo 2.º
(Incidência)
1 – A taxa índice sobre qualquer das seguintes operações verificados os
pressupostos previstos no n.º 2:
a) Construção ou alteração de edifícios;
b) Reconstrução de edifícios que implique o aumento da área bruta;
c) Ampliação dos edifícios ou fracções existentes;
d) Alteração da utilização de edifícios ou fracções existentes.
2 – Só são passíveis de incidência da taxa, as operações que tenham determinado,
ou venham a determinar, directa ou indirectamente, a prestação, pelo município,
das seguintes utilizações:
a) Construção, reconstrução, ampliação e alteração de infra-estruturas
urbanísticas primárias;
b) Construção, reconstrução, ampliação e alteração de infra-estruturas
urbanísticas secundárias;
c) Encargos de planeamento e ordenamento urbanístico.
Artigo 3.º
(Isenções e reduções)
1 – Sem prejuízo de outras isenções previstas na lei, estão isentas de taxa, a
construção, reconstrução, ampliação e alteração do uso dos edifícios promovidos:
a) Por instituições de solidariedade social e pessoas colectivas de utilidade
pública, destinados a serem utilizados directamente para os seus fins;
b) Por cooperativas de habitação e construção relativamente aos fogos de
habitação social e respectivos equipamentos.
2 – Para além das situações previstas no número anterior, poderá ser concedida
redução de 50% da taxa, por razões de ordem social ou de interesse colectivo:
a) Quando se trate dos promotores referidos em 1 e as construções não se
destinem directamente a uso para fins próprios;
b) Aquando do desenvolvimento e execução de um plano urbanístico de recuperação
local, que revista natureza social, cuja definição e critérios constarão de
proposta a aprovar em reunião de Câmara.
3 – Poderá ainda ser concedida redução até ao limite de 50% da taxa e pelo
montante equivalente aos sobrecustos ou prejuízos demonstrados, sempre que:
a) Esteja em causa recuperação ou empreendimento que envolva edifícios
classificados;
b) Seja prevista pelo plano local ou projecto a manutenção de fachadas
pré-existentes de edifícios a construir ou reedificar.
Artigo 4º
(Cálculo da taxa – Regime geral)
1 – O montante da Taxa a cobrar, nos casos estabelecidos nas alíneas a), b), e
c), do nº 1, do artigo 2º é determinado, para cada tipo de utilização, de acordo
com a seguinte fórmula de cálculo:
Taxa=[(LP-AE) x C1 x C2 + (AP-LP) x C1 x C2 x 6]x VU
em que:
Taxa – Valor da taxa municipal pela realização de infra-estruturas urbanísticas.
AP – É a área bruta de construção constante do projecto.
AE – É a área bruta de construção pré-existente ou resultante de venda ou
permuta efectuada pela Câmara.
C1 – É o coeficiente de utilização constante do Quadro 1 anexo.
C2 – É o coeficiente de sobrecarga urbana constante do Quadro 2 anexo.
LP – É o lote singular de construção-padrão, entendido este como o lote situado
acima do solo, limitado por uma figura definida pelo plano marginal vertical,
com a altura derivada da aplicação do artigo 59.º do RGEU, até ao máximo de
capacidade equivalente a 8 pisos, com uma profundidade de empena de 15 m e
desprovido de varandas ou corpos salientes que não revistam apenas natureza
ornamental.
No caso de loteamentos, LP define-se como a área bruta prevista para cada lote
no respectivo instrumento urbanístico em vigor, com o máximo, para o conjunto
dos lotes, derivados dos índices gerais aplicáveis. Quando se trate de lotes
alienados pela Câmara, LP corresponde ao lote com a implantação, volume e área
de construção definidas na escritura ou título jurídico de alienação.
VU – Valor unitário a fixar pela Assembleia Municipal, tendo em consideração o
valor anteriormente vigente, o interesse público em presença e a evolução
socioeconómica do sector da construção civil, atento à sua incidência nos
encargos municipais com as infra-estruturas urbanísticas
2 – Para efeitos de aplicação da fórmula constante do número anterior, não será
considerado no valor AP a área dos estacionamentos acima do solo e só serão
considerados os valores (LP-AE) e (AP-LP) quando positivos.
3 – Sempre que forem autorizadas caves semienterradas e a área do edifício acima
do solo for inferior à de LP, serão consideradas dentro do valor deste, até ao
limite para o mesmo definido.
4 – Não será considerada em AP a área para instalações sanitárias sempre que os
edifícios as não possuam e se torne impossível ou extremamente oneroso
incluí-las na área definida para LP.
5 – Igualmente não será considerado naquele valor o aumento de área em virtude
do cumprimento do artigo 65º do RGEU, em pisos amansardados, no caso de
edifícios situados em «Áreas Críticas de Recuperação e Reconversão Urbanística».
6 – Sempre que estejam em causa legalizações de obras realizadas há menos de 10
anos, em razão dos custos acrescidos com o ordenamento urbanístico, será cobrada
em dobro a taxa apurada nos termos dos números anteriores.
7 – Quando estejam em causa legalizações de obras realizadas há mais de 20 anos,
será concedida uma redução de 50% no montante da taxa.
8 – Quando estejam em causa legalizações de obras realizadas há menos de 20 anos
e mais de 10 anos, a taxa a cobrar variará linearmente entre os limites
mencionados nos nºs 6 e 7.
9 – Sempre que a AP for inferior à que resulta do LP, deve ser aquela
considerada na fórmula, por substituição de LP.
10 – Sempre que a AE seja superior à que resulta do LP, deve ser aquela
considerada na fórmula, por substituição do valor deste.
11 – Sempre que a mediação de AP exceda a de LP e no projecto se preveja mais do
que um tipo de utilização, os coeficientes de utilização a aplicar na diferença
AP-LP da fórmula de cálculo, serão os menos penalizantes para o promotor.
12 – Nos casos de lotes de construção provenientes de demolição de edifícios, o
valor AE nunca pode ser inferior ao que resultaria da afectação do coeficiente
de uso preconizado no instrumento urbanístico local, desde que previamente
alterado nos termos do presente regulamento.
Artigo 5º
(Cálculos da taxa – Alteração de uso)
1 – No caso previsto na alínea d) do nº 1, do artigo 2º, o montante da taxa a
cobrar é determinado nos termos seguintes:
Taxa = [LP´ x (C1´ – C1) x C2 + (AE´- LP´) x (C1´ – C1) x C2 x 6] x VU
Onde (C1´ – C1) só é considerado se positivo e em que :
VU – variável já definida no nº 1 do artigo 4º.
AE’ e LP’ – São variáveis já definidas também genericamente no nº 1 do artigo 4º
mas cujo quantitativo é o correspondente apenas às áreas onde se verifica as
alterações de uso.
C1 – É o coeficiente de utilização correspondente ao anterior uso.
C1’ – É o coeficiente de utilização correspondente ao novo uso.
2 – Sempre que estejam em causa legalizações de alterações de uso realizadas há
menos de 10 anos, em razão dos custos acrescidos com o ordenamento urbanístico
será cobrada em dobro a taxa apurada nos termos do número anterior.
3 – Quando estejam em causa legalizações de alterações de uso realizadas há mais
de 20 anos, será concedida uma redução, de 50% no montante da Taxa.
4 – Quando estejam em causa legalizações de alterações de uso realizadas há
menos de 20 e mais de 10 anos, a taxa a cobrar variará linearmente entre os
limites mencionados nos nºsosoo 2 e 3.
Artigo 6.º
(Liquidação e cobrança)
1 – A liquidação da taxa será feita na sequência da aprovação dos projectos de
arquitectura, devendo a sua cobrança ser efectuada antes do levantamento da
respectiva licença de construção.
2 – Caso seja do interesse do promotor e compatível com o interesse público, é
admissível o pagamento da taxa através da dação de bens de valor equivalente,
designadamente mediante a realização em pagamento de obras de infra-estruturas
urbanísticas, directa ou indirectamente determinadas pelo aumento da carga
urbana por que a taxa seja devida.
3 – Quando a taxa for paga em numerário e o seu valor exceder 200 mil escudos,
poderá ser autorizado o pagamento fraccionado em prestações iguais até ao limite
máximo de 18 meses, vencendo as importâncias em dívida juros calculados à taxa
de referência da média das taxas nominais praticadas nos depósitos de residentes
em moeda nacional, com prazo de 180 dias a 1 ano, adicionada de 2 pontos
percentuais e mediante garantia bancária ou outra equivalente.
Artigo 7.º
(Fixação do valor unitário)
1 – O valor unitário (VU) deverá ser fixado no último trimestre de cada ano, por
forma a entrar em vigor no dia 1 de Janeiro do ano seguinte integrando a Tabela
de Taxas Municipal.
2 – Quando não seja possível cumprir o disposto no número anterior, o valor
unitário será actualizado em 1 de Janeiro de cada ano através da utilização do
Índice de Preços no Consumidor em Lisboa (com exclusão de habitação) relativo ao
ano imediatamente anterior.
Artigo 8.º
(Disposições transitórias e finais)
1 – O presente Regulamento aplica-se aos projectos cuja Taxa venha a ser
liquidada depois da sua entrada em vigor.
2 – Sempre que cesse a utilização que determinou a aplicação “das isenções ou
reduções previstas no artigo 3.º haverá lugar ao pagamento da taxa calculada de
acordo com os valores que estiverem em vigor à data.
QUADRO l
C1-coeficiente de Uti1ização
utilizaçãocoef.
utiliz.
(c1)
Habitação………………………………………….1
Indústria …………………………..……………..0,75
Armazenagem …………………………………...0,75
Comércio e serviços ……………………………..1,25
Hotéis ……………………………………………0,75
Parqueamento automóvel ………………..............0
Arrecadações de áreas habitacionais não contíguas, de condomínio e
porteira …………..
0,25
Áreas de armazenagem não habitacionais não contíguas e sem acesso directo
á via pública ou totalmente em cave …………………………...…
0,50
Áreas técnicas de equipamentos…………………0
QUADRO 2
C2 - Coeficiente de Sobrecarga Urbana
É estabelecido de acordo com a divisão da Cidade em zonas, tendo em conta a
respectiva acessibilidade e nobreza e bem assim a maior sobrecarga de esforço em
infra-estruturação geral a suportar pelo Município. A delimitação das zonas, é
feita em planta, que Integra o presente 1egulamento.
localizaçãoCoef.
sob. urb.
(c2)
Zona A
Zona B
Zona C
Zona D
Zona E5
4
3
2
1
Este Regulamento cria uma “taxa” que incide sobre as operações de construção ou
alteração de edifícios, reconstrução de edifícios que implique o aumento da área
bruta, ampliação de edifícios ou fracções existentes e alteração da utilização
de edifícios ou fracções existentes, desde que estas operações determinem a
prestação pelo Município da construção, reconstrução, ampliação e alteração de
infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias, ou encargos de
planeamento e ordenamento urbanístico, já realizadas ou a realizar no futuro.
Esta “taxa”, calculada através da aplicação de fórmulas matemáticas
pré-estabelecidas, deve ser liquidada pelo promotor daquelas operações na
sequência da aprovação dos projectos de arquitectura, sendo a sua cobrança
efectuada antes do levantamento da respectiva licença de construção.
Caso seja compatível com o interesse público o promotor poderá efectuar o
pagamento da “taxa” através da dação de bens de valor equivalente,
designadamente mediante a realização, em pagamento, de obras de infra-estruturas
urbanísticas, directa ou indirectamente determinadas pelo aumento da carga
urbana por que a “taxa” seja devida.
Esta “taxa” é um importante meio de financiamento do Município de Lisboa, sendo
responsável por 42,3% do valor total das taxas cobradas, as quais representam,
por sua vez, 18% da receita tributária do município (dados referentes ao
Orçamento de 2007).
2.2. Das origens à “legalização” da “taxa pela realização de infra-estruturas
urbanas”
Conforme refere Sérgio Vasques (em “Regime das taxas locais. Introdução e
comentário”, pág. 11, da ed. de 2008, da Almedina”) já Adam Smith, nos finais do
século XVIII, no célebre livro “A riqueza das Nações”, apontava as taxas e as
contribuições especiais como os tributos mais adequados ao financiamento de
obras como os arruamentos, ou a iluminação pública, que aproveitam sobretudo às
populações locais que as utilizam, aplicando-se o princípio do benefício.
Nesta linha, ganhou predominância a ideia, cada vez mais consolidada, que
facultando-se aos órgãos do poder local a possibilidade de cobrarem tributos
próprios, permite-se que o Estado ofereça às populações uma combinação
diversificada de bens, custeada pelos seus principais utilizadores, que preenche
as preferências destes, garantindo-se assim a construção duma sociedade de
bem-estar.
A origem próxima, em Portugal, das “taxas locais” devidas pela realização de
infra-estruturas urbanas, como relata Benjamim Rodrigues “prende-se com as
exigências de diversas compensações, quer em numerário, quer em espécie, quer,
finalmente, com a realização de infra-estruturas em outros locais que os
municípios tinham que levar a cabo sob a sua responsabilidade, fora, portanto do
regime legal então existente relativo aos processos de licenciamento de
loteamentos e de obras particulares, imposições essas que começaram a ser feitas
pelos respectivos presidentes das Câmaras ou pelos serviços de urbanização
agindo sob delegação, aí pelos começos da década de 1980 e perante uma certa
euforia da construção civil, umas vezes a coberto de simples actos
administrativos e outras vezes sob invocação de normas genéricas tomadas à
revelia das assembleias municipais e de lei que as autorizasse…” (em “Para uma
reforma do sistema financeiro e fiscal do urbanismo em Portugal”, em “O sistema
financeiro e fiscal do urbanismo. Ciclo de Colóquios: o direito do urbanismo do
século XXI”, pág. 202-203).
Procurava-se dar a resposta possível, à margem da lei, à necessidade de evitar
que a realização de novas infra-estruturas feitas em benefício e por causa de um
grupo restrito de residentes numa determinada área fosse financiada com as
receitas gerais próprias ou transferidas do município.
Entretanto, a Lei das Finanças Locais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 98/84, de
29 de Março, veio “legalizar” a cobrança destas taxas, dispondo que “os
municípios podem cobrar taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas”,
as quais “constituem receitas do município” (artigos 3.º, n.º 1, al. i), e 8.º,
al. a)). Esta permissão inseria-se na política anunciada no preâmbulo desta lei:
“(…) no que concerne às taxas operou-se uma significativa diferenciação entre
as modalidades que estas podem revestir, ampliando-se, simultaneamente, o seu
leque de modo a coaduná-lo com a dinâmica própria da vida local e permitindo
que as taxas possam ser uma fonte financeira de crescente significado.
Saliente-se a criação de uma taxa de urbanização que os municípios poderão
lançar para cobrir os custos das infra-estruturas que realizam (…)”
No Município de Lisboa, a TRIU substituiu o pagamento duma compensação anterior
regulada pelo despacho nº 166/P/84, do então Presidente da Câmara Municipal de
Lisboa (pub. no Diário Municipal, nº 14.524, de 30 de Novembro de 1984) o qual
foi considerado ilegal pelo Parecer n.º 59/86, de 28 de Janeiro de 1987, do
Conselho Consultivo da P.G.R. (pub. no B.M.J. n.º 366, pág. 152 e seg.), por se
tratar de taxa criada pelo Presidente da Câmara Municipal e não pela Assembleia
Municipal.
O Regulamento aqui em apreciação já foi aprovado ao abrigo do disposto na alínea
l), do n.º 2, do artigo 39.º, do Decreto-Lei n.º 100/84, de 29 de Março (Lei das
Autarquias Locais), nos termos do qual, “compete à assembleia municipal, sob
proposta ou pedido de autorização da câmara, estabelecer, nos termos da lei,
taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos”.
Na elaboração deste Regulamento consultou-se o regime da ”Tasa por la prestacion
de servicios urbanísticos” do Município de Sevilha, da “Taxe locale
d´équipement”, do município de Lille, da “Taxe calculée sur la base du volume
construit e transformé”, do município de Bruxelas, e do “contributo
concessório”, do município de Milão (como refere ANÍBAL DE ALMEIDA, em “Estudos
de direito tributário”, pág. 44, da ed. de 1996, da Almedina).
Mas, quando foi liquidada a taxa em causa neste processo (14 de Abril de 2000)
já se encontrava em vigor uma nova Lei das Finanças Locais (Lei nº 42/98, de 6
de Agosto) que continuava a permitir, agora em termos mais generosos, que “os
municípios podem cobrar taxas por realização, manutenção e reforço de
infra-estruturas urbanísticas”, as quais “constituem receitas do município”
(artigos 19.º, al. a), e 16.º, al. d)).
Por outro lado, é impossível falar de taxas urbanísticas sem cuidar de saber o
que dispunha a legislação ordinária em matéria de regime jurídico de
licenciamento municipal de obras de urbanização.
No que respeita a esta matéria, quando o RTRIU iniciou a respectiva vigência,
encontrava-se então em vigor o Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro (Regime
Jurídico do Licenciamento das Operações de Loteamento e das Obras de
Urbanização), cujo preâmbulo começava por esclarecer que a taxa pela realização
de infra-estruturas urbanísticas criada pelo Decreto-Lei n.º 98/84 “destina-se a
compensar o município pela realização de novas infra-estruturas ou alteração das
existentes em consequência da sobrecarga derivada da nova ocupação”.
Mas quando a Recorrente requereu o licenciamento do projecto de construção, já
se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro (Regime
Jurídico do Licenciamento das Operações de Loteamento e das Obras de
Urbanização), na redacção introduzida pela Lei 26/96, de 1 de Agosto (que
alterou, por ratificação, o Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de Dezembro, o qual
havia, por sua vez alterado o referido Decreto-Lei n.º 448/91), cujo artigo 3.º,
al. b), definia obras de urbanização como “todas as obras de criação e
remodelação de infra-estruturas que integram a operação de loteamento e as
destinadas a servir os conjuntos e aldeamentos turísticos, nomeadamente
arruamentos viários e pedonais e redes de abastecimentos de água, de esgotos, de
electricidade, de gás e de telecomunicações, e ainda de espaços verdes e outros
espaços de utilização colectiva”.
A propósito das operações de loteamento que, em princípio, precedem as obras de
urbanização, dispunha o n.º 1, do art. 16.º, do Decreto-Lei n.º 448/91, na
redacção já referida, que “o proprietário e os demais titulares de direitos
reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente à câmara municipal parcelas de
terreno para espaços verdes públicos e de utilização colectiva,
infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais, e equipamentos
públicos, que, de acordo com a operação do loteamento, devam integrar o domínio
público”, acrescentando o n.º 4 do mesmo normativo que “se o prédio a lotear já
estiver servido pelas infra-estruturas referidas na alínea b) do artigo 3.º ou
não se justificar a localização de qualquer equipamento público no dito prédio,
não há lugar a cedências para esses fins, ficando, no entanto, o proprietário
obrigado a pagar à câmara municipal uma compensação em numerário ou espécie, nos
termos definidos em regulamento aprovado pela assembleia municipal”.
Já no âmbito do licenciamento das obras de urbanização, o n.º 1, do art. 32.º,
do mesmo diploma legal, prescrevia que “a realização de infra-estruturas
urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento estão
sujeitas ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do artigo
11.º da Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de
quaisquer mais valias ou compensações, com excepção das previstas no art. 16.º”,
acrescentando o n.º 3 do mesmo normativo que “a câmara municipal, com o
deferimento do pedido de licenciamento, procede à liquidação das taxas em
conformidade com o regulamento aprovado pela assembleia municipal”.
Note-se que no preâmbulo do acima referido Decreto-Lei n.º 334/95, de 28 de
Dezembro, que foi alterado, por ratificação, pela Lei n.º 26/96, de 1 de Agosto,
se realçava que se “estabelecem regras claras relativas à responsabilização dos
intervenientes no processo de licenciamento, designadamente qualificando como
ilegalidade grave a exigência, por parte dos órgãos administrativos, de
contrapartidas, compensações ou donativos não previstos na lei como condição do
licenciamento de operações de loteamento e de obras de urbanização e
esclarecendo que a câmara municipal só pode aplicar a taxa por realização de
infra-estruturas urbanísticas nas situações em que a realização da operação de
loteamento ou de obras de urbanização implique a efectiva execução, a seu cargo,
das referidas infra-estruturas.” (sublinhado acrescentado).
Apesar da maior parte dos diplomas e normas acima citados terem sido entretanto
revogados e substituídos por nova legislação, tendo sido inclusive aprovado um
inovador Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (Lei n.º 53 – E/2006, de
29 de Dezembro), que continua a qualificar como taxa municipal a que corresponde
à “realização, manutenção ou reforço das infra-estruturas primárias e
secundárias” (artigo 6.º, n.º 1. a)) é este o quadro legal que enquadrava o
Regulamento sob apreciação nas datas da sua aprovação e da sua aplicação no caso
sub iudicio e que devemos ter presente.
2.3. Dos antecedentes doutrinais e jurisprudenciais
A natureza jurídica das chamadas “taxas pela realização de infra-estruturas
urbanísticas” foi tratada amiúde na doutrina e na jurisprudência.
Diogo Leite de Campos considerou que a “taxa” prevista no Regime Jurídico do
Licenciamento das Operações de Loteamento e das Obras de Urbanização
(Decreto-Lei n.º 400/84, de 31 de Dezembro), sendo devida independentemente da
necessidade e do valor das infra-estruturas a realizar, era um imposto (em
“Fiscalidade do urbanismo”, comunicação publicada em “Direito do urbanismo”,
pág. 460, ed. do I.N.A., de 1989).
Freitas do Amaral considerou-a um imposto quando é o próprio particular que
realiza, por sua conta, as obras de infra-estruturas urbanísticas (em “Direito
do urbanismo (sumários)”, pág. 119, ed. pol. de 1993). No mesmo sentido se
pronunciaram Osvaldo Gomes, (em “Direito do urbanismo”, comunicação publicada em
“Direito das empresas”, pág. 201 e seg., ed. do I.N.A., de 1990) e Fernando
Condesso (em “Direito do urbanismo. Noções fundamentais.”, pág. 522, ed. da Quid
iuris, 1999).
Sérgio Vasques pronunciou-se no sentido destas “taxas” representarem genuínas
contribuições especiais, informando que assim são consideradas na Alemanha,
Brasil e Espanha (na ob. cit., pág. 117-118, da ed. de 2008, da Almedina).
António Afonso Marcos, analisando concretamente a “taxa de urbanização”,
prevista no Regulamento Municipal de Obras, aprovado pela Assembleia Municipal
do Porto, em 5-6-1989, qualificou-a como uma contribuição especial, por não se
revelar uma contrapartida de qualquer prestação individual de serviço a
particulares (em “As taxas municipais e o princípio da legalidade fiscal”, em
“Fisco”, n.º 74/75, pág. 21 e seg.).
Eduardo Paz Ferreira, analisando concretamente a “taxa pela realização de
infra-estruturas urbanísticas” aprovada pela Assembleia Municipal de Lisboa em
reunião de 11/7/1991, a qual está em causa neste recurso, considerou que a mesma
tinha a natureza de taxa, por ser a contrapartida da realização actual ou futura
daquelas infra-estruturas (em “Ainda a propósito da distinção entre impostos e
taxas: o caso da taxa municipal devida pela realização de infra-estruturas
urbanísticas”, em “Ciência e Técnica Fiscal”, n.º 380, pág. 59 e seg.).
Aníbal de Almeida, analisando o mesmo regulamento, pronunciou-se em sentido
idêntico (na ob. cit., pág. 35 e seg.).
Nuno Sá Gomes discordou, contudo, da posição de Eduardo Paz Ferreira,
considerando a referida “taxa” um imposto, por não ter uma contrapartida
devidamente individualizada, além de considerar o seu regime jurídico opaco, por
se encontrar em regulamento camarário confuso e dificilmente acessível aos
contribuintes (em “Alguns aspectos jurídicos e económicos controversos da
sobretributação imobiliária no sistema fiscal português”, em “Ciência e Técnica
Fiscal”, n.º 386, pág. 92 e seg.).
Benjamim Rodrigues sobre o mesmo tributo “propendeu para afastar a qualificação
como taxa”, por falta de exigência de demonstração pela edilidade da existência
de custos programados com a realização de infra-estruturas e por permitir a
cobrança de prestações futuras, cuja possibilidade de realização é aleatória.
Qualificou também como um imposto a TRIU, criada pelo Regulamento Municipal
sobre taxas e cedências relativas à administração urbanística do Município de
Coimbra, publicado a coberto do edital nº 34/99 (na ob. cit., pág. 202 e seg.).
Casalta Nabais “inclina-se no sentido da natureza de taxa” de tal tributo,
chamando a atenção que essa conclusão só pode, contudo, ser confirmada, tendo em
conta o recorte de cada “taxa” em concreto, procedendo-se, em cada caso, à
averiguação, de um lado, da existência da bilateralidade que caracteriza as
taxas e, de outro, da existência de uma equivalência entre as prestações (em
“Tributação e urbanismo no direito europeu”, na Rev. CEDOUA, nº 13, Ano VII, nº
4, pág. 23-25, “Por um estado fiscal suportável. Estudos de direito fiscal”,
pág. 316-319 e 586-590, ed. de 2005, da Almedina, e em “Fiscalidade do
urbanismo”, em “O sistema financeiro e fiscal do urbanismo. Ciclo de Colóquios:
o direito do urbanismo do século XXI”, pág. 53-55).
O Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a
constitucionalidade deste tipo de taxas, previstas nos Regulamentos dos
Municípios de Amarante, Póvoa de Varzim e Baião.
Assim, no acórdão n.º 357/99 (pub. no D.R., II Série, de 2-3-2000) apreciou-se a
constitucionalidade do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante,
tendo-se afirmado o seguinte:
“(…)
Incidindo a taxa sobre obras de construção, reconstrução ou ampliação de
edificações destinadas a habitação, indústria, comércio e profissões liberais
(em terrenos não loteados) ou sobre operações de loteamento nos termos do artigo
1º do DL nº. 400/84 e legislação complementar, relativamente aos lotes servidos
por arruamentos públicos existentes (artigos 2º, corpo e 3º, corpo), desde logo
se pode concluir que o 'objectivo' referido no artigo 1º não traduz uma mera
afectação financeira das receitas provenientes da cobrança da taxa, mas a
compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pelo município, causadas,
directa ou indirectamente, pelas obras sobre que a taxa incide.
Determinando estas obras a necessidade, actual ou futura, de realização de
infra-estruturas urbanísticas, tais como as enunciadas no corpo do artigo 1º,
elas constituem, afinal, a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela
autarquia conexionado com o pagamento da taxa.
Este nexo surge, aliás, mais nítido quando, nos termos do artigo 2º nº. 1 do
Regulamento se dispõe que a 'cobrança não será efectuada sempre que se realizem
obras em terrenos já onerados anteriormente com semelhante encargo' e no nº. 2
do mesmo artigo se estabelece que a taxa não será cobrada nos casos de
edificações de 'pequena importância, sem actividade própria e/ou independente';
e, ainda, quando, em lotes servidos por algumas infra-estruturas a cargo do
loteador, a cobrança se limita, por força do artigo 3º nº. 2, 'em função da
parte das infra-estruturas que não fiquem realizadas' ou quando, no artigo 4º,
se dispõe que a taxa não será cobrada nos casos de 'obras de construção em
loteamento cujas infra-estruturas tenham sido custeadas pelo promotor do
loteamento e integradas no domínio público'.
Esta delimitação negativa da incidência da taxa revela, claramente, que o
tributo visa corresponder a serviços prestados, ou a prestar, pela autarquia
numa conexão directa com as obras realizadas.
(…)
Não obsta ao carácter bilateral da taxa o critério consagrado no Regulamento
para a fixação do montante da prestação exigida – em função da área bruta de
construção a licenciar, representando 1% do custo da obra, corrigida tendo em
conta o factor localização (construções em terrenos não loteados) e em função do
comprimento da frente dos lotes objecto do 'encargo', representando o custo
unitário da realização das infra-estruturas e obras de urbanização por metro
linear de arruamento, corrigida considerando os factores localização, ocupação e
situação dos terrenos (operações de loteamento) – artigos 7º a 12º.
Na verdade, afastada a exigência de uma absoluta correspondência económica entre
as prestações do ente público e do utente (cit. Acórdãos nºs. 205/87 e 76/88), o
critério adoptado, fundamentalmente pela ponderação da área de construção –
índice quer da utilidade retirada pelo obrigado, quer do grau de exigência na
realização, reforço, manutenção ou funcionamento, de obras de infra-estruturas
urbanísticas – não deixa de ser ditado por uma preocupação de proximidade entre
o custo e a utilidade da prestação do serviço e o montante da taxa.
E também não contradiz a bilateralidade da taxa a eventualidade de a prestação
do serviço não implicar vantagens ou benefícios para quem é obrigado ao
pagamento (cfr. cit. Acórdão nº. 67/90), muito embora, seja considerável, no
caso, a probabilidade dessas vantagens ou benefícios em qualquer das modalidades
de obras de infra-estruturas urbanísticas ('realização, reparação, manutenção e
funcionamento') em geral exigíveis, ou convenientes, quando se efectuam as
construções ou operações de loteamento referidas nos artigos 2º e 3º do
Regulamento, o que do mesmo modo retira o carácter presuntivo, em abstracto,
das maiores despesas ou encargos por parte da pessoa pública que é próprio das
'contribuições especiais por maiores despesas' (neste sentido, Aníbal Almeida,
ob. cit. pág. 72).
Por outro lado, a circunstância de aquelas obras poderem gerar utilidade para a
generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no
interesse do onerado (cfr. cit. Parecer da PGR nº. 59/86) que delas retira, ou
pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão,
específico e divisível).
Em suma, pois, não se vê que a 'taxa municipal de urbanização' em causa revista
características diversas das que, na jurisprudência do Tribunal Constitucional
(e cita-se aqui, em especial, o Acórdão nº. 354/98, de 12/5 in DR II Série de
15/7/98), têm fundamentado a qualificação de outros tributos como 'taxa'.
E, sendo assim, não pode o 'Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização',
aprovado pela Assembleia Municipal de Amarante em 30/6/86 estar ferido de
inconstitucionalidade orgânica por violação do artigo 168º nº. 1 alínea i) da
CRP (na versão revista em 82) que às 'taxas' se não reporta.
(…)”
No acórdão n.º 410/2000 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 48.º
vol., pág. 141), aprovado em Plenário, nos termos do artigo 79.º - A, da LTC,
apreciou-se a constitucionalidade dos três primeiros artigos do Regulamento da
Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim, tendo-se sustentado o
seguinte:
“(…)
Segundo consta da introdução ao Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização do
concelho da Póvoa do Varzim, a criação desse tributo tornou possível que a
construção individual concorresse, também, para os custos da urbanização. De
outro modo a Câmara, sem recursos que lhe permitissem custear as obras de
urbanização, não as poderia levar a termo, nomeadamente tendo em conta uma
'intensa pressão de construção, sobretudo em zonas situadas fora dos principais
aglomerados'.
A melhoria da rede viária e dos transportes, do saneamento, dos equipamentos e
arranjos dos espaços públicos exige 'que cada nova construção ou cada aumento de
área construída em prédios existentes comparticipe de forma significativa nos
encargos gerais de urbanização do concelho'.
Nesta linha, diz-nos o artigo 2º do Regulamento o que se deve entender, para os
seus efeitos, por infraestruturas urbanísticas: a) a execução de trabalhos de
construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nela se compreendendo, em
especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais,
caminhos vicinais e arruamentos urbanos; b) a execução de trabalhos de
urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de
estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins; c) a
construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de
colectores pluviais, bem como de elementos depuradores; d) a construção,
ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de águas; e) a
execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os
mesmos não sejam da responsabilidade da EDP, bem como respeitantes à iluminação
pública; f) a recolha e tratamento de lixo; g) aquisição de terrenos para
equipamentos.
Colhe-se deste enunciado que o serviço prestado pela autarquia está conexionado
com o pagamento do tributo e encerra a ideia de contraprestação específica. Que
assim é, corrobora o artigo 4º do diploma – 'regime especial dos loteamentos' –
que não sujeita a essa taxa as obras de construção a realizar nos loteamentos
urbanos com infraestruturas a cargo do loteador, quando a licença tenha sido
titulada por alvará de loteamento passado há menos de cinco anos e tramitado de
acordo com o § único do artigo 5º do mesmo texto (nº1 do preceito), ao passo que
no caso de construção sita em lote onde tenha sido cobrada essa taxa e não se
encontre esgotado aquele prazo, apenas haverá lugar a cobrança adicional se a
construção exceder a área sobre a qual foi a taxa calculada (nº 2).
Encontram-se, assim, por um lado, especificadas as situações susceptíveis de
originarem a cobrança da taxa, individualizando-se, inclusivamente, as operações
em que são percebidas pelos particulares as utilidades inerentes às
infraestruturas urbanísticas. São as mesmas expressão da iniciativa autárquica
na realização daquelas infraestruturas e na execução dos equipamentos públicos
necessários à utilização colectiva dos munícipes.
(…)
A realização de infra-estruturas urbanísticas ocorre, por via de regra, na fase
das operações de loteamento, nomeadamente quando os municípios assumem uma
função de estímulo à iniciativa de urbanização e de construção (proporcionando
a abertura de arruamentos, construindo infra-estruturas de abastecimento de
água e de saneamento, por exemplo). O que se compreende: o loteamento urbano
constitui um instrumento típico de transformação urbanística do solo, fazendo-se
acompanhar, como tal, e normalmente, das operações materiais necessárias e
implícitas à iniciativa.
No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de
funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se
está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como
parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do
Regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com
as dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de
urbanização.
Digamos que ainda aqui funciona a lógica de interacção em que a taxa se insere
(e a que o acórdão nº 1108/96 alude), bastando-se com a sinalagmaticidade
construída juridicamente, já anteriormente mencionada.
Não se surpreende, assim, vício de inconstitucionalidade orgânica no Regulamento
em apreço.
(…)”
Este acórdão foi aprovado com 6 votos de vencido, entre os quais o do
Conselheiro Messias Bento que na respectiva declaração escreveu:
“(…)
Na verdade, a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas, a que se
refere o mencionado artigo 11º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, só a
podem os municípios cobrar no momento em que licenciam obras particulares, se,
nessa fase, tiverem, efectivamente, realizado infra-estruturas urbanísticas.
(…)
a taxa de urbanização, cobrada pela concessão do alvará da licença de
construção, não constitui uma taxa, pois que lhe falta o carácter sinalagmático.
O município, de facto, cobra a 'taxa, mas não assume a obrigação de qualquer
contraprestação específica. O dever de realizar infra-estruturas urbanísticas é
um dever geral decorrente da lei [cf., designadamente, o artigo 64º, nº 2,
alínea f), da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro]. O Regulamento aqui em causa não
o impõe como contrapartida da quantia cobrada. De resto, no caso, nenhuma
infraestrutura urbanística foi realizada na sequência da construção do prédio
licenciado. Tal 'taxa' assemelha-se, isso sim, ao tributo que o artigo 12º do
Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa (aprovado pela
Portaria nº 247/77, de 19 de Maio), previa, para ser pago pelos construtores que
a câmara dispensasse de reservar uma área útil de 12,5 m2 por fogo para
estacionamento – norma que este Tribunal declarou inconstitucional, com força
obrigatória geral, pelo acórdão nº 236/94 (publicado no Diário da República, I-A
série, de 7 de Maio de 1994). E assemelha-se, bem assim, à 'taxa de publicidade'
prevista pelo artigo 62º do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais da Câmara
Municipal de Guimarães (conjugado com o artigo 13º das Observações aos artigos
57º a 64º do mesmo Regulamento), que este Tribunal julgou inconstitucional no
acórdão nº 558/98, atrás citado.
A construção de um novo prédio vai, decerto, conduzir a uma maior utilização das
infra-estruturas urbanísticas existentes, mas o pagamento da taxa de urbanização
não constitui o município na obrigação de as renovar ou ampliar.
Conclui-se, assim, que as normas constantes dos artigos 1º, 2º e 3º do
Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa de Varzim, na versão aqui
sub iudicio, são inconstitucionais, por violação dos artigos 106º, nº 2, e 168º,
nº 1, alínea i), da Constituição, na versão de 1989: elas criam, de facto, um
tributo que só uma lei parlamentar ou um decreto-lei parlamentarmente autorizado
podiam ter criado.”
Importante também se revela a reflexão constante do voto de vencido do
Conselheiro Vítor Nunes de Almeida aposta no mesmo acórdão:
“(…)
O ter votado o Acórdão nº 357/99 assentou na convicção – porventura menos
correcta – de que, no caso, a Câmara Municipal de Amarante tinha, de facto,
efectuado obras de infra-estruturas urbanísticas de que beneficiaria
especificamente o obrigado ao pagamento da «taxa».
De qualquer modo, repensando agora toda a problemática deste tipo de
'compensação', mais me convenço de que no caso das 'taxas de infra-estruturas
urbanísticas, mais conhecidas por taxas de urbanização não se trata de
verdadeiras e próprias taxas, mas antes de «contribuições especiais»,
relativamente às quais o Tribunal tem exigido o respeito do princípio da
legalidade na sua criação, o que torna inconstitucional a sua qualificação como
taxa, pois entendo que a exigência do pagamento da compensação pela realização
de infraestruturas urbanísticas deve ser tratada como se fosse um imposto.
De facto, o que está em causa na estatuição da referida 'taxa de urbanização' é
uma utilidade obtida da actividade pública de interesse geral ou uma maior
despesa causada ao Município pela necessidade de fazer face aos maiores encargos
com tal actividade pública. Não existe, assim, em boa verdade, qualquer
prestação individual de serviços aos particulares assente em qualquer dever
específico do mesmo Município que possa substanciar o facto gerador da 'taxa',
nada podendo o particular exigir à entidade credora da 'taxa'.
As «contribuições especiais» são tributos que se podem traduzir na obtenção de
um benefício (‘contribuições de melhoria’) ou em encargos por maiores despesas
públicas (ou municipais) provocadas pelas construções privadas, isto é,
decorrentes do urbanismo e sem que o contribuinte possa exigir algo em troca.
De facto, as ‘contribuições de melhoria’ pressupõem uma prévia acção de
investimento público em determinada urbanização, não sendo razoável que apenas
alguns beneficiem de tal investimento.
Por outro lado, os ‘encargos por maiores despesas’ radicam no facto de as
iniciativas privadas de urbanização, provocando largos réditos para os
promotores, dão origem a maiores despesas públicas que acabam por ser suportadas
por todos os membros da comunidade, justificando-se assim a criação de encargos
para satisfazer tais despesas.
(…).
No acórdão n.º 274/2004 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 59.º
vol., pág. 201), apreciou-se a constitucionalidade da “taxa municipal de
infra-estruturas”, prevista no Regulamento de Taxas, Tarifas e Licenças
Municipais, aprovado pela Assembleia Municipal de Baião, tendo-se considerado
inconstitucionais as normas deste Regulamento apenas na parte “em que não
permite a dedução do montante custeado pelo promotor do loteamento até 60% do
valor encontrado, enquanto interpretadas no sentido de que o tributo neles
previsto pode ser cobrado ainda que não tenha como contrapartida a realização,
ainda que futura, por parte da Câmara Municipal de Baião, de nenhuma obra de
infra-estrutura que seja consequência directa ou indirecta da aprovação de uma
operação de loteamento.”
2.4. Do regime constitucional das taxas municipais
Importa agora passar ao enquadramento jurídico-constitucional das taxas em geral
e, particularmente, das taxas municipais, sem perder de vista que estando nós a
apreciar a invocação duma inconstitucionalidade formal (a violação do princípio
da reserva de lei) a redacção do Regulamento sob fiscalização foi aprovada,
quando a Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) apresentava a redacção
introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/92, de 25 de Novembro, pelo que as
referências que se irão passar a fazer ao texto constitucional se reportam a
essa versão.
De acordo com a Lei Fundamental, a organização democrática do Estado compreende
a existência de autarquias locais, as quais visam a prossecução de interesses
próprios das populações respectivas – artigo 237.º, da C.R.P.. Efectivamente,
não obstante ser unitário, o Estado não pode deixar de respeitar na sua
organização o princípio da autonomia das autarquias locais – artigo 6.º, n.º 1,
da C.R.P..
Desde a redacção originária da Constituição, o urbanismo é um dos domínios onde
se verifica uma concorrência de atribuições e competências entre a
Administração estadual, regional e municipal (ALVES CORREIA, em “Manual de
Direito do Urbanismo”, volume I, pág. 131, da 3.ª Edição, da Almedina).
Para assegurar o desempenho das suas atribuições, as autarquias locais têm
património e finanças próprias – artigo 240.º, n.º 1, da C.R.P.. A autonomia
financeira das autarquias locais compreende o “direito de arrecadação e
disposição de receitas próprias” (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em
“Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2º vol., pág. 889, da 3.ª
Edição, da Coimbra Editora). As receitas próprias das autarquias locais incluem
obrigatoriamente – nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 240.º, da C.R.P. -
as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos
seus serviços.
Mas, a lei pode – e deve – atribuir outras receitas às autarquias locais (GOMES
CANOTILHO e VITAL MOREIRA, na ob. cit., p. 891). A Constituição não impede que
as autarquias locais tenham impostos próprios, nomeadamente através da
atribuição directa das receitas provenientes de certos impostos que se
transformam em impostos locais. Aliás, os municípios participam, por direito
próprio e nos termos definidos pela lei, nas receitas provenientes dos impostos
directos – artigo 254.º, da C.R.P..
Porém, é preciso ter presente que a Constituição proíbe que as autarquias locais
possam criar ou sejam legalmente autorizadas a criar impostos.
Na verdade, a criação de impostos e a definição dos seus elementos essenciais
constitui reserva de lei, constitucionalmente atribuída à Assembleia da
República e, por isso mesmo, vedado ao poder normativo local – artigos 106.º,
n.º 2, e 168.º, n.º 1, al. i), da C.R.P..
É a consagração do princípio dos ideais liberais “no taxation without
representation”, correspondente à ideia de que, sendo o imposto um confisco da
riqueza privada, a sua legitimidade tem de resultar duma aprovação dos
representantes directos do povo, numa lógica de auto-tributação.
Uma vez que a Recorrente entende que a esfera de competência reservada da
Assembleia da República foi invadida pelo poder normativo da Assembleia
Municipal de Lisboa, importa deter um pouco mais a atenção nalguns elementos
essenciais do sistema fiscal português durante a vigência da Constituição de
1976, na redacção introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/92.
Em sede de organização económica do Estado, o artigo 106.º, da C.R.P.,
apresentava a seguinte redacção:
“1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e
outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os
benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos
termos da Constituição, e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas
prescritas na lei.”
Concretizando a competência legislativa nesta matéria, a alínea i), do n.º 1, do
artigo 168.º, da C.R.P., dispunha que “é da exclusiva competência da Assembleia
da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a criação de impostos
e sistema fiscal”.
Nesta matéria, como facilmente se alcança, assume especial relevância a garantia
do princípio da legalidade formal, o qual se traduz na regra da reserva de lei
para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo
eles deixar de constar de diploma com origem no parlamento, ou elaborado com
autorização parlamentar.
Num passado já remoto, as taxas também estiveram sujeitas expressamente ao
princípio da legalidade formal (artigo 70.º, § 3.º, da Constituição de 1933,
após a revisão de 1971), mas não foi esta a opção do legislador constituinte de
1976, uma vez que a reserva de lei passou a valer apenas relativamente aos
impostos e não também para as taxas (sobre esta opção, vide o Parecer da
Comissão Constitucional n.º 30/81, in Pareceres da Comissão Constitucional, 17.º
volume, pág. 91, da ed. da INCM, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
205/87, publicado na 2.ª Série do Diário da República, de 3 de Julho de 1987,
CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria
fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 407-408, e Eduardo Paz Ferreira, na
ob. cit., pág. 61-63).
A não sujeição das taxas ao princípio da legalidade estrita é compreensível
perante a circunstância das mesmas terem por causa o pagamento duma prestação
pública, não constituindo uma amputação, sem retribuição específica, do
património privado, que exija uma aprovação parlamentar. A existência duma
relação jurídica bilateral permitirá aos seus sujeitos obter outras formas de
tutela dos seus direitos, não necessitando da garantia da exigência da
autorização prévia do contribuinte, dada através dos seus representantes.
2.5. Da distinção entre os diferentes tipos de tributo
Perante esta diferente sujeição ao princípio da legalidade é importante
relembrar a distinção entre os conceitos dos diferentes tipos de tributo, tendo
presente que a C.R.P. não indica qualquer critério distintivo, sendo necessário
recorrer aos conceitos constantes da Lei Geral Tributária (artigo 4.º), aprovada
pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro.
“1 - Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada,
nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.
2 - As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização
de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao
comportamento dos particulares.
3 - As contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de
benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou
da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens
públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas
impostos.”
E no Regime das Taxas Locais, aprovado pela Lei n.º 53 – E/2006, de 29 de
Dezembro, no artigo 3.º, definem-se as taxas das autarquias locais como
“tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na
utilização provada de bens do domínio público e privado das autarquias locais ou
na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando
tal seja atribuição das autarquias locais, nos termos da lei.”
Estas definições legais limitaram-se a recolher os ensinamentos dominantes da
doutrina fiscal (vide, entre outros, TEIXEIRA RIBEIRO, em “Lições de Finanças
Públicas”, pág. 267, da ed. de 1977, da Coimbra Editora, CARDOSO DA COSTA, em
“Curso de Direito Fiscal”, pág. 4-19, da 2.ª Edição, da Almedina, SOUSA FRANCO,
em “Finanças Públicas e Direito Financeiro”, volume II, pág. 58-73, da 4.ª
Edição, da Almedina, DIOGO LEITE DE CAMPOS e MÓNICA LEITE DE CAMPOS, em “Direito
Tributário”, pág. 27-29, da ed. de 1996, da Almedina, CASALTA NABAIS, em
“Direito fiscal”, pág. 20-32, da 3ª ed., da Almedina,, NUNO SÁ GOMES, em “Manual
de Direito Fiscal”, vol. 1, pág. 73-79, da 12.ª ed., do Rei dos Livros, SALDANHA
SANCHES, em “Manual de Direito Fiscal”, pág. 22-37, da 3.ª Edição, da Coimbra
Editora, EDUARDO PAZ FERREIRA, na ob. cit., pág. 63-81, e XAVIER DE BASTO e LOBO
XAVIER, em “Ainda a propósito da distinção entre taxa e imposto: a
inconstitucionalidade dos emolumentos notariais e registrais devidos pela
constituição de sociedades e pelas modificações dos respectivos contratos, na
R.D.E.S., n.º 1 e 3, de 1994, pág. 3 e seg.), os quais foram, alias, adoptados
pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (uma resenha desta jurisprudência
foi efectuada por CASALTA NABAIS, em “Jurisprudência do Tribunal Constitucional
em matéria fiscal”, no B.F.D.U.C. n.º 69 (1993), págs. 387 e seg.).
O imposto, enquanto prestação unilateral, não corresponde a nenhuma
contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado; ele
terá apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais.
Ao carácter unilateral da prestação de imposto contrapõe-se a natureza
sinalagmática das taxas.
A sinalagmaticidade que caracteriza as quantias pagas a título de taxa só
existirá quando se verifique uma contrapartida resultante da relação concreta
com um bem semipúblico, que, por seu turno, se pode definir como um bem público
que, satisfaz, além de necessidades colectivas, necessidades individuais (vide
TEIXEIRA RIBEIRO, em “Noção jurídica de taxa”, na “Revista de Legislação e de
Jurisprudência”, ano 117.º, pág. 291).
A taxa “pressupõe, ou dá origem, a uma contraprestação específica resultante de
uma relação concreta (que pode ser ou não de benefício) entre o contribuinte e
um bem ou serviço público”, sendo “grande a variabilidade do conteúdo jurídico
do conceito, resultante da diversidade das situações que geram as obrigações de
taxa e das múltiplas delimitações formais da respectiva noção financeira” (SOUSA
FRANCO, na ob. cit., págs. 63-64, e os Acórdãos deste Tribunal n.º 76/88, pub.
na DR 2.ª Série, de 21-4-1988, n.º 640/95, pub. no DR 2.ª Série, de 20-1-1996,
n.º 1140/96, pub. no DR 2.ª Série, de 10-2-1997, e n.º 558/98, pub. no Diário da
República, II Série, de 11-11-1998).
No plano da unilateralidade, a figura da contribuição especial também é
habitualmente equiparada ao imposto para efeito de sujeição ao respectivo regime
constitucional – nomeadamente à reserva de lei fiscal –, mas distingue-se do
imposto porque “tem como fundamentos, ou um benefício individualizado
reflexamente resultante da actuação de um sujeito público, ou a necessidade de
compensar o sujeito público pelo uso anormal dos bens ou serviços públicos por
parte de certos sujeitos, os quais oneram mais gravemente as finanças do Estado
ou deterioram bens públicos (…) É, pois, uma situação geral, individualizável e
anormal, que justifica a imposição de uma prestação tributária. A situação
individual é ocasional e indirecta – não é intencional e directamente conexa com
os fins da actividade estadual que lhe dá origem”(vide SOUSA FRANCO, ob. cit.,
págs. 61-63, CASALTA NABAIS, em “Direito fiscal” pág. 27-30, da 3ª ed., da
Almedina, e o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 277/86, no Diário da
República, II Série, de 17-12-1986).
São exemplos típicos destas contribuições especiais, as que incidiram sobre o
aumento do valor dos prédios em resultado da realização de grandes obras
públicas, como as duas pontes sobre o Tejo, a CREL, a CRIL, a CREP, a CRIP e a
EXPO/98.
2.6. Da qualificação da TRIU
Após estes longos considerandos, cabe agora perguntar se é possível, conforme
pretende a Recorrente, atribuir a natureza de imposto ou de contribuição
especial ao tributo sub judice, com todas as consequências daí advenientes,
nomeadamente a inconstitucionalidade orgânica das normas do Regulamento
municipal que foram aplicadas no caso concreto, ou se estamos perante uma
verdadeira taxa, tal como ela foi rotulada e o acórdão recorrido sustenta.
Obviamente, na economia do presente recurso de constitucionalidade, apenas
relevará o regime jurídico concreto da TRIU, sendo completamente irrelevante o
nomen juris atribuído pela Assembleia Municipal do Município de Lisboa, sendo
certo que as “taxas pela realização de infra-estruturas urbanistícas”, ainda que
aprovadas por municípios diversos e não obstante alguns pormenores de
regulamentação distintos, apresentam grandes semelhanças entre si, ao que não
será alheio o regime nuclear da própria lei que todos os municípios estão
obrigados a respeitar no exercício do respectivo poder regulamentar.
Assim, apesar de se concordar com Casalta Nabais que deve ser considerada o
recorte de cada “taxa” em concreto, procedendo-se, em cada caso, à averiguação,
de um lado, da existência da bilateralidade que caracteriza as taxas e, de
outro, da existência de uma equivalência entre as prestações, não deixam de
revestir particular interesse para a decisão do presente recurso as
considerações anteriormente efectuadas por este Tribunal na análise de outros
Regulamentos Municipais instituindo este tipo de “taxas”, atentas as
semelhanças apontadas.
A fruição dos bens imobiliários depende da existência de estruturas urbanísticas
de suporte. Um edifício só satisfará de forma eficiente as necessidades dos seus
utilizadores se existir uma rede de infra-estruturas que lhe permita
proporcionar todas as utilidades a que é destinado e que condicionará o seu
valor: as redes de abastecimento de água, gás, electricidade e telecomunicações,
os esgotos domésticos e pluviais, os arruamentos, os passeios adjacentes, os
parqueamentos na via pública, as paragens dos transportes públicos, e os
sistemas de recolha de lixo e de iluminação pública. E se estes são os
elementos de suporte primários, outros se lhes juntam, como parques infantis,
escolas, hospitais, cemitérios, mercados, parques de estacionamento, pólos de
cultura, desporto e lazer, e serviços de segurança pública (infra-estruturas
secundárias).
Algumas destas estruturas, pela sua natureza, são passíveis de utilização não
exclusiva e não concorrencial, pelo que não são, em muitos casos, produzidas
naturalmente pelo funcionamento do mercado, tendo o Estado que assumir a sua
realização, com vista à manutenção de padrões satisfatórios de qualidade de vida
dos cidadãos.
Os custos desta actividade prestativa pública para suprimento das insuficiências
dos mecanismos de decisão privada, exigem um sistema de financiamento complexo,
onde, perante a criação de utilidades divisíveis e indivisíveis, tendo por
beneficiários sujeitos determinados e indeterminados, convivem taxas, impostos e
contribuições especiais, quer locais, quer por transferência do Orçamento do
Estado (avançando um critério de utilização dos diferentes tipos de tributos
para financiamento das diferentes infra-estrurutras, atentas as suas
características, quanto à divisibilidade das suas utilidades e à determinação
dos seus beneficiários, vide CARLOS BAPTISTA LOBO, em “A tributação do urbanismo
no quadro do desenvolvimento sustentável”, em “15 anos da reforma fiscal de
1988/1989. Jornadas de homenagem ao Professor Doutor Pitta e Cunha”, pág.
571-572).
Relativamente às taxas, atenta a sua natureza obrigatoriamente sinalagmática,
acima evidenciada, as mesmas só poderão ser uma contrapartida específica pelos
encargos resultantes do planeamento e ordenamento urbanístico determinado pela
obra em causa, ou pela construção, reconstrução, ampliação ou alteração de
infra-estruturas urbanísticas primárias ou secundárias, realizadas, ou a
realizar, por causa daquela obra.
No preenchimento do conceito de contrapartida específica há que ter em
consideração que o carácter sinalagmático das taxas não exige a existência de um
benefício exclusivo para quem suporta o pagamento da taxa, mas a contraprestação
específica não pode deixar de dirigir-se individualmente, ainda que
parcialmente, ao respectivo obrigado (vide o acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 357/99, pub. no D.R., II Série, de 2-3-2000, e Eduardo Paz Ferreira, na ob.
cit., pág. 78-79); que a satisfação proporcionada pelo serviço público não tem
de ser imediata, isto é, pode ser futura, mas a possibilidade de utilização
há-de configurar-se como uma “real possibilidade de acontecer” em prazo razoável
(vide BENJAMIM RODRIGUES, em “Para uma Reforma do Sistema Financeiro e Fiscal do
Urbanismo em Portugal”, in Ciclo de Colóquios “O Direito do Urbanismo do Século.
XXI”, pág. 185, Almedina, 2001); e que, para serem devidas taxas, nem sempre é
necessária a efectiva utilização dos bens semipúblicos, bastando a mera
possibilidade da respectiva utilização (vide TEIXEIRA RIBEIRO, em “Noção
jurídica de taxa”, na “Revista de Legislação e de Jurisprudência”, ano 117.º,
pág. 293).
Ora, o Regulamento da Taxa pela Realização de Infra-Estruturas Urbanísticas do
Município de Lisboa, conforme se refere no seu preâmbulo, ao prever a TRIU visou
criar “a contrapartida dos investimentos municipais com a construção e reforço
das infra-estruturas gerais e equipamento urbano”, tendo disposto “com uma
verbalização particularmente clara, precisa e expressiva”, na apreciação de
Aníbal de Almeida (na ob. cit., pág. 53), no seu artigo 1.º, que “(…) a Taxa
Municipal pela Realização de infra-estruturas Urbanísticas (…) constitui a
contrapartida devida ao município pelas utilidades prestadas aos particulares
pelas infra-estruturas urbanísticas primárias e secundárias cuja realização,
remodelação ou reforço seja consequência de operações de construção,
reconstrução ou ampliação, de edifícios ou de alterações na forma de utilização
destes.” (sublinhado acrescentado). E no n.º 2, do artigo 2.º, do mesmo
Regulamento reforçou-se a ideia que a taxa era apenas devida pelos benefícios
resultantes das operações urbanísticas realizadas especificamente para servir
a construção em causa ao dizer-se que “só são passíveis de incidência da taxa,
as operações que tenham determinado, ou venham a determinar, directa ou
indirectamente, a prestação, pelo município, das seguintes utilizações:
a) Construção, reconstrução, ampliação e alteração de infra-estruturas
urbanísticas primárias;
b) Construção, reconstrução, ampliação e alteração de infra-estruturas
urbanísticas secundárias;
c) Encargos de planeamento e ordenamento urbanístico.”
A “taxa” criada por este Regulamento só é devida quando a obra de urbanização a
realizar tenha determinado ou venha a determinar a prestação efectiva pelo
município das acções urbanísticas elencadas nas alíneas acima transcritas, pelo
que a mesma tem uma inequívoca natureza sinalagmática que permite qualificá-la
como uma verdadeira taxa.
Perante esta redacção está afastada a hipótese deste tributo poder ser encarado
como uma contribuição especial, uma vez que a prestação pública que exige o seu
pagamento foi realizada tendo em vista ou como consequência da obra a edificar,
assumindo, pois, o cariz de contraprestação específica.
Este carácter de reciprocidade da TRIU encontra-se, ainda, reforçado na
alternativa proporcionada ao devedor da “taxa” de a solver em espécie, mediante
a realização das obras de infra-estruturas urbanísticas directa ou
indirectamente determinadas pela sobrecarga urbana pela qual a “taxa” seja
devida, nos termos do n.º 2, do artigo 6.º, do RTRIU.
Se esta taxa, porventura, é cobrada sem que exista qualquer contrapartida
específica, como o Recorrente sustenta que se verificou no presente caso, isso
não resulta da aplicação deste Regulamento, mas sim da violação das suas
normas, sendo certo que não compete ao Tribunal Constitucional proceder à
alteração da matéria fáctica considerada provada pela decisão recorrida, nem se
pronunciar sobre a legalidade infra-constitucional da “taxa” cobrada à
recorrente.
E se é verdade que o devedor da TRIU não dispõe de qualquer mecanismo jurídico
que lhe permita exigir a realização das obras de infra-estruturas urbanísticas,
pelas quais pagou aquela “taxa”, ele tem sempre o direito, decorrente do
carácter bilateral das taxas, de pedir e de obter a devolução do que houver
antecipadamente pago a tal título, caso aquelas obras não sejam realizadas num
prazo razoável (vide, neste sentido, CASALTA NABAIS, em “O dever fundamental de
pagar impostos”, pág. 262, da ed. de 1998, da Almedina).
Mas, mesmo que exista uma qualquer contrapartida pelo pagamento da “taxa”, a
exigível equivalência jurídica entre as duas prestações poderá ser posta em
causa pela verificação duma manifesta desproporcionalidade económica entre elas.
Apesar da fixação de taxas ter como pressuposto uma relação material de
sinalagmaticidade entre uma prestação pecuniária do sujeito passivo e uma
contrapartida qualitativa de utilização de um bem ou serviço público, isso não
significa que a esta equivalência jurídica tenha de corresponder uma
equivalência económica (vide, nesse sentido, ALBERTO XAVIER, em “Manual de
direito fiscal”, pág. 43-44, da ed. de 1974, e CARLOS BAPTISTA LOBO, em
“Reflexões sobre a (necessária) equivalência económica das taxas”, em “Estudos
jurídicos e económicos em homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”,
pág. 409 e seg.).
Além de, na maior parte dos casos, não existir um mercado que permita determinar
o valor da prestação pública, de, muitas vezes, a fixação do montante das taxas
visar finalidades extra-financeiras, e de, frequentemente, serem prestadas
utilidades indivisíveis a uma pluralidade de beneficiários, considerando que as
taxas têm uma função essencialmente redíticia, no que diz respeito à definição
do seu montante vigora o princípio da liberdade de conformação pelo legislador
ordinário.
Como refere Carlos Baptista Lobo “…a configuração da equivalência económica que
se estabelece entre a prestação do sujeito passivo e a contraprestação do Estado
será necessariamente de “geometria variável”. Tal significa que a definição da
prestação pecuniária do sujeito passivo dependerá em larga medida do fundamento
que legitima a exigência da taxa.
Numa primeira aproximação, assente em padrões generalistas, poderá referir-se
que na ausência de qualquer preocupação ou finalidade extra-financeira
legalmente consagrada, e uma vez que a taxa tem como objectivo principal a
angariação de receita pública, a doutrina tem sistematicamente avançado a ideia
de que não é exigível que ocorra uma equivalência económica entre as prestações
dos particulares e os serviços públicos prestados” (em “Reflexões sobre a
(necessária) equivalência económica das taxas”, em “Estudos jurídicos e
económicos em homenagem ao Prof. Doutor António de Sousa Franco”, pág. 441).
Esta liberdade de definição do montante das taxas terá, contudo, como limite
superior o princípio constitucional estruturante da proibição do excesso,
corolário do Estado de direito democrático (artº 2.º, da C.R.P.), o qual
impedirá a fixação de valores manifestamente desproporcionados ao serviço
prestado, o que, a suceder, porá em causa a própria equivalência jurídica das
prestações e, consequentemente, a sua qualificação como taxas (vide, neste
sentido, PAULO PITTA E CUNHA/XAVIER DE BASTO/ANTÓNIO LOBO XAVIER, em “Conceitos
de taxa e imposto”, in Fisco, Ano 5, n.º 52/53, p. 8, VIEIRA DE ANDRADE, em
“Direito Administrativo e Fiscal”, pág. 8, policopiado, Coimbra, 1997, CARLOS
BAPTISTA LOBO, em “Reflexões sobre a (necessária) equivalência económica das
taxas”, em “Estudos jurídicos e económicos em homenagem ao Prof. Doutor António
de Sousa Franco”, pág. 442, e os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º
640/95, em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 32.º vol., pág. 185, n.º
1108/96, no Diário da República, II Série, de 12-12-1996, n.º 1140/96, em
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 35.º vol., pág. 317, n.º 354/98, em
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 40.º vol., pág. 219, n.º 410/00, em
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 48.º vol., pág. 141, n.º 115/02, em
“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 52.º vol., pág. 515, n.º 227/07, no
Diário da República, II Série, de 22-5-07, e n.º 471/2007, no Diário da
República, II Série, de 31-10-2007).
O cálculo do montante da TRIU, nos termos do analisado Regulamento municipal, é
efectuado através da aplicação de um par de fórmulas que visa obter o quantum de
carga e sobrecarga sobre as infra-estruturas pré-existentes, no regime geral
(artigo 4.º, do RTRIU) e no caso de simples alterações de uso (artigo 5.º, do
RTRIU), em que intervêm vários coeficientes de carga e sobrecarga definidos com
redução a uma medida comum aos vários índices, diversamente ponderados, expressa
em unidades de superfície convencionais (conforme melhor explica ANÍBAL DE
ALMEIDA, na ob. cit., pág. 54-56).
Os elementos de facto considerados neste cálculo são a área bruta de construção
constante do projecto da obra (AP), a área bruta de construção pré-existente ou
resultante de venda ou permuta efectuada pela Câmara (AE), o tipo de utilização
da obra (C1), e a zona da cidade onde esta se situa, tendo em conta a sua
acessibilidade, nobreza e a sobrecarga de esforço em infra-estruturação geral
(C2), pelo que a maioria dos dados respeita à dimensão, importância e valor da
própria obra e não a uma previsão directa dos encargos financeiros necessários
ao reforço das infra-estruturas, como consequência da realização daquela
(refira-se que, nos termos do recente Regime das Taxas Locais, aprovado pela Lei
n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro, os regulamentos que criem taxas municipais,
terão que conter obrigatoriamente, sob pena de nulidade, a fundamentação
económico-financeira relativa ao valor das taxas, designadamente os custos
directos e indirectos, os encargos financeiros, amortizações e futuros
investimentos realizados ou a realizar pela autarquia (artigo 8.º, n.º 2, c)),
devendo os regulamentos existentes serem adaptados a estas novas exigências até
1-1-2009).
Daqui resulta que estamos perante um cálculo presumido da contrapartida devida
pela construção, reconstrução, ampliação ou alteração das infra-estruturas
primárias e secundárias, determinadas pela realização da obra, tendo como
principal pressuposto as suas características.
Nas palavras de Eduardo Paz Ferreira (na ob. cit., pág. 82), “trata-se duma
solução que é a mais justa do ponto de vista da comunidade e que, seguramente,
era a única tecnicamente possível”.
É certo que este raciocínio presuntivo, apesar de se mostrar lógico e
sustentado, uma vez que as características das obras que devem ser ponderadas na
fixação do valor da “taxa”, em circunstâncias normais, determinarão uma maior ou
menor sobrecarga das infra-estruturas existentes, pode falhar na aplicação ao
caso concreto.
Mas, para essa hipótese, a alternativa proporcionada pelo referido n.º 2, do
artigo 6.º, do RTRIU, salvaguarda o devedor da taxa de pagar um montante
flagrantemente excessivo, face ao valor da prestação pública. Na verdade, tendo
ele a hipótese de realizar, à sua conta, as obras de infra-estruturas
urbanísticas directa ou indirectamente determinadas pela sobrecarga urbana por
que a taxa seja devida, tem a possibilidade de evitar o pagamento do montante
manifestamente excessivo desta.
Perante a análise efectuada, concluiu-se que o regime da TRIU, consagrado no
RTRIU, na versão aqui apreciada, cria uma verdadeira taxa e não um imposto, pelo
que não está sujeita à regra da reserva de lei para a sua criação e determinação
dos elementos essenciais, podendo a sua previsão constar de simples regulamento
municipal, aprovado pela assembleia municipal, nos termos das Lei das Finanças
Locais e das Autarquias Locais então em vigor.
O recorrente alega ainda que as normas do RTRIU violam “os princípios
constitucionais da igualdade, justiça, proporcionalidade, iniciativa privada,
segurança, confiança e boa fé (v. arts. 2º, 9º, 13º, 18º, 61º, 103º e 266º da
CRP)”, repetindo os argumentos que, na sua óptica, exigiriam que a TRIU só
pudesse ser criada através de lei aprovada pela Assembleia da República, isto é
que o referido Regulamento não assegurava nem uma equivalência económica entre o
valor da taxa paga e a prestação pública com ela conexionada, nem sequer a
existência da própria prestação pública.
Como acima se verificou nenhuma destas acusações ao RTRIU procede, não se
mostrando, pois, que o analisado regime viole qualquer um dos citados parâmetros
constitucionais, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.
*
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto por “A., S.A.” do
acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 11 de Outubro de
2005.
*
Custas do recurso pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades
de conta, ponderando os critérios referidos no artigo 9.º, do Decreto-Lei n.º
303/98 (artigo 6.º, nº 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 30 de Abril de 2008
João Cura Mariano
Joaquim de Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos
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