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Processo n.º 1191/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é
recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, a Relatora proferiu a seguinte
decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente A. e como recorrido o
Ministério Público, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, o primeiro veio
interpor recurso de acórdão proferido por aquele tribunal em 31 de Outubro de
2007 (fls. 844 a 861), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC,
para que seja “discutida a constitucionalidade do artigo 51º, n.º 1, alínea a)
do Código Penal”, por alegada violação dos “artigos 13º, nº 2 e os princípios da
proporcionalidade, uma vez que está demonstrado nos autos que não tem capacidade
económica para liquidar o montante discriminado” (fls. 870).
Cumpre apreciar e decidir.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO
2. Por força do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, pode ser proferida decisão sumária
quando a questão a decidir se revestir de simplicidade. Ora, a questão da
inconstitucionalidade da norma extraída da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do
Código Penal [adiante abreviado por CP] já foi alvo de jurisprudência deste
Tribunal no sentido da sua não inconstitucionalidade, ainda que relativamente à
anterior alínea a) do n.º 1 do artigo 49º, na redacção originária do CP de 1982.
A referida alínea a) do n.º 1 do artigo 49º do CP de 1982, na sua versão
originária determinava que:
“1 - A suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de
certos deveres impostos ao réu destinados a reparar o mal do crime ou a
facilitar a sua readaptação social, nomeadamente a obrigação de:
a) Pagar dentro de certo prazo a indemnização devida ao lesado ou garantir o seu
pagamento, por meio de caução económica; (…)”
A propósito desta redacção da norma relativa à suspensão de execução de pena de
prisão, mediante pagamento de indemnização ao lesado, este Tribunal já pôde
concluir:
“Nunca, porém, se poderá falar numa prisão em resultado do não pagamento de uma
dívida: - a causa primeira da prisão é a prática de um «facto punível» (artigo
48º do Código). Como se escreveu no acórdão recorrido, «o que é vedado é a
privação da liberdade pela única razão do não cumprimento de uma obrigação
contratual, o que é coisa bem diferente”. (Acórdão n.º 440/87, de 04 de Novembro
de 1987, publicado in «Diário da República», Série II, n.º 39, de 17 de
Fevereiro de 1988, pp. 1497 e segs.].
A actual redacção da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CP, introduzida pela
revisão de 1995 (aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45/95, de 15 de Março de 1995),
passou a determinar que:
“1 - A suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de
certos deveres impostos ao condenado destinados a reparar o mal do crime,
nomeadamente:
a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar
possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio
de caução idónea; (…)” (com sublinhado nosso)
Daqui decorre que a actual redacção do preceito legal que corporiza a norma
objecto do presente recurso se afigura ainda mais garantística dos direitos dos
condenados, visto que apenas permite que o julgador faça depender a suspensão da
execução da pena de prisão quando seja legítimo considerar ser possível esse
mesmo pagamento. Por argumento de maioria de razão, se este Tribunal já
considerou que a redacção da anterior alínea a) do n.º 1 do artigo 49º do CP de
1982 não era inconstitucional, muito menos será inconstitucional a presente
redacção literal da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CP. A redacção literal
desta norma visa precisamente assegurar que a suspensão da execução de pena de
prisão só fica dependente do pagamento de indemnização pelo condenado quanto lhe
seja objectivamente possível proceder a tal pagamento. Desde que seja
objectivamente possível ao condenado proceder a tal pagamento – conforme resulta
demonstrado nos autos recorridos –, não se pode falar verdadeiramente de uma
situação de “prisão por dívidas”. Deste modo, é absolutamente evidente que não
se vislumbra qualquer restrição desproporcionada quer do direito à liberdade
pessoal do recorrente, quer do respectivo direito à propriedade privada (cfr.
artigos 18º, n.ºs 2, 28º e 62º, todos da CRP).
Conforme já resulta da anterior jurisprudência deste Tribunal, que ora se
reitera por integralmente aplicável aos presentes autos, a proibição da prisão
por dívidas – proibida pela nossa Fundamental, por força da recepção dos artigos
11º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do artigo 1º do
Protocolo n.º 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, “ex vi” n.º 1 do
artigo 16º da CRP – implica apenas a garantia de que ninguém será submetido a
pena de prisão pelo mero incumprimento das suas obrigações contratuais ou
extra-contratuais. Coisa diferente é determinar se a sujeição ao pagamento de
quantia pecuniária, sob condição de sujeição à privação da liberdade, em caso de
impossibilidade, atenta contra a Constituição da República. Nestas situações, já
não se cura de saber se há “prisão por dívidas”, mas antes de apreciar da
eventual desproporcionalidade da sujeição a pena privativa de liberdade de
alguém que não pode ser susceptível de um juízo de censura.
Porém, conforme já supra evidenciado, a referida alínea a) do n.º 1 do artigo
51º do CP, na sua redacção literal, é absolutamente categórica exigindo que só
quando “o tribunal considerar possível” é que a falta de pagamento da
indemnização impede a suspensão da execução da pena de prisão.
Frise-se bem que, no seu requerimento de interposição de recurso, o recorrente
apenas fixa como objecto do presente recurso a inconstitucionalidade da redacção
literal da norma constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 51º do CP, nunca
colocando qualquer questão relativa a uma específica interpretação normativa
daquele preceito legal.
Aliás, o que o recorrente aparenta discordar é da matéria dada como provada,
segundo a qual aquela dispõe de possibilidades para pagar a indemnização,
correspondente aos valores por si ilicitamente apropriados, ao lesado. Essa é,
porém, questão que este Tribunal não pode apreciar, por estar fora dos seus
poderes de cognição.
Em suma, reitera-se a fundamentação e o sentido da jurisprudência anterior deste
Tribunal – v.g., do Acórdão n.º 440/87, de 04 de Novembro de 1987 –, que é
integralmente aplicável aos presentes autos, por argumento de maioria de razão.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de
26 de Fevereiro, e pelos fundamentos expostos, decide-se não julgar
inconstitucional a norma constante da alínea a) do n.º 1 do artiggo 51º do
Código Penal, quer pelos fundamentos constantes do Acórdão n.º 440/87, de 04 de
Novembro de 1987, quer pelos fundamentos supra expostos, retirados, por maioria
de razão, daqueloutra jurisprudência.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de
justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98,
de 07 de Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, vem o recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, com os fundamentos seguintes:
«1 - O arguido, no âmbito destes autos, foi condenado numa pena de prisão
suspensa, subordinado à condição de pagar a indemnização que consta dos autos à
assistente, nos termos do artigo 51°, n°1, alínea a) do Código Penal, em sede de
1ªinstância;
2 - Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença, arguindo desde logo a
inconstitucionalidade do 51°, n°1, alínea a) do Código Penal, por contrariar o
espírito constitucional de proibição de prisão por dívidas”;
3 - O tribunal da Relação de Coimbra, considerou que a norma prevista no artigo
51°, n°1, alínea a) do Código Penal não era inconstitucional;
4 - O arguido discorda do teor da decisão sumária proferida nestes autos, uma
vez que entende, que a norma prevista no artigo 51°, n°1, alínea a) do Código
Penal, continua a prever uma forma de ‘prisão por dívidas”, uma vez que continua
a fazer depender a suspensão da execução do pagamento de uma quantia pecuniária;
5 - Acresce, que o procedimento criminal contra o arguido já se encontra
prescrito, pelo que requer que a mesma seja declarada (o arguido foi constituído
como tal em 1999; houve suspensão da prescrição entre 15.06.2000 e 15.06.2003,
tendo-se a mesma reiniciado imediatamente depois, decorrendo o prazo máximo
aplicável ao caso (5 anos, estando já incluído o período temporal decorrido
entre a constituição de arguido e dedução da acusação).
6 - Pelo que requer que seja declarada a prescrição do procedimento criminal,
devendo igualmente admitir-se o presente recurso.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
referida reclamação, veio responder-lhe nos termos seguintes:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada — e sendo evidente que não se situa no âmbito das competências deste
Tribunal Constitucional declarar a invocada “prescrição” do procedimento
criminal.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Com efeito, o reclamante não aduz um único argumento que abale o sentido da
decisão reclamada, limitando-se a reafirmar que a norma constante da alínea a)
do n.º 1 do artigo 51º do CP constitui uma expressão de “prisão por dívidas”.
Quanto a tal entendimento, mantém-se integralmente tudo quanto foi determinado
pela decisão sumária.
Quanto à invocação da prescrição do procedimento criminal, esta questão está
fora dos poderes de cognição deste Tribunal, pelo que a mesma deverá ser
colocada perante o tribunal competente.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 14 de Fevereiro de 2008
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão
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