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Processo n.º 478/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente Instituto de Estradas de
Portugal e como recorrido A., vindos do Supremo Tribunal de Justiça, o primeiro
interpôs recurso, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei
de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de
Fevereiro – doravante designada por LTC), do “douto acórdão de 22/02/2007”, para
que o Tribunal Constitucional aprecie “a inconstitucionalidade do nº 1 do artº
44º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e do artigo 13º, nº 1, dos
Estatutos do Recorrido, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho,
com a interpretação com que foram aplicados no Acórdão recorrido, ou seja, que
face ao que dispõem o contrato objecto dos autos deve considerar-se submetido ao
regime da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89” (fls. 792-verso).
2. O presente recurso vem interposto pelo Instituto de Estradas de Portugal, nos
seguintes termos:
“– pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 44º do
Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e do artigo 13º, nº 1, dos Estatutos do
Recorrido, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho, com a
interpretação com que foram aplicados no Acórdão recorrido, ou seja, que face ao
que dispõem o contrato objecto dos autos deve considerar-se submetido ao regime
da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89.
– tal interpretação do n.º 1 do artº. 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89, e do
artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, violam o n.º 2 do artº. 47.º da Constituição
da República Portuguesa;
– a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, desde logo no
acórdão da Relação de Coimbra, de 8/3/2006, nas Contra‑Alegações apresentadas no
recurso de revista e na Resposta ao parecer do Ministério Público junto do
Supremo Tribunal de Justiça;
– pretende‑se, igualmente, ver apreciada a inconstitucionalidade do 13º dos
Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho,
aplicado pelo douto acórdão recorrido, tendo em conta que normas similares de
outros institutos públicos, com o mesmo âmbito do citado artº. 13º, foram já
julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, através dos seguintes
Acórdãos:
– Acórdão nº 61/2004, de 27/01/04 – Proc. 47/01 – in DR, I Série‑A, de 27/02/04;
– Acórdão n.º 406/2003, de 17/09/03– Proc. 470/01 – in
www.tribunalconstitucional.pt” (fls. 792-verso e 793).
3. O recorrido, em sede de contra-alegações, para além de pugnar –
subsidiariamente – pela não inconstitucionalidade das normas alvo de
fiscalização, suscitou duas questões que – a procederem – obstariam ao
conhecimento do objecto do recurso. Por um lado, não existiria identidade entre
a norma constante do artigo 13º dos Estatutos do ICERR e as normas julgadas
inconstitucionais pelos Acórdãos n.º 406/2003 e n.º 61/2004, ambos do Tribunal
Constitucional, e, por outro lado, o recorrente não teria suscitado de modo
processualmente adequado a inconstitucionalidade objecto de apreciação nos
presentes autos:
“(…) só é admissível recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo desta
alínea se a norma que se pretende ver apreciada constitucionalmente já tiver
sido anteriormente julgada inconstitucional.
Contudo, a norma do artigo 13. ° dos Estatutos do ICERR nunca foi julgada
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Pelo que, não se pode interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo
da referida alínea só porque normas ditas similares foram anteriormente julgadas
inconstitucionais.
Pois, como refere Guilherme da Fonseca e Inês Domingos (in Breviário de Direito
Processual Constitucional, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2002, pág. 67):
“Constitui pressuposto deste recurso que a norma arguida de inconstitucional
tenha sido aplicada pelo tribunal a quo e que tenha sido julgada anteriormente
inconstitucional pelo TC, podendo até essa arguição constar de requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade, se só nesse momento o
interessado for confrontado com a jurisprudência do TC.”
Contudo, o artigo 13.° dos Estatutos do ICERR não foi anteriormente julgado
inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, pelo que não é admissível o
presente recurso e, como tal, obsta a que o Tribunal Constitucional se
pronuncie.” (fls. 834-verso e 835)
(….)
“Como resulta do exposto, nada consta das suas alegações de recurso, quer quanto
à alegada inconstitucionalidade do n.º 4 do artigo 41° do Decreto — Lei n.º
184/89, de 2 de Junho e do n.º 1 do art. 44º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de
Dezembro, quer quanto à inconstitucionalidade do artigo 13° dos Estatutos do
ICERR, por violação do nº 2 do artº 47º da Constituição da República
Portuguesa.” (fls. 836 e 836-verso)
(…)
“Salvo melhor entendimento e da leitura cuidada das várias alegações do R., não
nos parece que a questão da inconstitucionalidade tenha sido correctamente
suscitada nos autos.
Efectivamente, o recorrente não suscitou durante o processo essa
inconstitucionalidade, como tudo melhor resulta da leitura das suas alegações de
recurso.
Alegou apenas que “admitindo-se, a conversão do contrato a termo em contrato sem
termo, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública
viola o princípio constitucional de acesso igualitário e não discricionário à
função pública e a regra do concurso (art.º 47°, n.º 2 da Constituição).”
Ora, resulta de todo o exposto que o R., nas suas alegações de recurso de
revista, não suscitou correctamente a inconstitucionalidade normativa, pois
limitou-se a afirmar de modo muito vago e abstracto que uma dada interpretação é
inconstitucional.
Nem a alegada inconstitucionalidade quanto à interpretação do citado artigo 13°
dos Estatutos do ICERR, coincide com a alegação agora produzida pelo R., como
vimos.
Nestes termos, deverá ser entendido que o R. não invocou qualquer interpretação
objectivamente imprevisível, pelo que o Tribunal Constitucional deverá entender
que não foi suscitada de modo adequado a questão da inconstitucionalidade
normativa e, assim, decidir não tomar conhecimento do recurso, ao abrigo do
disposto no artigo 78° A da LTC.” (fls. 839 e 839-verso)
4. Perante a suscitação de questões que poderiam obstar ao conhecimento do
objecto do recurso, a Relatora proferiu despacho, ao abrigo dos artigos 702º,
n.º 2 e 704º, n.º 2, ambos do CPC, aplicáveis “ex vi” artigo 69º da LTC, para
que o recorrente, querendo, viesse pronunciar-se sobre as questões levantadas
pelo recorrido.
Na sequência de tal despacho, o recorrente veio considerar que:
“Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº. 1 do art°. 70° da
LTC
É verdade que nos autos de recurso nº. 306/07, que correram termos na 2ª Secção
do Tribunal Constitucional, e que originaram o Acórdão nº. 409/2007, de 11 de
Julho de 2007, publicado in www.tribunalconstitucional.pt, o Recorrente,
igualmente, recorreu ao abrigo desta mesma alínea g), pedindo a
inconstitucionalidade do artigo 13º dos Estatutos do ICERR, pela identidade
entre este artigo 13° e as normas julgadas inconstitucionais pelos acórdãos nºs
61/2004 e 406/2003 — acórdãos estes que sustentam o presente recurso ao abrigo
da citada alínea g) -.
No citado acórdão 409/2007, foi decidido não se conhecer o recurso interposto ao
abrigo daquela alínea g) do nº. 1 do artigo 70° da LTC, por considerar que a
invocada identidade não existe.
Contudo, existe agora um “elemento” novo, que é exactamente o citado acórdão
409/2007, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 47º, nº. 2 da
Constituição, a norma extraída da conjugação dos artigos 41°, nº. 4, do
Decreto-Lei nº. 184/89, de 2/6, 44°, nº. 1 do Decreto-Lei nº. 427/89, de 7/12, e
13º dos Estatutos do ICERR, aprovados pelo Decreto-Lei nº. 237/99, de 25/6. Se
este acórdão não foi indicado no requerimento de recurso (apresentado em 30 de
Março de 2007) e nas consequentes alegações (apresentadas em 5 de Junho de
2007), foi pelo evidente motivo de que ainda não tinha sido proferido, o que
apenas aconteceu em 11 de Julho de 2007.
Mas, na presente data, e isso é relevante e não pode deixar de ser levado em
conta na decisão de se conhecer, ou não, do recurso interposto ao abrigo daquela
alínea g) do n.º. 1 do artigo 70° da LTC, a norma constante do artigo 13° dos
Estatutos do ICERR foi já julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal
Constitucional.
Em conclusão, pelas razões expostas, deve conhecer-se do recurso interposto ao
abrigo da alínea g) do nº. 1 do art°. 70° da LTC.
Quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do art°. 70° da LTC
Como se constata pelas alegações produzidas pelo Recorrente no recurso de
apelação (até parcialmente citadas nas contra-alegações apresentadas pelo
Recorrido), foi alegado que lhe era aplicável o regime do Dec.-Lei 427/89, de 7
de Dezembro, e que este diploma prescreve apenas duas modalidades de contratação
— contrato administrativo de provimento e contrato de trabalho a termo certo -,
concluindo-se pela impossibilidade legal da conversão do contrato a termo, em
causa nos autos, em contrato sem termo.
Mais ainda, apelou expressamente à aplicação do art°. 43°, nº. 1 do Dec.-Lei nº
427/89 que proíbe a constituição de relações de emprego com carácter subordinado
por forma diferente das previstas no art°. 14° do mesmo diploma.
A entender-se diversamente, alegou o Recorrente, e tenha-se em conta que esse
entendimento diverso importaria necessariamente a interpretação do Dec.-Lei
427/89, no sentido do seu regime não ser aplicável ao Recorrente, através da
aplicação do seu nº. 1 do art° 44°, estaria a violar-se o nº. 2 do art°. 47º da
Constituição, que proíbe, no âmbito das entidades abrangidas pelo Dec.-Lei
427/89, a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado,
Isto é, o Recorrente considerou antecipadamente a hipótese de interpretação do
citado diploma — salvaguarda do regime especial prevista no nº. 1 do artigo 44°
- e suscitou antecipadamente a inconstitucionalidade daí decorrente.
Tanto assim que o Acórdão da Relação de Coimbra, de 8/3/2006, que concedeu
provimento à apelação, veio realçar o “carácter imperativo das normas do DL nº.
427/89”, remetendo para a especialidade constante do art°. 43°/l deste diploma,
para além de considerar que “se fosse possível aceder a um vínculo definitivo
mediante a pretensa inobservância do regime legal previsto nos art 41º e 42º do
DL n °. 64-A/89 estar-se-ia a afrontar claramente (…) o princípio constitucional
constante do art°. 47º/2 da CRP, segundo o qual o acesso à Função Pública se
faz, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
Vindo a concluir, este acórdão, que relação juslaboral em causa “está sujeita à
disciplina legal constante do DL nº. 427/89, de 7 de Dezembro, que definiu o
regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na
Administração Pública”.
Nas suas contra-alegações, no recurso de revista interposto pelo Recorrido, o
ora Recorrente veio a concluir que: (…)
O Recorrente, uma vez mais, alegou que qualquer interpretação do DL 427/89,
maxime, do seu nº.1 do art°. 44°, que permitisse a admissão, mesmo no contexto
de um instituto público, sem um procedimento de recrutamento e selecção prévio,
que garanta o acesso em condições de liberdade e igualdade, violaria o art°. 47º
nº 2 da CRP.
Uma vez mais, o Recorrente considerou antecipadamente a hipótese de
interpretação do citado diploma — salvaguarda do regime especial prevista no nº.
1 do artigo 44° - e suscitou antecipadamente a inconstitucionalidade daí
decorrente.
Em resposta ao parecer do Ministério Público, junto do Supremo Tribunal de
Justiça - que defendia que ao contrato de trabalho celebrado entre as partes se
aplicava o regime jurídico aprovado pelo DL 64-A/89, de 27 de Fevereiro e não,
contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, o regime estabelecido no
DL 427/89 (pela salvaguarda dos regimes especiais, definida no seu art° 44°, que
mandava aplicar as disposições estatutárias dos institutos públicos)- veio o
Recorrente alegar, em síntese, que:
«É nosso entendimento que apenas assim se podem conjugar as normas do art°. 44°,
n°. 1 e do 43° n°. 1 do DL 427/89.
Isto é, a partir da entrada em vigor do DL 427/89 é vedado aos institutos
públicos a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por
forma diferente das previstas no mesmo diploma (nomeadamente a conversão em
contratos sem termo de contratos a termo), mesmo que — o que até não líquido,
como se verá -, aos institutos públicos se aplique as respectivas disposições
estatutárias.
Só que as disposições estatutárias não podem, sob pena de nulidade, prever
outras formas de constituição de relações de emprego com carácter subordinado
diferentes das previstas no DL 427/89.
Senão qual seria o sentido prático da norma do citado nº. 1 do art°. 43°daquele
diploma?
A interpretação lógica-sistemática daquelas duas normas impõem esta
interpretação.
(…)
A interpretação do art°. 44° do DL 427/98, inserta no douto parecer do
Ministério Público, viola o nº. 2 do artigo 47° da Constituição da República
Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública se deve
processar “em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso”.
E nem se diga que, face ao disposto no 1 do art°. 13º dos Estatutos do ICERR,
não está em causa uma relação jurídica de emprego público, não tendo, por isso,
qualquer cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.
Pelas razões supra expostas, não há dúvidas que estamos perante uma relação de
emprego público.
(...)
Tendo em conta as competências do IEP e do ICERR e a sua equiparação ao Estado,
há que observar o regime da constituição da relação jurídica de emprego na
Administração Pública prevista no DL 427/89.
(…)
Assim sendo, e integrando-se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos
do art°. 47º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com
termo em contratos sem termo, viria ofender de forma intolerável o direito de
acesso em condições de igualdade previsto no art°. 47º, n°2 da Constituição».
Neste articulado, e face à posição defendida pelo Ministério Público — aplicação
do nº. 1 do art° 44° do DL 427/89 “Salvaguarda dos regimes especiais”, que
mandava aplicar as disposições estatutárias dos institutos públicos — o
Recorrente alegou a inconstitucionalidade desta norma, bem como, em
consequência, da inconstitucionalidade do nº. 1 do art°. 13° dos Estatutos do
ICERR, aprovados pelo DL 237/99, de 25/6.
Ou seja, foi expressamente alegado que a interpretação do art°. 44° do DL
427/98, no sentido de mandar aplicar os estatutos do Recorrente (nº. 1 do artigo
13°) viola o nº. 2 do artigo 47° da Constituição da República Portuguesa, que
determina que o direito de acesso à função pública se deve processar em
condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
Alegando-se, ainda, que estando em causa uma relação de emprego público é
patente a violação daquela norma constitucional, apesar do disposto no nº. 1 do
art°. 13° dos Estatutos, que, impedindo a natureza pública da relação de
emprego, é inconstitucional.
Face às alegações do Recorrente no recurso de revista e na resposta ao
Ministério Público — o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 7/2/07, veio a
decidir que:
«Em suma, face ao disposto no artigo 44º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 427/89, de 7
de Dezembro, e no artigo 13°, nº. 1, dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei
nº. 237/99, de 25 de Junho, o contrato celebrado pelas partes deve considerar-se
submetido ao regime da LCCJ e não ao regime de constituição, modificação e
extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, constante do
citado Decreto-Lei nº. 427/89»”. (fls. 854 a 858)
(…)
“Dúvidas não restam que o recorrente suscitou nos presentes autos a questão de
inconstitucionalidade, exactamente nos mesmos moldes, forma e natureza em que o
fez no Processo nº. 306/07 da 2ª Secção do Tribunal Constitucional, o que se
comprova pelos respectivos articulados — são uma cópia fiel — em que a questão
foi suscitada.
Assim, e como aconteceu nos autos de recurso nº. 306/07 — vd. Acórdão nº.
409/2007 -, a suscitação da inconstitucionalidade é tempestiva e adequada, sendo
assim de conhecer o objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº.
1 do artigo 70º da LTC.” (fls. 860 e 860-verso)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Inadmissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC
5. Através do Acórdão n.º 409/07, de 11 de Julho de 2007 (disponível in
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional já foi confrontado com
questão idêntica à dos presentes autos, aliás, colocada precisamente pelo mesmo
recorrente – o Instituto das Estradas de Portugal –, contra uma recorrida que
havia igualmente exercido funções junto daquele. É certo que, no âmbito desse
processo, o então recorrente pretendia ainda que fosse julgada não só a
inconstitucionalidade de interpretação normativa do n.º 1 do artigo 44º do
regime jurídico do emprego na administração pública (aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 427/89, de 07 de Dezembro) e do n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR
(aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Julho), mas também do n.º 4 do
artigo 41º do regime de princípios gerais de salários e gestão de pessoal da
função pública (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 02 de Junho). É
igualmente certo que, no âmbito desse processo, o então recorrente pretendia
ainda que todas as supra referidas normas contrariariam o sentido dos
julgamentos proferidos por este Tribunal através dos Acórdãos n.º 140/02, de 09
de Abril de 2002, n.º 147/02, de 16 de Abril de 2002, e n.º 310/02, de 03 de
Julho de 2002. Porém, tais especificidades dos autos que deram origem ao Acórdão
n.º 409/07 não são suficientes para afastar o sentido decisório nele contido.
Nessa oportunidade, este Tribunal já esclareceu que:
“(…) como é sabido, a admissibilidade do recurso previsto na alínea g) do n.º 1
do artigo 70.º da LTC pressupõe identidade entre a norma aplicada na decisão
recorrida e a norma anteriormente julgada ou declarada inconstitucional pelo
Tribunal Constitucional, não bastando que possa ser sustentado que as mesmas
razões que levaram este Tribunal a julgar inconstitucional determinada norma
justificariam que juízo de igual sentido fosse formulado a propósito da norma
aplicada na decisão recorrida. Ora, é manifesto que essa identidade não existe,
desde logo pela diversidade dos universos pessoais atingidos, entre, por um
lado, a norma do artigo 13.º dos Estatutos do Instituto para a Conservação e
Exploração da Rede Rodoviária, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de
Junho (“1 – O pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato
individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes estatutos
e no diploma que o aprova. 2 – As condições de prestação e disciplina de
trabalho são definidas em regulamento próprio do ICERR, a aprovar pelo conselho
de administração”), aplicada na decisão recorrida, e, por outro lado, a norma do
artigo 21.º, n.º 1 (“O pessoal do INAC está sujeito ao regime jurídico do
contrato individual de trabalho, com as especificidades previstas nos presentes
Estatutos e seus regulamentos”), conjugada com a do artigo 13.º, n.º 2, alínea
l) (“2 – Compete ao conselho de administração: (…) l) Decidir sobre a admissão e
afectação dos trabalhadores do INAC e praticar os demais actos relativos à
gestão do pessoal e ao desenvolvimento da sua carreira”), dos Estatutos do
Instituto Nacional de Aviação Civil, aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 133/98, de
15 de Maio, que foi declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 406/2003, ou a
norma do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 342/99, de 25 de Agosto, que criou o
Instituto Português de Conservação e Restauro (“1 – O pessoal técnico superior e
o pessoal destinado a desempenhar funções especializadas em investigação
laboratorial para a conservação e restauro poderá ser admitido em regime de
contrato individual de trabalho, mediante despacho do Ministro da Cultura. 2 –
O pessoal a que se refere o número anterior beneficia do regime geral da
previdência e não fica abrangido pelo estatuto da função pública”), que foi
declarada inconstitucional pelo Acórdão n.º 61/2004.” (cfr. Acórdão n.º 409/07,
de 11 de Julho de 2007, disponível in www.tribunalconstitucional.pt)
Tal jurisprudência é integralmente acompanhada pelo presente
Acórdão, pelo que forçoso se torna concluir pela inexistência de identidade
normativa entre o n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR e as normas alvo de
julgamento de inconstitucionalidade por parte dos Acórdãos n.º 61/2004, de 27 de
Janeiro de 2004, e n.º 406/2003, de 17 de Setembro de 2003. Em consequência, por
não se encontrar preenchida a respectiva previsão normativa [“decisões dos
tribunais: (…) que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (…)
pelo próprio Tribunal Constitucional”], não se tomará conhecimento do objecto do
recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
6. Nos presentes autos, o recorrente pretende ainda que o Acórdão
n.º 409/07, proferido em 11 de Julho de 2007 (e que julgou inconstitucional a
referida norma constante do n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR),
fundamente o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, em 29 de Março de 2007. Poderá tal entendimento proceder? Entendemos que
não.
Conforme decorre de uma adequada interpretação da alínea g) do n.º 1
do artigo 70º da LTC, o que o legislador pretendeu foi que as “decisões dos
tribunais” que “apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional (…)
pelo próprio Tribunal Constitucional” sejam passíveis de recurso para este
último. Ora, o advérbio “anteriormente” encontra-se reportado ao momento de
proferimento da decisão recorrida e não da decisão por parte do Tribunal
Constitucional. O que a lei exige é que, quando o tribunal “a quo” aprecie o
incidente de inconstitucionalidade, já exista um prévio julgamento de
inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, de modo a que o
tribunal comum pudesse ter em conta o respectivo sentido decisório. O sentido
teleológico do recurso previsto na referida alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC visa apenas assegurar uma harmonia jurídico-constitucional, mediante a
possibilidade de revisão de sentenças e acórdãos de tribunais comuns que decidam
em desconformidade com anteriores julgamentos do Tribunal Constitucional.
Ora, à data em que a decisão recorrida foi proferida (ou seja, em 22
de Março de 2007), o tribunal “a quo” não aplicou norma anteriormente julgada
inconstitucional, pela simples razão de que tal norma só viria a ser julgada
inconstitucional em 11 de Julho de 2007.
Como tal, o sentido decisório do Acórdão n.º 409/07 não é
susceptível de fundamentar, supervenientemente, o recurso interposto ao abrigo
da alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, sem prejuízo de ser tido em devida
conta para efeitos de julgamento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º do mesmo diploma legal.
B) O objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da LTC
7. Como questão prévia, cumpre verificar se o recorrente coloca efectivamente
uma questão de inconstitucionalidade normativa, quando fixa o objecto processual
do presente recurso nos seguintes termos:
“Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade do nº 1 do artº 44º do
Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e do artigo 13º, nº 1, dos Estatutos do
Recorrido, aprovados pelo Decreto-Lei nº 237/99, de 25 de Junho, com a
interpretação com que foram aplicados no Acórdão recorrido, ou seja, que face ao
que dispõem o contrato objecto dos autos deve considerar-se submetido ao regime
da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89” (fls. 792-verso)
Numa primeira análise, poderá parecer que o recorrente apenas pretende
colocar em crise um juízo interpretativo da decisão recorrida que subsumiu as
cláusulas do contrato objecto dos autos recorridos ao regime jurídico do
contrato individual de trabalho. No fundo, caso não se tivesse presente o
próprio sentido decisório aplicado pelo tribunal “a quo”, dir-se-ia que o
recorrente apenas contesta que o “contrato objecto dos autos dev[a] ser
submetido ao regime da LCCT, e não ao regime do Decreto-Lei n.º 427/89”.
Ora, conforme recorrentemente afirmado através da sua jurisprudência
constante, o Tribunal Constitucional não dispõe de poderes para reapreciar, em
sede de recurso, os juízos interpretativos de subsunção dos factos ao Direito
infra-constitucional aplicável, que hajam sido proferidos pelos tribunais “a
quo”.
Sucede, porém, que – atentas as circunstâncias do caso concreto – a
precisa colocação da questão de constitucionalidade junto deste Tribunal,
evidencia uma actuação processual diligente e “ad cautelam”, por parte do
recorrente, que se faz rodear de cuidados para garantir que a interpretação
normativa com que pretende confrontar o Tribunal Constitucional seja
precisamente aquela que o tribunal “a quo” efectivamente aplicou.
O recorrido veio, por meio das suas contra-alegações, atacar a possibilidade de
conhecimento do objecto do presente recurso, mediante o argumento de que o
recorrido não havia suscitado qualquer questão de inconstitucionalidade durante
o processo, seja nas alegações perante o Tribunal da Relação de Coimbra, seja
nas contra-alegações para o Supremo Tribunal de Justiça.
Já no âmbito dos autos de recurso que deram lugar ao Acórdão n.º 409/07, de 11
de Julho de 2007, a (então) recorrida colocou em causa a adequada suscitação da
questão da inconstitucionalidade por parte do ora recorrente, em termos
similares aos constantes dos presentes autos. Então, este Tribunal pôde concluir
que:
“Entende‑se não assistir razão à recorrida. A
eventualidade de o recorrente não ter suscitado a questão de
inconstitucionalidade perante a 1.ª instância ou perante o Tribunal da Relação é
de todo irrelevante, bastando que a tenha suscitado adequadamente perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida (o Supremo Tribunal de Justiça) antes
da prolação desta decisão.
A norma aplicada nesta decisão e cuja conformidade
constitucional o recorrente pretende ver sindicada resulta da conjugação dos
artigos 41.º, n.º 4, do Decreto‑Lei n.º 184/89, de 2 de Junho, 44.º, n.º 1, do
Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos do ICERR, os dois
primeiros enquanto permitem a aplicação das disposições estatutárias ao pessoal
dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados ou de
fundos públicos, concretamente enquanto permite a aplicação do artigo 13.º dos
Estatutos do ICERR, sujeitando o pessoal do ICERR ao regime jurídico do contrato
individual de trabalho, designadamente na parte em que permite a conversão de
contratos de trabalho a termo em contratos sem termo.
A suscitação da inconstitucionalidade desse critério
normativo já se podia considerar feita nas contra‑alegações do então recorrido
(ora recorrente) no recurso de revista, em que sustentava que o único regime
constitucionalmente admissível era o plasmado nas normas do Decreto‑Lei n.º
427/89, designadamente a do seu artigo 43.º, n.º 1, que proíbe a constituição de
relações de emprego público com carácter subordinado por forma diferente das
previstas no seu artigo 14.º (nomeação, contrato de provimento e contrato de
trabalho a termo certo). Mas tal questão foi expressamente suscitada na resposta
do recorrente ao parecer da representante do Ministério Público no STJ, ao
referir que a interpretação do artigo 44.º do Decreto‑Lei n.º 427/89 inserta
nesse parecer «viola o n.º 2 do artigo 47.º da Constituição da República
Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública se deve
processar «em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de
concurso»”, rebatendo a seguir o argumento de que “face ao disposto no n.º 1 do
artigo 13.º dos Estatutos do ICERR, não está em causa uma relação jurídica de
emprego público, não tendo, por isso, qualquer cabimento a alegada violação
daquele ditame constitucional”, e, após citação das anotações de J. J. Gomes
Canotilho / Vital Moreira e de Jorge Miranda / Rui Medeiros ao artigo 47.º da
CRP, conclui: “integrando‑se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos
do artigo 47.º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com
termo em contratos sem termo viria ofender de forma intolerável o direito de
acesso em condições de igualdade previsto no artigo 47.º, n.º 2, da
Constituição»”.
Tendo esta resposta ao parecer do Ministério Público
sido apresentada perante o tribunal recorrido, antes de ele ter proferido a
decisão impugnada, tal suscitação é tempestiva e adequada, sendo, assim, de
conhecer do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do
artigo 70.º da LTC”. (cfr. Acórdão n.º 409/07, de 11 de Julho de 2007)
Também nos presentes autos, não restam dúvidas de que o recorrente
suscitou a questão de inconstitucionalidade normativa ora em apreço, de modo a
que o tribunal “a quo” dela pudesse conhecer. Ainda que indirectamente, e por
argumento “a contrario”, poder-se-ia extrair das suas alegações para o Tribunal
da Relação de Coimbra uma suscitação de um incidente de inconstitucionalidade
normativa, reportado às normas que permitiam a aplicação do regime do contrato
individual de trabalho:
“Como quer que seja, as normas, nesta parte, do Dec. Lei n.º 427/89
são normas imperativas, normas de interesse e ordem pública, perante as quais
falecem normas de ordem e interesse particular.
Ainda, e por fim, o nº 2 do art.º 47º da Constituição da República Portuguesa
proíbe a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado.
(…)
Faltando o concurso para admissão da A. (e tenha-se em conta que a excepção ao
princípio do concurso deve justificar-se com base em princípios materiais – p.e.
DL 323/89) a decisão que convertesse o contrato a termo em contrato sem termo
seria sempre inconstitucional, por violação do art.º 47º, n.º 2.” (fls. 131)
Aliás, conhecendo de tal alegação de inconstitucionalidade normativa, o próprio
Tribunal da Relação de Coimbra viria a considerar expressamente que:
“Sendo através da nomeação que a Administração, por acto unilateral, preenche um
lugar do quadro, visando assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de
funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência (“ut”
art. 4.º/1 do D.L. 427/89), se fosse possível aceder a um vínculo definitivo
mediante a pretensa inobservância do regime legal previsto nos arts. 41º e 42º
do DL n.º 64-A/89 estar-se-ia a afrontar claramente – além das normas daquele
Diploma que constituem especialidades relativamente ao Regime Geral dos
Contratos a termo – o princípio Constitucional constante do art. 47.º/2 da CRP,
segundo o qual o acesso à Função Pública se faz, em condições de liberdade e
igualdade, em regra por via de concurso.” (fls. 208)
Por outro lado, nas próprias contra-alegações para o Supremo Tribunal de
Justiça, reportando-se à possibilidade de aplicação das normas que remetiam o
contrato em apreço para o regime do contrato individual de trabalho, o
recorrente voltou a frisar, na 8ª conclusão, que:
“8ª. o n.º 2 do artº. 47º da Constituição da República Portuguesa proíbe a
conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, daí que
faltando o concurso para a admissão do A. qualquer decisão que convertesse o
contrato a termo em contrato sem termo seria sempre inconstitucional, por
violação do artº. 47º, nº 2 da CRP” (fls. 240).
8. Mas, ainda que restassem dúvidas quanto à suscitação de uma questão de
inconstitucionalidade, por referência expressa a normas concretas, torna-se
incontestável considerar que o recorrente a colocou, de modo processualmente
adequado, quando teve oportunidade de responder ao visto do Ministério Público
junto do Supremo Tribunal de Justiça. Então, o recorrente alegou que
“A interpretação do art.º 44º do DL 427/98, inserta no douto parecer do
Ministério Público, viola o nº 2 do artigo 47º da Constituição da República
Portuguesa, que determina que o direito de acesso à função pública se deve
processar «em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».
E nem se diga que, face ao disposto no n.º 1 do art.º 13º dos Estatutos do
ICERR, não está em causa uma relação jurídica de emprego público, não tendo, por
isso, qualquer cabimento a alegada violação daquele ditame constitucional.
(…)
- Em anotação ao art.º 47º - Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
ed. Revista, Coimbra Editora – Gomes Canotilho e Vital Moreira dizem que «A
definição constitucional do conceito de função pública suscita alguns problemas
(…). Todavia, não há razões para contestar que o conceito constitucional
corresponde aqui ao sentido amplo da expressão em direito administrativo,
designando qualquer actividade exercida ao serviço de uma pessoa colectiva
pública (Estado, região autónoma, autarquia local, instituto público, associação
pública, etc.), qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (desde
que distinto do regime comum do contrato individual de trabalho), e
independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou
transitório».
Por sua vez, em anotação ao mesmo artigo – Constituição Portuguesa Anotada, Tomo
I, Coimbra Editora, pág. 477 – Jorge Miranda e Rui Medeiros dizem que: «(…) E
funcionários e agentes são os “trabalhadores da Administração pública” (artigo
269º, nº 1), seja qual for o ramo desta (…) e seja qual for a natureza jurídica
do vínculo (público ou privado)».
Assim sendo, e integrando-se o pessoal do ICERR na função pública, para efeitos
do art.º 47º da Constituição, a possibilidade de conversão dos contratos com
termo em sem termo, viria ofender de forma intolerável o direito de acesso em
condições de igualdade previsto no art.º 47º, n.º 2 da Constituição.” (fls.
259-verso a 260-verso)
Deste modo, ao contrário do pretendido pelo recorrido, o recorrente não se
limitou “a afirmar de modo muito vago e abstracto que uma dada interpretação é
inconstitucional” (fls. 839), antes tendo colocado uma precisa questão de
inconstitucionalidade que, aliás, conduziu o tribunal recorrido a pronunciar-se
sobre a mesma (fls. 276 e 277), ainda que considerando que “aquele preceito [ou
seja, o n.º 2 do artigo 47º da CRP] não tenha aplicação ao caso”.
Assim sendo, o Instituto de Estradas de Portugal suscitou a questão de
inconstitucionalidade ora em apreço, pelo menos na resposta ao visto do
Ministério Público (fls. 259-verso a 260-verso), de modo e em tempo que o
tribunal “a quo” dela pôde conhecer. Como tal, não subsistem razões para que
este Tribunal pudesse recusar o conhecimento do objecto do recurso, com
fundamento na ilegitimidade processual do recorrente, nos termos dos artigos
72º, n.º 2, e 76º, n.º 2, da LTC.
C) Inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 1 do artigo 44º do
Decreto-Lei n.º 427/89 e do n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR,
aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99
9. As normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada têm o seguinte teor:
Artigo 44º do Decreto-Lei n.º 427/89
«1. Ao pessoal dos institutos públicos que revistam a forma de serviços
personalizados ou de fundos públicos abrangidos pelo regime aplicável às
empresas públicas ou pelo contrato individual de trabalho e, bem assim, ao
pessoal abrangido por regimes identificados em lei como regimes de direito
público privativo aplicam-se as respectivas disposições estatutárias».
Artigo 13º do Decreto-Lei n.º 237/99
«1. As referências feitas, na legislação ou regulamentação em vigor, à Junta
Autónoma de Estradas devem considerar-se feitas ao IEP ou ao ICERR, conforme o
âmbito das respectivas competências».
Conforme já supra demonstrado, o Tribunal Constitucional teve, recentemente,
oportunidade de se pronunciar exacta e precisamente sobre a questão em apreço
nos presentes autos, através de decisão tomada, por unanimidade, pela 2ª Secção
(cfr. Acórdão n.º 409/07, de 11 de Julho de 2007, disponível in
www.tribunalconstitucional.pt). Tal jurisprudência é integralmente acompanhada
pelo presente Acórdão, optando-se por reproduzir o teor da mesma:
“Como é sabido, a questão central objecto do presente recurso já foi
objecto de diversas pronúncias deste Tribunal, embora a propósito de outras
normas. No Acórdão n.º 61/2004, na sequência dos Acórdãos n.ºs 140/2002 e
406/2003, todos proferidos em sede de fiscalização abstracta sucessiva da
constitucionalidade e tendo por objecto a questão da admissibilidade da
aplicação do regime do contrato individual de trabalho, designadamente quanto à
conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo, expendeu‑se:
«6.1. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a jurisprudência
constitucional
O mencionado n.º 2 do artigo 47.º da CRP preceitua o seguinte:
Artigo 47.º
Liberdade de escolha de profissão e acesso à
função pública
1. (...)
2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em
condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
A questão do direito de acesso à função pública e da regra do
concurso foi recentemente analisada pelo já citado Acórdão n.º 406/2003,
relativo ao Instituto Nacional da Aviação Civil, com argumentação que se reitera
e que conduz à emissão de declaração de inconstitucionalidade.
Como se afirmou no Acórdão n.º 683/99 (Diário da República, II
Série, n.º 28, de 3 de Fevereiro de 2000, pág. 2351):
«Entre nós, retira‑se do artigo 47.º, n.º 2, da Constituição, como
concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a
um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública,
que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de
qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o Acórdão n.º
556/99).
Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado,
ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a
privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela
desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes (cf.,
recentemente, o Acórdão n.º 128/99, que fundou no artigo 47.º, n.º 2, da
Constituição, embora com votos de vencido quanto à sua aplicação ao caso, um
julgamento de inconstitucionalidade da norma do artigo 36.º, alínea c), da Lei
n.º 86/89, de 8 de Setembro, na medida em que, para a candidatura a Juiz do
Tribunal de Contas, em concurso curricular, não considerava o exercício durante
três anos de funções de gestão em sociedades por quotas).
É certo que o direito de acesso previsto no artigo 47.º, n.º 2, não
proíbe toda e qualquer diferenciação, desde que fundada razoavelmente em valores
com relevância constitucional – como exemplos pode referir‑se a preferência no
recrutamento de deficientes ou na colocação de cônjuges um junto do outro (assim
G. Canotilho/V. Moreira, Constituição..., cit., pág. 265). Poderá discutir‑se
se do princípio consagrado no artigo 47.º, n.º 2, resulta, como concretização
dos princípios de igualdade e liberdade, que os critérios de acesso (em regra,
de decisão de um concurso) tenham de ser exclusivamente meritocráticos, ou se
pode conceder‑se preferência a candidatos devido a características diversas das
suas capacidades ou mérito, desde que não importem qualquer preferência
arbitrária ou discriminatória – assim, por exemplo, o facto de serem oriundos de
uma determinada região, ou de terem outra característica (por exemplo, uma
deficiência) reputada relevante para os fins prosseguidos pelo Estado.
Seja como for, pode dizer‑se que a previsão da regra do concurso,
associada aos princípios da igualdade e liberdade no acesso à função pública,
funda uma preferência geral por critérios relativos ao mérito e à capacidade dos
candidatos (de «princípio da prestação» fala a doutrina alemã – v., por exemplo,
Walter Leisner, «Das Leistungsprinzip», in idem, Beamtentum, Berlim, 1995, pág.
273 e seguintes –, sendo certo, contudo, que o respectivo texto constitucional
é, como vimos, explicitamente mais exigente).
E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do
procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se
adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a
Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim,
um direito de acesso (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. e loc. cits., anotação
XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves,
Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e seguintes).
Assim, para respeito do direito de igualdade no acesso à função
pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na
simples discricionariedade do legislador, que é justamente limitada com a
imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso –
fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função
pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser
inteiramente frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em
princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes
Canotilho/Vital Moreira, loc. cit.; Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153‑4).»
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão n.º 368/2000 (Diário da
República, I Série‑A, n.º 277, de 30 de Novembro de 2000, pág. 6886). E,
anteriormente, no Acórdão n.º 53/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º
vol., pág. 303 e seguintes) já se expressara o seguinte entendimento,
relativamente ao n.º 2 do artigo 47.º da CRP:
«Como decorre do seu próprio enunciado, este preceito compreende
três elementos: a) o direito à função pública, não podendo nenhum cidadão ser
excluído da possibilidade de acesso, seja à função pública em geral, seja a uma
determinada função em particular, por outro motivo que não seja a falta dos
requisitos adequados à função (v. g., idade, habilitações académicas e
profissionais); b) a regra da igualdade e da liberdade, não podendo haver
discriminação nem diferenciações de tratamento baseadas em factores
irrelevantes, nem, por outro lado, regimes de constrição atentatórios da
liberdade; c) regra do concurso como forma normal de provimento de lugares,
desde logo de ingresso, devendo ser devidamente justificados os casos de
provimento de lugares sem concurso.»
E, neste mesmo acórdão, ainda se acrescentou que «não
existe aqui nenhuma garantia de igualdade quando o provimento depende
decisivamente de uma escolha discricionária do serviço» e que «é precisamente
contra o poder de os serviços escolherem livremente o seu pessoal que se dirigem
os princípios constitucionais da igualdade e do concurso no acesso à função
pública».
Ainda quanto à questão do direito de acesso à função
pública e da regra do concurso, no já citado Acórdão n.º 683/99 afirmou‑se
igualmente que «visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio
direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar,
como se afirmou, de se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em
razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim,
por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá
eventualmente revelar‑se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta
necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não
pode, pois, tirar‑se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto
imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública».
Este Acórdão n.º 683/99 firmou, pois, o entendimento
segundo o qual a postergação da regra de concurso carece de uma justificação
material, entendimento esse que não foi questionado nos votos de vencido a ele
apostos.
Próxima da apreciação da justificação material da
postergação do concurso, situa‑se a argumentação desenvolvida pelo Acórdão n.º
556/99 (Diário da República, II Série, n.º 63, de 15 de Março de 2000, pág.
4987). Neste acórdão discutiu‑se a questão da conformidade constitucional do
disposto na alínea a) dos nºs 1 e 2 do artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 46/88, de
11 de Fevereiro, através do qual o legislador permitiu o ingresso nos quadros do
Ministério da Defesa Nacional a pessoal que, à data de 31 de Dezembro de 1987,
não tendo a qualificação legal de funcionário, quisesse obtê‑la; e, a propósito
de tal questão, afirmou‑se no citado aresto:
«No entanto, o direito de acesso à função pública não é um direito
de exercício incondicionado.
O n.º 2 do artigo 47.º da Constituição estabelece a regra do
concurso público, que será realizado sempre que as necessidades de preenchimento
de lugares de quadro se verificarem. Este concurso é uma forma de selecção de
candidatos, em função das aptidões demonstradas, não se podendo afirmar, à
partida, o direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação.
Da norma constitucional também não decorre uma exigência absoluta de
realização de concurso, em todos os casos, para o acesso à função pública.
O artigo 6.º do Decreto‑Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (diploma
que aprova instrumentos de mobilidade nos serviços da Administração Pública),
proíbe, como regra, que, nos casos de criação ou alteração de quadros de
pessoal, se estabeleçam ‘promoções automáticas ou reclassificações de pessoal’
(alínea a)) ou ‘integração directa em lugares de quadro a pessoal que não tenha
a qualidade de funcionário ou que, sendo agente, não desempenhe funções em
regime de tempo completo, não se encontre sujeito à disciplina, hierarquia e
horário do respectivo serviço e conte menos de três anos de serviço
ininterrupto’ (alínea b)).
Esta norma é uma concretização do imperativo constitucional do
recurso ao concurso público para preenchimento de lugares nos quadros da função
pública, em atenção, precisamente, ao respeito pela igualdade de oportunidades
dos candidatos e à transparência nas relações jurídicas administrativas.
O artigo 22.º do Decreto‑Lei n.º 46/88 surge como uma derrogação a
este regime. Derrogação, porém, que, como se demonstrou, obedece a imperativos
de interesse público e à qual subjaz um critério objectivo, não incompatível com
a Constituição. A desigualdade no tratamento legislativo das situações, ou seja,
na fixação dos critérios de acesso aos quadros de funcionários do Ministério da
Defesa Nacional, tem uma base constitucionalmente aceitável, que justifica a
excepção à regra da realização do concurso público.»
6.2. O n.º 2 do artigo 47.º da CRP e a celebração de
contratos individuais de trabalho
A primeira linha de argumentação da resposta do
Primeiro‑Ministro assenta na ideia de que o n.º 2 do artigo 47.º se destina à
função pública, interpretando esta expressão no sentido de a limitar ao universo
dos elementos ao serviço da Administração Pública a que corresponda o
qualificativo de funcionário público, com exclusão dos agentes não funcionários
e dos demais trabalhadores da Administração Pública não funcionários nem
agentes.
Seguindo, uma vez mais, a argumentação desenvolvida no
Acórdão n.º 406/2003, recordar‑se‑á que uma solução intermédia parece ser
defendida por J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, quando referem
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, pág.
264, nota VIII ao artigo 47.º):
«A definição constitucional do conceito de função pública suscita
alguns problemas, dada a diversidade de sentidos com que as leis ordinárias
utilizam a expressão e dada a pluralidade de critérios (funcionais, formais)
defendidos para a sua caracterização material. Todavia, não há razões para
contestar que o conceito constitucional corresponde aqui ao sentido amplo da
expressão em direito administrativo, designando qualquer actividade exercida ao
serviço de uma pessoa colectiva pública (Estado, região autónoma, autarquia
local, instituto público, associação pública, etc.), qualquer que seja o regime
jurídico da relação de emprego (desde que distinto do regime comum do contrato
individual de trabalho), independentemente do seu carácter provisório ou
definitivo, permanente ou transitório.»
No entanto, Vital Moreira, mais tarde, viria a
pronunciar‑se em sentido mais amplo (Projecto de lei‑quadro dos institutos
públicos, Relatório Final e Proposta de Lei‑Quadro, Grupo de Trabalho para os
Institutos Públicos, Ministério da Reforma do Estado e da Administração Pública,
Fevereiro de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao artigo 45.º), adoptando uma posição
que tem também sido defendida pelo Tribunal Constitucional, ao ponderar que:
«No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de
trabalho, nem a Administração Pública pode considerar‑se uma entidade patronal
privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais
válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de «gestão privada», ou
seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam‑se a necessária
prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (artigo 266.º, n.º
2, da Constituição), todos eles com especial incidência na questão do
recrutamento do pessoal.
Além disso, estabelecendo a Constituição que ‘todos os cidadãos têm
o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em
regra por via de concurso’ (CRP, artigo 47.º, n.º 2), seria naturalmente uma
verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual
de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos
trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem
qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos
princípios da igualdade e da imparcialidade.»
Estas últimas considerações afiguram‑se inteiramente
procedentes, principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato
individual de trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um
serviço público personalizado.
Com efeito, a exigência constitucional de «acesso à
função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de
concurso» apresenta duas vertentes. Por um lado, numa vertente subjectiva,
traduz um direito de acesso à função pública garantido a todos os cidadãos; por
outro lado, numa vertente objectiva, constitui uma garantia institucional
destinada a assegurar a imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que
«os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras
entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público» (n.º 1
do artigo 269.º da CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento
que garantam a igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a
virtualidade de impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo
critérios que facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos
exclusiva ou quase exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o
risco de colocarem a mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a
necessidade de actuação «com respeito pelos princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé» (n.º 2 do artigo
266.º da CRP).
Esta perspectiva é particularmente importante quando se
trate de recrutamento e selecção de pessoal para entidades que exerçam
materialmente funções públicas, como acontece com o IPCR (cf., supra, 4.1).
A afirmação anterior não é desmentida pelo facto de o
pessoal técnico superior e o pessoal destinado a desempenhar funções
especializadas em investigação laboratorial para a conservação e restauro, ao
contrário do restante pessoal do Instituto, ser admitido em regime de contrato
individual de trabalho (artigo 22.º, n.º 1, do Decreto‑Lei em análise). De
facto, e se bem que se possa admitir que aquele regime se poderá adaptar melhor
à situação do pessoal técnico especializado (embora não de todo o pessoal
técnico superior), em virtude da sazonalidade e especificidade das tarefas que é
chamado a desempenhar, não podemos ignorar que, no decurso da sua actividade,
também poderá estar em causa o exercício de poderes de autoridade estadual,
nomeadamente, os poderes de superintendência e de certificação acima
mencionados.
Consequentemente, as atribuições e a natureza do IPCR,
bem como as funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente
que ao recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato
individual de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de
acesso que se encontram fixadas no n.º 2 do artigo 47.º da Constituição.
Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal
sujeito ao regime do contrato individual de trabalho se não justifica a
realização de um concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que
a selecção e o recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de
procedimentos administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de
acesso.
A recente Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei quadro
dos institutos públicos), no seu artigo 34.º, sob a epígrafe Pessoal, veio
justamente dispor:
«1 – Os institutos públicos podem adoptar o regime do contrato
individual de trabalho em relação à totalidade ou parte do respectivo pessoal,
sem prejuízo de, quando tal se justificar, adoptarem o regime jurídico da função
pública.
2 – O pessoal dos institutos públicos estabelece uma relação
jurídica de emprego com o respectivo instituto.
3 – O recrutamento do pessoal deve, em qualquer caso, observar os
seguintes princípios:
a) Publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados;
b) Igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
c) Fundamentação da decisão tomada.
4 – Nos termos do artigo 269.º da Constituição, a adopção do regime
da relação individual de trabalho não dispensa os requisitos e limitações
decorrentes da prossecução do interesse público, nomeadamente respeitantes a
acumulações e incompatibilidades legalmente estabelecidas para os funcionários e
agentes administrativos.
(...).»
Tratou‑se da generalização para todos os institutos
públicos de soluções que já vinham sendo adoptadas pelo legislador, como, por
exemplo, no Decreto‑Lei n.º 59/2002, de 15 de Março, que criou o Instituto
Geográfico Português (vide o n.º 6 do artigo 46.º dos Estatutos por ele
aprovados), e no Decreto‑Lei n.º 96/2003, de 7 de Maio, que criou o Instituto do
Desporto de Portugal (vide o artigo 33.º dos Estatutos por ele aprovados), o que
demonstra que não existe qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato
individual de trabalho e a definição de garantias de liberdade e igualdade no
acesso ao exercício de funções nos institutos públicos.
Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem
uma plena liberdade de selecção e recrutamento do pessoal técnico superior e do
pessoal técnico especializado do instituto público em apreço, sem estabelecerem
qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos
princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem com o
preceituado no n.º 2 do artigo 47.º da CRP.
6.3. A eventual existência de justificação material para
um regime de excepção
Como vimos, sustentou o Primeiro‑Ministro que existem
aqui específicas razões materiais que se apresentam como bastantes para se
admitir a dispensa do concurso público. Tais razões consistiriam na especial
natureza, pontualidade, sazonalidade e especificidade das funções a desempenhar,
conjugadas com as exigências da preservação, defesa e valorização da herança
patrimonial.
Ainda que assim seja, estas razões não colhem no que
respeita ao pessoal técnico superior, uma vez que estão em causa tarefas de
gestão de recursos humanos, biblioteca e documentação, arquivo, consultadoria
jurídica e informática, para os quais não se vislumbram quaisquer
especificidades ou sazonalidade justificativas da dispensa de concurso público
(veja-se o mapa anexo à Portaria n.º 288/2003, de 3 de Abril, que aprova o
quadro de pessoal do IPCR – cf., supra, 4.2).
Já quanto ao pessoal técnico especializado em
conservação e restauro (superior ou não), se as razões alegadas pelo
Primeiro‑Ministro se podem apresentar como procedentes para a opção pelo regime
do contrato individual de trabalho, e eventualmente mesmo para se não prever que
o recrutamento e selecção devessem ser efectuados por concurso público, o que
elas não podem justificar é a ausência de quaisquer regras e procedimentos
tendentes a assegurar que o acesso tenha lugar com efectivas garantias de
liberdade e igualdade. Efectivamente, as qualidades técnicas que deverão
constituir critério essencial de selecção do pessoal técnico especializado são,
em grande medida, objectivamente avaliáveis, pelo que não se compreende a
postergação daquelas regras.
De facto, se é verdade que este Tribunal definiu o
entendimento segundo o qual a regra do concurso pode ser postergada, caso exista
uma justificação material, uma vez que o n.º 2 do artigo 47.º apenas determina
que o recurso ao concursos deve ter lugar em regra, já se não descortinam nem
credencial constitucional nem, no caso vertente, quaisquer interesses que
pudessem determinar a eventual existência de motivos conducentes ao afastamento
de um recrutamento baseado em critérios que assegurem a liberdade e igualdade de
acesso à função pública.»
Estas considerações são inteiramente transponíveis para
o caso do presente recurso, sendo inquestionável que o instituto em causa está
investido de poderes de autoridade (cf., designadamente, o n.º 3 do artigo 5.º
do Decreto‑Lei n.º 237/99), e não se vislumbra nenhuma razão válida,
nomeadamente face à especificidade das funções desempenhadas, para subtrair todo
o seu pessoal, e especificamente a categoria profissional da ora recorrida, à
regra do concurso.
Não se ignora que, entre a matéria de facto provada,
consta que “a autora foi contratada na sequência de um processo de avaliação de
currículos dos candidatos, com entrevista de selecção” (n.º 8). No entanto, para
além de o critério normativo seguido no acórdão recorrido (e é sobre esse que
há-de incidir o juízo de constitucionalidade deste Tribunal) ter considerado de
todo irrelevante a existência, ou não, de procedimentos objectivos de selecção
do pessoal a contratar, o certo é aquele facto provado é insuficiente (por nada
revelar, por exemplo, sobre a prévia publicitação da existência da vaga) para
dar por adquirido que o procedimento em concreto seguido tenha efectivamente
garantido a todos os potenciais candidatos o acesso ao cargo “em condições de
liberdade e igualdade”. Competirá, naturalmente, ao tribunal recorrido, ao
proceder à reformulação da sua decisão, e se tal lhe for processualmente
permitido, apurar se, em concreto, estas condições terão sido respeitadas,
hipótese em que, adoptando então – como lhe é lícito – critério normativo
distinto do ora julgado inconstitucional, não está à partida excluída a
possibilidade de vir a julgar não inconstitucional esse novo critério.”
Posto isto, dúvidas não restam de que o juízo proferido, por
unanimidade, pelo Acórdão n.º 409/07, em plena consonância com as declarações de
inconstitucionalidade com força obrigatória geral decorrentes dos Acórdãos n.º
61/04, de 27 de 01 de 2004 (disponível in «Diário da República», Iª Série-A, n.º
49, de 27 de Fevereiro de 2004, pp. 1038 e seguintes), n.º 406/03, de 17 de
Setembro de 2003 (disponível in «Diário da República», Iª Série-A, n.º 247, de
24 de Outubro de 2003, pp. 7094 e seguintes) e n.º 140/02, de 09 de Abril de
2002 (disponível in «Diário da República», Iª Série-A, n.º 146, de 27 de Junho
de 2002, pp. 5044 e seguintes), é transponível para os presentes autos.
10. E nem sequer procede a fundamentação da decisão recorrida (ainda
que por remissão para a posição de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira,
“Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, 2007, Coimbra, pp. 659
e 660), de acordo com a qual “o conceito de função pública contido no artigo
47.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, não contempla actividades
exercidas ao abrigo do regime comum do contrato individual de trabalho,
legalmente autorizado, ao serviço de uma pessoa colectiva pública, daí que
aquele preceito não tenha aplicação ao caso” (fls. 277).
O Tribunal Constitucional já teve ocasião de afirmar:
“No entanto, é VITAL MOREIRA que, mais tarde, viria a assinalar
(Projecto de lei-quadro dos institutos públicos, Relatório Final e Proposta de
Lei-Quadro, Grupo de Trabalho para os Institutos Públicos, Ministério da Reforma
do Estado e da Administração Pública, Fevereiro de 2001, n.º 4, pág. 50, nota ao
artigo 45º):
«No entanto, mesmo quando admissível o regime do contrato de
trabalho, nem a Administração Pública pode considerar-se uma entidade patronal
privada nem os trabalhadores podem ser considerados como trabalhadores comuns.
No que respeita à Administração, existem princípios constitucionais
válidos para toda a actividade administrativa, mesmo a de “gestão privada”, ou
seja, submetida ao direito privado. Entre eles contam-se a necessária
prossecução do interesse público, bem como os princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé (art. 266º- 2 da
Constituição), todos eles com especial incidência na questão do recrutamento do
pessoal.
Além disso, estabelecendo a Constituição que “todos os cidadãos têm
o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em
regra por via de concurso” (CRP, art. 47º-2), seria naturalmente uma verdadeira
fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho
incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da
Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer
requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da
igualdade e da imparcialidade.»
Estas últimas considerações afiguram-se inteiramente procedentes,
principalmente quando, como é o caso, o regime laboral do contrato individual de
trabalho se reporta a um instituto público que mais não é que um serviço público
personalizado.
Com efeito, a exigência constitucional de “acesso à função pública,
em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso” apresenta
duas vertentes.
Por um lado, numa vertente subjectiva, traduz um direito de acesso à
função pública garantido a todos os cidadãos; por outro lado, numa vertente
objectiva, constitui uma garantia institucional destinada a assegurar a
imparcialidade dos agentes administrativos, ou seja, que “os trabalhadores da
Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas
estão exclusivamente ao serviço do interesse público” (n. 1 do artigo 269º da
CRP). Na verdade, procedimentos de selecção e recrutamento que garantam a
igualdade e a liberdade de acesso à função pública têm também a virtualidade de
impedir que essa selecção e recrutamento se façam segundo critérios que
facilitariam a ocupação da Administração Pública por cidadãos exclusiva ou quase
exclusivamente afectos a certo grupo ou tendência, com o risco de colocarem a
mesma Administração na sua dependência, pondo em causa a necessidade de actuação
“com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça,
da imparcialidade e da boa fé” (n. 2 do artigo 266º da CRP).
Esta perspectiva é mesmo particularmente importante para quem
defenda que se está perante um caso de recrutamento de pessoal para entidade que
exerce materialmente funções públicas.
Ora, consoante resulta dos respectivos Estatutos, o INAC é um
instituto com vocação reguladora e inspectiva (n. 1 do artigo 1º e artigo 2º),
ao qual é atribuído o exercício de poderes de autoridade do Estado,
designadamente, nos seguintes aspectos: quanto ao licenciamento, certificação,
autorização e homologação de certas actividades e procedimentos (artigo 7º);
quanto à emissão de regulamentos (artigo 8º); quanto à realização de inquéritos,
requisição de informações e efectivação de actividades de inspecção (artigos 9º
e 10º); quanto à aplicação de medidas administrativas e sancionatórias (artigo
11ª); quanto à liquidação e cobrança coerciva de taxas, através do processo de
execução fiscal (artigo 26º); quanto à expressa atribuição de poderes de
autoridade ao pessoal que desempenhe funções de fiscalização, que incluem,
nomeadamente, “a suspensão ou cessação de actividades e encerramento de
instalações” a título preventivo (artigo 25º, designadamente, a alínea c) do n.
1).
Nestas condições, e na esteira da doutrina estabelecida no Acórdão
n.º 140/02 (Diário da República, I Série-A, de 27 de Junho de 2002), também o
INAC se afigura ser um instituto público com clara prevalência do regime de
direito público, exercendo poderes de autoridade pública através dos seus órgãos
e agentes; os seus trabalhadores desempenham nestes termos, em suma, uma função
pública em sentido material.
Consequentemente, as atribuições e a natureza do INAC, bem como as
funções cometidas aos seus órgãos e agentes justificam inteiramente que ao
recrutamento e selecção do seu pessoal, ainda que sujeito ao contrato individual
de trabalho, se apliquem as garantias de liberdade e igualdade de acesso que se
encontram fixadas no n. 2 do artigo 47º da Constituição.
Ainda que se entenda que para o recrutamento de pessoal sujeito ao
regime do contrato individual de trabalho se não justifica a realização de um
concurso público, nem por isso se pode deixar de reconhecer que a selecção e o
recrutamento desse pessoal deverá sempre ter lugar através de procedimentos
administrativos que assegurem a referida liberdade e igualdade de acesso.
Aliás, essa era a proposta contida no já mencionado Projecto de
lei-quadro dos institutos públicos, em cujo artigo 45º se previa que, mesmo nos
casos em que se tenha optado pelo regime do contrato individual de trabalho e se
não observe o regime de concurso próprio da função pública, o recrutamento do
pessoal deveria ter lugar através de um procedimento administrativo conforme aos
seguintes princípios:
a) - publicitação da oferta de emprego pelos meios mais adequados;
b) - igualdade de condições e oportunidades dos candidatos;
c) - aplicação de métodos e critérios objectivos de avaliação e
selecção;
d) - fundamentação da decisão tomada.
E, no nosso ordenamento jurídico, existem já alguns exemplos
recentes de actos legislativos respeitantes a institutos públicos que contêm
normas relativas aos requisitos procedimentais acima referidos. É o caso do
Decreto-Lei 59/2002 de 15 de Março que criou o Instituto Geográfico Português
(vide o n. 6 do artigo 46º dos Estatutos por ele aprovados), e do Decreto-Lei
96/2003 de 7 de Maio, que criou o Instituto do Desporto de Portugal (vide o
artigo 33º dos Estatutos por ele aprovados), o que demonstra que não existe
qualquer incompatibilidade entre o regime do contrato individual de trabalho e a
definição de garantias de liberdade e igualdade no acesso ao exercício de
funções nos institutos públicos.
Em suma: as normas em causa, na medida em que prevêem uma plena liberdade de
selecção e recrutamento dos trabalhadores do instituto público em apreço, sem
estabelecerem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância
dos princípios da liberdade e da igualdade de acesso à função pública, colidem
com o preceituado no n. 2 do artigo 47º da Constituição.” (Acórdão n.º 406/03,
de 17 de Setembro de 2003, publicado in «Diário da República», Série I-A, n.º
247, 24 de Outubro de 2003, pp. 7094 e segs.)
Esta jurisprudência encontra pleno acolhimento no caso em apreço nos
presentes autos, na medida em que o ICERR exerce poderes típicos de autoridade
pública, para prossecução de fins de interesse geral, conforme já anteriormente
demonstrado por este Tribunal:
“Assim, e desde logo, importa lembrar que se está agora perante entes que vêm
suceder, por um lado, a um “instituto público” preexistente” (porventura um dos
mais antigos do direito público português, correspondendo à modalidade de
“serviço público personalizado”), a Junta autónoma das Estadas (cujo diploma
orgânico era, por último, o Decreto-Lei nº. 184/78, de 18 de Julho), e, por
outro lado, a uma “sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos”, a JAE
Construção, S.A. (criada pelo Decreto-Lei nº. 142/97, de 6 de Junho).
Ora, isto já denuncia que, por outra parte, a natureza do seu objecto e fim não
será, pois, coincidente (ou inteiramente coincidente) com o Instituto antes
considerado, nem coincidente entre os vários institutos agora em análise; e, de
facto, o que temos, agora, é, a par de uma entidade com funções essencialmente
de “planeamento” e “regulação” (o IEP), uma outra com uma função basicamente
“operativa” e de “exploração”, mas incluindo ainda competêmcias “reguladoras” (o
ICERR) e uma terceira concebida nitidamente co uma natureza empresarial (o ICOR)
(....). As duas primeiras sucederam à Junta Autónoma de Estradas, por
“desdobramento” das anteriores atribuições desta; a terceira, à JAE Construção,
S.A. (..).
Pois bem, desta diferente origem, natureza e vocação de cada um dos Institutos
decorrem consideráveis divergências no modo como o legislador os concebe e no
seu regime jurídico – divergências essas que se reconduzem, em síntese, à mais
acentuada emergência, e mesmo prevalência, dos elementos “publicisticos” nos
dois primeiros institutos referidos (o IEP e o ICERR), e dos elementos
“privatísticos” no último (o ICOR).
Com efeito:
i) Só o IEP e o ICERR são concebidos como uma “autoridade nacional de estradas”,
em representação do Estado: o primeiro, relativamente às infra-estruturas
rodoviárias concessionadas, e, o segundo, relativamente às infra-estruturas
rodoviárias nacionais não concessionadas (artigo 5º, nº 2 do Decreto-Lei):
ii) Só relativamente ao pessoal do ICERR se prevê a atribuição de “poderes de
autoridade”, no exercício de funções de “vigilância, manutenção ou fiscalização”
(nº. 4 do mesmo artigo).
iii) Só relativamente ao IEP e ao ICERR se prevêem, expressamente, entre as suas
receitas, as provenientes de “coimas e outras sanções” ou de “multas e/ou
coimas” (cfr. alínea g) e alínea h), respectivamente, do nº. 1 do artº. 16º de
cada um dos Estatutos), e, implicitamente (dir-se-á), o exercício de um
correspondente poder sancionatório “público” (a postular, possivelmente, uma
correspondente “redução” interpretativa da previsão genérica da alínea i), e
porventura também da alínea g) do nº. 3 do artigo 5º do Decreto-Lei).
iv) Também só relativamente aos mesmos institutos se prevêem, expressamente,
entre as suas receitas, “taxas”, “emolumentos” e outras cobradas por
“licenciamentos, aprovações e actos similares e por serviços prestados no âmbito
das suas atribuições” (cfr. a alínea c) do nº. 1 do artigo 16º de ambos os
Estatutos) – o que legitimará, também quanto a esta matéria, uma inferência e
uma observação paralelas às acabadas de fazer quanto às receitas sancionatórias
(a observação, com referência, agora, à primeira parte da alínea c) do nº. 3 do
artigo 5º do Decreto-Lei).
Acrescente-se que, para a cobrança coerciva de tais receitas, se estabelece a
utilização do processo de “execução fiscal” (cfr. nº. 2 do dito artigo 16º de
ambos os Estatutos) (.....).
v) Finalmente – e o ponto não pode, no presente contexto, deixar de ser
particularmente significativo – se a “gestão financeira e patrimonial (...)
incluindo a organização da sua contabilidade”, tanto do IEP como do ICERR, se
rege “exclusivamente pelo regime aplicável aos fundos e serviços autónomos do
Estado”, em tudo o que não esteja especialmente regulado (cfr. nº. 1 do artigo
15º de ambos os Estatutos) (.....).” (cfr. Acórdão n.º 140/02, de 09 de Abril de
2002, publicado in «Diário da República, Iª Série-A, n.º 146, de 27 de Junho de
2002, pp. 5044 e segs.)
Para além disso, acresce ainda que o contrato individual de trabalho previsto no
n.º 1 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR não é configurável como um contrato
exclusivamente regido por normas de Direito Privado, na medida em que competia
ao Conselho de Administração definir as condições de prestação e disciplina de
trabalho, mediante regulamento, de modo a assegurar a referida prossecução de
fins de interesse geral (cfr. n.º 2 do artigo 13º dos Estatutos do ICERR).
Em suma, resta concluir que uma interpretação normativa, extraída da conjugação
entre o artigo 44º, n.º 1 do Decreto‑Lei n.º 427/89 e o artigo 13º dos Estatutos
do ICERR, que determine o reconhecimento de um regime especial e diferenciado
para o pessoal do actual Instituto das Estradas de Portugal e que impeça a
aplicação de regras decorrentes do regime geral da relação jurídica de emprego
na administração pública, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 427/89, permitindo
assim, mediante a conversão de contratos a termo em contrato por tempo
indeterminado, uma liberdade de selecção e recrutamento de trabalhadores, sem
requisitos procedimentais necessários a assegurar o respeito pelos princípios da
liberdade e da igualdade de acesso à função pública constitucionalmente
consagrados no artigo 47º, nº 2, da CRP.
III. DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa, a norma extraída da conjugação dos artigos
44.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, e 13.º dos Estatutos
do Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária (ICERR,),
aprovados pelo Decreto‑Lei n.º 237/99, de 25 de Junho, interpretada no sentido
de permitir a aplicação de um regime especial e diferenciado para o pessoal do
actual Instituto das Estradas de Portugal, mediante a conversão de contratos a
termo em contratos por tempo indeterminado de pessoal sujeito ao regime jurídico
do contrato individual de trabalho, sem imposição de um procedimento de
recrutamento e de selecção que assegure o respeito pelos princípios da liberdade
e da igualdade de acesso à função pública.
b) Conceder parcialmente provimento ao recurso, determinando‑se a
remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça para reformulação da decisão
recorrida, em conformidade com a decisão ora proferida, conforme determina o n.º
2 do artigo 80º da LTC.
Custas devidas pelo recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC´s, nos
termos do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 30 de Abril de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Gil Galvão (Vencido, no essencial, pela razão de fundo constante da declaração
de voto aposta ao Acórdão N.º 406/2003).
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